Ao pedir impeachment de juízes, Fernández tenta ganhar espaço e agradar a Cristina, diz analista


Com baixa popularidade e apagado frente à sua vice Cristina Kirchner e seu ‘superministro’ Sergio Massa, o presidente argentino tentar obter protagonismo em ano eleitoral

Por Carolina Marins
Atualização:
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comMaría Lourdes PuenteDiretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez um pedido histórico ao Congresso de abrir um processo de impeachment contra todos os juízes da Surpema Corte, mesmo sem ter a base necessária para consegui-lo. O pedido ocorre no início do ano eleitoral argentino e visa, acima de tudo, trazer algum protagonismo ao presidente que se vê apagado para a disputa de outubro, avalia María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina.

Nesta quinta, 5, Fernández defendeu sua ação dizendo que “na Argentina, os juízes são os únicos privilegiados”. Com uma reprovação em torno de 70%, segundo pesquisas conduzidas nos últimos meses de 2022, Alberto Fernández chega à corrida presidencial - ainda indefinida - em desvantagem, e mesmo sua intenção de concorrer à reeleição era uma dúvida até novembro.

Além disso, o presidente se vê apagado em meio à força de sua vice-presidente Cristina Kirchner - que disse não concorrer a cargos políticos depois de ser condenada por corrupção - e de seu “superministro” da Economia, Sergio Massa. Apelar para uma disputa, ainda que já perdida, contra o Poder Judiciário que é igualmente impopular entre os argentinos lhe pareceu uma alternativa para ganhar os holofotes neste momento em que os partidos começam a planejar os nomes para a corrida eleitoral. Seu pedido também aparece como um aceno à Cristina Kirchner, com quem a relação desgastou, mas ainda pode fazer aumentar sua popularidade, aponta Lourdes Puente. Confira trechos da entrevista:

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O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala ao lado da vice-presidente, Cristina Kirchner, e do ministro da Economia, Sergio Massa, em foto de março de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Por que Alberto Fernández decidiu enviar este pedido de impeachment neste momento, especialmente considerando que ele não tem a maioria de 2/3 na Câmara e no Senado para aprovar a medida?

Em primeiro lugar, ele está super fragilizado como presidente e essa ação dá a ele centralidade de novo. O grande problema da Argentina é econômico, porém quem assumiu o rumo da economia atual é seu ministro Sergio Massa, e com isso ele perdeu muita centralidade. Obviamente ele não tem poder suficiente para fazer nenhum tipo de movimento, então o outro lado que vejo é a possível sustentabilidade política dele que é dada por aqueles governadores [que assinaram o pedido enviado ao Congresso] e pelo vínculo dele com a Cristina.

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Então, respondendo: a quem interessa gerar este ruído que o tema vai gerar? A Cristina Fernández de Kirchner e o setor que ela representa. Independentemente de conseguir ou não o impeachment, se ele conseguir ao menos gerar muitas discussões, forçar a convocação de testemunhas, colher provas, fazer denúncias, ele pode garantir o questionamento da Justiça durante o tempo que a Cristina necessita por causa de sua situação judicial.

Como esse pedido afeta a disputa eleitoral que está se desenhando para o fim do ano?

Esse movimento é visando principalmente o círculo vermelho [peronista], ou seja, para pessoas que estão informadas e que jogam politicamente porque a grande preocupação da população em geral hoje é com a economia, e nesse sentido quem tem o protagonismo é Sergio Massa. Porém, em todo esse tempo de agora até a eleição vai ter uma comissão investigando a Justiça, jogando dúvidas sobre a Justiça, e isso favorece esse setor político que quer acusar a Justiça de agir imparcialmente, não só contra Cristina, mas ela principalmente, que é vista como uma líder popular.

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María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina Foto: Arquivo pessoal

E quais podem ser as implicações contra a oposição? porque o pedido gira em torno de uma decisão da Corte favorável a Horacio Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires que pretende concorrer às eleições...

Horacio Larreta está jogando por enquanto com seu próprio partido e sua própria candidatura, que também não está definida dentro de sua coalizão. Ele tem suas próprias complicações. E a medida em que se vê mais complicado para as eleições, situações assim o afetarão. Mas nesse caso, não está atingindo ele diretamente, porque a acusação não tem a ver apenas com a questão da partilha de dinheiro do Orçamento, mas Alberto Fernández está falando de vários atos de corrupção dos juízes. E inclusive faz alusão a algo que fez recentemente em rede nacional onde revelou reuniões e ligações suspeitas entre a Prefeitura e a Justiça. No entanto, a forma como o faz é ilegal porque vazaram conversas que foram grampeadas, o que também adiciona a tudo isso um sentimento de ilegalidade e uma validação de grampos telefônicos.

