O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, enviou ao Congresso uma reforma constitucional que provavelmente tornará o seu país o mais repressivo das Américas, ainda pior do que Venezuela e Cuba. Isso transformará oficialmente a Nicarágua em uma Coreia do Norte tropical.
As mudanças constitucionais de Ortega, entre outras coisas, darão ao governo uma cobertura legal para prender opositores sob a acusação de “traição” e retirar-lhes a nacionalidade. Também farão de Ortega e da sua esposa, a atual vice-presidente Rosario Murillo, “co-presidentes”, com poderes para “coordenar” todos os outros ramos do governo.
A reforma foi enviada por Ortega à Assembleia Nacional controlada pelo governo em 20 de novembro e aprovada no dia 22. O partido sandinista no poder e os seus aliados detêm 84 dos 90 assentos na Assembleia Nacional. A medida será ratificada em uma segunda legislatura em janeiro.
“A Nicarágua já é a sociedade mais fechada do hemisfério, pior do que Cuba ou Venezuela”, disse-me Juan Pappier, diretor latino-americano do grupo de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch. “Está se tornando a versão latino-americana da Coreia do Norte.”
Embora em Cuba e na Venezuela ainda haja um pequeno número de jornalistas independentes e ativistas de defesa dos direitos humanos tentando fazer o seu trabalho apesar da repressão governamental, isso se tornou quase impossível na Nicarágua, disse-me Pappier.
Desde as grandes manifestações de rua de 2018, nas quais os esquadrões paramilitares de Ortega mataram cerca de 350 manifestantes, na sua maioria pacíficos, o regime de Ortega-Murillo fechou cerca de 5.000 organizações não governamentais. O governo também retirou a cidadania de cerca de 450 opositores, jornalistas e ativistas dos direitos humanos.
Muitos deles foram considerados “traidores”, colocados em aviões e enviados para os Estados Unidos. Ortega não se incomoda muito com as críticas internacionais. Quando o entrevistei longamente na sua casa em Manágua, em 2018, não hesitou quando perguntei a ele a respeito das acusações feitas por grupos de direitos humanos.
Ele me disse que isso fazia parte de uma suposta campanha difamatória contra a Nicarágua por parte dos Estados Unidos. Quando perguntei se ele não se importava de ser chamado de “ditador”, ele encolheu os ombros e respondeu com um sorriso: “A verdade é que estou habituado a que me chamem de qualquer coisa”.
Segundo o artigo 1º da reforma constitucional de Ortega, “todos aqueles que atacarem” os “direitos sagrados do povo nicaraguense serão considerados traidores do país”. De acordo com o artigo 17, “os traidores da pátria perdem a nacionalidade nicaraguense”.
Saiba mais
Entre outros destaques das 66 páginas do plano de reforma constitucional de Ortega, que leva a sua assinatura:
- Define a Nicarágua como um país “revolucionário” e diz que o Estado se baseia em um conjunto de princípios, incluindo “ideais socialistas”.
- Cria uma “polícia voluntária”, que grupos de direitos humanos dizem que será efetivamente uma força paramilitar como a que agiu contra os protestos de rua em 2018.
- Afirma que a nova “copresidência” Ortega-Murillo “coordenará” os órgãos legislativo, judicial e eleitoral, bem como as organizações autônomas.
- Afirma que as pessoas terão o direito de se expressar livremente em público e privado, “desde que” não se oponham “aos princípios consagrados” na Constituição. Em outras palavras, criticar os “ideais socialistas” poderia tornar ilegais os partidos políticos ou os meios de comunicação independentes.
Há várias teorias quanto ao motivo pelo qual Ortega, 79 anos, decidiu realizar esta reforma constitucional, considerando que já controla todos os poderes do Estado, e já vinha realizando várias das ações repressivas que ficariam consagradas no novo texto constitucional. Uma teoria possível é que ele queira dar cobertura legal à brutalidade do seu regime.
Outra possibilidade é que, por insistência de sua esposa e vice-presidente, ele queira preparar o terreno jurídico para que Murillo assuma o comando sem problemas caso Ortega morra em um futuro próximo.
Seja o que for, a Nicarágua está a caminho de se tornar, constitucionalmente, um campeão da repressão política na América Latina. Infelizmente, poucos estão prestando atenção a esse fenômeno. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL