Análise|Após a fraude na eleição da Venezuela, existe alguma saída?


Assim como é improvável que Maduro renuncie ao poder sem luta, é improvável que os venezuelanos aceitem passivamente uma eleição maculada

Por Mie Dahl

CARACAS — Sete dias após a contestada eleição presidencial da Venezuela, a disputa continua sendo um confronto aparentemente intratável, com um incumbente insistindo em uma vitória não comprovada e líderes da oposição pedindo apoio internacional para desalojar um ditador que não quer ceder o poder.

Com o presidente Nicolás Maduro reforçando a repressão contra a oposição para silenciar manifestações massivas em favor do diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, a comunidade internacional continua a pedir diálogo entre os dois lados para a construção de uma solução pacífica. No domingo, presidentes e primeiros-ministros de sete países da União Europeia exortaram o regime de Maduro a “divulgar prontamente todas as atas de contagem de votos” para garantir a total transparência e integridade do processo eleitoral realizado em 28 de julho.

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Cerca de 20 países pressionaram Maduro a apresentar uma contagem de votos completa e verificável, sem sucesso, enquanto o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, reconheceu que González ganhou a maioria dos votos na eleição. Enquanto isso, a Organização dos Estados Americanos fracassou em aprovar na semana passada uma resolução exigindo que as autoridades eleitorais publicassem resultados eleitorais detalhados, preparando o cenário para negociações árduas que talvez não tragam a transição democrática necessária para este país. Destes esforços, aquele com mais probabilidade de influenciar Maduro — se possível — pode ser a iniciativa promovida pelo Brasil, México e Colômbia, buscando verificação imparcial dos resultados e facilitando as negociações entre os dois lados. Esses três países devem enviar seus ministros de relações exteriores à capital da Venezuela esta semana.

Conforme a comunidade internacional acompanha os eventos de perto, a estratégia jurídica e política pós-eleitoral do governo de proclamar a vitória de Maduro para um terceiro mandato causou indignação compreensível. “Este é o único caso em que a nomeação de um presidente (venezuelano) foi feita sem contagens, verificação, sem absolutamente nada. É simplesmente a autoproclamação de Maduro”, disse José Ignacio Hernández, professor de direito venezuelano em Boston, à AQ.

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Embora Maduro talvez esteja tentando entrar no “modo Ortega” — seguindo o modelo do ditador da Nicarágua — ainda há outros caminhos que o país pode seguir. Assim como é improvável que Maduro renuncie ao poder sem luta, é improvável que os venezuelanos aceitem passivamente uma eleição maculada. A partir daqui, os cenários possíveis incluem o governo sufocando violentamente e com sucesso a dissidência, como aconteceu após outras eleições celebradas na última década; a divulgação de uma nova contagem eleitoral com evidências verificáveis; ou uma solução negociada entre o governo e a oposição.

Qualquer tentativa de transição envolveria mais do que apenas abordar a presidência. O partido no poder, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), controla quase todas as instituições relevantes: a Suprema Corte, o Gabinete do Procurador-Geral, o Congresso Nacional, os meios de comunicação, as autoridades eleitorais e as forças armadas. No entanto, o chavismo — a ideologia do governo atual — parece mais fraco do que nunca: 75% dos venezuelanos querem uma mudança na liderança. Mesmo nos bairros mais pobres, antigos redutos chavistas, o apoio a Maduro diminuiu.

A resposta de Maduro provavelmente afetará o chavismo também. O movimento político que leva o nome do falecido presidente Hugo Chávez Frías não é um bloco monolítico e, nos próximos dias e semanas, podemos ver fraturas internas que podem enfraquecer a coalizão dominante. Até 10% dos chavistas mais ortodoxos estão abertos a considerar o que uma mudança pode significar. Qualquer ruptura significativa com sub coalizões reformistas pode colocar em risco o poder do chavismo.

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Apoiador segura foto de Maduro em Caracas. Sete dias após a contestada eleição, ditador venezuelano segue insistindo em uma vitória não comprovada. Foto: Matias Delacroix/AP

Referências regionais

Vimos alguns casos de ditadores regionais aceitando a derrota, como Augusto Pinochet no Chile em 1988. “Respeitarei o veredito” do povo, disse o ex-ditador Pinochet no dia seguinte às eleições. Ainda assim, ele permaneceu como comandante-em-chefe do país até 1998 e nunca foi condenado em um tribunal chileno.

