‘Ao se voltar para petroditaduras, Ocidente mostra que prioriza seus interesses’, afirma analista


Segundo Justin Dargin, a guerra na Ucrânia mostrou que, ao serem pressionados, países priorizam seus interesses domésticos

Por Carolina Marins
Foto: Carnegie Endowment for International Peace
Entrevista comJustin DarginEspecialista em energia para o Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace

Os países do Ocidente planejam colocar em vigor a partir desta segunda-feira, 5, um teto ao preço do petróleo da Rússia em retaliação à sua invasão da Ucrânia. Mais de nove meses desde o início da guerra, as sanções ao petróleo e ao gás russo têm sido os maiores desafios, já que Moscou é uma potência quando se trata de fornecimento de energia. Em meio a esse cenário, outros países produtores de petróleo vêm ganhando espaço, especialmente as chamadas petroditaduras como Venezuela e Arábia Saudita.

Segundo explicou ao Estadão Justin Dargin, especialista em energia para o Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace, um centro de estudos com sede em Washington, não há surpresa nesta atitude do Ocidente, que tende a priorizar seus interesses domésticos.

Após a COP-27, em que o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, foi fotografado apertando as mãos de um sorridente Emmanuel Macron, pessoas nas redes sociais fizeram sátiras comparando a posição anterior do presidente francês antes de uma crise energética e agora. A França, junto com outras dezenas de países, reconheceram o opositor Juan Guaidó como líder da Venezuela, mas isso não impediu Macron de chamar Maduro de “presidente” no evento. Dias depois, os Estados Unidos autorizaram a petrolífera Chevron a atuar novamente no país sul-americano.

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O presidente francês, Emmanuel Macron, conversou rapidamente com o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, na COP-27 e o chamou para uma conversa bilateral Foto: Palácio Miraflores via Reuters

Na análise de Dargin, a guerra na Ucrânia e essa recente reaproximação dos países ocidentais com governos ditatoriais apenas destacam que, ao serem pressionadas, as nações consideram seus interesses econômicos frente aos acontecimentos mundiais. Confira trechos da entrevista:

Diante da necessidade de repensar alternativas ao petróleo e ao gás russos, os EUA e a Europa aliviaram sua retórica contra países autoritários como Arábia Saudita e Venezuela. A guerra na Ucrânia trouxe um renascimento do poder das petroditaduras?

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Não é que os petro-Estados com governos autoritários estejam renascendo, por si só, é que os países ocidentais decidiram que seus interesses estatais seculares terão prioridade sobre quaisquer preocupações neste momento, já que todo o foco está na Rússia e na Europa Oriental. Este não é um fenômeno novo. Os países ocidentais, ao longo do século 20, ignoraram certas tendências autoritárias de seus parceiros se a conveniência política o exigisse, como as negociações americanas com muitos governos da América Latina, África e Oriente Médio.

Além disso, após os fracassos no Iraque e no Afeganistão, a noção de mudança de regime e a disseminação de formas ocidentais de governo se tornaram muito menos críticas no pensamento estratégico ocidental, já que muitos governos ocidentais sentem agora que é melhor incorporar uma visão realista das relações interestaduais para lidar com os governos como eles são, e talvez sutilmente empurrá-los para ações melhores, do que tentar impor uma mudança em grande escala.

A guerra na Ucrânia preparou o cenário para que a visão realista das relações internacionais viesse mais uma vez à tona e mostrasse, com grande alívio, que quando a pressão chegar, as decisões geopolíticas serão tomadas com base em como elas afetam os assuntos econômicos domésticos e globais.

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E quanto à posição dos grandes produtores de petróleo do Oriente Médio em meio à guerra na Ucrânia? Se por um lado, há maior oportunidade para exportações e negociações com a Europa e os EUA, por outro, a Rússia faz parte da OPEP+ e se aproximou muito da Arábia Saudita...

