Após 100 dias de guerra na Ucrânia, Rússia vai mal, mas está no jogo; leia análise


A invasão à Ucrânia sem dúvida maculou a posição do país de Vladimir Putin enquanto grande potência

Por Andrea Kendall-Taylor e Michael Kofman *
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - A atabalhoada invasão da Rússia à Ucrânia, que resultou em uma retirada de Kiev e envolveu inúmeros equívocos táticos dos militares russos, manchou gravemente sua imagem em relação à sua capacidade enquanto força de combate. O dano é mais que reputacional: Três meses de combates impingiram sobre a Rússia grandes perdas de soldados e equipamentos. Em casa, enquanto isso, sanções e controles sobre exportações — assim como o êxodo de suas mentes mais brilhantes — lastimam sua já apagada economia.

Como resultado, muitos nos EUA e na Europa estão ávidos para desprezar a Rússia qualificando-a como uma potência Potemkin, cujo glorificado status chegou ao fim. Castigado militarmente e sobrecarregado de sanções projetadas para enfraquecer a Rússia, o Kremlin não parece subscrever a mesma preocupação que dedicou anteriormente sobre isso. A ameaça que a Rússia representa para o Ocidente, nesta visão, malogrou sobre o solo ucraniano.

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Ainda assim, essa interpretação é prematura. Sim, o presidente Vladimir Putin cometeu um equívoco estratégico, ocasionando um fiasco militar e destruindo décadas de relativa estabilidade econômica. Mas é cedo demais para desprezar a Rússia. Apesar de seus fracassos na Ucrânia, a Rússia conserva a capacidade e a vontade de continuar a desafiar seriamente os Estados Unidos e a Europa. A Rússia pode estar mal, mas não está fora do jogo.

Comunidade russa em diferentes países da Europa protestam contra a invasão à Ucrânia  

Nos últimos três meses, imagens vívidas de tanques russos destruídos tomaram conta das nossas telas. E é verdade que o Exército russo, ao longo dos últimos três meses, foi escorraçado. A Rússia perdeu aproximadamente 25% de sua força de tanques em atividade, mais de 30 aeronaves e mais de 10 mil soldados. Ainda que o número exato seja desconhecido, as baixas são significativas, e o Exército russo terá dificuldades para sustentar a guerra sem apelar para alguma forma de conscrição.

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Equívoco

Mas aparências podem enganar. Afinal, muitos dos fracassos iniciais do Exército russo decorreram da percepção equivocada de Putin de que a guerra seria curta e pontual: as forças russas simplesmente não estavam preparadas nem organizadas o suficiente para uma campanha séria. No entanto, nas semanas recentes, à medida que a Rússia revisou seus objetivos de guerra colocando o foco no Donbass, no leste ucraniano, suas forças se adaptaram e começaram a corrigir algumas incompetências iniciais. A Rússia tem obtido avanços graduais, revelando que a posição do Exército ucraniano é precária em algumas áreas.

Além disso, a guerra na Ucrânia fez pouco no sentido de afetar as capacidades militares mais destrutivas da Rússia. Os tanques soviéticos modernizados e a obsoleta Força Aérea da Rússia não são os elementos que mais preocupam os EUA e a Otan; o que mais preocupa os aliados do Ocidente são os submarinos da Rússia, seus sistemas integrados de mísseis e defesa antiaérea, a guerra cibernética, seus sistemas antissatélite e seu diversificado arsenal nuclear. Essas capacidades, praticamente intocadas durante esta guerra, continuam disponíveis para o Kremlin.

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Afirmação foi feita pelo secretário-geral adjunto e coordenador de crises da ONU para a Ucrânia nesta sexta-feira, dia em que a invasão russa completa 100 dias

A Rússia certamente está sofrendo economicamente, mas levará muitos meses até que as consequências das sanções, dos controles sobre exportações e da tentativa europeia de se afastar da energia russa sejam sentidas pelos cidadãos. Por enquanto, os cofres do governo russo continuam cheios: as exportações mensais do país, segundo estimativas, cresceram mais de 60% em abril em comparação ao ano passado. Apesar de dependente em relação à venda de petróleo e gás natural — sempre abatíveis e suscetíveis a sanções europeias — isso representa uma fonte vital de receita. Com o tempo, Moscou deverá se adaptar.

Em qualquer caso, os militares russos serão poupados do efeito total da contração econômica. Mesmo quando passa por períodos de dificuldade, o Kremlin tem como hábito gastar mais com as armas do que com as pessoas: podemos ter certeza de que não será o orçamento militar que Putin cortará primeiro. E apesar de controles sobre comércio exterior dificultarem para o país produzir armas que dependem de componentes importados, a indústria de defesa russa já passou anos se adaptando e encontrando maneiras de contornar sanções.

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Internacionalmente, também, a Rússia não está tão isolada como gostaríamos. EUA e Europa forjaram uma resposta unida à invasão russa, e a Otan, reenergizada, certamente logo receberá a Finlândia e a Suécia em seus quadros. Mas muitos países regionalmente significativos, como Índia e África do Sul, possuem laços antigos e duradouros com a Rússia que atualmente não estão preparados para desatar. Outros países, preocupados com a possibilidade das sanções econômicas elevarem o custo de vida e lhes criarem instabilidades domésticas, recusam-se a escolher um lado. Países africanos, por exemplo, não impuseram nenhuma sanção contra a Rússia, o Oriente Médio tem se esquivado. E, evidentemente, a Rússia pode contar com o contínuo apoio da China.

Na Rússia, não há nenhuma razão para acreditar que o regime de Putin esteja sob alguma ameaça imediata. As manobras do Kremlin para anular os meios de comunicação independentes e ilegalizar a dissidência puseram fim no sentimento antiguerra com que a invasão foi recebida. E também há um considerável segmento da população que apoia a guerra, sustentado por uma torrente de retórica ultranacionalista. Putin terá de encontrar maneiras de saciar esse sentimentos e demonstrar que a Rússia ainda é uma potência a ser temida.

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Isso é perigoso. Quanto mais vulnerável Putin se sentir, mais propenso ele estará para usar ferramentas não convencionais, incluindo ciberataques, campanhas de desinformação, operações secretas e armas nucleares. No advento de uma confrontação com a Otan, a Rússia terá poucas opções além da escalada nuclear. Isso não significa que a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais devam hesitar de qualquer maneira em seu curso para derrotar a invasão russa. Eles não devem titubear. Mas os EUA e seus aliados devem estar preparados para todo o espectro de ameaças da Rússia, por mais confrangidos pela guerra que os russos possam estar.

O poder da Rússia, vale lembrar, passou por ciclos erráticos de estagnação, declínio e ressurgência; seria sábio evitar triunfalismos e complacências. Putin cometeu um erro, mas não necessariamente um erro fatal. Conforme salientou o historiador Stephen Kotkin, a Rússia possui uma notável capacidade histórica de reconstituição. O breve descanso de que o Ocidente desfrutou na competição de grandes potências com a Rússia após o fim da Guerra Fria constitui, ele nos recordou, “um piscar de olhos na história”.

Em outras palavras: a Rússia é um problema para o Ocidente — um problema que continuará por aí. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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* Andrea Kendall-Taylor (@AKendallTaylor) é pesquisadora-sênior do Center for a New American Security e ex-agente-sênior de inteligência com foco na Rússia. Michael Kofman (@KofmanMichael) é diretor de estudos sobre Rússia do CNA, um instituto de pesquisa com foco em segurança nacional, e atua como pesquisador-sênior-adjunto do Center for a New American Security. Ambos são especialistas em segurança nacional, Rússia e guerra moderna.

THE NEW YORK TIMES - A atabalhoada invasão da Rússia à Ucrânia, que resultou em uma retirada de Kiev e envolveu inúmeros equívocos táticos dos militares russos, manchou gravemente sua imagem em relação à sua capacidade enquanto força de combate. O dano é mais que reputacional: Três meses de combates impingiram sobre a Rússia grandes perdas de soldados e equipamentos. Em casa, enquanto isso, sanções e controles sobre exportações — assim como o êxodo de suas mentes mais brilhantes — lastimam sua já apagada economia.

Como resultado, muitos nos EUA e na Europa estão ávidos para desprezar a Rússia qualificando-a como uma potência Potemkin, cujo glorificado status chegou ao fim. Castigado militarmente e sobrecarregado de sanções projetadas para enfraquecer a Rússia, o Kremlin não parece subscrever a mesma preocupação que dedicou anteriormente sobre isso. A ameaça que a Rússia representa para o Ocidente, nesta visão, malogrou sobre o solo ucraniano.

Ainda assim, essa interpretação é prematura. Sim, o presidente Vladimir Putin cometeu um equívoco estratégico, ocasionando um fiasco militar e destruindo décadas de relativa estabilidade econômica. Mas é cedo demais para desprezar a Rússia. Apesar de seus fracassos na Ucrânia, a Rússia conserva a capacidade e a vontade de continuar a desafiar seriamente os Estados Unidos e a Europa. A Rússia pode estar mal, mas não está fora do jogo.

Comunidade russa em diferentes países da Europa protestam contra a invasão à Ucrânia  

Nos últimos três meses, imagens vívidas de tanques russos destruídos tomaram conta das nossas telas. E é verdade que o Exército russo, ao longo dos últimos três meses, foi escorraçado. A Rússia perdeu aproximadamente 25% de sua força de tanques em atividade, mais de 30 aeronaves e mais de 10 mil soldados. Ainda que o número exato seja desconhecido, as baixas são significativas, e o Exército russo terá dificuldades para sustentar a guerra sem apelar para alguma forma de conscrição.

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Mas aparências podem enganar. Afinal, muitos dos fracassos iniciais do Exército russo decorreram da percepção equivocada de Putin de que a guerra seria curta e pontual: as forças russas simplesmente não estavam preparadas nem organizadas o suficiente para uma campanha séria. No entanto, nas semanas recentes, à medida que a Rússia revisou seus objetivos de guerra colocando o foco no Donbass, no leste ucraniano, suas forças se adaptaram e começaram a corrigir algumas incompetências iniciais. A Rússia tem obtido avanços graduais, revelando que a posição do Exército ucraniano é precária em algumas áreas.

Além disso, a guerra na Ucrânia fez pouco no sentido de afetar as capacidades militares mais destrutivas da Rússia. Os tanques soviéticos modernizados e a obsoleta Força Aérea da Rússia não são os elementos que mais preocupam os EUA e a Otan; o que mais preocupa os aliados do Ocidente são os submarinos da Rússia, seus sistemas integrados de mísseis e defesa antiaérea, a guerra cibernética, seus sistemas antissatélite e seu diversificado arsenal nuclear. Essas capacidades, praticamente intocadas durante esta guerra, continuam disponíveis para o Kremlin.

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A Rússia certamente está sofrendo economicamente, mas levará muitos meses até que as consequências das sanções, dos controles sobre exportações e da tentativa europeia de se afastar da energia russa sejam sentidas pelos cidadãos. Por enquanto, os cofres do governo russo continuam cheios: as exportações mensais do país, segundo estimativas, cresceram mais de 60% em abril em comparação ao ano passado. Apesar de dependente em relação à venda de petróleo e gás natural — sempre abatíveis e suscetíveis a sanções europeias — isso representa uma fonte vital de receita. Com o tempo, Moscou deverá se adaptar.

Em qualquer caso, os militares russos serão poupados do efeito total da contração econômica. Mesmo quando passa por períodos de dificuldade, o Kremlin tem como hábito gastar mais com as armas do que com as pessoas: podemos ter certeza de que não será o orçamento militar que Putin cortará primeiro. E apesar de controles sobre comércio exterior dificultarem para o país produzir armas que dependem de componentes importados, a indústria de defesa russa já passou anos se adaptando e encontrando maneiras de contornar sanções.

Internacionalmente, também, a Rússia não está tão isolada como gostaríamos. EUA e Europa forjaram uma resposta unida à invasão russa, e a Otan, reenergizada, certamente logo receberá a Finlândia e a Suécia em seus quadros. Mas muitos países regionalmente significativos, como Índia e África do Sul, possuem laços antigos e duradouros com a Rússia que atualmente não estão preparados para desatar. Outros países, preocupados com a possibilidade das sanções econômicas elevarem o custo de vida e lhes criarem instabilidades domésticas, recusam-se a escolher um lado. Países africanos, por exemplo, não impuseram nenhuma sanção contra a Rússia, o Oriente Médio tem se esquivado. E, evidentemente, a Rússia pode contar com o contínuo apoio da China.

Na Rússia, não há nenhuma razão para acreditar que o regime de Putin esteja sob alguma ameaça imediata. As manobras do Kremlin para anular os meios de comunicação independentes e ilegalizar a dissidência puseram fim no sentimento antiguerra com que a invasão foi recebida. E também há um considerável segmento da população que apoia a guerra, sustentado por uma torrente de retórica ultranacionalista. Putin terá de encontrar maneiras de saciar esse sentimentos e demonstrar que a Rússia ainda é uma potência a ser temida.

Isso é perigoso. Quanto mais vulnerável Putin se sentir, mais propenso ele estará para usar ferramentas não convencionais, incluindo ciberataques, campanhas de desinformação, operações secretas e armas nucleares. No advento de uma confrontação com a Otan, a Rússia terá poucas opções além da escalada nuclear. Isso não significa que a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais devam hesitar de qualquer maneira em seu curso para derrotar a invasão russa. Eles não devem titubear. Mas os EUA e seus aliados devem estar preparados para todo o espectro de ameaças da Rússia, por mais confrangidos pela guerra que os russos possam estar.

O poder da Rússia, vale lembrar, passou por ciclos erráticos de estagnação, declínio e ressurgência; seria sábio evitar triunfalismos e complacências. Putin cometeu um erro, mas não necessariamente um erro fatal. Conforme salientou o historiador Stephen Kotkin, a Rússia possui uma notável capacidade histórica de reconstituição. O breve descanso de que o Ocidente desfrutou na competição de grandes potências com a Rússia após o fim da Guerra Fria constitui, ele nos recordou, “um piscar de olhos na história”.

Em outras palavras: a Rússia é um problema para o Ocidente — um problema que continuará por aí. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Andrea Kendall-Taylor (@AKendallTaylor) é pesquisadora-sênior do Center for a New American Security e ex-agente-sênior de inteligência com foco na Rússia. Michael Kofman (@KofmanMichael) é diretor de estudos sobre Rússia do CNA, um instituto de pesquisa com foco em segurança nacional, e atua como pesquisador-sênior-adjunto do Center for a New American Security. Ambos são especialistas em segurança nacional, Rússia e guerra moderna.

THE NEW YORK TIMES - A atabalhoada invasão da Rússia à Ucrânia, que resultou em uma retirada de Kiev e envolveu inúmeros equívocos táticos dos militares russos, manchou gravemente sua imagem em relação à sua capacidade enquanto força de combate. O dano é mais que reputacional: Três meses de combates impingiram sobre a Rússia grandes perdas de soldados e equipamentos. Em casa, enquanto isso, sanções e controles sobre exportações — assim como o êxodo de suas mentes mais brilhantes — lastimam sua já apagada economia.

Como resultado, muitos nos EUA e na Europa estão ávidos para desprezar a Rússia qualificando-a como uma potência Potemkin, cujo glorificado status chegou ao fim. Castigado militarmente e sobrecarregado de sanções projetadas para enfraquecer a Rússia, o Kremlin não parece subscrever a mesma preocupação que dedicou anteriormente sobre isso. A ameaça que a Rússia representa para o Ocidente, nesta visão, malogrou sobre o solo ucraniano.

Ainda assim, essa interpretação é prematura. Sim, o presidente Vladimir Putin cometeu um equívoco estratégico, ocasionando um fiasco militar e destruindo décadas de relativa estabilidade econômica. Mas é cedo demais para desprezar a Rússia. Apesar de seus fracassos na Ucrânia, a Rússia conserva a capacidade e a vontade de continuar a desafiar seriamente os Estados Unidos e a Europa. A Rússia pode estar mal, mas não está fora do jogo.

Comunidade russa em diferentes países da Europa protestam contra a invasão à Ucrânia  

Nos últimos três meses, imagens vívidas de tanques russos destruídos tomaram conta das nossas telas. E é verdade que o Exército russo, ao longo dos últimos três meses, foi escorraçado. A Rússia perdeu aproximadamente 25% de sua força de tanques em atividade, mais de 30 aeronaves e mais de 10 mil soldados. Ainda que o número exato seja desconhecido, as baixas são significativas, e o Exército russo terá dificuldades para sustentar a guerra sem apelar para alguma forma de conscrição.

Equívoco

Mas aparências podem enganar. Afinal, muitos dos fracassos iniciais do Exército russo decorreram da percepção equivocada de Putin de que a guerra seria curta e pontual: as forças russas simplesmente não estavam preparadas nem organizadas o suficiente para uma campanha séria. No entanto, nas semanas recentes, à medida que a Rússia revisou seus objetivos de guerra colocando o foco no Donbass, no leste ucraniano, suas forças se adaptaram e começaram a corrigir algumas incompetências iniciais. A Rússia tem obtido avanços graduais, revelando que a posição do Exército ucraniano é precária em algumas áreas.

Além disso, a guerra na Ucrânia fez pouco no sentido de afetar as capacidades militares mais destrutivas da Rússia. Os tanques soviéticos modernizados e a obsoleta Força Aérea da Rússia não são os elementos que mais preocupam os EUA e a Otan; o que mais preocupa os aliados do Ocidente são os submarinos da Rússia, seus sistemas integrados de mísseis e defesa antiaérea, a guerra cibernética, seus sistemas antissatélite e seu diversificado arsenal nuclear. Essas capacidades, praticamente intocadas durante esta guerra, continuam disponíveis para o Kremlin.

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A Rússia certamente está sofrendo economicamente, mas levará muitos meses até que as consequências das sanções, dos controles sobre exportações e da tentativa europeia de se afastar da energia russa sejam sentidas pelos cidadãos. Por enquanto, os cofres do governo russo continuam cheios: as exportações mensais do país, segundo estimativas, cresceram mais de 60% em abril em comparação ao ano passado. Apesar de dependente em relação à venda de petróleo e gás natural — sempre abatíveis e suscetíveis a sanções europeias — isso representa uma fonte vital de receita. Com o tempo, Moscou deverá se adaptar.

Em qualquer caso, os militares russos serão poupados do efeito total da contração econômica. Mesmo quando passa por períodos de dificuldade, o Kremlin tem como hábito gastar mais com as armas do que com as pessoas: podemos ter certeza de que não será o orçamento militar que Putin cortará primeiro. E apesar de controles sobre comércio exterior dificultarem para o país produzir armas que dependem de componentes importados, a indústria de defesa russa já passou anos se adaptando e encontrando maneiras de contornar sanções.

Internacionalmente, também, a Rússia não está tão isolada como gostaríamos. EUA e Europa forjaram uma resposta unida à invasão russa, e a Otan, reenergizada, certamente logo receberá a Finlândia e a Suécia em seus quadros. Mas muitos países regionalmente significativos, como Índia e África do Sul, possuem laços antigos e duradouros com a Rússia que atualmente não estão preparados para desatar. Outros países, preocupados com a possibilidade das sanções econômicas elevarem o custo de vida e lhes criarem instabilidades domésticas, recusam-se a escolher um lado. Países africanos, por exemplo, não impuseram nenhuma sanção contra a Rússia, o Oriente Médio tem se esquivado. E, evidentemente, a Rússia pode contar com o contínuo apoio da China.

Na Rússia, não há nenhuma razão para acreditar que o regime de Putin esteja sob alguma ameaça imediata. As manobras do Kremlin para anular os meios de comunicação independentes e ilegalizar a dissidência puseram fim no sentimento antiguerra com que a invasão foi recebida. E também há um considerável segmento da população que apoia a guerra, sustentado por uma torrente de retórica ultranacionalista. Putin terá de encontrar maneiras de saciar esse sentimentos e demonstrar que a Rússia ainda é uma potência a ser temida.

Isso é perigoso. Quanto mais vulnerável Putin se sentir, mais propenso ele estará para usar ferramentas não convencionais, incluindo ciberataques, campanhas de desinformação, operações secretas e armas nucleares. No advento de uma confrontação com a Otan, a Rússia terá poucas opções além da escalada nuclear. Isso não significa que a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais devam hesitar de qualquer maneira em seu curso para derrotar a invasão russa. Eles não devem titubear. Mas os EUA e seus aliados devem estar preparados para todo o espectro de ameaças da Rússia, por mais confrangidos pela guerra que os russos possam estar.

O poder da Rússia, vale lembrar, passou por ciclos erráticos de estagnação, declínio e ressurgência; seria sábio evitar triunfalismos e complacências. Putin cometeu um erro, mas não necessariamente um erro fatal. Conforme salientou o historiador Stephen Kotkin, a Rússia possui uma notável capacidade histórica de reconstituição. O breve descanso de que o Ocidente desfrutou na competição de grandes potências com a Rússia após o fim da Guerra Fria constitui, ele nos recordou, “um piscar de olhos na história”.

Em outras palavras: a Rússia é um problema para o Ocidente — um problema que continuará por aí. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Andrea Kendall-Taylor (@AKendallTaylor) é pesquisadora-sênior do Center for a New American Security e ex-agente-sênior de inteligência com foco na Rússia. Michael Kofman (@KofmanMichael) é diretor de estudos sobre Rússia do CNA, um instituto de pesquisa com foco em segurança nacional, e atua como pesquisador-sênior-adjunto do Center for a New American Security. Ambos são especialistas em segurança nacional, Rússia e guerra moderna.

THE NEW YORK TIMES - A atabalhoada invasão da Rússia à Ucrânia, que resultou em uma retirada de Kiev e envolveu inúmeros equívocos táticos dos militares russos, manchou gravemente sua imagem em relação à sua capacidade enquanto força de combate. O dano é mais que reputacional: Três meses de combates impingiram sobre a Rússia grandes perdas de soldados e equipamentos. Em casa, enquanto isso, sanções e controles sobre exportações — assim como o êxodo de suas mentes mais brilhantes — lastimam sua já apagada economia.