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Mas agora, em vez de admitir imediatamente a derrota, Maduro e seu círculo íntimo podem usar o reconhecimento dos resultados das eleições como uma ferramenta de negociação, como quando Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, entregou o poder a Violeta Chamorro, da União Nacional de Oposição na Nicarágua em 1990, parcialmente em troca de deixar que seu irmão, Humberto Ortega, mantivesse o controle dos militares.

Alternativamente, uma fratura dentro da coalizão governante pode levar à anulação da contagem de votos, como visto quando o Congresso da Bolívia anulou as eleições em 2019 devido a alegações de fraude. No entanto, este último cenário parece cada vez mais improvável, com a inflexibilidade dos líderes do governo venezuelano em relação aos resultados e com poucas chances de vitória em uma nova eleição justa.

“É muito provável que algumas facções não façam isso”, disse o cientista político venezuelano John Magdaleno à AQ em Caracas. Enquanto os escalões superiores dos militares permanecem leais a Maduro, podemos testemunhar uma rebelião de baixo para cima de civis e militares de nível médio e baixo. Muitos estão frustrados com os baixos salários e não querem reprimir seus concidadãos.

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Continuar com a fraude eleitoral em massa torna as mobilizações em massa inevitáveis. No dia seguinte às eleições, protestos e violência irromperam espontaneamente em Caracas. Depois de escolher não reconhecer os resultados, o regime se depara com uma nova escolha crucial: recorrer ou não à repressão cada vez mais violenta; as manifestações continuam, embora as forças de segurança já tenham feito mais de 2.000 prisões na semana passada e Maduro tenha dito que Machado e González “deveriam ficar atrás das grades” por 30 anos.

Processo de transição?

González e Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. “Há muitos setores do chavismo que estão me procurando”, disse Machado à AQ alguns dias antes da eleição. Ela explicou como alguns militares a procuraram, tentando entender como seria uma transição e como eles podem fazer parte dela.

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No entanto, os militares são uma organização de cima para baixo, o que dificulta o sucesso de uma rebelião de baixo para cima. Os altos escalões militares têm mais a perder do que os escalões inferiores. Se o governo de Maduro cair, muitos devem abrir mão de esquemas lucrativos de corrupção estatal e enfrentar acusações criminais.

Opositores Edmundo González e María Corina Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. Foto: AP Photo/Matias Delacroix

Pressões internas e externas serão necessárias para obrigar a coalizão governante a renunciar ao poder. A maioria das nações em todo o mundo já sinalizou que não ignorará a situação. “A comunidade internacional tem uma grande responsabilidade”, disse Machado à AQ.

Em meio aos conflitos em andamento na Rússia, Ucrânia e Oriente Médio, a Venezuela pode facilmente cair na lista de prioridades de seus parceiros internacionais. No entanto, Machado está confiante de que a comunidade internacional não normalizará as relações com o regime. “Esta não é apenas mais uma eleição. É a última oportunidade”, disse ela.

As alternativas restantes

Transições bem-sucedidas geralmente exigem o equilíbrio entre uma linha dura e branda. É aqui que Machado e sua escolha presidencial “acidental”, González Urrutia, podem emergir como uma mistura forte. Machado é conhecida por sua firmeza e determinação, enquanto González Urrutia traz um toque diplomático e foco na paz e reconciliação. Embora Machado tenha prometido não permitir impunidade total, essa dupla de liderança deve oferecer aos altos funcionários do governo uma estratégia de saída viável, incluindo incentivos apropriados.

“Não há transição sem transação”, disse Ángel Alvarado, pesquisador sênior do Departamento de Economia da Universidade da Pensilvânia e fundador do Observatório Financeiro da Venezuela, à AQ em Caracas.

Na fase inicial, a oposição falhou em envolver as partes interessadas certas e criar condições que tornariam menos assustador para o governo ceder o poder. Eles podem ter suposto que uma vitória esmagadora por si só seria suficiente. Com uma mudança na estratégia, a oposição ainda pode se mobilizar e envolver as principais partes interessadas em uma segunda fase. Isso exigirá uma abordagem diferenciada caracterizada por empatia e diálogo extensivo para entender as motivações das principais partes interessadas e o que elas podem ganhar e perder ao desertar do governo.

