Análise: Plataformas digitais enfim reagem contra ódio e violência


Banimento de contas de Donald Trump e aliados não ocorreu por razões políticas ou por espalharem desinformação, mas por promoverem violência e discurso de ódio

Por Daniel Trielli

O presidente Donald Trump tuíta apoio a "patriotas" depois da invasão do Capitólio dos Estados Unidos que deixou cinco mortos e vários feridos. Apoiadores de Trump no Reddit fazem o mesmo, glorificando a violência da invasão.Usuários do aplicativo Parler publicam ameaças de morte contra políticos e lamentam que o ataque não deixou mortos entre os deputados democratas. Foram essas ações que fizeram o Facebook e Twitter banir as contas de Trump, que fez o Reddit fechar a comunidade de apoio ao presidente, e que fez a Amazon, Apple, e Google vetarem o Parler de seus servidores e lojas de aplicativos.

Como reação a essas ações de moderação, políticos e comentaristasalinhados ao presidente americano e seus apoiadores mais estridentes apontam para uma "cultura do cancelamento", censura ou "monopólio das empresas de tecnologia" contra vozes conservadoras. Mas essas contas não foram banidas por promover uma posição laissez-faire em relação à economia, ou imposto único, ou nem mesmo por outras posições conservadoras relacionadas à guerra cultural polarizadora que vivemos hoje em dia, como a valorização da cultura ocidental ou do Cristianismo. Não foram nem mesmo banidas por espalhar desinformação e fake news. Essas contas foram banidas por promover violência e discurso de ódio.

Apoiadores de Trump derrubam barreira e enfrentam polícia próximo do Capitólio, em Washington Foto: Julio Cortez/AP
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As plataformas digitais têm regras explícitas contra atividades que determinam ser contrárias à tentativa de criar um ambiente saudável na internet, e por mais que possamos discutir incessantemente sobre o que significa um ambiente saudável, nenhuma dessas regras é escrita para ter como alvo um lado específico do espectro direita-esquerda. Para ser justo, essas regras não são sem controvérsia. Há dezenas de livros e artigos acadêmicos sobre como Google, Facebook e Twitter criam e reformulam suas regras de moderação e como agem (ou falham em agir) com base nessas regras.

A realidade é que, ao contrário do que hoje gritam algumas vozes desse lado da guerra cultural, as plataformas digitais têm dado mais liberdade ao presidente americano e seus apoiadores do que dão a outros usuários. Há anos especialistas e cientistas sociais vêm medindo e quantificando o discurso de ódio nas redes sociais, e têm associado esse tipo de atuação à influência do presidente. E que, quando controlado pela proporção de comportamentos que quebram as regras, não há distinção ideológica na moderação de conteúdo.

O extraordinário não é que as plataformas tenham agido contra o discurso de ódio e incitação à violência; o extraordinário é que o presidente dos Estados Unidos enfim está sendo enquadrado pelas regras das plataformas.

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Uma camada adicional de complexidade é que, no Brasil, tendemos a herdar muitas das discussões americanas sobre liberdade de expressão na internet, já que as empresas de tecnologia que usamos estão baseadas nos Estados Unidos, onde o discurso de ódio não é crime. Mas mesmo a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que garante uma estrutura bastante liberal de liberdade de expressão, não regula empresas privadas, mas deixa claro que seu intuito é barrar a censura governamental. Além disso, a Primeira Emenda não garante regalias a discurso nenhum. Não cede ao cidadão a proteção contra qualquer crítica sobre seu discurso ou qualquer repercussão social negativa. E certamente não dá o direito ao acesso a um palanque algorítmico para alcançar milhões de pessoas.

E no entanto, é nesse palanque algorítmico que vozes distintas - conservadoras, progressistas, de direita, de esquerda, moderadas - têm encontrado suas audiências nos últimos anos. Quantas milhões de pessoas não assistem a canais de YouTube focados em teorias de conspiração? Quantos seguidores comentaristas de esquerda e direita não têm no Twitter e Facebook? Quantas correntes não recebemos no WhatsApp com análises estranhas sobre as notícias do dia?

Agora, com algumas dessas vozes mais extremistas beirando a violência, ódio, e ameaça à segurança e saúde pública, é natural que as organizações privadas nas quais estão estruturadas nossas vidas digitais atuem para se auto-preservar e tentar proteger a construção da comunidade que dá relevância (e sim, lucro) para elas nesse faroeste que é a internet. A governança dessa maçaroca de novas vozes e audiências não é simples. Há tensões inerentes sobre liberdade e moderação; sobre vieses e equidades. Mas temos de concordar que ninguém tem direito inerente a desejar violência e ódio e exigir que plataformas digitais deem palco para isso.