Em geral, os maiores produtores de petróleo do Oriente Médio se uniram à Rússia meramente por interesse próprio, na medida em que requerem a cooperação de Moscou para que haja alguma estabilidade de preços no mercado internacional de petróleo. Além disso, esta visão é reforçada pelo fato de que outros países, particularmente a Arábia Saudita, sentem que o Ocidente não tem o direito de ditar como eles devem conduzir seus negócios estrangeiros e com quem cooperam no cenário internacional. Entretanto, no momento em que o engajamento russo deixar de ser benéfico, então haverá menos ímpeto entre os produtores de petróleo do Oriente Médio para continuar trabalhando coletivamente com a Rússia.

A OPEP+ decidiu diminuir sua produção de petróleo, o que vai aumentar os preços. Existe de fato uma intenção de ajudar Moscou com essa medida?

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Os países da OPEP+ não implementaram seus cortes de produção para ajudar a Rússia. A decisão de reduzir a oferta de petróleo no mercado internacional foi motivada pela percepção da necessidade de estabilizar os preços e instituir um piso após um período de dois a três anos de extrema flutuação de preços relacionada à pandemia. É essencial lembrar que, para a maioria dos produtores de petróleo do Golfo, por exemplo, devido à industrialização e à expansão dos gastos do governo ao longo dos anos 2000, o preço de equilíbrio do petróleo, o preço que exigem para cada barril de petróleo para manter a solvência orçamentária subiu de quase US$ 30 (cerca de R$ 156) do início dos anos 2000 para um preço médio de equilíbrio de US$ 70 (R$ 365) - US$ 80 (R$ 417) no início desta década. Como resultado, muitos países da OPEP+ precisam obter um preço muito mais alto para suas vendas de petróleo do que anteriormente e defenderão preços muito mais altos.

Além disso, como muitos dos países da OPEP+ estão produzindo abaixo de suas cotas atribuídas, as reduções de produção anunciadas são mais simbólicas do que qualquer outra coisa, pois já estão produzindo abaixo de sua capacidade. Em geral, enquanto a OPEP pode ter sido uma organização politicamente orientada para a solidariedade geopolítica entre países em desenvolvimento ricos em energia nas décadas de 60 e 70, a OPEP e a OPEP+ operam agora estritamente para garantir os interesses próprios de seus membros. Isto pode ser visto claramente porque, mesmo durante o auge da guerra Irã-Iraque, ambos mantiveram seus membros na OPEP. Além disso, apesar da “Guerra Fria do Golfo” entre a Arábia Saudita e o Irã, ambos ainda colaboram na organização, ao mesmo tempo que são inimigos geopolíticos.

Justin Dargin, especialista em energia para o Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace Foto: Carnegie Endowment for International Peace
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Como o sr. avalia o teto a ser imposto ao preço do petróleo russo?

Deve-se lembrar que a proposta de limite de preço foi formulada para permitir que o petróleo russo continuasse a abastecer o mercado global a um preço que limitaria a capacidade da Rússia de financiar sua guerra. Isto porque quando o embargo europeu ao petróleo russo entrar em vigor, no dia 5, os países ocidentais procurarão uma estrutura para evitar um choque global de preços que prejudicaria uma economia mundial já frágil e que colocaria uma pressão crescente sobre as taxas de inflação.

Além disso, os planejadores do teto o moldaram para capacitar os compradores tradicionais da Rússia a negociar preços mais baixos com ela, que, na verdade, funciona como um limite de preço de fato.

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Uma das questões mais desafiadoras com o limite de preço era chegar a um consenso entre os membros da UE, já que alguns países, principalmente os Estados bálticos e a Polônia, queriam um limite extremamente baixo para cortar as finanças da Rússia até o osso, enquanto outros países europeus, como Chipre, Grécia e Malta, que abrigam muitas bandeiras marítimas, desejavam um limite de preço mais alto para que suas economias não sofram o peso do prejuízo econômico.

Outra questão crítica é a fiscalização, com alguns países europeus pedindo um regime de fiscalização rigorosa. Em contraste, outros buscam um monitoramento relativamente frouxo e uma estrutura punitiva para as empresas que se vejam prejudicadas. Como em tudo, o diabo está nos detalhes. Para que tenha sucesso, o limite de preço dependerá agora, além do valor já estipulado, de quão rigorosos serão seus mecanismos de aplicação.

Os países do Ocidente planejam colocar em vigor a partir desta segunda-feira, 5, um teto ao preço do petróleo da Rússia em retaliação à sua invasão da Ucrânia. Mais de nove meses desde o início da guerra, as sanções ao petróleo e ao gás russo têm sido os maiores desafios, já que Moscou é uma potência quando se trata de fornecimento de energia. Em meio a esse cenário, outros países produtores de petróleo vêm ganhando espaço, especialmente as chamadas petroditaduras como Venezuela e Arábia Saudita.

Segundo explicou ao Estadão Justin Dargin, especialista em energia para o Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace, um centro de estudos com sede em Washington, não há surpresa nesta atitude do Ocidente, que tende a priorizar seus interesses domésticos.

Após a COP-27, em que o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, foi fotografado apertando as mãos de um sorridente Emmanuel Macron, pessoas nas redes sociais fizeram sátiras comparando a posição anterior do presidente francês antes de uma crise energética e agora. A França, junto com outras dezenas de países, reconheceram o opositor Juan Guaidó como líder da Venezuela, mas isso não impediu Macron de chamar Maduro de “presidente” no evento. Dias depois, os Estados Unidos autorizaram a petrolífera Chevron a atuar novamente no país sul-americano.

O presidente francês, Emmanuel Macron, conversou rapidamente com o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, na COP-27 e o chamou para uma conversa bilateral Foto: Palácio Miraflores via Reuters

Na análise de Dargin, a guerra na Ucrânia e essa recente reaproximação dos países ocidentais com governos ditatoriais apenas destacam que, ao serem pressionadas, as nações consideram seus interesses econômicos frente aos acontecimentos mundiais. Confira trechos da entrevista:

Diante da necessidade de repensar alternativas ao petróleo e ao gás russos, os EUA e a Europa aliviaram sua retórica contra países autoritários como Arábia Saudita e Venezuela. A guerra na Ucrânia trouxe um renascimento do poder das petroditaduras?

Não é que os petro-Estados com governos autoritários estejam renascendo, por si só, é que os países ocidentais decidiram que seus interesses estatais seculares terão prioridade sobre quaisquer preocupações neste momento, já que todo o foco está na Rússia e na Europa Oriental. Este não é um fenômeno novo. Os países ocidentais, ao longo do século 20, ignoraram certas tendências autoritárias de seus parceiros se a conveniência política o exigisse, como as negociações americanas com muitos governos da América Latina, África e Oriente Médio.

Além disso, após os fracassos no Iraque e no Afeganistão, a noção de mudança de regime e a disseminação de formas ocidentais de governo se tornaram muito menos críticas no pensamento estratégico ocidental, já que muitos governos ocidentais sentem agora que é melhor incorporar uma visão realista das relações interestaduais para lidar com os governos como eles são, e talvez sutilmente empurrá-los para ações melhores, do que tentar impor uma mudança em grande escala.

A guerra na Ucrânia preparou o cenário para que a visão realista das relações internacionais viesse mais uma vez à tona e mostrasse, com grande alívio, que quando a pressão chegar, as decisões geopolíticas serão tomadas com base em como elas afetam os assuntos econômicos domésticos e globais.

E quanto à posição dos grandes produtores de petróleo do Oriente Médio em meio à guerra na Ucrânia? Se por um lado, há maior oportunidade para exportações e negociações com a Europa e os EUA, por outro, a Rússia faz parte da OPEP+ e se aproximou muito da Arábia Saudita...

Em geral, os maiores produtores de petróleo do Oriente Médio se uniram à Rússia meramente por interesse próprio, na medida em que requerem a cooperação de Moscou para que haja alguma estabilidade de preços no mercado internacional de petróleo. Além disso, esta visão é reforçada pelo fato de que outros países, particularmente a Arábia Saudita, sentem que o Ocidente não tem o direito de ditar como eles devem conduzir seus negócios estrangeiros e com quem cooperam no cenário internacional. Entretanto, no momento em que o engajamento russo deixar de ser benéfico, então haverá menos ímpeto entre os produtores de petróleo do Oriente Médio para continuar trabalhando coletivamente com a Rússia.

