THE NEW YORK TIMES — Depois da Casa Branca anunciar, nesta semana, que o presidente americano, Joe Biden, visitaria a Polônia, o Kremlin soltou uma tirada beligerante: os líderes poloneses não passam de “vassalos” dos Estados Unidos, aferrados a uma “russofobia patológica”, e seu país é uma “comunidade de imbecis políticos”.
Em vez de inquietações receosas, porém, o ataque verbal de Dimitri Medvedev, subchefe do conselho de segurança do Kremlin, resultou numa injeção de orgulho em Varsóvia.
“Isso é mais uma prova de que os russos ameaçam a Polônia seriamente e percebem sua crescente importância no Ocidente”, afirmou Stanislaw Zaryn, diretor do Departamento de Segurança Nacional polonês e porta-voz do ministro articulador da segurança no país.
A fúria russa e a decisão de Biden de fazer da Polônia sua única parada na Europa na sexta-feira e no sábado, depois de reuniões de cúpula na Bélgica, refletem uma nova realidade criada pela guerra na Ucrânia: a Polônia virou repentinamente o pivô em torno do qual giram muitas das expectativas do Ocidente e para o qual a fúria russa se volta.
Na linha de frente
Deixando para trás, ou pelo menos turvando, sua reputação de causador de problemas inveterado da Europa, o governo populista de direita da Polônia assumiu agora o centro do palco, acolhido tanto por Bruxelas quanto pelos EUA como um ponto de apoio decisivo da solidariedade e da segurança do Ocidente. Varsóvia não dá nenhum sinal de que recuará de suas tantas brigas com a União Europeia, mas a Polônia, que também se desentendeu com Washington, se reposicionou como um aliado confiável e indispensável.
“A Polônia é o centro gravitacional. Basta olhar no mapa”, afirmou Jacek Bartosiak, fundador do grupo de pesquisa Estratégia e Futuro, de Varsóvia. “Sem a Polônia, o flanco oriental da Otan não existe.”
Reforço ao flanco do Leste
Para fortalecer esse flanco, o Pentágono enviou mais de 5 mil soldados adicionais para a Polônia e baterias de mísseis Patriot terra-ar, mais do que dobrando o número de militares americanos no país.
Na quarta-feira, a Polônia declarou que identificou como espiões 45 diplomatas russos, e todos receberam ordens para deixar o país.
O vice-ministro de Relações Exteriores polonês, Pawel Jablonski, afirmou que a Polônia não pode tolerar que a Rússia se aproveite de sua embaixada em Varsóvia enquanto Moscou “está travando uma guerra bárbara contra a Ucrânia”. Espiões disfarçados de diplomatas, acrescentou ele, “representam ameaça não apenas à segurança da Polônia, mas também à segurança dos cidadãos ucranianos abrigados na Polônia. É isso que justifica esta decisão”.
Repreendida anteriormente por Bruxelas por sua hostilidade em relação a imigrantes, a Polônia recebeu em um mês de guerra mais de 2 milhões de refugiados em fuga do conflito na vizinha Ucrânia, muito mais do que qualquer outro país. A Polônia também virou um ponto de passagem vital para o fornecimento de armas, munições, combustível e outros tipos de assistência para a Ucrânia e se colocou no centro das deliberações que forjam a resposta do Ocidente à crise.
Varsóvia tornou-se a capital na qual convergem todas as vias diplomáticas, militares e humanitárias a caminho da Ucrânia.
E o governo polonês, que anteriormente enfureceu Washington por aprovar uma legislação — depois vetada pelo presidente — que ameaçava uma emissora de TV americana, está colhendo os frutos de uma grata atenção. Nas semanas recentes, Varsóvia recebeu visitas e elogios da vice-presidente Kamala Harris; do diretor da CIA, William Burns; do secretário de Defesa, Lloyd Austin; do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel; e de uma série de outras autoridades americanas e europeias.
Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional de Biden, descreveu a Polônia na terça-feira como uma “linha de frente e um aliado muito vulnerável”, que “arcou com o impacto humanitário mais pesado fora da Ucrânia”.
O súbito destaque da Polônia enquanto Estado-membro da Otan mais exposto à linha de frente trouxe a apreensão de que o país poderia ser envolvido pelo conflito na Ucrânia, particularmente depois que mísseis russos aniquilaram na semana passada uma base militar ucraniana próxima da fronteira polonesa. Entre os que mais se preocupam estão alguns dos ucranianos que fugiram dos combates.
‘Perto demais’
“A Polônia é perto demais. Quero sair daqui”, afirmou Yevgeni Piskuko, professor de música que fugiu para a Polônia depois que as forças russas atacaram uma grande usina nuclear próxima de sua casa, no sudeste ucraniano. “Quero ir para o outro lado do oceano. Aqui não é seguro.”
Apesar dos possíveis riscos, a Polônia está na vanguarda da unificação da Europa em torno de medidas duras para punir o presidente russo, Vladimir Putin, por sua agressão.
Quando a Alemanha, estarrecida com a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, avaliava se preservaria ou não seus duradouros pilares de segurança e política externa em relação à Rússia, o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki — que poucas semanas antes havia comparecido a um conclave de populistas favoráveis a Putin em Madri — voou para Berlim para “apelar à consciência da Alemanha” e reforçar a determinação alemã contra Moscou.
Pouco após a viagem de Morawiecki para Berlim, o governo alemão abandonou sua relutância inicial em enviar armas para a Ucrânia e extirpar bancos russos cruciais da rede de transferência monetária conhecida como Swift.
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O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que Washington chegou à conclusão de que o exército russo cometeu ‘crimes de guerra na Ucrânia’.
A política externa polonesa, que antes da guerra na Ucrânia se ocupava com esforços de formar um bloco entre conservadores de orientação ideológica comum e populistas europeus com frequência apoiadores do Kremlin que compartilhavam hostilidades em relação a Bruxelas, agora trabalha para cimentar um novo bloco de países europeus que pressionam por sanções mais duras contra a Rússia, incluindo os Estados bálticos e a República Checa.
Em uma reunião entre ministros de Relações Exteriores europeus nesta semana em Bruxelas, a Polônia se juntou à Lituânia e a outros países do extremo oriental da Europa com longas e dolorosas experiências de agressões russas para fazer lobby por um banimento das importações de petróleo da Rússia.
O esforço fracassou diante de forte oposição da Alemanha, dos Países Baixos e de outras nações, mas colocou Varsóvia no centro de um emergente bloco de Estados determinados a punir Putin por sua invasão à Ucrânia. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL