Apenas Joe Biden pode salvar Israel da reforma de Netanyahu; leia o artigo de Thomas Friedman


Primeiro-ministro de Israel quer despir a Suprema Corte de parte da sua autoridade legal; EUA precisam apoiar a democracia no país

Por Thomas Friedman
Atualização:

THE NEW YORK TIMES — Estimado presidente Biden:

Em outubro de 1973, os Exércitos do Egito e da Síria atacaram Israel em um movimento duplo e simultâneo. Conforme os estoques israelenses de munição diminuíram, seu antecessor Richard Nixon ordenou um envio aéreo massivo de armamentos que ajudaram a evitar que a única democracia judaica no planeta fosse destruída por forças externas.

Cinquenta anos depois, Sr. presidente, esta mesma democracia judaica precisa de outro envio massivo — e urgente — de ajuda para não ser destruída, mas por forças internas: um envio de duras verdades; algo que somente o senhor é capaz de fornecer.

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E quais são essas verdade? Se o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu continuar a tentar empurrar goela abaixo de Israel o projeto de lei que pretende despir a Suprema Corte israelense da maior parte da sua atribuição de autoridade legal mais importante — o poder de controlar e reverter nomeações de extremistas e decisões extremadas do Executivo israelense; e o fizer sem nenhuma tentativa de estabelecer algum consenso nacional, isso fraturará as Forças Armadas israelenses e minará não apenas os valores compartilhados por EUA e Israel, mas também interesses vitais de Washington.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao centro, é cercado por legisladores em uma sessão do Knesset, o parlamento israelense, em Jerusalém, Israel, na segunda-feira, 24 de julho de 2023. Foto: Maya Alleruzzo / AP

Sr. presidente, quando nós nos encontramos terça-feira passada, o senhor me transmitiu uma mensagem bem calibrada instando Netanyahu a não “apressar” a aprovação desta legislação sem “o consenso mais amplo possível”, com o qual o primeiro-ministro claramente não conta — sua fala deu um choque elétrico no sistema político israelense, dominando o noticiário por vários dias.

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A voltagem do choque foi tão alta porque a vasta maioria dos israelenses acredita — e está correta sobre isso — que o senhor é um amigo verdadeiro e que seu conselho veio de seu coração.

Mas eu acho que o governo israelense está precisando de mais uma dose de amor rude — e não apenas do seu coração, mas também do coração dos interesses estratégicos dos EUA.

Porque Netanyahu está indo adiante apesar de suas advertências. Apesar de um alerta de mais de 1,1 mil pilotos e técnicos da Força Aérea israelense afirmando que não servirão a uma ditadura. Apesar de uma carta aberta assinada por dúzias de ex-autoridades graduadas de segurança israelenses, incluindo ex-comandantes das Forças Armadas de Israel, ex-diretores do Mossad e do Shin Bet e ex-comissários de polícia do país suplicando ao primeiro-ministro que pare.

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Apesar do alerta do fórum de empresários mais importante de Israel sobre “consequências irreversíveis e destrutivas para a economia israelense”. Apesar de temores de que sua reforma poderia eventualmente fraturar a coesão de unidade do Exército israelense. E apesar de uma notável marcha de cinco dias, amplamente espontânea, de cidadãos comuns israelenses de Tel-Aviv para Jerusalém. Nada semelhante já ocorreu na história de Israel.

Permita-me sugerir, Sr. presidente: é imprescindível que o seu secretário de Estado, seu secretário da Defesa, sua secretária do Tesouro, sua secretária do Comércio, seu secretário da Agricultura, sua representante comercial dos EUA, seu procurador-geral, seu diretor da CIA e seu chefe do Estado-Maior Conjunto telefonem para seus homólogos israelenses hoje mesmo e transmitam-lhes que, se Netanyahu for adiante — sem consenso, fraturando a sociedade de Israel e suas Forças Armadas — ele não minará somente os valores compartilhados entre os nossos dois países, mas também prejudicará gravemente os interesses dos EUA no Oriente Médio.

