Como os iranianos driblam a censura e usam a internet para protestar contra o regime


Entre os iranianos, uma crescente indignação expressada online alimentou sucessivas ondas de protesto contra os clérigos autocráticos que os governam

Por Vivian Yee
Atualização:

No mundo físico, os líderes autoritários do Irã não se submetem a nada nem respondem por seus atos. Eles tentam manter os iranianos longe do entretenimento e das notícias do Ocidente, mas com frequência fracassam. Graças às suas regras, as mulheres são obrigadas a cobrir as cabeças com véus e os corpos com roupas largas.

Na internet, iranianas e iranianos com frequência conseguem se livrar dessas amarras.

Elas dão gritinhos ao ver a boy-band coreana BTS e o ator Timothée Chalamet, postam selfies no Instagram sem nenhum véu, exibindo o cabelo. E todos conseguem assistir vídeos vazados que exibem as terríveis condições das prisões iranianas; ver fotos viralizadas das luxuosas vidas que os filhos das autoridades do alto escalão levam no exterior ao mesmo tempo em que a economia doméstica entra em colapso; ler a respeito de abusos de direitos humanos; encher os políticos de perguntas no Twitter; e escarnecer de seu líder supremo anonimamente, em comentários.

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Vídeo do cantor iraniano Shervin Hajipour, solto em Teerã após ter sido preso por compor música em apoio aos protestos em seu país Foto: Khaled Desouki/AFP - 04/10/2022

“Em um mundo, o governo controla tudo, e as pessoas sempre tiveram de esconder o que pensam, o que desejam, o que gostam e o que desfrutam em sua vida real”, afirmou o jornalista investigativo iraniano Mohammad Mosaed, que foi preso duas vezes por postar online conteúdo que o governo considera questionável.

“Mas na internet, as pessoas têm a chance de dizer o que querem, mostram quem são realmente”, afirmou ele. “E isso causou conflito entre os dois mundos.”

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Entre os iranianos, uma crescente indignação expressada online alimentou sucessivas ondas de protesto contra os clérigos autocráticos que os governam, culminando no mês passado em manifestações que ocorreram em todo o país, desafiando os alicerces da República Islâmica.

Apesar de a batalha ser travada fisicamente nas ruas, com mulheres queimando seus véus e iranianos de todas as classes confrontando as forças de segurança, foram os smartphones dos manifestantes que os colocaram lá em primeiro lugar.

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Em 16 de setembro, circulou online a notícia de que uma jovem havia morrido sob custódia da polícia depois de ser acusada de violar a lei que obriga as iranianas a usar o véu. Um dia depois, 250 mil usuários do Instagram haviam se juntado a um fio digital de iranianos postando sobre a mulher, Mahsa Amini, e a hashtag com seu nome havia sido tuitada, retuitada ou curtida mais de nove milhões de vezes.

Dezenas de cidades têm se levantado em protestos todas as noites desde então. As forças de segurança mataram pelo menos 50 pessoas, de acordo com grupos de defesa de direitos, e prenderam mais de 700, incluindo jornalistas e ativistas que usavam as redes sociais para manter as pessoas informadas.

Dezenas de atletas proeminentes, incluindo jogadores da seleção iraniana de futebol como Ali Karimi e Sardar Azmoun, personalidades e cineastas como Asghar Farhadi usaram as redes sociais para anunciar seu apoio aos protestos na semana passada. O governo afirmou que eles sofrerão consequências que incluem banimento em suas atividades profissionais.

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O governo respondeu à agitação com mais balas, gás lacrimogêneo e espancamentos.

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Mahsa Amini: Jovem de 22 anos morreu após ser detida pela polícia moral do #Irã por uso ‘inadequado’ da indumentária obrigatória

Todas as noites cortes no acesso à internet e aos aplicativos confundem os esforços para organizar novos protestos e diminuem seu impulso. Há mais de uma década, muito antes das atuais manifestações, os líderes do Irã têm trabalhado para consolidar o controle construindo sua própria internet doméstica com cópias de sites como Google e Instagram. Isso colocou seu objetivo de bloquear a internet livre quase dentro do seu alcance.

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Sob o governo do novo presidente ultraconservador do Irã, Ebrahim Raisi, o país intensificou a censura, invadiu VPNs, violou a criptografia de aplicativos de mensagens e filtrou buscas no Google com a ferramenta SafeSearch, que permite a exibição apenas de conteúdo apropriado para pessoas com menos de 13 anos de idade.

Há temores de que uma lei de controle da internet em fase de tramitação bloqueie os aplicativos de redes sociais remanescentes, dos quais estimados 11 milhões de iranianos dependem para ganhar a vida trabalhando como influenciadores, vendendo produtos pelo Instagram e em outras atividades.

Os inimigos do Irã estão usando as redes sociais em uma “ofensiva para distorcer e destruir” o establishment religioso, alertou o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo de 83 anos, em um discurso pronunciado em fevereiro, conclamando as autoridades a regular o acesso à internet.

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“O Judiciário deve evitar que as mentes das pessoas fiquem preocupadas e sejam perturbadas” por rumores e falsas alegações “tanto nos meios de comunicação quanto na internet”, afirmou ele em junho.

Alcance

Aproximadamente 80% dos iranianos usam alguma forma de rede social, de acordo com uma pesquisa publicada este ano por um grupo ligado ao governo. Até mesmo várias autoridades do governo têm perfis no Twitter apesar do site ser banido no Irã, em um reconhecimento tácito de seu alcance.

Reconhecendo que os apagões de internet poderiam sufocar os protestos, o governo de Joe Biden mudou regulações na semana passada para conceder a empresas de tecnologia americanas mais espaço para oferecer serviços aos iranianos sem violar as sanções dos Estados Unidos sobre o Irã. Mas não está claro quão rapidamente elas poderiam agir.

Em um país onde os meios de comunicação são controlados estritamente e os líderes quase nunca têm de se submeter ao escrutínio público, plataformas como Twitter, Instagram e Clubhouse constituem o único meio de manter poderes de cobrança sobre as autoridades.

“Tem sido crucial para muita gente acordar de manhã e ver o que está acontecendo realmente”, afirmou Shahin Milani, diretor-executivo do Centro de Documentação de Direitos Humanos no Irã, com base nos EUA. “E isso é realmente crucial, porque nenhum outro meio permite isso.”

Cartazes na França durante demonstração de apoio aos manifestantes no Irã Foto: Damien Meyer/AFP - 16/09/2022

Informações online a respeito de abusos e privilégios motivaram indignação e repulsa entre iranianos nos anos recentes.

Algumas revelaram repressões brutais sobre protestos antigoverno e relativas à lei que exige das mulheres cobrir seus corpos e cabelos. Algumas semanas antes da história de Amini ser revelada, vários vídeos circularam nas redes sociais mostrando a notória polícia de moralidade iraniana detendo com violência jovens mulheres consideradas cobertas inadequadamente.

Mas mesmo conteúdos ostensivamente triviais são capazes de causar indignação.

Em abril, fotos mostraram a família do presidente do Parlamento viajando para o exterior para comprar roupas de bebê, em um momento em que a maioria dos iranianos mal conseguia pagar pelas roupinhas baratas fabricadas no Irã.

E em 2017, um vídeo com o filho de um proeminente legislador creditando o sucesso de sua carreira aos seus “ótimos genes” viralizou, indignando as pessoas com menos conexões e mais problemas.

Naquele outono, os iranianos empreenderam uma campanha nas redes sociais com a hashtag “Eu lamento”, unindo pessoas que lamentavam ter votado em candidatos reformistas que fracassaram em agir pela mudança.

Versão casta da internet

No fim de 2017, protestos ocasionados por investimentos ruins desencadearam manifestações contra o governo e suas políticas econômicas nacionalmente.

As autoridades consideram a internet livre uma ameaça desde 2009, quando as redes sociais ajudaram a mobilizar milhões de iranianos para os protestos do Movimento Verde, contra o que eles acreditavam ter sido uma eleição presidencial fraudulenta.

Antes com foco em desenvolver uma versão doméstica e casta da internet, o governo voltou suas energias para a criação de uma rede que fosse capaz de controlar.

“Se eu não tivesse acesso à internet, acreditaria em tudo o que eles quisessem me dizer”, afirmou Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança do Grupo Miaan, que tem base nos EUA e apoia entidades de defesa de direitos humanos no Irã. “Então eles se deram conta que estavam sendo criticados na internet e que precisam controlá-la.”

Sob o governo do ex-presidente relativamente moderado Hassan Rohani, que ocupou a função de 2013 até o ano passado, restrições que limitavam a velocidade da internet foram suspensas, e a internet móvel decolou. Rohani também falou em permitir a entrada de empresas de tecnologia ocidentais, como o Twitter, no país sob condições em estilo chinês, exigindo delas impor restrições de acesso.

Protestos em Teerã impulsionados pelo Movimento Verde, em 2011  Foto: RAheb Homavandi/Reuters - 18/02/2011

Mas as rigorosas sanções dos EUA sobre o programa nuclear do Irã deixaram o Vale do Silício relutante ou incapaz de trabalhar com o país persa.

Em vez disso, o Irã construiu sua própria versão de Google, Instagram, WhatsApp e outros aplicativos, certificando-se de que o conteúdo lhe parecesse adequado.

Estatísticas das lojas de aplicativos do Irã, contudo, mostram que apenas poucos milhões de pessoas no país de aproximadamente 85 milhões de habitantes os baixaram. Pesquisadores afirmam que isso se deve em parte a preocupações a respeito da vigilância do governo.

E os iranianos não param de descobrir maneiras de acessar a internet livre: cerca de 80% dos iranianos usam redes privadas virtuais e intermediários para o acesso, disse um legislador à imprensa estatal em julho.

“Os iranianos também veem como o restante do mundo vive e querem isso também”, afirmou Holly Dagres, pesquisadora-sênior iraniana-americana do Atlantic Council, que redigiu um artigo a respeito do uso de redes sociais pelos iranianos. “De maneira mais importante, essa é a única forma de fazerem suas vozes serem escutadas.”

Isolamento

Agora, quando a internet livre é apagada, a Rede Nacional de Informação do Irã continua funcionando, o que estimula os iranianos a migrar. A TV estatal passou a promover os aplicativos de fabricação nacional durante os atuais protestos, informando os telespectadores que, enquanto os aplicativos estrangeiros devem ser regulados para evitar que “vândalos” causem mais estragos, as pessoas são livres para usar as versões iranianas.

Uma solução, afirmam ativistas iranianos, seria as empresas americanas entrarem novamente em campo no Irã depois de ter se afastado em razão das sanções mais duras impostas pelo ex-presidente Donald Trump contra o Irã.

O Signal, um aplicativo de mensagens criptografadas, afirmou que está trabalhando com usuários voluntários para descobrir maneiras alternativas de acessar e distribuir o aplicativo, mas encontrou dificuldades, incluindo empresas iranianas de telecomunicação evitando que seus códigos de validação em texto sejam entregues. O Google afirmou que está trabalhando em ajustes técnicos para ajudar no acesso. Mas soluções mais abrangentes não parecem estar a caminho.

“A principal ferramenta que temos para combater” os controles do governo iraniano, afirmou Rashidi, “é romper o isolamento”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

No mundo físico, os líderes autoritários do Irã não se submetem a nada nem respondem por seus atos. Eles tentam manter os iranianos longe do entretenimento e das notícias do Ocidente, mas com frequência fracassam. Graças às suas regras, as mulheres são obrigadas a cobrir as cabeças com véus e os corpos com roupas largas.

Na internet, iranianas e iranianos com frequência conseguem se livrar dessas amarras.

Elas dão gritinhos ao ver a boy-band coreana BTS e o ator Timothée Chalamet, postam selfies no Instagram sem nenhum véu, exibindo o cabelo. E todos conseguem assistir vídeos vazados que exibem as terríveis condições das prisões iranianas; ver fotos viralizadas das luxuosas vidas que os filhos das autoridades do alto escalão levam no exterior ao mesmo tempo em que a economia doméstica entra em colapso; ler a respeito de abusos de direitos humanos; encher os políticos de perguntas no Twitter; e escarnecer de seu líder supremo anonimamente, em comentários.

Vídeo do cantor iraniano Shervin Hajipour, solto em Teerã após ter sido preso por compor música em apoio aos protestos em seu país Foto: Khaled Desouki/AFP - 04/10/2022

“Em um mundo, o governo controla tudo, e as pessoas sempre tiveram de esconder o que pensam, o que desejam, o que gostam e o que desfrutam em sua vida real”, afirmou o jornalista investigativo iraniano Mohammad Mosaed, que foi preso duas vezes por postar online conteúdo que o governo considera questionável.

“Mas na internet, as pessoas têm a chance de dizer o que querem, mostram quem são realmente”, afirmou ele. “E isso causou conflito entre os dois mundos.”

Entre os iranianos, uma crescente indignação expressada online alimentou sucessivas ondas de protesto contra os clérigos autocráticos que os governam, culminando no mês passado em manifestações que ocorreram em todo o país, desafiando os alicerces da República Islâmica.

Apesar de a batalha ser travada fisicamente nas ruas, com mulheres queimando seus véus e iranianos de todas as classes confrontando as forças de segurança, foram os smartphones dos manifestantes que os colocaram lá em primeiro lugar.

Em 16 de setembro, circulou online a notícia de que uma jovem havia morrido sob custódia da polícia depois de ser acusada de violar a lei que obriga as iranianas a usar o véu. Um dia depois, 250 mil usuários do Instagram haviam se juntado a um fio digital de iranianos postando sobre a mulher, Mahsa Amini, e a hashtag com seu nome havia sido tuitada, retuitada ou curtida mais de nove milhões de vezes.

Dezenas de cidades têm se levantado em protestos todas as noites desde então. As forças de segurança mataram pelo menos 50 pessoas, de acordo com grupos de defesa de direitos, e prenderam mais de 700, incluindo jornalistas e ativistas que usavam as redes sociais para manter as pessoas informadas.

Dezenas de atletas proeminentes, incluindo jogadores da seleção iraniana de futebol como Ali Karimi e Sardar Azmoun, personalidades e cineastas como Asghar Farhadi usaram as redes sociais para anunciar seu apoio aos protestos na semana passada. O governo afirmou que eles sofrerão consequências que incluem banimento em suas atividades profissionais.

O governo respondeu à agitação com mais balas, gás lacrimogêneo e espancamentos.

Seu navegador não suporta esse video.

Mahsa Amini: Jovem de 22 anos morreu após ser detida pela polícia moral do #Irã por uso ‘inadequado’ da indumentária obrigatória

Todas as noites cortes no acesso à internet e aos aplicativos confundem os esforços para organizar novos protestos e diminuem seu impulso. Há mais de uma década, muito antes das atuais manifestações, os líderes do Irã têm trabalhado para consolidar o controle construindo sua própria internet doméstica com cópias de sites como Google e Instagram. Isso colocou seu objetivo de bloquear a internet livre quase dentro do seu alcance.

Sob o governo do novo presidente ultraconservador do Irã, Ebrahim Raisi, o país intensificou a censura, invadiu VPNs, violou a criptografia de aplicativos de mensagens e filtrou buscas no Google com a ferramenta SafeSearch, que permite a exibição apenas de conteúdo apropriado para pessoas com menos de 13 anos de idade.

Há temores de que uma lei de controle da internet em fase de tramitação bloqueie os aplicativos de redes sociais remanescentes, dos quais estimados 11 milhões de iranianos dependem para ganhar a vida trabalhando como influenciadores, vendendo produtos pelo Instagram e em outras atividades.

Os inimigos do Irã estão usando as redes sociais em uma “ofensiva para distorcer e destruir” o establishment religioso, alertou o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo de 83 anos, em um discurso pronunciado em fevereiro, conclamando as autoridades a regular o acesso à internet.

“O Judiciário deve evitar que as mentes das pessoas fiquem preocupadas e sejam perturbadas” por rumores e falsas alegações “tanto nos meios de comunicação quanto na internet”, afirmou ele em junho.

Alcance

Aproximadamente 80% dos iranianos usam alguma forma de rede social, de acordo com uma pesquisa publicada este ano por um grupo ligado ao governo. Até mesmo várias autoridades do governo têm perfis no Twitter apesar do site ser banido no Irã, em um reconhecimento tácito de seu alcance.

Reconhecendo que os apagões de internet poderiam sufocar os protestos, o governo de Joe Biden mudou regulações na semana passada para conceder a empresas de tecnologia americanas mais espaço para oferecer serviços aos iranianos sem violar as sanções dos Estados Unidos sobre o Irã. Mas não está claro quão rapidamente elas poderiam agir.

Em um país onde os meios de comunicação são controlados estritamente e os líderes quase nunca têm de se submeter ao escrutínio público, plataformas como Twitter, Instagram e Clubhouse constituem o único meio de manter poderes de cobrança sobre as autoridades.

“Tem sido crucial para muita gente acordar de manhã e ver o que está acontecendo realmente”, afirmou Shahin Milani, diretor-executivo do Centro de Documentação de Direitos Humanos no Irã, com base nos EUA. “E isso é realmente crucial, porque nenhum outro meio permite isso.”

Cartazes na França durante demonstração de apoio aos manifestantes no Irã Foto: Damien Meyer/AFP - 16/09/2022

Informações online a respeito de abusos e privilégios motivaram indignação e repulsa entre iranianos nos anos recentes.

Algumas revelaram repressões brutais sobre protestos antigoverno e relativas à lei que exige das mulheres cobrir seus corpos e cabelos. Algumas semanas antes da história de Amini ser revelada, vários vídeos circularam nas redes sociais mostrando a notória polícia de moralidade iraniana detendo com violência jovens mulheres consideradas cobertas inadequadamente.

Mas mesmo conteúdos ostensivamente triviais são capazes de causar indignação.

Em abril, fotos mostraram a família do presidente do Parlamento viajando para o exterior para comprar roupas de bebê, em um momento em que a maioria dos iranianos mal conseguia pagar pelas roupinhas baratas fabricadas no Irã.

E em 2017, um vídeo com o filho de um proeminente legislador creditando o sucesso de sua carreira aos seus “ótimos genes” viralizou, indignando as pessoas com menos conexões e mais problemas.

Naquele outono, os iranianos empreenderam uma campanha nas redes sociais com a hashtag “Eu lamento”, unindo pessoas que lamentavam ter votado em candidatos reformistas que fracassaram em agir pela mudança.

Versão casta da internet

No fim de 2017, protestos ocasionados por investimentos ruins desencadearam manifestações contra o governo e suas políticas econômicas nacionalmente.

As autoridades consideram a internet livre uma ameaça desde 2009, quando as redes sociais ajudaram a mobilizar milhões de iranianos para os protestos do Movimento Verde, contra o que eles acreditavam ter sido uma eleição presidencial fraudulenta.

Antes com foco em desenvolver uma versão doméstica e casta da internet, o governo voltou suas energias para a criação de uma rede que fosse capaz de controlar.

“Se eu não tivesse acesso à internet, acreditaria em tudo o que eles quisessem me dizer”, afirmou Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança do Grupo Miaan, que tem base nos EUA e apoia entidades de defesa de direitos humanos no Irã. “Então eles se deram conta que estavam sendo criticados na internet e que precisam controlá-la.”

Sob o governo do ex-presidente relativamente moderado Hassan Rohani, que ocupou a função de 2013 até o ano passado, restrições que limitavam a velocidade da internet foram suspensas, e a internet móvel decolou. Rohani também falou em permitir a entrada de empresas de tecnologia ocidentais, como o Twitter, no país sob condições em estilo chinês, exigindo delas impor restrições de acesso.

Protestos em Teerã impulsionados pelo Movimento Verde, em 2011  Foto: RAheb Homavandi/Reuters - 18/02/2011

Mas as rigorosas sanções dos EUA sobre o programa nuclear do Irã deixaram o Vale do Silício relutante ou incapaz de trabalhar com o país persa.

Em vez disso, o Irã construiu sua própria versão de Google, Instagram, WhatsApp e outros aplicativos, certificando-se de que o conteúdo lhe parecesse adequado.

Estatísticas das lojas de aplicativos do Irã, contudo, mostram que apenas poucos milhões de pessoas no país de aproximadamente 85 milhões de habitantes os baixaram. Pesquisadores afirmam que isso se deve em parte a preocupações a respeito da vigilância do governo.

E os iranianos não param de descobrir maneiras de acessar a internet livre: cerca de 80% dos iranianos usam redes privadas virtuais e intermediários para o acesso, disse um legislador à imprensa estatal em julho.

“Os iranianos também veem como o restante do mundo vive e querem isso também”, afirmou Holly Dagres, pesquisadora-sênior iraniana-americana do Atlantic Council, que redigiu um artigo a respeito do uso de redes sociais pelos iranianos. “De maneira mais importante, essa é a única forma de fazerem suas vozes serem escutadas.”

Isolamento

Agora, quando a internet livre é apagada, a Rede Nacional de Informação do Irã continua funcionando, o que estimula os iranianos a migrar. A TV estatal passou a promover os aplicativos de fabricação nacional durante os atuais protestos, informando os telespectadores que, enquanto os aplicativos estrangeiros devem ser regulados para evitar que “vândalos” causem mais estragos, as pessoas são livres para usar as versões iranianas.

Uma solução, afirmam ativistas iranianos, seria as empresas americanas entrarem novamente em campo no Irã depois de ter se afastado em razão das sanções mais duras impostas pelo ex-presidente Donald Trump contra o Irã.

O Signal, um aplicativo de mensagens criptografadas, afirmou que está trabalhando com usuários voluntários para descobrir maneiras alternativas de acessar e distribuir o aplicativo, mas encontrou dificuldades, incluindo empresas iranianas de telecomunicação evitando que seus códigos de validação em texto sejam entregues. O Google afirmou que está trabalhando em ajustes técnicos para ajudar no acesso. Mas soluções mais abrangentes não parecem estar a caminho.

“A principal ferramenta que temos para combater” os controles do governo iraniano, afirmou Rashidi, “é romper o isolamento”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

No mundo físico, os líderes autoritários do Irã não se submetem a nada nem respondem por seus atos. Eles tentam manter os iranianos longe do entretenimento e das notícias do Ocidente, mas com frequência fracassam. Graças às suas regras, as mulheres são obrigadas a cobrir as cabeças com véus e os corpos com roupas largas.

Na internet, iranianas e iranianos com frequência conseguem se livrar dessas amarras.

Elas dão gritinhos ao ver a boy-band coreana BTS e o ator Timothée Chalamet, postam selfies no Instagram sem nenhum véu, exibindo o cabelo. E todos conseguem assistir vídeos vazados que exibem as terríveis condições das prisões iranianas; ver fotos viralizadas das luxuosas vidas que os filhos das autoridades do alto escalão levam no exterior ao mesmo tempo em que a economia doméstica entra em colapso; ler a respeito de abusos de direitos humanos; encher os políticos de perguntas no Twitter; e escarnecer de seu líder supremo anonimamente, em comentários.

Vídeo do cantor iraniano Shervin Hajipour, solto em Teerã após ter sido preso por compor música em apoio aos protestos em seu país Foto: Khaled Desouki/AFP - 04/10/2022

“Em um mundo, o governo controla tudo, e as pessoas sempre tiveram de esconder o que pensam, o que desejam, o que gostam e o que desfrutam em sua vida real”, afirmou o jornalista investigativo iraniano Mohammad Mosaed, que foi preso duas vezes por postar online conteúdo que o governo considera questionável.

“Mas na internet, as pessoas têm a chance de dizer o que querem, mostram quem são realmente”, afirmou ele. “E isso causou conflito entre os dois mundos.”

Entre os iranianos, uma crescente indignação expressada online alimentou sucessivas ondas de protesto contra os clérigos autocráticos que os governam, culminando no mês passado em manifestações que ocorreram em todo o país, desafiando os alicerces da República Islâmica.

Apesar de a batalha ser travada fisicamente nas ruas, com mulheres queimando seus véus e iranianos de todas as classes confrontando as forças de segurança, foram os smartphones dos manifestantes que os colocaram lá em primeiro lugar.

Em 16 de setembro, circulou online a notícia de que uma jovem havia morrido sob custódia da polícia depois de ser acusada de violar a lei que obriga as iranianas a usar o véu. Um dia depois, 250 mil usuários do Instagram haviam se juntado a um fio digital de iranianos postando sobre a mulher, Mahsa Amini, e a hashtag com seu nome havia sido tuitada, retuitada ou curtida mais de nove milhões de vezes.

Dezenas de cidades têm se levantado em protestos todas as noites desde então. As forças de segurança mataram pelo menos 50 pessoas, de acordo com grupos de defesa de direitos, e prenderam mais de 700, incluindo jornalistas e ativistas que usavam as redes sociais para manter as pessoas informadas.

Dezenas de atletas proeminentes, incluindo jogadores da seleção iraniana de futebol como Ali Karimi e Sardar Azmoun, personalidades e cineastas como Asghar Farhadi usaram as redes sociais para anunciar seu apoio aos protestos na semana passada. O governo afirmou que eles sofrerão consequências que incluem banimento em suas atividades profissionais.

O governo respondeu à agitação com mais balas, gás lacrimogêneo e espancamentos.

Seu navegador não suporta esse video.

Mahsa Amini: Jovem de 22 anos morreu após ser detida pela polícia moral do #Irã por uso ‘inadequado’ da indumentária obrigatória

Todas as noites cortes no acesso à internet e aos aplicativos confundem os esforços para organizar novos protestos e diminuem seu impulso. Há mais de uma década, muito antes das atuais manifestações, os líderes do Irã têm trabalhado para consolidar o controle construindo sua própria internet doméstica com cópias de sites como Google e Instagram. Isso colocou seu objetivo de bloquear a internet livre quase dentro do seu alcance.

Sob o governo do novo presidente ultraconservador do Irã, Ebrahim Raisi, o país intensificou a censura, invadiu VPNs, violou a criptografia de aplicativos de mensagens e filtrou buscas no Google com a ferramenta SafeSearch, que permite a exibição apenas de conteúdo apropriado para pessoas com menos de 13 anos de idade.

Há temores de que uma lei de controle da internet em fase de tramitação bloqueie os aplicativos de redes sociais remanescentes, dos quais estimados 11 milhões de iranianos dependem para ganhar a vida trabalhando como influenciadores, vendendo produtos pelo Instagram e em outras atividades.

Os inimigos do Irã estão usando as redes sociais em uma “ofensiva para distorcer e destruir” o establishment religioso, alertou o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo de 83 anos, em um discurso pronunciado em fevereiro, conclamando as autoridades a regular o acesso à internet.

“O Judiciário deve evitar que as mentes das pessoas fiquem preocupadas e sejam perturbadas” por rumores e falsas alegações “tanto nos meios de comunicação quanto na internet”, afirmou ele em junho.

Alcance

Aproximadamente 80% dos iranianos usam alguma forma de rede social, de acordo com uma pesquisa publicada este ano por um grupo ligado ao governo. Até mesmo várias autoridades do governo têm perfis no Twitter apesar do site ser banido no Irã, em um reconhecimento tácito de seu alcance.

Reconhecendo que os apagões de internet poderiam sufocar os protestos, o governo de Joe Biden mudou regulações na semana passada para conceder a empresas de tecnologia americanas mais espaço para oferecer serviços aos iranianos sem violar as sanções dos Estados Unidos sobre o Irã. Mas não está claro quão rapidamente elas poderiam agir.