A OPEP+ decidiu diminuir sua produção de petróleo, o que vai aumentar os preços. Existe de fato uma intenção de ajudar Moscou com essa medida?

Os países da OPEP+ não implementaram seus cortes de produção para ajudar a Rússia. A decisão de reduzir a oferta de petróleo no mercado internacional foi motivada pela percepção da necessidade de estabilizar os preços e instituir um piso após um período de dois a três anos de extrema flutuação de preços relacionada à pandemia. É essencial lembrar que, para a maioria dos produtores de petróleo do Golfo, por exemplo, devido à industrialização e à expansão dos gastos do governo ao longo dos anos 2000, o preço de equilíbrio do petróleo, o preço que exigem para cada barril de petróleo para manter a solvência orçamentária subiu de quase US$ 30 (cerca de R$ 156) do início dos anos 2000 para um preço médio de equilíbrio de US$ 70 (R$ 365) - US$ 80 (R$ 417) no início desta década. Como resultado, muitos países da OPEP+ precisam obter um preço muito mais alto para suas vendas de petróleo do que anteriormente e defenderão preços muito mais altos.

Além disso, como muitos dos países da OPEP+ estão produzindo abaixo de suas cotas atribuídas, as reduções de produção anunciadas são mais simbólicas do que qualquer outra coisa, pois já estão produzindo abaixo de sua capacidade. Em geral, enquanto a OPEP pode ter sido uma organização politicamente orientada para a solidariedade geopolítica entre países em desenvolvimento ricos em energia nas décadas de 60 e 70, a OPEP e a OPEP+ operam agora estritamente para garantir os interesses próprios de seus membros. Isto pode ser visto claramente porque, mesmo durante o auge da guerra Irã-Iraque, ambos mantiveram seus membros na OPEP. Além disso, apesar da “Guerra Fria do Golfo” entre a Arábia Saudita e o Irã, ambos ainda colaboram na organização, ao mesmo tempo que são inimigos geopolíticos.

Justin Dargin, especialista em energia para o Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace Foto: Carnegie Endowment for International Peace

Como o sr. avalia o teto a ser imposto ao preço do petróleo russo?

Deve-se lembrar que a proposta de limite de preço foi formulada para permitir que o petróleo russo continuasse a abastecer o mercado global a um preço que limitaria a capacidade da Rússia de financiar sua guerra. Isto porque quando o embargo europeu ao petróleo russo entrar em vigor, no dia 5, os países ocidentais procurarão uma estrutura para evitar um choque global de preços que prejudicaria uma economia mundial já frágil e que colocaria uma pressão crescente sobre as taxas de inflação.

Além disso, os planejadores do teto o moldaram para capacitar os compradores tradicionais da Rússia a negociar preços mais baixos com ela, que, na verdade, funciona como um limite de preço de fato.

Uma das questões mais desafiadoras com o limite de preço era chegar a um consenso entre os membros da UE, já que alguns países, principalmente os Estados bálticos e a Polônia, queriam um limite extremamente baixo para cortar as finanças da Rússia até o osso, enquanto outros países europeus, como Chipre, Grécia e Malta, que abrigam muitas bandeiras marítimas, desejavam um limite de preço mais alto para que suas economias não sofram o peso do prejuízo econômico.

Outra questão crítica é a fiscalização, com alguns países europeus pedindo um regime de fiscalização rigorosa. Em contraste, outros buscam um monitoramento relativamente frouxo e uma estrutura punitiva para as empresas que se vejam prejudicadas. Como em tudo, o diabo está nos detalhes. Para que tenha sucesso, o limite de preço dependerá agora, além do valor já estipulado, de quão rigorosos serão seus mecanismos de aplicação.