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*Daniel Trielli é jornalista e pesquisador no Computational Journalism Lab, na Universidade Northwestern.

O presidente Donald Trump tuíta apoio a "patriotas" depois da invasão do Capitólio dos Estados Unidos que deixou cinco mortos e vários feridos. Apoiadores de Trump no Reddit fazem o mesmo, glorificando a violência da invasão.Usuários do aplicativo Parler publicam ameaças de morte contra políticos e lamentam que o ataque não deixou mortos entre os deputados democratas. Foram essas ações que fizeram o Facebook e Twitter banir as contas de Trump, que fez o Reddit fechar a comunidade de apoio ao presidente, e que fez a Amazon, Apple, e Google vetarem o Parler de seus servidores e lojas de aplicativos.

Como reação a essas ações de moderação, políticos e comentaristasalinhados ao presidente americano e seus apoiadores mais estridentes apontam para uma "cultura do cancelamento", censura ou "monopólio das empresas de tecnologia" contra vozes conservadoras. Mas essas contas não foram banidas por promover uma posição laissez-faire em relação à economia, ou imposto único, ou nem mesmo por outras posições conservadoras relacionadas à guerra cultural polarizadora que vivemos hoje em dia, como a valorização da cultura ocidental ou do Cristianismo. Não foram nem mesmo banidas por espalhar desinformação e fake news. Essas contas foram banidas por promover violência e discurso de ódio.

Apoiadores de Trump derrubam barreira e enfrentam polícia próximo do Capitólio, em Washington Foto: Julio Cortez/AP

As plataformas digitais têm regras explícitas contra atividades que determinam ser contrárias à tentativa de criar um ambiente saudável na internet, e por mais que possamos discutir incessantemente sobre o que significa um ambiente saudável, nenhuma dessas regras é escrita para ter como alvo um lado específico do espectro direita-esquerda. Para ser justo, essas regras não são sem controvérsia. Há dezenas de livros e artigos acadêmicos sobre como Google, Facebook e Twitter criam e reformulam suas regras de moderação e como agem (ou falham em agir) com base nessas regras.

A realidade é que, ao contrário do que hoje gritam algumas vozes desse lado da guerra cultural, as plataformas digitais têm dado mais liberdade ao presidente americano e seus apoiadores do que dão a outros usuários. Há anos especialistas e cientistas sociais vêm medindo e quantificando o discurso de ódio nas redes sociais, e têm associado esse tipo de atuação à influência do presidente. E que, quando controlado pela proporção de comportamentos que quebram as regras, não há distinção ideológica na moderação de conteúdo.

O extraordinário não é que as plataformas tenham agido contra o discurso de ódio e incitação à violência; o extraordinário é que o presidente dos Estados Unidos enfim está sendo enquadrado pelas regras das plataformas.

Uma camada adicional de complexidade é que, no Brasil, tendemos a herdar muitas das discussões americanas sobre liberdade de expressão na internet, já que as empresas de tecnologia que usamos estão baseadas nos Estados Unidos, onde o discurso de ódio não é crime. Mas mesmo a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que garante uma estrutura bastante liberal de liberdade de expressão, não regula empresas privadas, mas deixa claro que seu intuito é barrar a censura governamental. Além disso, a Primeira Emenda não garante regalias a discurso nenhum. Não cede ao cidadão a proteção contra qualquer crítica sobre seu discurso ou qualquer repercussão social negativa. E certamente não dá o direito ao acesso a um palanque algorítmico para alcançar milhões de pessoas.

E no entanto, é nesse palanque algorítmico que vozes distintas - conservadoras, progressistas, de direita, de esquerda, moderadas - têm encontrado suas audiências nos últimos anos. Quantas milhões de pessoas não assistem a canais de YouTube focados em teorias de conspiração? Quantos seguidores comentaristas de esquerda e direita não têm no Twitter e Facebook? Quantas correntes não recebemos no WhatsApp com análises estranhas sobre as notícias do dia?

Agora, com algumas dessas vozes mais extremistas beirando a violência, ódio, e ameaça à segurança e saúde pública, é natural que as organizações privadas nas quais estão estruturadas nossas vidas digitais atuem para se auto-preservar e tentar proteger a construção da comunidade que dá relevância (e sim, lucro) para elas nesse faroeste que é a internet. A governança dessa maçaroca de novas vozes e audiências não é simples. Há tensões inerentes sobre liberdade e moderação; sobre vieses e equidades. Mas temos de concordar que ninguém tem direito inerente a desejar violência e ódio e exigir que plataformas digitais deem palco para isso.