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E os interesses dos EUA são importantes para ambos. Porque a votação essa votação no Knesset pode fazer algo muito importante se romper em Israel e na relação dos EUA com Israel. E uma vez que essa relação se romper, poderá nunca se reatar.

Espero que já não seja tarde demais.

Quais interesses americanos estão em jogo? Já deveria ser óbvio para qualquer formulador de políticas dos EUA que o gabinete de Netanyahu, que o senhor descreveu como um dos mais “extremos” com que já se deparou, está obcecado com dois projetos de desmantelamento.

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A polícia israelense usa um canhão de água para dispersar manifestantes que bloqueiam uma estrada durante um protesto contra os planos do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de reformular o sistema judicial, em Jerusalém, na segunda-feira, 24 de julho de 2023.  Foto: Ariel Schalit / AP

Um é desmantelar o poder da Suprema Corte para impor a agenda de seu governo extremista, e o outro é desmantelar o processo de paz de Oslo e seu mapa do caminho para uma solução de dois Estados e pavimentar a via no sentido de uma anexação israelense unilateral da Cisjordânia. Oslo tem sido o pilar da política externa dos EUA no Oriente Médio desde 1993.

Esses desmantelamentos simultâneos são interconectados: os supremacistas judeus que compõem o gabinete de Netanyahu precisam tirar a Suprema Corte de seu caminho para ir adiante com seus planos de anexar a Cisjordânia. Esse movimento poderia facilmente desestabilizar a Jordânia, assim como provavelmente empurrar para lá cada vez mais palestinos e alterar seu frágil equilíbrio demográfico.

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A Jordânia é o Estado-tampão mais importante na região para os americanos, que operam a partir do território jordaniano em colaboração com o governo do país, para lidar com ameaças de segurança aos EUA na Síria e no oeste do Iraque, onde forças do Estado Islâmico continuam ativas.

Ao mesmo tempo, sr. presidente, o senhor está diante de uma das maiores decisões de todos os tempos sobre a estratégia dos EUA no Oriente Médio: atender ou não aos pedidos da Arábia Saudita por uma garantia de segurança mais formal de Washington, um programa nucelar civil supervisionado pelos EUA e acesso às armas americanas mais avançadas. Em troca, os sauditas normalizariam suas relações com Israel (contanto que os israelenses abrissem certas concessões em relação aos palestinos) e limitariam sua colaboração com a China.

Seria extremamente difícil e inconveniente obter aprovação do Congresso sobre um acordo como esse sem forte apoio dos democratas no Senado. Como o senhor bem sabe, Netanyahu e o príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman são dois dos líderes mundiais menos populares entre os democratas progressistas, especialmente considerando a maneira que Netanyahu, ao longo da década recente, movimentou-se para tornar Israel uma causa republicana e desdenhou do apoio dos judeus americanos seculares preferindo, em vez disso, o apoio dos cristãos evangélicos.

Em suma, obter apoio suficiente entre os democratas para forjar um acordo complexo como esse com a Arábia Saudita requereria um esforço enorme mesmo num dia bom; e será ainda mais difícil se Netanyahu castrar as Suprema Corte de Israel — minando nossos valores compartilhados sobre um Judiciário independente — e for adiante com planos de anexar a Cisjordânia. E sem o senhor como presidente, um acordo desse tipo seria virtualmente impossível, porque muito poucos democratas no Senado o apoiariam se ele fosse proposto por um presidente republicano. Ou seja, a janela para esse acordo é estreita.

Manifestantes bloqueando uma estrada durante um protesto contra os planos do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de reformular o sistema judicial, em Jerusalém, na segunda-feira, 24 de julho de 2023.  Foto: Ariel Schalit / AP

Além disso, em 2016, o senhor e o ex-presidente Barack Obama assinaram um acordo de US$ 38 bilhões para melhorar as Forças Armadas de Israel em 10 anos. Nós devemos simplesmente ficar sentados e assistir silenciosamente enquanto esses militares — nos quais nós investimos tão imensamente para amplificar nossa própria projeção de poder no Oriente Médio — se fraturam em razão dos esforços para restringir o poder da Suprema Corte israelense? Isso seria um desastre tanto para nós quanto para Israel, que na vizinhança tem inimigos reais, como o Irã e o Hezbollah.