Os países do Ocidente planejam colocar em vigor a partir desta segunda-feira, 5, um teto ao preço do petróleo da Rússia em retaliação à sua invasão da Ucrânia. Mais de nove meses desde o início da guerra, as sanções ao petróleo e ao gás russo têm sido os maiores desafios, já que Moscou é uma potência quando se trata de fornecimento de energia. Em meio a esse cenário, outros países produtores de petróleo vêm ganhando espaço, especialmente as chamadas petroditaduras como Venezuela e Arábia Saudita.

Segundo explicou ao Estadão Justin Dargin, especialista em energia para o Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace, um centro de estudos com sede em Washington, não há surpresa nesta atitude do Ocidente, que tende a priorizar seus interesses domésticos.

Após a COP-27, em que o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, foi fotografado apertando as mãos de um sorridente Emmanuel Macron, pessoas nas redes sociais fizeram sátiras comparando a posição anterior do presidente francês antes de uma crise energética e agora. A França, junto com outras dezenas de países, reconheceram o opositor Juan Guaidó como líder da Venezuela, mas isso não impediu Macron de chamar Maduro de “presidente” no evento. Dias depois, os Estados Unidos autorizaram a petrolífera Chevron a atuar novamente no país sul-americano.

O presidente francês, Emmanuel Macron, conversou rapidamente com o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, na COP-27 e o chamou para uma conversa bilateral Foto: Palácio Miraflores via Reuters

Na análise de Dargin, a guerra na Ucrânia e essa recente reaproximação dos países ocidentais com governos ditatoriais apenas destacam que, ao serem pressionadas, as nações consideram seus interesses econômicos frente aos acontecimentos mundiais. Confira trechos da entrevista:

Diante da necessidade de repensar alternativas ao petróleo e ao gás russos, os EUA e a Europa aliviaram sua retórica contra países autoritários como Arábia Saudita e Venezuela. A guerra na Ucrânia trouxe um renascimento do poder das petroditaduras?

Não é que os petro-Estados com governos autoritários estejam renascendo, por si só, é que os países ocidentais decidiram que seus interesses estatais seculares terão prioridade sobre quaisquer preocupações neste momento, já que todo o foco está na Rússia e na Europa Oriental. Este não é um fenômeno novo. Os países ocidentais, ao longo do século 20, ignoraram certas tendências autoritárias de seus parceiros se a conveniência política o exigisse, como as negociações americanas com muitos governos da América Latina, África e Oriente Médio.

Além disso, após os fracassos no Iraque e no Afeganistão, a noção de mudança de regime e a disseminação de formas ocidentais de governo se tornaram muito menos críticas no pensamento estratégico ocidental, já que muitos governos ocidentais sentem agora que é melhor incorporar uma visão realista das relações interestaduais para lidar com os governos como eles são, e talvez sutilmente empurrá-los para ações melhores, do que tentar impor uma mudança em grande escala.

A guerra na Ucrânia preparou o cenário para que a visão realista das relações internacionais viesse mais uma vez à tona e mostrasse, com grande alívio, que quando a pressão chegar, as decisões geopolíticas serão tomadas com base em como elas afetam os assuntos econômicos domésticos e globais.

E quanto à posição dos grandes produtores de petróleo do Oriente Médio em meio à guerra na Ucrânia? Se por um lado, há maior oportunidade para exportações e negociações com a Europa e os EUA, por outro, a Rússia faz parte da OPEP+ e se aproximou muito da Arábia Saudita...

Em geral, os maiores produtores de petróleo do Oriente Médio se uniram à Rússia meramente por interesse próprio, na medida em que requerem a cooperação de Moscou para que haja alguma estabilidade de preços no mercado internacional de petróleo. Além disso, esta visão é reforçada pelo fato de que outros países, particularmente a Arábia Saudita, sentem que o Ocidente não tem o direito de ditar como eles devem conduzir seus negócios estrangeiros e com quem cooperam no cenário internacional. Entretanto, no momento em que o engajamento russo deixar de ser benéfico, então haverá menos ímpeto entre os produtores de petróleo do Oriente Médio para continuar trabalhando coletivamente com a Rússia.

