No último Natal, uma Venezuela devastada teve escassez de tudo, de enfeites a papel higiênico. Este ano, o governo socialista deu um presente inesperado de fim de ano a uma nação cansada: uma dose de livre mercado.
O presidente Nicolás Maduro está tentando se afastar das políticas socialistas que antes regulavam os preços dos bens básicos, tributavam fortemente as importações e restringiam o uso do dólar americano. Como resultado, a queda livre econômica da nação sul-americana está começando a desacelerar. A taxa de inflação nacional - ainda a mais alta do mundo - diminuiu de 1,5 milhão no ano passado para uma taxa anualizada de 15.000 %.
As mudanças podem ser temporárias e equivalem a um "band-aid" econômico. Não há sinais, por exemplo, de uma estratégia mais ampla para reverter a apropriação de terras agrícolas e o confisco de empresas que ajudaram a estabelecer as bases para uma das piores implosões econômicas dos tempos modernos.
Mas, à medida que as novas medidas se firmam, as prateleiras que antes estavam vazias transbordam de carne bovina, frango, leite e pão - embora os preços sejam tão elevados que um segmento significativo da população se encontra em situação pior ainda. Venezuelanos mais abastados, no entanto, estão lotando dezenas de lojas especializadas recém-inauguradas - incluindo pelo menos um Walmart falso - repleto de pilhas de Cheerios, fatias de presunto italiano e caixas de Kirkland Signature Olive Oils, muitas delas compradas e enviadas em contêineres para a Venezuela pela Costco e outros varejistas de granel de Miami.
Maduro permanece preso em um impasse político com o líder da oposição Juan Guaidó e seus apoiadores em Washington, que aumentaram a pressão para forçar sua derrubada. Mas as sanções dos EUA contra a Venezuela não parecem ter prejudicado as importações crescentes - principalmente porque só impedem os americanos de fazer negócios com o governo, não com os venezuelanos privados.
“O governo não conseguiu revitalizar a economia de outra maneira, por isso está fazendo o que as pessoas querem”, cedendo ao livre mercado livre, disse Ricardo Cusano, presidente da Fedecamaras, a câmara de comércio da Venezuela. Os socialistas ainda estão no poder, ele disse, mas “eles perderam a guerra ideológica”.
Atormentados pela hiperinflação e pelo colapso econômico, os deprimidos venezuelanos apelidaram o dia 25 de dezembro passado de “Natal sem luzes” - um dia em grande parte privado dos tradicionais bandeirolas e brinquedos para crianças. Mas quando a economia começa a mostrar sinais modestos de vida - particularmente na bolha relativa de Caracas, a capital -, havia mudanças visíveis nas ruas.
Os limitados mercados de Natal abriram para a venda de enfeites para uma população um pouco mais otimista. Mais decorações natalícias apareceram nas lojas, juntamente com, segundo os proprietários, mais pais comprando brinquedos e roupas para crianças. A capital está sofrendo seus piores congestionamentos de tráfego em anos, pois os proprietários de automóveis com maior acesso a peças de reposição importadas arrastam seus veículos de volta para as estradas entupidas.
A limitação de restrições alegraram a temporada de festas para uma pequena minoria de ricos venezuelanos, muitos dos quais vivem em mansões atrás de muros altos no leste de Caracas.
“Havia coisas que você simplesmente não conseguia - pratos que você simplesmente não podia fazer”, disse Pablo Gianni, gerente do Anonimo, um restaurante luxuoso de Caracas que abriu este mês completo com uma adega com paredes de vidro e prateleiras com vinhos caros como safras de Dom Pérignon.
"Mas agora, é como se fosse contrabando legal”, disse ele. “Eles estão deixando entrar de tudo.”
Fatores
As mudanças que tomam forma aqui são o resultado de uma combinação de fatores. Durante anos, o governo limitou rigidamente o uso do dólar americano, retratado por muito tempo como um instrumento do imperialismo ianque. Mas no ano passado, o governo liberou a taxa de câmbio e permitiu as transações em dólar legalizado de maneira mais ampla. Também eliminou enormes impostos de importação sobre uma série de produtos.
Mas essas medidas começaram a funcionar de fato na economia apenas nos últimos meses, já que o governo deu mais um passo no sentido de abandonar as tentativas de controlar os preços no varejo. Os estoques de pão, frango e carne bovina que antes eram vendidos quase por nada agora estão sendo vendidos a taxas de mercado, normalizando em parte a produção e as vendas agrícolas através das cadeias de suprimentos.