Resolver o impasse atual será desafiador, mas não é impossível./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

CARACAS — Sete dias após a contestada eleição presidencial da Venezuela, a disputa continua sendo um confronto aparentemente intratável, com um incumbente insistindo em uma vitória não comprovada e líderes da oposição pedindo apoio internacional para desalojar um ditador que não quer ceder o poder.

Com o presidente Nicolás Maduro reforçando a repressão contra a oposição para silenciar manifestações massivas em favor do diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, a comunidade internacional continua a pedir diálogo entre os dois lados para a construção de uma solução pacífica. No domingo, presidentes e primeiros-ministros de sete países da União Europeia exortaram o regime de Maduro a “divulgar prontamente todas as atas de contagem de votos” para garantir a total transparência e integridade do processo eleitoral realizado em 28 de julho.

Cerca de 20 países pressionaram Maduro a apresentar uma contagem de votos completa e verificável, sem sucesso, enquanto o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, reconheceu que González ganhou a maioria dos votos na eleição. Enquanto isso, a Organização dos Estados Americanos fracassou em aprovar na semana passada uma resolução exigindo que as autoridades eleitorais publicassem resultados eleitorais detalhados, preparando o cenário para negociações árduas que talvez não tragam a transição democrática necessária para este país. Destes esforços, aquele com mais probabilidade de influenciar Maduro — se possível — pode ser a iniciativa promovida pelo Brasil, México e Colômbia, buscando verificação imparcial dos resultados e facilitando as negociações entre os dois lados. Esses três países devem enviar seus ministros de relações exteriores à capital da Venezuela esta semana.

Conforme a comunidade internacional acompanha os eventos de perto, a estratégia jurídica e política pós-eleitoral do governo de proclamar a vitória de Maduro para um terceiro mandato causou indignação compreensível. “Este é o único caso em que a nomeação de um presidente (venezuelano) foi feita sem contagens, verificação, sem absolutamente nada. É simplesmente a autoproclamação de Maduro”, disse José Ignacio Hernández, professor de direito venezuelano em Boston, à AQ.

Embora Maduro talvez esteja tentando entrar no “modo Ortega” — seguindo o modelo do ditador da Nicarágua — ainda há outros caminhos que o país pode seguir. Assim como é improvável que Maduro renuncie ao poder sem luta, é improvável que os venezuelanos aceitem passivamente uma eleição maculada. A partir daqui, os cenários possíveis incluem o governo sufocando violentamente e com sucesso a dissidência, como aconteceu após outras eleições celebradas na última década; a divulgação de uma nova contagem eleitoral com evidências verificáveis; ou uma solução negociada entre o governo e a oposição.

Qualquer tentativa de transição envolveria mais do que apenas abordar a presidência. O partido no poder, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), controla quase todas as instituições relevantes: a Suprema Corte, o Gabinete do Procurador-Geral, o Congresso Nacional, os meios de comunicação, as autoridades eleitorais e as forças armadas. No entanto, o chavismo — a ideologia do governo atual — parece mais fraco do que nunca: 75% dos venezuelanos querem uma mudança na liderança. Mesmo nos bairros mais pobres, antigos redutos chavistas, o apoio a Maduro diminuiu.

A resposta de Maduro provavelmente afetará o chavismo também. O movimento político que leva o nome do falecido presidente Hugo Chávez Frías não é um bloco monolítico e, nos próximos dias e semanas, podemos ver fraturas internas que podem enfraquecer a coalizão dominante. Até 10% dos chavistas mais ortodoxos estão abertos a considerar o que uma mudança pode significar. Qualquer ruptura significativa com sub coalizões reformistas pode colocar em risco o poder do chavismo.

Apoiador segura foto de Maduro em Caracas. Sete dias após a contestada eleição, ditador venezuelano segue insistindo em uma vitória não comprovada. Foto: Matias Delacroix/AP

Referências regionais

Vimos alguns casos de ditadores regionais aceitando a derrota, como Augusto Pinochet no Chile em 1988. “Respeitarei o veredito” do povo, disse o ex-ditador Pinochet no dia seguinte às eleições. Ainda assim, ele permaneceu como comandante-em-chefe do país até 1998 e nunca foi condenado em um tribunal chileno.