A OPEP+ decidiu diminuir sua produção de petróleo, o que vai aumentar os preços. Existe de fato uma intenção de ajudar Moscou com essa medida?

Os países da OPEP+ não implementaram seus cortes de produção para ajudar a Rússia. A decisão de reduzir a oferta de petróleo no mercado internacional foi motivada pela percepção da necessidade de estabilizar os preços e instituir um piso após um período de dois a três anos de extrema flutuação de preços relacionada à pandemia. É essencial lembrar que, para a maioria dos produtores de petróleo do Golfo, por exemplo, devido à industrialização e à expansão dos gastos do governo ao longo dos anos 2000, o preço de equilíbrio do petróleo, o preço que exigem para cada barril de petróleo para manter a solvência orçamentária subiu de quase US$ 30 (cerca de R$ 156) do início dos anos 2000 para um preço médio de equilíbrio de US$ 70 (R$ 365) - US$ 80 (R$ 417) no início desta década. Como resultado, muitos países da OPEP+ precisam obter um preço muito mais alto para suas vendas de petróleo do que anteriormente e defenderão preços muito mais altos.

Além disso, como muitos dos países da OPEP+ estão produzindo abaixo de suas cotas atribuídas, as reduções de produção anunciadas são mais simbólicas do que qualquer outra coisa, pois já estão produzindo abaixo de sua capacidade. Em geral, enquanto a OPEP pode ter sido uma organização politicamente orientada para a solidariedade geopolítica entre países em desenvolvimento ricos em energia nas décadas de 60 e 70, a OPEP e a OPEP+ operam agora estritamente para garantir os interesses próprios de seus membros. Isto pode ser visto claramente porque, mesmo durante o auge da guerra Irã-Iraque, ambos mantiveram seus membros na OPEP. Além disso, apesar da “Guerra Fria do Golfo” entre a Arábia Saudita e o Irã, ambos ainda colaboram na organização, ao mesmo tempo que são inimigos geopolíticos.

Justin Dargin, especialista em energia para o Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace Foto: Carnegie Endowment for International Peace

Como o sr. avalia o teto a ser imposto ao preço do petróleo russo?

Deve-se lembrar que a proposta de limite de preço foi formulada para permitir que o petróleo russo continuasse a abastecer o mercado global a um preço que limitaria a capacidade da Rússia de financiar sua guerra. Isto porque quando o embargo europeu ao petróleo russo entrar em vigor, no dia 5, os países ocidentais procurarão uma estrutura para evitar um choque global de preços que prejudicaria uma economia mundial já frágil e que colocaria uma pressão crescente sobre as taxas de inflação.

Além disso, os planejadores do teto o moldaram para capacitar os compradores tradicionais da Rússia a negociar preços mais baixos com ela, que, na verdade, funciona como um limite de preço de fato.

Uma das questões mais desafiadoras com o limite de preço era chegar a um consenso entre os membros da UE, já que alguns países, principalmente os Estados bálticos e a Polônia, queriam um limite extremamente baixo para cortar as finanças da Rússia até o osso, enquanto outros países europeus, como Chipre, Grécia e Malta, que abrigam muitas bandeiras marítimas, desejavam um limite de preço mais alto para que suas economias não sofram o peso do prejuízo econômico.

Outra questão crítica é a fiscalização, com alguns países europeus pedindo um regime de fiscalização rigorosa. Em contraste, outros buscam um monitoramento relativamente frouxo e uma estrutura punitiva para as empresas que se vejam prejudicadas. Como em tudo, o diabo está nos detalhes. Para que tenha sucesso, o limite de preço dependerá agora, além do valor já estipulado, de quão rigorosos serão seus mecanismos de aplicação.

Entrevista por Carolina Marins

Jornalista formada pela ECA-USP. Repórter da editoria de Internacional, com interesse em América Latina. Já fiz coberturas in loco na Argentina, em Israel e na Ucrânia

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