Nós também já podemos ver que o comportamento extremista deste governo israelense ao expandir assentamentos coloniais na Cisjordânia começa a prejudicar as relações históricas forjadas pelo ex-presidente Donald Trump entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, com os Acordos de Abraão. Esses três países árabes foram forçados a acalmar as relações diplomáticas com Israel.

Sr. presidente, não existe nenhuma instituição da democracia que não possa ser melhorada — e isso se aplica à Suprema Corte de Israel. A centro-direita reclamou no passado que o tribunal superior israelense manifestou exageros judiciais em certas ocasiões. Mas entre 2015 e 2019, os governos do Likud orientaram com sucesso as nomeações de quatro ministros conservadores para a Suprema Corte — sob o atual sistema que Netanyahu pretende abolir. Isso mostra o quão nociva essa tal “reforma judicial” é realmente.

Há uma enorme diferença entre tornar a Suprema Corte israelense mais inclusiva politicamente e etnicamente e tornar o atual governo imune ao seu escrutínio — especialmente em um sistema no qual o tribunal superior é o único contrapeso verdadeiro ao poder do Executivo. E é com isso que a coalizão de Netanyahu quer acabar; o que mina não apenas nossos valores compartilhados com Israel, mas também nossos próprios interesses estratégicos, que nós temos direito — e obrigação — de defender. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES — Estimado presidente Biden:

Em outubro de 1973, os Exércitos do Egito e da Síria atacaram Israel em um movimento duplo e simultâneo. Conforme os estoques israelenses de munição diminuíram, seu antecessor Richard Nixon ordenou um envio aéreo massivo de armamentos que ajudaram a evitar que a única democracia judaica no planeta fosse destruída por forças externas.

Cinquenta anos depois, Sr. presidente, esta mesma democracia judaica precisa de outro envio massivo — e urgente — de ajuda para não ser destruída, mas por forças internas: um envio de duras verdades; algo que somente o senhor é capaz de fornecer.

E quais são essas verdade? Se o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu continuar a tentar empurrar goela abaixo de Israel o projeto de lei que pretende despir a Suprema Corte israelense da maior parte da sua atribuição de autoridade legal mais importante — o poder de controlar e reverter nomeações de extremistas e decisões extremadas do Executivo israelense; e o fizer sem nenhuma tentativa de estabelecer algum consenso nacional, isso fraturará as Forças Armadas israelenses e minará não apenas os valores compartilhados por EUA e Israel, mas também interesses vitais de Washington.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao centro, é cercado por legisladores em uma sessão do Knesset, o parlamento israelense, em Jerusalém, Israel, na segunda-feira, 24 de julho de 2023. Foto: Maya Alleruzzo / AP

Sr. presidente, quando nós nos encontramos terça-feira passada, o senhor me transmitiu uma mensagem bem calibrada instando Netanyahu a não “apressar” a aprovação desta legislação sem “o consenso mais amplo possível”, com o qual o primeiro-ministro claramente não conta — sua fala deu um choque elétrico no sistema político israelense, dominando o noticiário por vários dias.

A voltagem do choque foi tão alta porque a vasta maioria dos israelenses acredita — e está correta sobre isso — que o senhor é um amigo verdadeiro e que seu conselho veio de seu coração.

Mas eu acho que o governo israelense está precisando de mais uma dose de amor rude — e não apenas do seu coração, mas também do coração dos interesses estratégicos dos EUA.

Porque Netanyahu está indo adiante apesar de suas advertências. Apesar de um alerta de mais de 1,1 mil pilotos e técnicos da Força Aérea israelense afirmando que não servirão a uma ditadura. Apesar de uma carta aberta assinada por dúzias de ex-autoridades graduadas de segurança israelenses, incluindo ex-comandantes das Forças Armadas de Israel, ex-diretores do Mossad e do Shin Bet e ex-comissários de polícia do país suplicando ao primeiro-ministro que pare.

Apesar do alerta do fórum de empresários mais importante de Israel sobre “consequências irreversíveis e destrutivas para a economia israelense”. Apesar de temores de que sua reforma poderia eventualmente fraturar a coesão de unidade do Exército israelense. E apesar de uma notável marcha de cinco dias, amplamente espontânea, de cidadãos comuns israelenses de Tel-Aviv para Jerusalém. Nada semelhante já ocorreu na história de Israel.

Permita-me sugerir, Sr. presidente: é imprescindível que o seu secretário de Estado, seu secretário da Defesa, sua secretária do Tesouro, sua secretária do Comércio, seu secretário da Agricultura, sua representante comercial dos EUA, seu procurador-geral, seu diretor da CIA e seu chefe do Estado-Maior Conjunto telefonem para seus homólogos israelenses hoje mesmo e transmitam-lhes que, se Netanyahu for adiante — sem consenso, fraturando a sociedade de Israel e suas Forças Armadas — ele não minará somente os valores compartilhados entre os nossos dois países, mas também prejudicará gravemente os interesses dos EUA no Oriente Médio.

E os interesses dos EUA são importantes para ambos. Porque a votação essa votação no Knesset pode fazer algo muito importante se romper em Israel e na relação dos EUA com Israel. E uma vez que essa relação se romper, poderá nunca se reatar.

Espero que já não seja tarde demais.

Quais interesses americanos estão em jogo? Já deveria ser óbvio para qualquer formulador de políticas dos EUA que o gabinete de Netanyahu, que o senhor descreveu como um dos mais “extremos” com que já se deparou, está obcecado com dois projetos de desmantelamento.

A polícia israelense usa um canhão de água para dispersar manifestantes que bloqueiam uma estrada durante um protesto contra os planos do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de reformular o sistema judicial, em Jerusalém, na segunda-feira, 24 de julho de 2023.  Foto: Ariel Schalit / AP

Um é desmantelar o poder da Suprema Corte para impor a agenda de seu governo extremista, e o outro é desmantelar o processo de paz de Oslo e seu mapa do caminho para uma solução de dois Estados e pavimentar a via no sentido de uma anexação israelense unilateral da Cisjordânia. Oslo tem sido o pilar da política externa dos EUA no Oriente Médio desde 1993.

Esses desmantelamentos simultâneos são interconectados: os supremacistas judeus que compõem o gabinete de Netanyahu precisam tirar a Suprema Corte de seu caminho para ir adiante com seus planos de anexar a Cisjordânia. Esse movimento poderia facilmente desestabilizar a Jordânia, assim como provavelmente empurrar para lá cada vez mais palestinos e alterar seu frágil equilíbrio demográfico.

A Jordânia é o Estado-tampão mais importante na região para os americanos, que operam a partir do território jordaniano em colaboração com o governo do país, para lidar com ameaças de segurança aos EUA na Síria e no oeste do Iraque, onde forças do Estado Islâmico continuam ativas.

Ao mesmo tempo, sr. presidente, o senhor está diante de uma das maiores decisões de todos os tempos sobre a estratégia dos EUA no Oriente Médio: atender ou não aos pedidos da Arábia Saudita por uma garantia de segurança mais formal de Washington, um programa nucelar civil supervisionado pelos EUA e acesso às armas americanas mais avançadas. Em troca, os sauditas normalizariam suas relações com Israel (contanto que os israelenses abrissem certas concessões em relação aos palestinos) e limitariam sua colaboração com a China.

Seria extremamente difícil e inconveniente obter aprovação do Congresso sobre um acordo como esse sem forte apoio dos democratas no Senado. Como o senhor bem sabe, Netanyahu e o príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman são dois dos líderes mundiais menos populares entre os democratas progressistas, especialmente considerando a maneira que Netanyahu, ao longo da década recente, movimentou-se para tornar Israel uma causa republicana e desdenhou do apoio dos judeus americanos seculares preferindo, em vez disso, o apoio dos cristãos evangélicos.