Em um país onde os meios de comunicação são controlados estritamente e os líderes quase nunca têm de se submeter ao escrutínio público, plataformas como Twitter, Instagram e Clubhouse constituem o único meio de manter poderes de cobrança sobre as autoridades.

“Tem sido crucial para muita gente acordar de manhã e ver o que está acontecendo realmente”, afirmou Shahin Milani, diretor-executivo do Centro de Documentação de Direitos Humanos no Irã, com base nos EUA. “E isso é realmente crucial, porque nenhum outro meio permite isso.”

Cartazes na França durante demonstração de apoio aos manifestantes no Irã Foto: Damien Meyer/AFP - 16/09/2022

Informações online a respeito de abusos e privilégios motivaram indignação e repulsa entre iranianos nos anos recentes.

Algumas revelaram repressões brutais sobre protestos antigoverno e relativas à lei que exige das mulheres cobrir seus corpos e cabelos. Algumas semanas antes da história de Amini ser revelada, vários vídeos circularam nas redes sociais mostrando a notória polícia de moralidade iraniana detendo com violência jovens mulheres consideradas cobertas inadequadamente.

Mas mesmo conteúdos ostensivamente triviais são capazes de causar indignação.

Em abril, fotos mostraram a família do presidente do Parlamento viajando para o exterior para comprar roupas de bebê, em um momento em que a maioria dos iranianos mal conseguia pagar pelas roupinhas baratas fabricadas no Irã.

E em 2017, um vídeo com o filho de um proeminente legislador creditando o sucesso de sua carreira aos seus “ótimos genes” viralizou, indignando as pessoas com menos conexões e mais problemas.

Naquele outono, os iranianos empreenderam uma campanha nas redes sociais com a hashtag “Eu lamento”, unindo pessoas que lamentavam ter votado em candidatos reformistas que fracassaram em agir pela mudança.

Versão casta da internet

No fim de 2017, protestos ocasionados por investimentos ruins desencadearam manifestações contra o governo e suas políticas econômicas nacionalmente.

As autoridades consideram a internet livre uma ameaça desde 2009, quando as redes sociais ajudaram a mobilizar milhões de iranianos para os protestos do Movimento Verde, contra o que eles acreditavam ter sido uma eleição presidencial fraudulenta.

Antes com foco em desenvolver uma versão doméstica e casta da internet, o governo voltou suas energias para a criação de uma rede que fosse capaz de controlar.

“Se eu não tivesse acesso à internet, acreditaria em tudo o que eles quisessem me dizer”, afirmou Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança do Grupo Miaan, que tem base nos EUA e apoia entidades de defesa de direitos humanos no Irã. “Então eles se deram conta que estavam sendo criticados na internet e que precisam controlá-la.”

Sob o governo do ex-presidente relativamente moderado Hassan Rohani, que ocupou a função de 2013 até o ano passado, restrições que limitavam a velocidade da internet foram suspensas, e a internet móvel decolou. Rohani também falou em permitir a entrada de empresas de tecnologia ocidentais, como o Twitter, no país sob condições em estilo chinês, exigindo delas impor restrições de acesso.

Protestos em Teerã impulsionados pelo Movimento Verde, em 2011  Foto: RAheb Homavandi/Reuters - 18/02/2011

Mas as rigorosas sanções dos EUA sobre o programa nuclear do Irã deixaram o Vale do Silício relutante ou incapaz de trabalhar com o país persa.

Em vez disso, o Irã construiu sua própria versão de Google, Instagram, WhatsApp e outros aplicativos, certificando-se de que o conteúdo lhe parecesse adequado.

Estatísticas das lojas de aplicativos do Irã, contudo, mostram que apenas poucos milhões de pessoas no país de aproximadamente 85 milhões de habitantes os baixaram. Pesquisadores afirmam que isso se deve em parte a preocupações a respeito da vigilância do governo.

E os iranianos não param de descobrir maneiras de acessar a internet livre: cerca de 80% dos iranianos usam redes privadas virtuais e intermediários para o acesso, disse um legislador à imprensa estatal em julho.

“Os iranianos também veem como o restante do mundo vive e querem isso também”, afirmou Holly Dagres, pesquisadora-sênior iraniana-americana do Atlantic Council, que redigiu um artigo a respeito do uso de redes sociais pelos iranianos. “De maneira mais importante, essa é a única forma de fazerem suas vozes serem escutadas.”

Isolamento

Agora, quando a internet livre é apagada, a Rede Nacional de Informação do Irã continua funcionando, o que estimula os iranianos a migrar. A TV estatal passou a promover os aplicativos de fabricação nacional durante os atuais protestos, informando os telespectadores que, enquanto os aplicativos estrangeiros devem ser regulados para evitar que “vândalos” causem mais estragos, as pessoas são livres para usar as versões iranianas.

Uma solução, afirmam ativistas iranianos, seria as empresas americanas entrarem novamente em campo no Irã depois de ter se afastado em razão das sanções mais duras impostas pelo ex-presidente Donald Trump contra o Irã.

O Signal, um aplicativo de mensagens criptografadas, afirmou que está trabalhando com usuários voluntários para descobrir maneiras alternativas de acessar e distribuir o aplicativo, mas encontrou dificuldades, incluindo empresas iranianas de telecomunicação evitando que seus códigos de validação em texto sejam entregues. O Google afirmou que está trabalhando em ajustes técnicos para ajudar no acesso. Mas soluções mais abrangentes não parecem estar a caminho.

“A principal ferramenta que temos para combater” os controles do governo iraniano, afirmou Rashidi, “é romper o isolamento”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

No mundo físico, os líderes autoritários do Irã não se submetem a nada nem respondem por seus atos. Eles tentam manter os iranianos longe do entretenimento e das notícias do Ocidente, mas com frequência fracassam. Graças às suas regras, as mulheres são obrigadas a cobrir as cabeças com véus e os corpos com roupas largas.

Na internet, iranianas e iranianos com frequência conseguem se livrar dessas amarras.

Elas dão gritinhos ao ver a boy-band coreana BTS e o ator Timothée Chalamet, postam selfies no Instagram sem nenhum véu, exibindo o cabelo. E todos conseguem assistir vídeos vazados que exibem as terríveis condições das prisões iranianas; ver fotos viralizadas das luxuosas vidas que os filhos das autoridades do alto escalão levam no exterior ao mesmo tempo em que a economia doméstica entra em colapso; ler a respeito de abusos de direitos humanos; encher os políticos de perguntas no Twitter; e escarnecer de seu líder supremo anonimamente, em comentários.

Vídeo do cantor iraniano Shervin Hajipour, solto em Teerã após ter sido preso por compor música em apoio aos protestos em seu país Foto: Khaled Desouki/AFP - 04/10/2022

“Em um mundo, o governo controla tudo, e as pessoas sempre tiveram de esconder o que pensam, o que desejam, o que gostam e o que desfrutam em sua vida real”, afirmou o jornalista investigativo iraniano Mohammad Mosaed, que foi preso duas vezes por postar online conteúdo que o governo considera questionável.

“Mas na internet, as pessoas têm a chance de dizer o que querem, mostram quem são realmente”, afirmou ele. “E isso causou conflito entre os dois mundos.”

Entre os iranianos, uma crescente indignação expressada online alimentou sucessivas ondas de protesto contra os clérigos autocráticos que os governam, culminando no mês passado em manifestações que ocorreram em todo o país, desafiando os alicerces da República Islâmica.

Apesar de a batalha ser travada fisicamente nas ruas, com mulheres queimando seus véus e iranianos de todas as classes confrontando as forças de segurança, foram os smartphones dos manifestantes que os colocaram lá em primeiro lugar.

Em 16 de setembro, circulou online a notícia de que uma jovem havia morrido sob custódia da polícia depois de ser acusada de violar a lei que obriga as iranianas a usar o véu. Um dia depois, 250 mil usuários do Instagram haviam se juntado a um fio digital de iranianos postando sobre a mulher, Mahsa Amini, e a hashtag com seu nome havia sido tuitada, retuitada ou curtida mais de nove milhões de vezes.

Dezenas de cidades têm se levantado em protestos todas as noites desde então. As forças de segurança mataram pelo menos 50 pessoas, de acordo com grupos de defesa de direitos, e prenderam mais de 700, incluindo jornalistas e ativistas que usavam as redes sociais para manter as pessoas informadas.

Dezenas de atletas proeminentes, incluindo jogadores da seleção iraniana de futebol como Ali Karimi e Sardar Azmoun, personalidades e cineastas como Asghar Farhadi usaram as redes sociais para anunciar seu apoio aos protestos na semana passada. O governo afirmou que eles sofrerão consequências que incluem banimento em suas atividades profissionais.

O governo respondeu à agitação com mais balas, gás lacrimogêneo e espancamentos.

Seu navegador não suporta esse video.

Mahsa Amini: Jovem de 22 anos morreu após ser detida pela polícia moral do #Irã por uso ‘inadequado’ da indumentária obrigatória

Todas as noites cortes no acesso à internet e aos aplicativos confundem os esforços para organizar novos protestos e diminuem seu impulso. Há mais de uma década, muito antes das atuais manifestações, os líderes do Irã têm trabalhado para consolidar o controle construindo sua própria internet doméstica com cópias de sites como Google e Instagram. Isso colocou seu objetivo de bloquear a internet livre quase dentro do seu alcance.

Sob o governo do novo presidente ultraconservador do Irã, Ebrahim Raisi, o país intensificou a censura, invadiu VPNs, violou a criptografia de aplicativos de mensagens e filtrou buscas no Google com a ferramenta SafeSearch, que permite a exibição apenas de conteúdo apropriado para pessoas com menos de 13 anos de idade.

Há temores de que uma lei de controle da internet em fase de tramitação bloqueie os aplicativos de redes sociais remanescentes, dos quais estimados 11 milhões de iranianos dependem para ganhar a vida trabalhando como influenciadores, vendendo produtos pelo Instagram e em outras atividades.

Os inimigos do Irã estão usando as redes sociais em uma “ofensiva para distorcer e destruir” o establishment religioso, alertou o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo de 83 anos, em um discurso pronunciado em fevereiro, conclamando as autoridades a regular o acesso à internet.

“O Judiciário deve evitar que as mentes das pessoas fiquem preocupadas e sejam perturbadas” por rumores e falsas alegações “tanto nos meios de comunicação quanto na internet”, afirmou ele em junho.

Alcance

Aproximadamente 80% dos iranianos usam alguma forma de rede social, de acordo com uma pesquisa publicada este ano por um grupo ligado ao governo. Até mesmo várias autoridades do governo têm perfis no Twitter apesar do site ser banido no Irã, em um reconhecimento tácito de seu alcance.

Reconhecendo que os apagões de internet poderiam sufocar os protestos, o governo de Joe Biden mudou regulações na semana passada para conceder a empresas de tecnologia americanas mais espaço para oferecer serviços aos iranianos sem violar as sanções dos Estados Unidos sobre o Irã. Mas não está claro quão rapidamente elas poderiam agir.

Em um país onde os meios de comunicação são controlados estritamente e os líderes quase nunca têm de se submeter ao escrutínio público, plataformas como Twitter, Instagram e Clubhouse constituem o único meio de manter poderes de cobrança sobre as autoridades.

“Tem sido crucial para muita gente acordar de manhã e ver o que está acontecendo realmente”, afirmou Shahin Milani, diretor-executivo do Centro de Documentação de Direitos Humanos no Irã, com base nos EUA. “E isso é realmente crucial, porque nenhum outro meio permite isso.”

Cartazes na França durante demonstração de apoio aos manifestantes no Irã Foto: Damien Meyer/AFP - 16/09/2022

Informações online a respeito de abusos e privilégios motivaram indignação e repulsa entre iranianos nos anos recentes.

Algumas revelaram repressões brutais sobre protestos antigoverno e relativas à lei que exige das mulheres cobrir seus corpos e cabelos. Algumas semanas antes da história de Amini ser revelada, vários vídeos circularam nas redes sociais mostrando a notória polícia de moralidade iraniana detendo com violência jovens mulheres consideradas cobertas inadequadamente.

Mas mesmo conteúdos ostensivamente triviais são capazes de causar indignação.

Em abril, fotos mostraram a família do presidente do Parlamento viajando para o exterior para comprar roupas de bebê, em um momento em que a maioria dos iranianos mal conseguia pagar pelas roupinhas baratas fabricadas no Irã.

E em 2017, um vídeo com o filho de um proeminente legislador creditando o sucesso de sua carreira aos seus “ótimos genes” viralizou, indignando as pessoas com menos conexões e mais problemas.

Naquele outono, os iranianos empreenderam uma campanha nas redes sociais com a hashtag “Eu lamento”, unindo pessoas que lamentavam ter votado em candidatos reformistas que fracassaram em agir pela mudança.

Versão casta da internet

No fim de 2017, protestos ocasionados por investimentos ruins desencadearam manifestações contra o governo e suas políticas econômicas nacionalmente.

As autoridades consideram a internet livre uma ameaça desde 2009, quando as redes sociais ajudaram a mobilizar milhões de iranianos para os protestos do Movimento Verde, contra o que eles acreditavam ter sido uma eleição presidencial fraudulenta.

Antes com foco em desenvolver uma versão doméstica e casta da internet, o governo voltou suas energias para a criação de uma rede que fosse capaz de controlar.

“Se eu não tivesse acesso à internet, acreditaria em tudo o que eles quisessem me dizer”, afirmou Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança do Grupo Miaan, que tem base nos EUA e apoia entidades de defesa de direitos humanos no Irã. “Então eles se deram conta que estavam sendo criticados na internet e que precisam controlá-la.”

