HAVANA - O líder do Parlamento, o vice-presidente da República e a vice-primeira-ministra de Cuba são negros. Apesar disso, quase seis décadas após a proclamação da igualdade feita pela Revolução Cubana, o racismo ainda se faz presente no dia a dia.
As políticas públicas na ilha buscam resolver séculos de desigualdade após a escravidão (abolida em 1886), promover acesso ao ensino superior e a cargos públicos. Mas o racismo prevalece e raramente é abordado pela mídia estatal. O ativista negro Alexander Holl, de 22 anos e estudante de História, argumenta que a cor da pele "influencia muito" nas relações na ilha.
"É comum que muitas famílias brancas digam (aos seus filhos) para não se relacionarem com esse ou aquele rapaz (afrodescendente). Quando você quer ficar com uma garota branca, percebe que isso às vezes é um impedimento", explica. Reconhecendo a magnitude do problema, o presidente Miguel Díaz-Canel anunciou em novembro um programa para "eliminar definitivamente os vestígios do racismo".
Em Cuba, apenas 9,3% de seus 11,2 milhões de habitantes se reconhecem como negros, 26,6% se declaram mestiços, enquanto 64,1% se dizem brancos, de acordo com o censo de 2012. O debate racial ressurgiu recentemente devido aos protestos após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, e a recente morte do afro-cubano Hansel Hernández, de 27 anos, acusado de roubo em um suposto confronto com a polícia.
Racismo nas ruas
Em 1962, Fidel Castro deu a discriminação racial como superada na ilha. Mas isso não a impediu. Segundo um estudo do instituto alemão GIGA (German Institute for Global and Area Studies, de Hamburgo) em 2019, em Cuba, 50% dos brancos afirmam ter uma conta bancária contra somente 11% dos negros. Um terço dos brancos já viajaram para o exterior, contra 3% dos negros. E os brancos controlam 98% das empresas privadas.
"Não percebemos que o problema da discriminação racial é muito mais profundo e que não desaparece com uma lei", lamenta Tomás Fernández, autor de vários livros sobre o assunto. No Parlamento, 40,5% dos 605 deputados são negros e mestiços, incluindo seu presidente Esteban Lazo, assim como a maioria dos membros do Conselho de Estado, o vice-presidente do país, Salvador Valdés, e a vice-primeira-ministra, Inés Chapman.
"O verdadeiro racismo está nas ruas, nas precárias condições estruturais e econômicas da população negra e mestiça. Garantir um direito na lei não significa que eu terei todas as condições econômicas e sociais para validar esse direito", enfatiza Holl.