*Daniel Trielli é jornalista e pesquisador no Computational Journalism Lab, na Universidade Northwestern.

O presidente Donald Trump tuíta apoio a "patriotas" depois da invasão do Capitólio dos Estados Unidos que deixou cinco mortos e vários feridos. Apoiadores de Trump no Reddit fazem o mesmo, glorificando a violência da invasão.Usuários do aplicativo Parler publicam ameaças de morte contra políticos e lamentam que o ataque não deixou mortos entre os deputados democratas. Foram essas ações que fizeram o Facebook e Twitter banir as contas de Trump, que fez o Reddit fechar a comunidade de apoio ao presidente, e que fez a Amazon, Apple, e Google vetarem o Parler de seus servidores e lojas de aplicativos.

Como reação a essas ações de moderação, políticos e comentaristasalinhados ao presidente americano e seus apoiadores mais estridentes apontam para uma "cultura do cancelamento", censura ou "monopólio das empresas de tecnologia" contra vozes conservadoras. Mas essas contas não foram banidas por promover uma posição laissez-faire em relação à economia, ou imposto único, ou nem mesmo por outras posições conservadoras relacionadas à guerra cultural polarizadora que vivemos hoje em dia, como a valorização da cultura ocidental ou do Cristianismo. Não foram nem mesmo banidas por espalhar desinformação e fake news. Essas contas foram banidas por promover violência e discurso de ódio.

Apoiadores de Trump derrubam barreira e enfrentam polícia próximo do Capitólio, em Washington Foto: Julio Cortez/AP

As plataformas digitais têm regras explícitas contra atividades que determinam ser contrárias à tentativa de criar um ambiente saudável na internet, e por mais que possamos discutir incessantemente sobre o que significa um ambiente saudável, nenhuma dessas regras é escrita para ter como alvo um lado específico do espectro direita-esquerda. Para ser justo, essas regras não são sem controvérsia. Há dezenas de livros e artigos acadêmicos sobre como Google, Facebook e Twitter criam e reformulam suas regras de moderação e como agem (ou falham em agir) com base nessas regras.

A realidade é que, ao contrário do que hoje gritam algumas vozes desse lado da guerra cultural, as plataformas digitais têm dado mais liberdade ao presidente americano e seus apoiadores do que dão a outros usuários. Há anos especialistas e cientistas sociais vêm medindo e quantificando o discurso de ódio nas redes sociais, e têm associado esse tipo de atuação à influência do presidente. E que, quando controlado pela proporção de comportamentos que quebram as regras, não há distinção ideológica na moderação de conteúdo.

O extraordinário não é que as plataformas tenham agido contra o discurso de ódio e incitação à violência; o extraordinário é que o presidente dos Estados Unidos enfim está sendo enquadrado pelas regras das plataformas.

Uma camada adicional de complexidade é que, no Brasil, tendemos a herdar muitas das discussões americanas sobre liberdade de expressão na internet, já que as empresas de tecnologia que usamos estão baseadas nos Estados Unidos, onde o discurso de ódio não é crime. Mas mesmo a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que garante uma estrutura bastante liberal de liberdade de expressão, não regula empresas privadas, mas deixa claro que seu intuito é barrar a censura governamental. Além disso, a Primeira Emenda não garante regalias a discurso nenhum. Não cede ao cidadão a proteção contra qualquer crítica sobre seu discurso ou qualquer repercussão social negativa. E certamente não dá o direito ao acesso a um palanque algorítmico para alcançar milhões de pessoas.

E no entanto, é nesse palanque algorítmico que vozes distintas - conservadoras, progressistas, de direita, de esquerda, moderadas - têm encontrado suas audiências nos últimos anos. Quantas milhões de pessoas não assistem a canais de YouTube focados em teorias de conspiração? Quantos seguidores comentaristas de esquerda e direita não têm no Twitter e Facebook? Quantas correntes não recebemos no WhatsApp com análises estranhas sobre as notícias do dia?

Agora, com algumas dessas vozes mais extremistas beirando a violência, ódio, e ameaça à segurança e saúde pública, é natural que as organizações privadas nas quais estão estruturadas nossas vidas digitais atuem para se auto-preservar e tentar proteger a construção da comunidade que dá relevância (e sim, lucro) para elas nesse faroeste que é a internet. A governança dessa maçaroca de novas vozes e audiências não é simples. Há tensões inerentes sobre liberdade e moderação; sobre vieses e equidades. Mas temos de concordar que ninguém tem direito inerente a desejar violência e ódio e exigir que plataformas digitais deem palco para isso.

*Daniel Trielli é jornalista e pesquisador no Computational Journalism Lab, na Universidade Northwestern.

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