Sob o governo do ex-presidente relativamente moderado Hassan Rohani, que ocupou a função de 2013 até o ano passado, restrições que limitavam a velocidade da internet foram suspensas, e a internet móvel decolou. Rohani também falou em permitir a entrada de empresas de tecnologia ocidentais, como o Twitter, no país sob condições em estilo chinês, exigindo delas impor restrições de acesso.

Protestos em Teerã impulsionados pelo Movimento Verde, em 2011  Foto: RAheb Homavandi/Reuters - 18/02/2011

Mas as rigorosas sanções dos EUA sobre o programa nuclear do Irã deixaram o Vale do Silício relutante ou incapaz de trabalhar com o país persa.

Em vez disso, o Irã construiu sua própria versão de Google, Instagram, WhatsApp e outros aplicativos, certificando-se de que o conteúdo lhe parecesse adequado.

Estatísticas das lojas de aplicativos do Irã, contudo, mostram que apenas poucos milhões de pessoas no país de aproximadamente 85 milhões de habitantes os baixaram. Pesquisadores afirmam que isso se deve em parte a preocupações a respeito da vigilância do governo.

E os iranianos não param de descobrir maneiras de acessar a internet livre: cerca de 80% dos iranianos usam redes privadas virtuais e intermediários para o acesso, disse um legislador à imprensa estatal em julho.

“Os iranianos também veem como o restante do mundo vive e querem isso também”, afirmou Holly Dagres, pesquisadora-sênior iraniana-americana do Atlantic Council, que redigiu um artigo a respeito do uso de redes sociais pelos iranianos. “De maneira mais importante, essa é a única forma de fazerem suas vozes serem escutadas.”

Isolamento

Agora, quando a internet livre é apagada, a Rede Nacional de Informação do Irã continua funcionando, o que estimula os iranianos a migrar. A TV estatal passou a promover os aplicativos de fabricação nacional durante os atuais protestos, informando os telespectadores que, enquanto os aplicativos estrangeiros devem ser regulados para evitar que “vândalos” causem mais estragos, as pessoas são livres para usar as versões iranianas.

Uma solução, afirmam ativistas iranianos, seria as empresas americanas entrarem novamente em campo no Irã depois de ter se afastado em razão das sanções mais duras impostas pelo ex-presidente Donald Trump contra o Irã.

O Signal, um aplicativo de mensagens criptografadas, afirmou que está trabalhando com usuários voluntários para descobrir maneiras alternativas de acessar e distribuir o aplicativo, mas encontrou dificuldades, incluindo empresas iranianas de telecomunicação evitando que seus códigos de validação em texto sejam entregues. O Google afirmou que está trabalhando em ajustes técnicos para ajudar no acesso. Mas soluções mais abrangentes não parecem estar a caminho.

“A principal ferramenta que temos para combater” os controles do governo iraniano, afirmou Rashidi, “é romper o isolamento”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

No mundo físico, os líderes autoritários do Irã não se submetem a nada nem respondem por seus atos. Eles tentam manter os iranianos longe do entretenimento e das notícias do Ocidente, mas com frequência fracassam. Graças às suas regras, as mulheres são obrigadas a cobrir as cabeças com véus e os corpos com roupas largas.

Na internet, iranianas e iranianos com frequência conseguem se livrar dessas amarras.

Elas dão gritinhos ao ver a boy-band coreana BTS e o ator Timothée Chalamet, postam selfies no Instagram sem nenhum véu, exibindo o cabelo. E todos conseguem assistir vídeos vazados que exibem as terríveis condições das prisões iranianas; ver fotos viralizadas das luxuosas vidas que os filhos das autoridades do alto escalão levam no exterior ao mesmo tempo em que a economia doméstica entra em colapso; ler a respeito de abusos de direitos humanos; encher os políticos de perguntas no Twitter; e escarnecer de seu líder supremo anonimamente, em comentários.

Vídeo do cantor iraniano Shervin Hajipour, solto em Teerã após ter sido preso por compor música em apoio aos protestos em seu país Foto: Khaled Desouki/AFP - 04/10/2022

“Em um mundo, o governo controla tudo, e as pessoas sempre tiveram de esconder o que pensam, o que desejam, o que gostam e o que desfrutam em sua vida real”, afirmou o jornalista investigativo iraniano Mohammad Mosaed, que foi preso duas vezes por postar online conteúdo que o governo considera questionável.

“Mas na internet, as pessoas têm a chance de dizer o que querem, mostram quem são realmente”, afirmou ele. “E isso causou conflito entre os dois mundos.”

Entre os iranianos, uma crescente indignação expressada online alimentou sucessivas ondas de protesto contra os clérigos autocráticos que os governam, culminando no mês passado em manifestações que ocorreram em todo o país, desafiando os alicerces da República Islâmica.

Apesar de a batalha ser travada fisicamente nas ruas, com mulheres queimando seus véus e iranianos de todas as classes confrontando as forças de segurança, foram os smartphones dos manifestantes que os colocaram lá em primeiro lugar.

Em 16 de setembro, circulou online a notícia de que uma jovem havia morrido sob custódia da polícia depois de ser acusada de violar a lei que obriga as iranianas a usar o véu. Um dia depois, 250 mil usuários do Instagram haviam se juntado a um fio digital de iranianos postando sobre a mulher, Mahsa Amini, e a hashtag com seu nome havia sido tuitada, retuitada ou curtida mais de nove milhões de vezes.

Dezenas de cidades têm se levantado em protestos todas as noites desde então. As forças de segurança mataram pelo menos 50 pessoas, de acordo com grupos de defesa de direitos, e prenderam mais de 700, incluindo jornalistas e ativistas que usavam as redes sociais para manter as pessoas informadas.

Dezenas de atletas proeminentes, incluindo jogadores da seleção iraniana de futebol como Ali Karimi e Sardar Azmoun, personalidades e cineastas como Asghar Farhadi usaram as redes sociais para anunciar seu apoio aos protestos na semana passada. O governo afirmou que eles sofrerão consequências que incluem banimento em suas atividades profissionais.

O governo respondeu à agitação com mais balas, gás lacrimogêneo e espancamentos.

Seu navegador não suporta esse video.

Mahsa Amini: Jovem de 22 anos morreu após ser detida pela polícia moral do #Irã por uso ‘inadequado’ da indumentária obrigatória

Todas as noites cortes no acesso à internet e aos aplicativos confundem os esforços para organizar novos protestos e diminuem seu impulso. Há mais de uma década, muito antes das atuais manifestações, os líderes do Irã têm trabalhado para consolidar o controle construindo sua própria internet doméstica com cópias de sites como Google e Instagram. Isso colocou seu objetivo de bloquear a internet livre quase dentro do seu alcance.

Sob o governo do novo presidente ultraconservador do Irã, Ebrahim Raisi, o país intensificou a censura, invadiu VPNs, violou a criptografia de aplicativos de mensagens e filtrou buscas no Google com a ferramenta SafeSearch, que permite a exibição apenas de conteúdo apropriado para pessoas com menos de 13 anos de idade.