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No fim, como isso repercute dentro da sociedade argentina, que em sua maioria não aprova o presidente, mas também não confia na Justiça segundo pesquisas recentes?

Este é o grande problema para mim. A Argentina está numa situação hoje porque há uma grande desconfiança no contrato social e com o Estado. E toda essa situação mina muito mais a confiança. Porque independentemente de gostar ou não das decisões da Corte, é um outro poder. E o mesmo vale para os outros poderes. Quando começamos a pular as batalhas legais, se baseando na ‘minha verdade’, entramos em uma situação bastante complicada institucionalmente, o que a Argentina já tem. A desconfiança das empresas e dos mercados internacionais é justamente em nossos marcos legais. O que estamos fazendo agora em um nível superior é jogar mais desconfiança no marco legal, porque se um presidente pode ignorar uma decisão judicial, que confiança pode ter uma empresa nas normas que regem seu investimento? Que confiança pode ter um argentino? Até mesmo um estrangeiro?

Por fim, cada vez mais as pessoas acham que a política está jogando seu próprio jogo e não está julgando o jogo da Argentina, mas o jogo deles sozinhos, cada um por seu espaço e por seu lugar, então me dá a impressão de que nesse sentido o que gera é mais uma cisão entre a sociedade e a política.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez um pedido histórico ao Congresso de abrir um processo de impeachment contra todos os juízes da Surpema Corte, mesmo sem ter a base necessária para consegui-lo. O pedido ocorre no início do ano eleitoral argentino e visa, acima de tudo, trazer algum protagonismo ao presidente que se vê apagado para a disputa de outubro, avalia María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina.

Nesta quinta, 5, Fernández defendeu sua ação dizendo que “na Argentina, os juízes são os únicos privilegiados”. Com uma reprovação em torno de 70%, segundo pesquisas conduzidas nos últimos meses de 2022, Alberto Fernández chega à corrida presidencial - ainda indefinida - em desvantagem, e mesmo sua intenção de concorrer à reeleição era uma dúvida até novembro.

Além disso, o presidente se vê apagado em meio à força de sua vice-presidente Cristina Kirchner - que disse não concorrer a cargos políticos depois de ser condenada por corrupção - e de seu “superministro” da Economia, Sergio Massa. Apelar para uma disputa, ainda que já perdida, contra o Poder Judiciário que é igualmente impopular entre os argentinos lhe pareceu uma alternativa para ganhar os holofotes neste momento em que os partidos começam a planejar os nomes para a corrida eleitoral. Seu pedido também aparece como um aceno à Cristina Kirchner, com quem a relação desgastou, mas ainda pode fazer aumentar sua popularidade, aponta Lourdes Puente. Confira trechos da entrevista:

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala ao lado da vice-presidente, Cristina Kirchner, e do ministro da Economia, Sergio Massa, em foto de março de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Por que Alberto Fernández decidiu enviar este pedido de impeachment neste momento, especialmente considerando que ele não tem a maioria de 2/3 na Câmara e no Senado para aprovar a medida?

Em primeiro lugar, ele está super fragilizado como presidente e essa ação dá a ele centralidade de novo. O grande problema da Argentina é econômico, porém quem assumiu o rumo da economia atual é seu ministro Sergio Massa, e com isso ele perdeu muita centralidade. Obviamente ele não tem poder suficiente para fazer nenhum tipo de movimento, então o outro lado que vejo é a possível sustentabilidade política dele que é dada por aqueles governadores [que assinaram o pedido enviado ao Congresso] e pelo vínculo dele com a Cristina.

Então, respondendo: a quem interessa gerar este ruído que o tema vai gerar? A Cristina Fernández de Kirchner e o setor que ela representa. Independentemente de conseguir ou não o impeachment, se ele conseguir ao menos gerar muitas discussões, forçar a convocação de testemunhas, colher provas, fazer denúncias, ele pode garantir o questionamento da Justiça durante o tempo que a Cristina necessita por causa de sua situação judicial.

Como esse pedido afeta a disputa eleitoral que está se desenhando para o fim do ano?

Esse movimento é visando principalmente o círculo vermelho [peronista], ou seja, para pessoas que estão informadas e que jogam politicamente porque a grande preocupação da população em geral hoje é com a economia, e nesse sentido quem tem o protagonismo é Sergio Massa. Porém, em todo esse tempo de agora até a eleição vai ter uma comissão investigando a Justiça, jogando dúvidas sobre a Justiça, e isso favorece esse setor político que quer acusar a Justiça de agir imparcialmente, não só contra Cristina, mas ela principalmente, que é vista como uma líder popular.