Como resultado, muitos nos EUA e na Europa estão ávidos para desprezar a Rússia qualificando-a como uma potência Potemkin, cujo glorificado status chegou ao fim. Castigado militarmente e sobrecarregado de sanções projetadas para enfraquecer a Rússia, o Kremlin não parece subscrever a mesma preocupação que dedicou anteriormente sobre isso. A ameaça que a Rússia representa para o Ocidente, nesta visão, malogrou sobre o solo ucraniano.

Ainda assim, essa interpretação é prematura. Sim, o presidente Vladimir Putin cometeu um equívoco estratégico, ocasionando um fiasco militar e destruindo décadas de relativa estabilidade econômica. Mas é cedo demais para desprezar a Rússia. Apesar de seus fracassos na Ucrânia, a Rússia conserva a capacidade e a vontade de continuar a desafiar seriamente os Estados Unidos e a Europa. A Rússia pode estar mal, mas não está fora do jogo.

Comunidade russa em diferentes países da Europa protestam contra a invasão à Ucrânia  

Nos últimos três meses, imagens vívidas de tanques russos destruídos tomaram conta das nossas telas. E é verdade que o Exército russo, ao longo dos últimos três meses, foi escorraçado. A Rússia perdeu aproximadamente 25% de sua força de tanques em atividade, mais de 30 aeronaves e mais de 10 mil soldados. Ainda que o número exato seja desconhecido, as baixas são significativas, e o Exército russo terá dificuldades para sustentar a guerra sem apelar para alguma forma de conscrição.

Equívoco

Mas aparências podem enganar. Afinal, muitos dos fracassos iniciais do Exército russo decorreram da percepção equivocada de Putin de que a guerra seria curta e pontual: as forças russas simplesmente não estavam preparadas nem organizadas o suficiente para uma campanha séria. No entanto, nas semanas recentes, à medida que a Rússia revisou seus objetivos de guerra colocando o foco no Donbass, no leste ucraniano, suas forças se adaptaram e começaram a corrigir algumas incompetências iniciais. A Rússia tem obtido avanços graduais, revelando que a posição do Exército ucraniano é precária em algumas áreas.

Além disso, a guerra na Ucrânia fez pouco no sentido de afetar as capacidades militares mais destrutivas da Rússia. Os tanques soviéticos modernizados e a obsoleta Força Aérea da Rússia não são os elementos que mais preocupam os EUA e a Otan; o que mais preocupa os aliados do Ocidente são os submarinos da Rússia, seus sistemas integrados de mísseis e defesa antiaérea, a guerra cibernética, seus sistemas antissatélite e seu diversificado arsenal nuclear. Essas capacidades, praticamente intocadas durante esta guerra, continuam disponíveis para o Kremlin.

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A Rússia certamente está sofrendo economicamente, mas levará muitos meses até que as consequências das sanções, dos controles sobre exportações e da tentativa europeia de se afastar da energia russa sejam sentidas pelos cidadãos. Por enquanto, os cofres do governo russo continuam cheios: as exportações mensais do país, segundo estimativas, cresceram mais de 60% em abril em comparação ao ano passado. Apesar de dependente em relação à venda de petróleo e gás natural — sempre abatíveis e suscetíveis a sanções europeias — isso representa uma fonte vital de receita. Com o tempo, Moscou deverá se adaptar.

Em qualquer caso, os militares russos serão poupados do efeito total da contração econômica. Mesmo quando passa por períodos de dificuldade, o Kremlin tem como hábito gastar mais com as armas do que com as pessoas: podemos ter certeza de que não será o orçamento militar que Putin cortará primeiro. E apesar de controles sobre comércio exterior dificultarem para o país produzir armas que dependem de componentes importados, a indústria de defesa russa já passou anos se adaptando e encontrando maneiras de contornar sanções.

Internacionalmente, também, a Rússia não está tão isolada como gostaríamos. EUA e Europa forjaram uma resposta unida à invasão russa, e a Otan, reenergizada, certamente logo receberá a Finlândia e a Suécia em seus quadros. Mas muitos países regionalmente significativos, como Índia e África do Sul, possuem laços antigos e duradouros com a Rússia que atualmente não estão preparados para desatar. Outros países, preocupados com a possibilidade das sanções econômicas elevarem o custo de vida e lhes criarem instabilidades domésticas, recusam-se a escolher um lado. Países africanos, por exemplo, não impuseram nenhuma sanção contra a Rússia, o Oriente Médio tem se esquivado. E, evidentemente, a Rússia pode contar com o contínuo apoio da China.

Na Rússia, não há nenhuma razão para acreditar que o regime de Putin esteja sob alguma ameaça imediata. As manobras do Kremlin para anular os meios de comunicação independentes e ilegalizar a dissidência puseram fim no sentimento antiguerra com que a invasão foi recebida. E também há um considerável segmento da população que apoia a guerra, sustentado por uma torrente de retórica ultranacionalista. Putin terá de encontrar maneiras de saciar esse sentimentos e demonstrar que a Rússia ainda é uma potência a ser temida.

Isso é perigoso. Quanto mais vulnerável Putin se sentir, mais propenso ele estará para usar ferramentas não convencionais, incluindo ciberataques, campanhas de desinformação, operações secretas e armas nucleares. No advento de uma confrontação com a Otan, a Rússia terá poucas opções além da escalada nuclear. Isso não significa que a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais devam hesitar de qualquer maneira em seu curso para derrotar a invasão russa. Eles não devem titubear. Mas os EUA e seus aliados devem estar preparados para todo o espectro de ameaças da Rússia, por mais confrangidos pela guerra que os russos possam estar.

O poder da Rússia, vale lembrar, passou por ciclos erráticos de estagnação, declínio e ressurgência; seria sábio evitar triunfalismos e complacências. Putin cometeu um erro, mas não necessariamente um erro fatal. Conforme salientou o historiador Stephen Kotkin, a Rússia possui uma notável capacidade histórica de reconstituição. O breve descanso de que o Ocidente desfrutou na competição de grandes potências com a Rússia após o fim da Guerra Fria constitui, ele nos recordou, “um piscar de olhos na história”.

Em outras palavras: a Rússia é um problema para o Ocidente — um problema que continuará por aí. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Andrea Kendall-Taylor (@AKendallTaylor) é pesquisadora-sênior do Center for a New American Security e ex-agente-sênior de inteligência com foco na Rússia. Michael Kofman (@KofmanMichael) é diretor de estudos sobre Rússia do CNA, um instituto de pesquisa com foco em segurança nacional, e atua como pesquisador-sênior-adjunto do Center for a New American Security. Ambos são especialistas em segurança nacional, Rússia e guerra moderna.

THE NEW YORK TIMES - A atabalhoada invasão da Rússia à Ucrânia, que resultou em uma retirada de Kiev e envolveu inúmeros equívocos táticos dos militares russos, manchou gravemente sua imagem em relação à sua capacidade enquanto força de combate. O dano é mais que reputacional: Três meses de combates impingiram sobre a Rússia grandes perdas de soldados e equipamentos. Em casa, enquanto isso, sanções e controles sobre exportações — assim como o êxodo de suas mentes mais brilhantes — lastimam sua já apagada economia.

Como resultado, muitos nos EUA e na Europa estão ávidos para desprezar a Rússia qualificando-a como uma potência Potemkin, cujo glorificado status chegou ao fim. Castigado militarmente e sobrecarregado de sanções projetadas para enfraquecer a Rússia, o Kremlin não parece subscrever a mesma preocupação que dedicou anteriormente sobre isso. A ameaça que a Rússia representa para o Ocidente, nesta visão, malogrou sobre o solo ucraniano.

Ainda assim, essa interpretação é prematura. Sim, o presidente Vladimir Putin cometeu um equívoco estratégico, ocasionando um fiasco militar e destruindo décadas de relativa estabilidade econômica. Mas é cedo demais para desprezar a Rússia. Apesar de seus fracassos na Ucrânia, a Rússia conserva a capacidade e a vontade de continuar a desafiar seriamente os Estados Unidos e a Europa. A Rússia pode estar mal, mas não está fora do jogo.

Comunidade russa em diferentes países da Europa protestam contra a invasão à Ucrânia  

Nos últimos três meses, imagens vívidas de tanques russos destruídos tomaram conta das nossas telas. E é verdade que o Exército russo, ao longo dos últimos três meses, foi escorraçado. A Rússia perdeu aproximadamente 25% de sua força de tanques em atividade, mais de 30 aeronaves e mais de 10 mil soldados. Ainda que o número exato seja desconhecido, as baixas são significativas, e o Exército russo terá dificuldades para sustentar a guerra sem apelar para alguma forma de conscrição.

Equívoco

Mas aparências podem enganar. Afinal, muitos dos fracassos iniciais do Exército russo decorreram da percepção equivocada de Putin de que a guerra seria curta e pontual: as forças russas simplesmente não estavam preparadas nem organizadas o suficiente para uma campanha séria. No entanto, nas semanas recentes, à medida que a Rússia revisou seus objetivos de guerra colocando o foco no Donbass, no leste ucraniano, suas forças se adaptaram e começaram a corrigir algumas incompetências iniciais. A Rússia tem obtido avanços graduais, revelando que a posição do Exército ucraniano é precária em algumas áreas.

