A Casa Branca já tem seu novo inquilino. Sai de cena o presidente derrotado, Donald Trump, e assume o presidente eleito, Joe Biden, que vai comandar a maior potência do mundo.
O legado sombrio do trumpismo persistirá, por um algum tempo, como ameaça estrutural à ordem e à paz sociais nos EUA. O radicalismo, o extremismo e o fundamentalismo – compostos que irrigaram o trumpismo, seja na forma de se manifestar, seja no modus operandi político –, não desaparecerão de uma hora para outra.
Com tom de populismo personalista, Trump queria se transformar em entidade política maior do que o próprio Partido Republicano. O presidente derrotado duelava diuturnamente para promover profunda ruptura, a fim de converter a alma de seu partido em sua imagem e semelhança – e não em espaço político conservador plural e democrático.
Contudo, sem a presença de seu criador nos espaços de poder e sem palanques para hipnotizar as massas em realidades paralelas que nada têm a ver com a vida cotidiana, tende a minguar paulatinamente o trumpismo, que se alimenta da radicalização, das teorias conspiratórias e da mentira como instrumentos de fidelização.
Os próximos quatro anos prometem ser adversos para o futuro ex-presidente dos EUA. Bancarrota financeira e enxurrada de processos judiciais despontam entre as agruras que podem comprometer o futuro de Trump e de seu círculo mais próximo. A fracassada insurreição contra a ordem constitucional, por ele incitada, será marca indelével de seu legado – para não mencionar o rotundo fracasso no combate à maior crise de saúde desde o início do século passado.
Biden e sua equipe prometem intensos 100 primeiros dias na condução de políticas públicas mais incisivas no enfrentamento da covid-19, na recuperação econômica e no apaziguamento dos ânimos políticos no contexto interno. No fronte externo, esse período será orientado para a recomposição do deteriorado arco de alianças dos EUA com os europeus. A relação com a China tende a ser tracionada com uma dinâmica diferente da verificada ao longo dos quatro anos do ex-presidente.
O Brasil, que não soube manejar a própria diplomacia ao longo da eleição e durante o processo de transição nos EUA, receberá precisamente o tratamento que dispensou ao presidente Biden. A disposição de Washington para com Brasília será correspondente à demonstrada pelo presidente Bolsonaro e seu núcleo de “política exterior”. Não foram poucas as ocasiões para se efetuarem ajustes no discurso brasileiro. Todas desperdiçadas. Desse modo, a diplomacia bolsonarista retira o Brasil de um extremo (alinhamento automático de interesses) para colocá-lo em outro (desconfiança mútua e canais de diálogo enfraquecidos com Washington).* CIENTISTA POLÍTICO, PESQUISADOR DA UNIVERSIDADE HARVARD E PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS. FOI SECRETÁRIO ESPECIAL DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (2016-2018)