O médico norte-americano Anthony Fauci, especialista em doenças infecciosas que alcançou uma fama sem precedentes na luta contra a pandemia de coronavírus, anunciou nesta segunda-feira, 22, que planeja deixar o cargo no governo americano em dezembro deste ano, após mais de 35 anos de serviço público. Aos 81 anos, ele lidera o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas desde 1984 e foi conselheiro de saúde em sete governos, incluindo o atual, de Joe Biden, no qual é o principal assessor.
Como diretor do instituto, Fauci esteve na linha de frente de combate a todas as doenças recentes, incluindo Aids, os ataques com carbúnculo de 2001, Ebola, Zika e, por último, a pandemia de coronavírus. Esse período também foi marcado por um crescimento do instituto, que passou de um órgão pouco conhecido com um orçamento anual de US$ 350 milhões para uma referência mundial, com um orçamento superior a US$ 6 bilhões.
Fauci começou a carreira no serviço público em Instituto Nacional de Saúde, uma ‘agência-mãe’, aos 27 anos, logo após terminar a residência médica. Rapidamente, foi identificado como uma estrela ascensão.
“Devido às muitas contribuições do Fauci para a saúde pública, vidas aqui nos Estados Unidos e em todo o mundo foram salvas”, disse Joe Biden, que, como vice-presidente de Barack Obama, trabalhou com Fauci na resposta ao Ebola e ao Zika. “Se você o conheceu pessoalmente ou não, ele tocou a vida de todos os americanos com seu trabalho.”
Apesar da influência no meio científico, no qual é um dos pesquisadores mais citados da história, Fauci foi catapultado à fama mundial durante a pandemia de coronavírus – o que desencadeou críticas de políticos republicanos e ameaças do público.
Durante a crise da AIDS, Fauci já havia exercido o papel de liderança, num momento em que os ativistas clamavam por uma resposta mais rápida do governo enquanto viam amigos morrerem. Mas a covid-19 chegou em uma época diferente, com as mídias sociais servindo de espaço para críticas negacionistas e teorias conspiratórias que atingiam o diretor e outros que participaram da resposta americana.
Apesar da experiência, Fauci cometeu erros nesta resposta – reconhecidas depois. Nas primeiras semanas, ele e outros cientistas do governo afirmaram que os americanos não precisavam usar máscaras e também não reconheceu que as pessoas assintomáticas eram as principais propagadoras do vírus. Os equívocos foram aproveitados por Donald Trump na reta final do seu governo como motivos de críticas contra Fauci.
O cientista admitiu que ele e outros especialistas do governo estavam errados sobre máscaras no início. Disse que estavam preocupados em ter máscaras suficientes para trabalhadores da saúde e que não viam evidências de que elas eram eficazes na prevenção de infecções fora dos hospitais – o que mais tarde ficou claro, particularmente quando os cientistas perceberam que o vírus estava no ar.
Esses fatores “levaram o cirurgião-geral dos Estados Unidos, o CDC e eu a dizer: ‘você realmente não precisa usar uma máscara’. De repente, tornou-se ‘Tony Fauci é o cara da máscara’”, disse Fauci, referindo-se aos ataques da extrema direita, que o escolheu como principal alvo de escrutínio. “Quando a extrema direita diz que você errou, não é que todos tenham errado – é que Anthony Fauci errou.”
Segundo o médico, os últimos 2 anos e 6 meses tiveram alguns momentos mais gratificantes e desafiadores da carreira. As discordâncias públicas com Trump sobre os tratamentos não comprovados para a covid-19, a ameaça representada pela pandemia e a defesa de medidas mitigadoras fizeram de Fauci um vilão para a direita política.
“Foi um dos desafios mais importantes que tivemos que enfrentar, e acredito que minha equipe e eu - e vamos deixar a História decidir isso - fizemos uma grande contribuição”, disse Fauci. “Não fizemos isso sozinhos, mas desempenhamos um papel importante no desenvolvimento das vacinas que agora salvaram milhões de vidas.”
Para ele, no entanto, a pandemia, que tirou mais de 1 milhão de vidas nos Estados Unidos, mostrou-se “extremamente estressante” devido à combinação de lidar com um novo vírus – que se mostrou muito infeccioso e com capacidade de mutação rápida – e o ambiente politicamente carregado no qual o governo teve que executar a resposta.
Isso, juntamente com sua fama e a atenção dada às suas declarações públicas para comunicar mudanças na orientação científica ao público, tornou a tarefa imensamente mais difícil, disse ele ao The Washington Post.
Na entrevista ao jornal americano, Fauci disse que queria deixar o posto de governo enquanto ainda estava saudável, enérgico e apaixonado pelo campo de atuação e entusiasmado com a próxima etapa de sua carreira. O médico enfatiza que não está se aposentando e que espera dar aulas, palestras e começar a escrever, utilizando a experiência para inspirar e ensinar uma geração de jovens cientistas.
Fauci considerou se aposentar no final do mandato de Trump, mas quando Biden ligou durante a campanha presidencial e perguntou se ele seria assessor em um novo mandato, ele reconsiderou. Pensou que ficaria pelo menos um ano para ajudar o presidente na pandemia à medida que as vacinas estavam se tornando disponíveis. No final, o vírus se mostrou muito mais assustador para controlar do que o previsto, e Fauci vai completar quase dois anos com Biden.
Ainda assim, disse o cientista, os Estados Unidos se aproxima de um momento de equilíbrio com o coronavírus, graças ao arsenal de vacinas e tratamentos.
Espera-se que um sucessor interino seja nomeado antes da saída de Fauci, e o instituto conduzirá uma busca nacional pelo substituto de Fauci. /WASHINGTON POST