Tão importante quanto isso, agora simplesmente há muito mais dólares na economia venezuelana. Cerca de 4,5 milhões de venezuelanos fugiram da fome e da pobreza nos últimos anos, criando uma diáspora global que enviou US$ 3,5 bilhões em remessas este ano - mais do que o triplo do valor há dois anos, segundo a Ecoanalitica, empresa de análise econômica de Caracas. Além disso, dizem os economistas, a economia está inundada de dólares vindos da mineração ilegal, tráfico de drogas e outras atividades ilícitas.
Segundo algumas estimativas, há três vezes mais dólares em circulação que bolívares, criando uma dolarização de fato da economia que está estabilizando a inflação. No mês passado, até Maduro parecia saudar o todo-poderoso dólar.
“Não vejo o processo que eles chamam de dolarização tão ruim", disse ele em comentários transmitidos nacionalmente pela TV. “Isso pode ajudar na recuperação das áreas produtivas do país e no funcionamento da economia”.
Em toda a Venezuela, mecânicos e eletricistas, engenheiros e arquitetos estão cobrando cada vez mais em dólares. Mais empresas estão complementando os salários de seus funcionários com a moeda dos EUA. Coletivamente, dizem os economistas, 60 a 70% das famílias aqui agora recebem regularmente alguns dólares - permitindo que até alguns venezuelanos de menor poder aquisitivo tenham um Natal mais alegre este ano.
"O ano passado foi muito difícil para nós. Praticamente não houve Natal", disse Yelitza Mineros, 33 anos, enquanto observava os preços em dólares em uma loja de brinquedos de Caracas com seu filho de 7 anos e filha de 3 anos. Seu marido, mecânico, começou a ganhar dólares há alguns meses, ela disse, dando a eles o dinheiro extra necessário para comprar roupas novas para os filhos.
Seu filho, Rodrigo, segurava um boneco do Homem-Aranha com um grande sorriso, enquanto ela falava. “Este ano, houve uma melhora e podemos comprar brinquedos para eles”, disse ela. “Isso me dá muita alegria.”
A Venezuela continua profundamente atolada na pior crise econômica da história moderna da América Latina. Anos de má administração crônica e, em menor grau, as sanções dos EUA, incluindo um embargo de petróleo, danificaram gravemente a força vital da economia: a produção de petróleo. Os venezuelanos, incluindo os residentes da capital relativamente protegida, estão lutando com o agravamento da escassez de gasolina, apagões persistentes e hospitais estaduais em mau estado.
E mais comida nas prateleiras das lojas não significa que todos possam comer. No oeste de Caracas, por exemplo, uma mercearia que no ano passado vendia produtos com preços controlados e sofria com a escassez estava agora bem abastecida com mercadorias que variavam de capacetes de motocicleta importados a Diet Coke. Mas com duas coxas de frango a US$ 1,70 e manteiga a US$ 2 em um país com um salário mínimo de US$ 6 por mês, os corredores ficavam praticamente vazios de compradores.
O outro lado
Para os venezuelanos mais pobres sem acesso a dólares, a vida é mais difícil. Mariutka Oropeza, uma mulher de 54 anos que vive com seus três filhos adultos em um pequeno apartamento no leste de Caracas, tem lutado com dificuldade para pagar remédios e tratamento para sua artrite, hipertensão e câncer uterino. Ela ficou chocada recentemente ao descobrir que um dos novos remédios prescritos custava US$ 70 por caixa - bem fora do alcance de uma família com uma renda familiar de US$ 30 por mês.
Sua família já sobreviveu, esperando por horas em filas, por mercadorias regulamentadas. Mas agora que o governo parou de impor preços fixos, um saco de fubá que antes custou 25 centavos agora custa quatro vezes esse valor.
“É doloroso”, disse Oropeza. “As pessoas dizem: ‘Oh, estamos melhorando um pouco’ porque muitas delas recebem remessas de suas famílias do exterior. Mas, meu Deus, não estamos melhorando nada”.
“Eu lembro quando esse governo começou a governar e chamou o dólar de grande inimigo. Veja para onde eles nos trouxeram agora” disse ela. “Para a dolarização do país”. “O que eles estão realmente fazendo é nos matar.” / Tradução de Claudia Bozzo