Mas agora, em vez de admitir imediatamente a derrota, Maduro e seu círculo íntimo podem usar o reconhecimento dos resultados das eleições como uma ferramenta de negociação, como quando Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, entregou o poder a Violeta Chamorro, da União Nacional de Oposição na Nicarágua em 1990, parcialmente em troca de deixar que seu irmão, Humberto Ortega, mantivesse o controle dos militares.

Alternativamente, uma fratura dentro da coalizão governante pode levar à anulação da contagem de votos, como visto quando o Congresso da Bolívia anulou as eleições em 2019 devido a alegações de fraude. No entanto, este último cenário parece cada vez mais improvável, com a inflexibilidade dos líderes do governo venezuelano em relação aos resultados e com poucas chances de vitória em uma nova eleição justa.

“É muito provável que algumas facções não façam isso”, disse o cientista político venezuelano John Magdaleno à AQ em Caracas. Enquanto os escalões superiores dos militares permanecem leais a Maduro, podemos testemunhar uma rebelião de baixo para cima de civis e militares de nível médio e baixo. Muitos estão frustrados com os baixos salários e não querem reprimir seus concidadãos.

Continuar com a fraude eleitoral em massa torna as mobilizações em massa inevitáveis. No dia seguinte às eleições, protestos e violência irromperam espontaneamente em Caracas. Depois de escolher não reconhecer os resultados, o regime se depara com uma nova escolha crucial: recorrer ou não à repressão cada vez mais violenta; as manifestações continuam, embora as forças de segurança já tenham feito mais de 2.000 prisões na semana passada e Maduro tenha dito que Machado e González “deveriam ficar atrás das grades” por 30 anos.

Processo de transição?

González e Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. “Há muitos setores do chavismo que estão me procurando”, disse Machado à AQ alguns dias antes da eleição. Ela explicou como alguns militares a procuraram, tentando entender como seria uma transição e como eles podem fazer parte dela.

No entanto, os militares são uma organização de cima para baixo, o que dificulta o sucesso de uma rebelião de baixo para cima. Os altos escalões militares têm mais a perder do que os escalões inferiores. Se o governo de Maduro cair, muitos devem abrir mão de esquemas lucrativos de corrupção estatal e enfrentar acusações criminais.

Opositores Edmundo González e María Corina Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. Foto: AP Photo/Matias Delacroix

Pressões internas e externas serão necessárias para obrigar a coalizão governante a renunciar ao poder. A maioria das nações em todo o mundo já sinalizou que não ignorará a situação. “A comunidade internacional tem uma grande responsabilidade”, disse Machado à AQ.

Em meio aos conflitos em andamento na Rússia, Ucrânia e Oriente Médio, a Venezuela pode facilmente cair na lista de prioridades de seus parceiros internacionais. No entanto, Machado está confiante de que a comunidade internacional não normalizará as relações com o regime. “Esta não é apenas mais uma eleição. É a última oportunidade”, disse ela.

As alternativas restantes

Transições bem-sucedidas geralmente exigem o equilíbrio entre uma linha dura e branda. É aqui que Machado e sua escolha presidencial “acidental”, González Urrutia, podem emergir como uma mistura forte. Machado é conhecida por sua firmeza e determinação, enquanto González Urrutia traz um toque diplomático e foco na paz e reconciliação. Embora Machado tenha prometido não permitir impunidade total, essa dupla de liderança deve oferecer aos altos funcionários do governo uma estratégia de saída viável, incluindo incentivos apropriados.

“Não há transição sem transação”, disse Ángel Alvarado, pesquisador sênior do Departamento de Economia da Universidade da Pensilvânia e fundador do Observatório Financeiro da Venezuela, à AQ em Caracas.

Na fase inicial, a oposição falhou em envolver as partes interessadas certas e criar condições que tornariam menos assustador para o governo ceder o poder. Eles podem ter suposto que uma vitória esmagadora por si só seria suficiente. Com uma mudança na estratégia, a oposição ainda pode se mobilizar e envolver as principais partes interessadas em uma segunda fase. Isso exigirá uma abordagem diferenciada caracterizada por empatia e diálogo extensivo para entender as motivações das principais partes interessadas e o que elas podem ganhar e perder ao desertar do governo.