Em suma, obter apoio suficiente entre os democratas para forjar um acordo complexo como esse com a Arábia Saudita requereria um esforço enorme mesmo num dia bom; e será ainda mais difícil se Netanyahu castrar as Suprema Corte de Israel — minando nossos valores compartilhados sobre um Judiciário independente — e for adiante com planos de anexar a Cisjordânia. E sem o senhor como presidente, um acordo desse tipo seria virtualmente impossível, porque muito poucos democratas no Senado o apoiariam se ele fosse proposto por um presidente republicano. Ou seja, a janela para esse acordo é estreita.

Manifestantes bloqueando uma estrada durante um protesto contra os planos do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de reformular o sistema judicial, em Jerusalém, na segunda-feira, 24 de julho de 2023.  Foto: Ariel Schalit / AP

Além disso, em 2016, o senhor e o ex-presidente Barack Obama assinaram um acordo de US$ 38 bilhões para melhorar as Forças Armadas de Israel em 10 anos. Nós devemos simplesmente ficar sentados e assistir silenciosamente enquanto esses militares — nos quais nós investimos tão imensamente para amplificar nossa própria projeção de poder no Oriente Médio — se fraturam em razão dos esforços para restringir o poder da Suprema Corte israelense? Isso seria um desastre tanto para nós quanto para Israel, que na vizinhança tem inimigos reais, como o Irã e o Hezbollah.

Nós também já podemos ver que o comportamento extremista deste governo israelense ao expandir assentamentos coloniais na Cisjordânia começa a prejudicar as relações históricas forjadas pelo ex-presidente Donald Trump entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, com os Acordos de Abraão. Esses três países árabes foram forçados a acalmar as relações diplomáticas com Israel.

Sr. presidente, não existe nenhuma instituição da democracia que não possa ser melhorada — e isso se aplica à Suprema Corte de Israel. A centro-direita reclamou no passado que o tribunal superior israelense manifestou exageros judiciais em certas ocasiões. Mas entre 2015 e 2019, os governos do Likud orientaram com sucesso as nomeações de quatro ministros conservadores para a Suprema Corte — sob o atual sistema que Netanyahu pretende abolir. Isso mostra o quão nociva essa tal “reforma judicial” é realmente.

Há uma enorme diferença entre tornar a Suprema Corte israelense mais inclusiva politicamente e etnicamente e tornar o atual governo imune ao seu escrutínio — especialmente em um sistema no qual o tribunal superior é o único contrapeso verdadeiro ao poder do Executivo. E é com isso que a coalizão de Netanyahu quer acabar; o que mina não apenas nossos valores compartilhados com Israel, mas também nossos próprios interesses estratégicos, que nós temos direito — e obrigação — de defender. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES — Estimado presidente Biden:

Em outubro de 1973, os Exércitos do Egito e da Síria atacaram Israel em um movimento duplo e simultâneo. Conforme os estoques israelenses de munição diminuíram, seu antecessor Richard Nixon ordenou um envio aéreo massivo de armamentos que ajudaram a evitar que a única democracia judaica no planeta fosse destruída por forças externas.

Cinquenta anos depois, Sr. presidente, esta mesma democracia judaica precisa de outro envio massivo — e urgente — de ajuda para não ser destruída, mas por forças internas: um envio de duras verdades; algo que somente o senhor é capaz de fornecer.

E quais são essas verdade? Se o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu continuar a tentar empurrar goela abaixo de Israel o projeto de lei que pretende despir a Suprema Corte israelense da maior parte da sua atribuição de autoridade legal mais importante — o poder de controlar e reverter nomeações de extremistas e decisões extremadas do Executivo israelense; e o fizer sem nenhuma tentativa de estabelecer algum consenso nacional, isso fraturará as Forças Armadas israelenses e minará não apenas os valores compartilhados por EUA e Israel, mas também interesses vitais de Washington.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao centro, é cercado por legisladores em uma sessão do Knesset, o parlamento israelense, em Jerusalém, Israel, na segunda-feira, 24 de julho de 2023. Foto: Maya Alleruzzo / AP

Sr. presidente, quando nós nos encontramos terça-feira passada, o senhor me transmitiu uma mensagem bem calibrada instando Netanyahu a não “apressar” a aprovação desta legislação sem “o consenso mais amplo possível”, com o qual o primeiro-ministro claramente não conta — sua fala deu um choque elétrico no sistema político israelense, dominando o noticiário por vários dias.