María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina Foto: Arquivo pessoal

E quais podem ser as implicações contra a oposição? porque o pedido gira em torno de uma decisão da Corte favorável a Horacio Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires que pretende concorrer às eleições...

Horacio Larreta está jogando por enquanto com seu próprio partido e sua própria candidatura, que também não está definida dentro de sua coalizão. Ele tem suas próprias complicações. E a medida em que se vê mais complicado para as eleições, situações assim o afetarão. Mas nesse caso, não está atingindo ele diretamente, porque a acusação não tem a ver apenas com a questão da partilha de dinheiro do Orçamento, mas Alberto Fernández está falando de vários atos de corrupção dos juízes. E inclusive faz alusão a algo que fez recentemente em rede nacional onde revelou reuniões e ligações suspeitas entre a Prefeitura e a Justiça. No entanto, a forma como o faz é ilegal porque vazaram conversas que foram grampeadas, o que também adiciona a tudo isso um sentimento de ilegalidade e uma validação de grampos telefônicos.

No fim, como isso repercute dentro da sociedade argentina, que em sua maioria não aprova o presidente, mas também não confia na Justiça segundo pesquisas recentes?

Este é o grande problema para mim. A Argentina está numa situação hoje porque há uma grande desconfiança no contrato social e com o Estado. E toda essa situação mina muito mais a confiança. Porque independentemente de gostar ou não das decisões da Corte, é um outro poder. E o mesmo vale para os outros poderes. Quando começamos a pular as batalhas legais, se baseando na ‘minha verdade’, entramos em uma situação bastante complicada institucionalmente, o que a Argentina já tem. A desconfiança das empresas e dos mercados internacionais é justamente em nossos marcos legais. O que estamos fazendo agora em um nível superior é jogar mais desconfiança no marco legal, porque se um presidente pode ignorar uma decisão judicial, que confiança pode ter uma empresa nas normas que regem seu investimento? Que confiança pode ter um argentino? Até mesmo um estrangeiro?

Por fim, cada vez mais as pessoas acham que a política está jogando seu próprio jogo e não está julgando o jogo da Argentina, mas o jogo deles sozinhos, cada um por seu espaço e por seu lugar, então me dá a impressão de que nesse sentido o que gera é mais uma cisão entre a sociedade e a política.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez um pedido histórico ao Congresso de abrir um processo de impeachment contra todos os juízes da Surpema Corte, mesmo sem ter a base necessária para consegui-lo. O pedido ocorre no início do ano eleitoral argentino e visa, acima de tudo, trazer algum protagonismo ao presidente que se vê apagado para a disputa de outubro, avalia María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina.

Nesta quinta, 5, Fernández defendeu sua ação dizendo que “na Argentina, os juízes são os únicos privilegiados”. Com uma reprovação em torno de 70%, segundo pesquisas conduzidas nos últimos meses de 2022, Alberto Fernández chega à corrida presidencial - ainda indefinida - em desvantagem, e mesmo sua intenção de concorrer à reeleição era uma dúvida até novembro.

Além disso, o presidente se vê apagado em meio à força de sua vice-presidente Cristina Kirchner - que disse não concorrer a cargos políticos depois de ser condenada por corrupção - e de seu “superministro” da Economia, Sergio Massa. Apelar para uma disputa, ainda que já perdida, contra o Poder Judiciário que é igualmente impopular entre os argentinos lhe pareceu uma alternativa para ganhar os holofotes neste momento em que os partidos começam a planejar os nomes para a corrida eleitoral. Seu pedido também aparece como um aceno à Cristina Kirchner, com quem a relação desgastou, mas ainda pode fazer aumentar sua popularidade, aponta Lourdes Puente. Confira trechos da entrevista:

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala ao lado da vice-presidente, Cristina Kirchner, e do ministro da Economia, Sergio Massa, em foto de março de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Por que Alberto Fernández decidiu enviar este pedido de impeachment neste momento, especialmente considerando que ele não tem a maioria de 2/3 na Câmara e no Senado para aprovar a medida?

Em primeiro lugar, ele está super fragilizado como presidente e essa ação dá a ele centralidade de novo. O grande problema da Argentina é econômico, porém quem assumiu o rumo da economia atual é seu ministro Sergio Massa, e com isso ele perdeu muita centralidade. Obviamente ele não tem poder suficiente para fazer nenhum tipo de movimento, então o outro lado que vejo é a possível sustentabilidade política dele que é dada por aqueles governadores [que assinaram o pedido enviado ao Congresso] e pelo vínculo dele com a Cristina.