Resolver o impasse atual será desafiador, mas não é impossível./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

CARACAS — Sete dias após a contestada eleição presidencial da Venezuela, a disputa continua sendo um confronto aparentemente intratável, com um incumbente insistindo em uma vitória não comprovada e líderes da oposição pedindo apoio internacional para desalojar um ditador que não quer ceder o poder.

Com o presidente Nicolás Maduro reforçando a repressão contra a oposição para silenciar manifestações massivas em favor do diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, a comunidade internacional continua a pedir diálogo entre os dois lados para a construção de uma solução pacífica. No domingo, presidentes e primeiros-ministros de sete países da União Europeia exortaram o regime de Maduro a “divulgar prontamente todas as atas de contagem de votos” para garantir a total transparência e integridade do processo eleitoral realizado em 28 de julho.

Cerca de 20 países pressionaram Maduro a apresentar uma contagem de votos completa e verificável, sem sucesso, enquanto o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, reconheceu que González ganhou a maioria dos votos na eleição. Enquanto isso, a Organização dos Estados Americanos fracassou em aprovar na semana passada uma resolução exigindo que as autoridades eleitorais publicassem resultados eleitorais detalhados, preparando o cenário para negociações árduas que talvez não tragam a transição democrática necessária para este país. Destes esforços, aquele com mais probabilidade de influenciar Maduro — se possível — pode ser a iniciativa promovida pelo Brasil, México e Colômbia, buscando verificação imparcial dos resultados e facilitando as negociações entre os dois lados. Esses três países devem enviar seus ministros de relações exteriores à capital da Venezuela esta semana.

Conforme a comunidade internacional acompanha os eventos de perto, a estratégia jurídica e política pós-eleitoral do governo de proclamar a vitória de Maduro para um terceiro mandato causou indignação compreensível. “Este é o único caso em que a nomeação de um presidente (venezuelano) foi feita sem contagens, verificação, sem absolutamente nada. É simplesmente a autoproclamação de Maduro”, disse José Ignacio Hernández, professor de direito venezuelano em Boston, à AQ.

Embora Maduro talvez esteja tentando entrar no “modo Ortega” — seguindo o modelo do ditador da Nicarágua — ainda há outros caminhos que o país pode seguir. Assim como é improvável que Maduro renuncie ao poder sem luta, é improvável que os venezuelanos aceitem passivamente uma eleição maculada. A partir daqui, os cenários possíveis incluem o governo sufocando violentamente e com sucesso a dissidência, como aconteceu após outras eleições celebradas na última década; a divulgação de uma nova contagem eleitoral com evidências verificáveis; ou uma solução negociada entre o governo e a oposição.

Qualquer tentativa de transição envolveria mais do que apenas abordar a presidência. O partido no poder, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), controla quase todas as instituições relevantes: a Suprema Corte, o Gabinete do Procurador-Geral, o Congresso Nacional, os meios de comunicação, as autoridades eleitorais e as forças armadas. No entanto, o chavismo — a ideologia do governo atual — parece mais fraco do que nunca: 75% dos venezuelanos querem uma mudança na liderança. Mesmo nos bairros mais pobres, antigos redutos chavistas, o apoio a Maduro diminuiu.

A resposta de Maduro provavelmente afetará o chavismo também. O movimento político que leva o nome do falecido presidente Hugo Chávez Frías não é um bloco monolítico e, nos próximos dias e semanas, podemos ver fraturas internas que podem enfraquecer a coalizão dominante. Até 10% dos chavistas mais ortodoxos estão abertos a considerar o que uma mudança pode significar. Qualquer ruptura significativa com sub coalizões reformistas pode colocar em risco o poder do chavismo.

Apoiador segura foto de Maduro em Caracas. Sete dias após a contestada eleição, ditador venezuelano segue insistindo em uma vitória não comprovada. Foto: Matias Delacroix/AP

Referências regionais

Vimos alguns casos de ditadores regionais aceitando a derrota, como Augusto Pinochet no Chile em 1988. “Respeitarei o veredito” do povo, disse o ex-ditador Pinochet no dia seguinte às eleições. Ainda assim, ele permaneceu como comandante-em-chefe do país até 1998 e nunca foi condenado em um tribunal chileno.