A voltagem do choque foi tão alta porque a vasta maioria dos israelenses acredita — e está correta sobre isso — que o senhor é um amigo verdadeiro e que seu conselho veio de seu coração.

Mas eu acho que o governo israelense está precisando de mais uma dose de amor rude — e não apenas do seu coração, mas também do coração dos interesses estratégicos dos EUA.

Porque Netanyahu está indo adiante apesar de suas advertências. Apesar de um alerta de mais de 1,1 mil pilotos e técnicos da Força Aérea israelense afirmando que não servirão a uma ditadura. Apesar de uma carta aberta assinada por dúzias de ex-autoridades graduadas de segurança israelenses, incluindo ex-comandantes das Forças Armadas de Israel, ex-diretores do Mossad e do Shin Bet e ex-comissários de polícia do país suplicando ao primeiro-ministro que pare.

Apesar do alerta do fórum de empresários mais importante de Israel sobre “consequências irreversíveis e destrutivas para a economia israelense”. Apesar de temores de que sua reforma poderia eventualmente fraturar a coesão de unidade do Exército israelense. E apesar de uma notável marcha de cinco dias, amplamente espontânea, de cidadãos comuns israelenses de Tel-Aviv para Jerusalém. Nada semelhante já ocorreu na história de Israel.

Permita-me sugerir, Sr. presidente: é imprescindível que o seu secretário de Estado, seu secretário da Defesa, sua secretária do Tesouro, sua secretária do Comércio, seu secretário da Agricultura, sua representante comercial dos EUA, seu procurador-geral, seu diretor da CIA e seu chefe do Estado-Maior Conjunto telefonem para seus homólogos israelenses hoje mesmo e transmitam-lhes que, se Netanyahu for adiante — sem consenso, fraturando a sociedade de Israel e suas Forças Armadas — ele não minará somente os valores compartilhados entre os nossos dois países, mas também prejudicará gravemente os interesses dos EUA no Oriente Médio.

E os interesses dos EUA são importantes para ambos. Porque a votação essa votação no Knesset pode fazer algo muito importante se romper em Israel e na relação dos EUA com Israel. E uma vez que essa relação se romper, poderá nunca se reatar.

Espero que já não seja tarde demais.

Quais interesses americanos estão em jogo? Já deveria ser óbvio para qualquer formulador de políticas dos EUA que o gabinete de Netanyahu, que o senhor descreveu como um dos mais “extremos” com que já se deparou, está obcecado com dois projetos de desmantelamento.

A polícia israelense usa um canhão de água para dispersar manifestantes que bloqueiam uma estrada durante um protesto contra os planos do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de reformular o sistema judicial, em Jerusalém, na segunda-feira, 24 de julho de 2023.  Foto: Ariel Schalit / AP

Um é desmantelar o poder da Suprema Corte para impor a agenda de seu governo extremista, e o outro é desmantelar o processo de paz de Oslo e seu mapa do caminho para uma solução de dois Estados e pavimentar a via no sentido de uma anexação israelense unilateral da Cisjordânia. Oslo tem sido o pilar da política externa dos EUA no Oriente Médio desde 1993.

Esses desmantelamentos simultâneos são interconectados: os supremacistas judeus que compõem o gabinete de Netanyahu precisam tirar a Suprema Corte de seu caminho para ir adiante com seus planos de anexar a Cisjordânia. Esse movimento poderia facilmente desestabilizar a Jordânia, assim como provavelmente empurrar para lá cada vez mais palestinos e alterar seu frágil equilíbrio demográfico.