Então, respondendo: a quem interessa gerar este ruído que o tema vai gerar? A Cristina Fernández de Kirchner e o setor que ela representa. Independentemente de conseguir ou não o impeachment, se ele conseguir ao menos gerar muitas discussões, forçar a convocação de testemunhas, colher provas, fazer denúncias, ele pode garantir o questionamento da Justiça durante o tempo que a Cristina necessita por causa de sua situação judicial.

Como esse pedido afeta a disputa eleitoral que está se desenhando para o fim do ano?

Esse movimento é visando principalmente o círculo vermelho [peronista], ou seja, para pessoas que estão informadas e que jogam politicamente porque a grande preocupação da população em geral hoje é com a economia, e nesse sentido quem tem o protagonismo é Sergio Massa. Porém, em todo esse tempo de agora até a eleição vai ter uma comissão investigando a Justiça, jogando dúvidas sobre a Justiça, e isso favorece esse setor político que quer acusar a Justiça de agir imparcialmente, não só contra Cristina, mas ela principalmente, que é vista como uma líder popular.

María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina Foto: Arquivo pessoal

E quais podem ser as implicações contra a oposição? porque o pedido gira em torno de uma decisão da Corte favorável a Horacio Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires que pretende concorrer às eleições...

Horacio Larreta está jogando por enquanto com seu próprio partido e sua própria candidatura, que também não está definida dentro de sua coalizão. Ele tem suas próprias complicações. E a medida em que se vê mais complicado para as eleições, situações assim o afetarão. Mas nesse caso, não está atingindo ele diretamente, porque a acusação não tem a ver apenas com a questão da partilha de dinheiro do Orçamento, mas Alberto Fernández está falando de vários atos de corrupção dos juízes. E inclusive faz alusão a algo que fez recentemente em rede nacional onde revelou reuniões e ligações suspeitas entre a Prefeitura e a Justiça. No entanto, a forma como o faz é ilegal porque vazaram conversas que foram grampeadas, o que também adiciona a tudo isso um sentimento de ilegalidade e uma validação de grampos telefônicos.

No fim, como isso repercute dentro da sociedade argentina, que em sua maioria não aprova o presidente, mas também não confia na Justiça segundo pesquisas recentes?

Este é o grande problema para mim. A Argentina está numa situação hoje porque há uma grande desconfiança no contrato social e com o Estado. E toda essa situação mina muito mais a confiança. Porque independentemente de gostar ou não das decisões da Corte, é um outro poder. E o mesmo vale para os outros poderes. Quando começamos a pular as batalhas legais, se baseando na ‘minha verdade’, entramos em uma situação bastante complicada institucionalmente, o que a Argentina já tem. A desconfiança das empresas e dos mercados internacionais é justamente em nossos marcos legais. O que estamos fazendo agora em um nível superior é jogar mais desconfiança no marco legal, porque se um presidente pode ignorar uma decisão judicial, que confiança pode ter uma empresa nas normas que regem seu investimento? Que confiança pode ter um argentino? Até mesmo um estrangeiro?

Por fim, cada vez mais as pessoas acham que a política está jogando seu próprio jogo e não está julgando o jogo da Argentina, mas o jogo deles sozinhos, cada um por seu espaço e por seu lugar, então me dá a impressão de que nesse sentido o que gera é mais uma cisão entre a sociedade e a política.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez um pedido histórico ao Congresso de abrir um processo de impeachment contra todos os juízes da Surpema Corte, mesmo sem ter a base necessária para consegui-lo. O pedido ocorre no início do ano eleitoral argentino e visa, acima de tudo, trazer algum protagonismo ao presidente que se vê apagado para a disputa de outubro, avalia María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina.

Nesta quinta, 5, Fernández defendeu sua ação dizendo que “na Argentina, os juízes são os únicos privilegiados”. Com uma reprovação em torno de 70%, segundo pesquisas conduzidas nos últimos meses de 2022, Alberto Fernández chega à corrida presidencial - ainda indefinida - em desvantagem, e mesmo sua intenção de concorrer à reeleição era uma dúvida até novembro.