Além disso, a guerra na Ucrânia fez pouco no sentido de afetar as capacidades militares mais destrutivas da Rússia. Os tanques soviéticos modernizados e a obsoleta Força Aérea da Rússia não são os elementos que mais preocupam os EUA e a Otan; o que mais preocupa os aliados do Ocidente são os submarinos da Rússia, seus sistemas integrados de mísseis e defesa antiaérea, a guerra cibernética, seus sistemas antissatélite e seu diversificado arsenal nuclear. Essas capacidades, praticamente intocadas durante esta guerra, continuam disponíveis para o Kremlin.

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A Rússia certamente está sofrendo economicamente, mas levará muitos meses até que as consequências das sanções, dos controles sobre exportações e da tentativa europeia de se afastar da energia russa sejam sentidas pelos cidadãos. Por enquanto, os cofres do governo russo continuam cheios: as exportações mensais do país, segundo estimativas, cresceram mais de 60% em abril em comparação ao ano passado. Apesar de dependente em relação à venda de petróleo e gás natural — sempre abatíveis e suscetíveis a sanções europeias — isso representa uma fonte vital de receita. Com o tempo, Moscou deverá se adaptar.

Em qualquer caso, os militares russos serão poupados do efeito total da contração econômica. Mesmo quando passa por períodos de dificuldade, o Kremlin tem como hábito gastar mais com as armas do que com as pessoas: podemos ter certeza de que não será o orçamento militar que Putin cortará primeiro. E apesar de controles sobre comércio exterior dificultarem para o país produzir armas que dependem de componentes importados, a indústria de defesa russa já passou anos se adaptando e encontrando maneiras de contornar sanções.

Internacionalmente, também, a Rússia não está tão isolada como gostaríamos. EUA e Europa forjaram uma resposta unida à invasão russa, e a Otan, reenergizada, certamente logo receberá a Finlândia e a Suécia em seus quadros. Mas muitos países regionalmente significativos, como Índia e África do Sul, possuem laços antigos e duradouros com a Rússia que atualmente não estão preparados para desatar. Outros países, preocupados com a possibilidade das sanções econômicas elevarem o custo de vida e lhes criarem instabilidades domésticas, recusam-se a escolher um lado. Países africanos, por exemplo, não impuseram nenhuma sanção contra a Rússia, o Oriente Médio tem se esquivado. E, evidentemente, a Rússia pode contar com o contínuo apoio da China.

Na Rússia, não há nenhuma razão para acreditar que o regime de Putin esteja sob alguma ameaça imediata. As manobras do Kremlin para anular os meios de comunicação independentes e ilegalizar a dissidência puseram fim no sentimento antiguerra com que a invasão foi recebida. E também há um considerável segmento da população que apoia a guerra, sustentado por uma torrente de retórica ultranacionalista. Putin terá de encontrar maneiras de saciar esse sentimentos e demonstrar que a Rússia ainda é uma potência a ser temida.

Isso é perigoso. Quanto mais vulnerável Putin se sentir, mais propenso ele estará para usar ferramentas não convencionais, incluindo ciberataques, campanhas de desinformação, operações secretas e armas nucleares. No advento de uma confrontação com a Otan, a Rússia terá poucas opções além da escalada nuclear. Isso não significa que a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais devam hesitar de qualquer maneira em seu curso para derrotar a invasão russa. Eles não devem titubear. Mas os EUA e seus aliados devem estar preparados para todo o espectro de ameaças da Rússia, por mais confrangidos pela guerra que os russos possam estar.

O poder da Rússia, vale lembrar, passou por ciclos erráticos de estagnação, declínio e ressurgência; seria sábio evitar triunfalismos e complacências. Putin cometeu um erro, mas não necessariamente um erro fatal. Conforme salientou o historiador Stephen Kotkin, a Rússia possui uma notável capacidade histórica de reconstituição. O breve descanso de que o Ocidente desfrutou na competição de grandes potências com a Rússia após o fim da Guerra Fria constitui, ele nos recordou, “um piscar de olhos na história”.

Em outras palavras: a Rússia é um problema para o Ocidente — um problema que continuará por aí. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Andrea Kendall-Taylor (@AKendallTaylor) é pesquisadora-sênior do Center for a New American Security e ex-agente-sênior de inteligência com foco na Rússia. Michael Kofman (@KofmanMichael) é diretor de estudos sobre Rússia do CNA, um instituto de pesquisa com foco em segurança nacional, e atua como pesquisador-sênior-adjunto do Center for a New American Security. Ambos são especialistas em segurança nacional, Rússia e guerra moderna.

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