A Jordânia é o Estado-tampão mais importante na região para os americanos, que operam a partir do território jordaniano em colaboração com o governo do país, para lidar com ameaças de segurança aos EUA na Síria e no oeste do Iraque, onde forças do Estado Islâmico continuam ativas.

Ao mesmo tempo, sr. presidente, o senhor está diante de uma das maiores decisões de todos os tempos sobre a estratégia dos EUA no Oriente Médio: atender ou não aos pedidos da Arábia Saudita por uma garantia de segurança mais formal de Washington, um programa nucelar civil supervisionado pelos EUA e acesso às armas americanas mais avançadas. Em troca, os sauditas normalizariam suas relações com Israel (contanto que os israelenses abrissem certas concessões em relação aos palestinos) e limitariam sua colaboração com a China.

Seria extremamente difícil e inconveniente obter aprovação do Congresso sobre um acordo como esse sem forte apoio dos democratas no Senado. Como o senhor bem sabe, Netanyahu e o príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman são dois dos líderes mundiais menos populares entre os democratas progressistas, especialmente considerando a maneira que Netanyahu, ao longo da década recente, movimentou-se para tornar Israel uma causa republicana e desdenhou do apoio dos judeus americanos seculares preferindo, em vez disso, o apoio dos cristãos evangélicos.

Em suma, obter apoio suficiente entre os democratas para forjar um acordo complexo como esse com a Arábia Saudita requereria um esforço enorme mesmo num dia bom; e será ainda mais difícil se Netanyahu castrar as Suprema Corte de Israel — minando nossos valores compartilhados sobre um Judiciário independente — e for adiante com planos de anexar a Cisjordânia. E sem o senhor como presidente, um acordo desse tipo seria virtualmente impossível, porque muito poucos democratas no Senado o apoiariam se ele fosse proposto por um presidente republicano. Ou seja, a janela para esse acordo é estreita.

Manifestantes bloqueando uma estrada durante um protesto contra os planos do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de reformular o sistema judicial, em Jerusalém, na segunda-feira, 24 de julho de 2023.  Foto: Ariel Schalit / AP

Além disso, em 2016, o senhor e o ex-presidente Barack Obama assinaram um acordo de US$ 38 bilhões para melhorar as Forças Armadas de Israel em 10 anos. Nós devemos simplesmente ficar sentados e assistir silenciosamente enquanto esses militares — nos quais nós investimos tão imensamente para amplificar nossa própria projeção de poder no Oriente Médio — se fraturam em razão dos esforços para restringir o poder da Suprema Corte israelense? Isso seria um desastre tanto para nós quanto para Israel, que na vizinhança tem inimigos reais, como o Irã e o Hezbollah.

Nós também já podemos ver que o comportamento extremista deste governo israelense ao expandir assentamentos coloniais na Cisjordânia começa a prejudicar as relações históricas forjadas pelo ex-presidente Donald Trump entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, com os Acordos de Abraão. Esses três países árabes foram forçados a acalmar as relações diplomáticas com Israel.

Sr. presidente, não existe nenhuma instituição da democracia que não possa ser melhorada — e isso se aplica à Suprema Corte de Israel. A centro-direita reclamou no passado que o tribunal superior israelense manifestou exageros judiciais em certas ocasiões. Mas entre 2015 e 2019, os governos do Likud orientaram com sucesso as nomeações de quatro ministros conservadores para a Suprema Corte — sob o atual sistema que Netanyahu pretende abolir. Isso mostra o quão nociva essa tal “reforma judicial” é realmente.

Há uma enorme diferença entre tornar a Suprema Corte israelense mais inclusiva politicamente e etnicamente e tornar o atual governo imune ao seu escrutínio — especialmente em um sistema no qual o tribunal superior é o único contrapeso verdadeiro ao poder do Executivo. E é com isso que a coalizão de Netanyahu quer acabar; o que mina não apenas nossos valores compartilhados com Israel, mas também nossos próprios interesses estratégicos, que nós temos direito — e obrigação — de defender. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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