Além disso, o presidente se vê apagado em meio à força de sua vice-presidente Cristina Kirchner - que disse não concorrer a cargos políticos depois de ser condenada por corrupção - e de seu “superministro” da Economia, Sergio Massa. Apelar para uma disputa, ainda que já perdida, contra o Poder Judiciário que é igualmente impopular entre os argentinos lhe pareceu uma alternativa para ganhar os holofotes neste momento em que os partidos começam a planejar os nomes para a corrida eleitoral. Seu pedido também aparece como um aceno à Cristina Kirchner, com quem a relação desgastou, mas ainda pode fazer aumentar sua popularidade, aponta Lourdes Puente. Confira trechos da entrevista:

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala ao lado da vice-presidente, Cristina Kirchner, e do ministro da Economia, Sergio Massa, em foto de março de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Por que Alberto Fernández decidiu enviar este pedido de impeachment neste momento, especialmente considerando que ele não tem a maioria de 2/3 na Câmara e no Senado para aprovar a medida?

Em primeiro lugar, ele está super fragilizado como presidente e essa ação dá a ele centralidade de novo. O grande problema da Argentina é econômico, porém quem assumiu o rumo da economia atual é seu ministro Sergio Massa, e com isso ele perdeu muita centralidade. Obviamente ele não tem poder suficiente para fazer nenhum tipo de movimento, então o outro lado que vejo é a possível sustentabilidade política dele que é dada por aqueles governadores [que assinaram o pedido enviado ao Congresso] e pelo vínculo dele com a Cristina.

Então, respondendo: a quem interessa gerar este ruído que o tema vai gerar? A Cristina Fernández de Kirchner e o setor que ela representa. Independentemente de conseguir ou não o impeachment, se ele conseguir ao menos gerar muitas discussões, forçar a convocação de testemunhas, colher provas, fazer denúncias, ele pode garantir o questionamento da Justiça durante o tempo que a Cristina necessita por causa de sua situação judicial.

Como esse pedido afeta a disputa eleitoral que está se desenhando para o fim do ano?

Esse movimento é visando principalmente o círculo vermelho [peronista], ou seja, para pessoas que estão informadas e que jogam politicamente porque a grande preocupação da população em geral hoje é com a economia, e nesse sentido quem tem o protagonismo é Sergio Massa. Porém, em todo esse tempo de agora até a eleição vai ter uma comissão investigando a Justiça, jogando dúvidas sobre a Justiça, e isso favorece esse setor político que quer acusar a Justiça de agir imparcialmente, não só contra Cristina, mas ela principalmente, que é vista como uma líder popular.

María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina Foto: Arquivo pessoal

E quais podem ser as implicações contra a oposição? porque o pedido gira em torno de uma decisão da Corte favorável a Horacio Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires que pretende concorrer às eleições...

Horacio Larreta está jogando por enquanto com seu próprio partido e sua própria candidatura, que também não está definida dentro de sua coalizão. Ele tem suas próprias complicações. E a medida em que se vê mais complicado para as eleições, situações assim o afetarão. Mas nesse caso, não está atingindo ele diretamente, porque a acusação não tem a ver apenas com a questão da partilha de dinheiro do Orçamento, mas Alberto Fernández está falando de vários atos de corrupção dos juízes. E inclusive faz alusão a algo que fez recentemente em rede nacional onde revelou reuniões e ligações suspeitas entre a Prefeitura e a Justiça. No entanto, a forma como o faz é ilegal porque vazaram conversas que foram grampeadas, o que também adiciona a tudo isso um sentimento de ilegalidade e uma validação de grampos telefônicos.

No fim, como isso repercute dentro da sociedade argentina, que em sua maioria não aprova o presidente, mas também não confia na Justiça segundo pesquisas recentes?

Este é o grande problema para mim. A Argentina está numa situação hoje porque há uma grande desconfiança no contrato social e com o Estado. E toda essa situação mina muito mais a confiança. Porque independentemente de gostar ou não das decisões da Corte, é um outro poder. E o mesmo vale para os outros poderes. Quando começamos a pular as batalhas legais, se baseando na ‘minha verdade’, entramos em uma situação bastante complicada institucionalmente, o que a Argentina já tem. A desconfiança das empresas e dos mercados internacionais é justamente em nossos marcos legais. O que estamos fazendo agora em um nível superior é jogar mais desconfiança no marco legal, porque se um presidente pode ignorar uma decisão judicial, que confiança pode ter uma empresa nas normas que regem seu investimento? Que confiança pode ter um argentino? Até mesmo um estrangeiro?

Por fim, cada vez mais as pessoas acham que a política está jogando seu próprio jogo e não está julgando o jogo da Argentina, mas o jogo deles sozinhos, cada um por seu espaço e por seu lugar, então me dá a impressão de que nesse sentido o que gera é mais uma cisão entre a sociedade e a política.

Entrevista por Carolina Marins

Jornalista formada pela ECA-USP. Repórter da editoria de Internacional, com interesse em América Latina. Já fiz coberturas in loco na Argentina, em Israel e na Ucrânia

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