Há temores de que uma lei de controle da internet em fase de tramitação bloqueie os aplicativos de redes sociais remanescentes, dos quais estimados 11 milhões de iranianos dependem para ganhar a vida trabalhando como influenciadores, vendendo produtos pelo Instagram e em outras atividades.

Os inimigos do Irã estão usando as redes sociais em uma “ofensiva para distorcer e destruir” o establishment religioso, alertou o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo de 83 anos, em um discurso pronunciado em fevereiro, conclamando as autoridades a regular o acesso à internet.

“O Judiciário deve evitar que as mentes das pessoas fiquem preocupadas e sejam perturbadas” por rumores e falsas alegações “tanto nos meios de comunicação quanto na internet”, afirmou ele em junho.

Alcance

Aproximadamente 80% dos iranianos usam alguma forma de rede social, de acordo com uma pesquisa publicada este ano por um grupo ligado ao governo. Até mesmo várias autoridades do governo têm perfis no Twitter apesar do site ser banido no Irã, em um reconhecimento tácito de seu alcance.

Reconhecendo que os apagões de internet poderiam sufocar os protestos, o governo de Joe Biden mudou regulações na semana passada para conceder a empresas de tecnologia americanas mais espaço para oferecer serviços aos iranianos sem violar as sanções dos Estados Unidos sobre o Irã. Mas não está claro quão rapidamente elas poderiam agir.

Em um país onde os meios de comunicação são controlados estritamente e os líderes quase nunca têm de se submeter ao escrutínio público, plataformas como Twitter, Instagram e Clubhouse constituem o único meio de manter poderes de cobrança sobre as autoridades.

“Tem sido crucial para muita gente acordar de manhã e ver o que está acontecendo realmente”, afirmou Shahin Milani, diretor-executivo do Centro de Documentação de Direitos Humanos no Irã, com base nos EUA. “E isso é realmente crucial, porque nenhum outro meio permite isso.”

Cartazes na França durante demonstração de apoio aos manifestantes no Irã Foto: Damien Meyer/AFP - 16/09/2022

Informações online a respeito de abusos e privilégios motivaram indignação e repulsa entre iranianos nos anos recentes.

Algumas revelaram repressões brutais sobre protestos antigoverno e relativas à lei que exige das mulheres cobrir seus corpos e cabelos. Algumas semanas antes da história de Amini ser revelada, vários vídeos circularam nas redes sociais mostrando a notória polícia de moralidade iraniana detendo com violência jovens mulheres consideradas cobertas inadequadamente.

Mas mesmo conteúdos ostensivamente triviais são capazes de causar indignação.

Em abril, fotos mostraram a família do presidente do Parlamento viajando para o exterior para comprar roupas de bebê, em um momento em que a maioria dos iranianos mal conseguia pagar pelas roupinhas baratas fabricadas no Irã.

E em 2017, um vídeo com o filho de um proeminente legislador creditando o sucesso de sua carreira aos seus “ótimos genes” viralizou, indignando as pessoas com menos conexões e mais problemas.

Naquele outono, os iranianos empreenderam uma campanha nas redes sociais com a hashtag “Eu lamento”, unindo pessoas que lamentavam ter votado em candidatos reformistas que fracassaram em agir pela mudança.

Versão casta da internet

No fim de 2017, protestos ocasionados por investimentos ruins desencadearam manifestações contra o governo e suas políticas econômicas nacionalmente.

As autoridades consideram a internet livre uma ameaça desde 2009, quando as redes sociais ajudaram a mobilizar milhões de iranianos para os protestos do Movimento Verde, contra o que eles acreditavam ter sido uma eleição presidencial fraudulenta.

Antes com foco em desenvolver uma versão doméstica e casta da internet, o governo voltou suas energias para a criação de uma rede que fosse capaz de controlar.

“Se eu não tivesse acesso à internet, acreditaria em tudo o que eles quisessem me dizer”, afirmou Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança do Grupo Miaan, que tem base nos EUA e apoia entidades de defesa de direitos humanos no Irã. “Então eles se deram conta que estavam sendo criticados na internet e que precisam controlá-la.”

Sob o governo do ex-presidente relativamente moderado Hassan Rohani, que ocupou a função de 2013 até o ano passado, restrições que limitavam a velocidade da internet foram suspensas, e a internet móvel decolou. Rohani também falou em permitir a entrada de empresas de tecnologia ocidentais, como o Twitter, no país sob condições em estilo chinês, exigindo delas impor restrições de acesso.

Protestos em Teerã impulsionados pelo Movimento Verde, em 2011  Foto: RAheb Homavandi/Reuters - 18/02/2011

Mas as rigorosas sanções dos EUA sobre o programa nuclear do Irã deixaram o Vale do Silício relutante ou incapaz de trabalhar com o país persa.

Em vez disso, o Irã construiu sua própria versão de Google, Instagram, WhatsApp e outros aplicativos, certificando-se de que o conteúdo lhe parecesse adequado.

Estatísticas das lojas de aplicativos do Irã, contudo, mostram que apenas poucos milhões de pessoas no país de aproximadamente 85 milhões de habitantes os baixaram. Pesquisadores afirmam que isso se deve em parte a preocupações a respeito da vigilância do governo.

E os iranianos não param de descobrir maneiras de acessar a internet livre: cerca de 80% dos iranianos usam redes privadas virtuais e intermediários para o acesso, disse um legislador à imprensa estatal em julho.

“Os iranianos também veem como o restante do mundo vive e querem isso também”, afirmou Holly Dagres, pesquisadora-sênior iraniana-americana do Atlantic Council, que redigiu um artigo a respeito do uso de redes sociais pelos iranianos. “De maneira mais importante, essa é a única forma de fazerem suas vozes serem escutadas.”

Isolamento

Agora, quando a internet livre é apagada, a Rede Nacional de Informação do Irã continua funcionando, o que estimula os iranianos a migrar. A TV estatal passou a promover os aplicativos de fabricação nacional durante os atuais protestos, informando os telespectadores que, enquanto os aplicativos estrangeiros devem ser regulados para evitar que “vândalos” causem mais estragos, as pessoas são livres para usar as versões iranianas.

Uma solução, afirmam ativistas iranianos, seria as empresas americanas entrarem novamente em campo no Irã depois de ter se afastado em razão das sanções mais duras impostas pelo ex-presidente Donald Trump contra o Irã.

O Signal, um aplicativo de mensagens criptografadas, afirmou que está trabalhando com usuários voluntários para descobrir maneiras alternativas de acessar e distribuir o aplicativo, mas encontrou dificuldades, incluindo empresas iranianas de telecomunicação evitando que seus códigos de validação em texto sejam entregues. O Google afirmou que está trabalhando em ajustes técnicos para ajudar no acesso. Mas soluções mais abrangentes não parecem estar a caminho.

“A principal ferramenta que temos para combater” os controles do governo iraniano, afirmou Rashidi, “é romper o isolamento”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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