Mas agora, em vez de admitir imediatamente a derrota, Maduro e seu círculo íntimo podem usar o reconhecimento dos resultados das eleições como uma ferramenta de negociação, como quando Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, entregou o poder a Violeta Chamorro, da União Nacional de Oposição na Nicarágua em 1990, parcialmente em troca de deixar que seu irmão, Humberto Ortega, mantivesse o controle dos militares.

Alternativamente, uma fratura dentro da coalizão governante pode levar à anulação da contagem de votos, como visto quando o Congresso da Bolívia anulou as eleições em 2019 devido a alegações de fraude. No entanto, este último cenário parece cada vez mais improvável, com a inflexibilidade dos líderes do governo venezuelano em relação aos resultados e com poucas chances de vitória em uma nova eleição justa.

“É muito provável que algumas facções não façam isso”, disse o cientista político venezuelano John Magdaleno à AQ em Caracas. Enquanto os escalões superiores dos militares permanecem leais a Maduro, podemos testemunhar uma rebelião de baixo para cima de civis e militares de nível médio e baixo. Muitos estão frustrados com os baixos salários e não querem reprimir seus concidadãos.

Continuar com a fraude eleitoral em massa torna as mobilizações em massa inevitáveis. No dia seguinte às eleições, protestos e violência irromperam espontaneamente em Caracas. Depois de escolher não reconhecer os resultados, o regime se depara com uma nova escolha crucial: recorrer ou não à repressão cada vez mais violenta; as manifestações continuam, embora as forças de segurança já tenham feito mais de 2.000 prisões na semana passada e Maduro tenha dito que Machado e González “deveriam ficar atrás das grades” por 30 anos.

Processo de transição?

González e Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. “Há muitos setores do chavismo que estão me procurando”, disse Machado à AQ alguns dias antes da eleição. Ela explicou como alguns militares a procuraram, tentando entender como seria uma transição e como eles podem fazer parte dela.

No entanto, os militares são uma organização de cima para baixo, o que dificulta o sucesso de uma rebelião de baixo para cima. Os altos escalões militares têm mais a perder do que os escalões inferiores. Se o governo de Maduro cair, muitos devem abrir mão de esquemas lucrativos de corrupção estatal e enfrentar acusações criminais.

Opositores Edmundo González e María Corina Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. Foto: AP Photo/Matias Delacroix

Pressões internas e externas serão necessárias para obrigar a coalizão governante a renunciar ao poder. A maioria das nações em todo o mundo já sinalizou que não ignorará a situação. “A comunidade internacional tem uma grande responsabilidade”, disse Machado à AQ.

Em meio aos conflitos em andamento na Rússia, Ucrânia e Oriente Médio, a Venezuela pode facilmente cair na lista de prioridades de seus parceiros internacionais. No entanto, Machado está confiante de que a comunidade internacional não normalizará as relações com o regime. “Esta não é apenas mais uma eleição. É a última oportunidade”, disse ela.

As alternativas restantes

Transições bem-sucedidas geralmente exigem o equilíbrio entre uma linha dura e branda. É aqui que Machado e sua escolha presidencial “acidental”, González Urrutia, podem emergir como uma mistura forte. Machado é conhecida por sua firmeza e determinação, enquanto González Urrutia traz um toque diplomático e foco na paz e reconciliação. Embora Machado tenha prometido não permitir impunidade total, essa dupla de liderança deve oferecer aos altos funcionários do governo uma estratégia de saída viável, incluindo incentivos apropriados.

“Não há transição sem transação”, disse Ángel Alvarado, pesquisador sênior do Departamento de Economia da Universidade da Pensilvânia e fundador do Observatório Financeiro da Venezuela, à AQ em Caracas.

Na fase inicial, a oposição falhou em envolver as partes interessadas certas e criar condições que tornariam menos assustador para o governo ceder o poder. Eles podem ter suposto que uma vitória esmagadora por si só seria suficiente. Com uma mudança na estratégia, a oposição ainda pode se mobilizar e envolver as principais partes interessadas em uma segunda fase. Isso exigirá uma abordagem diferenciada caracterizada por empatia e diálogo extensivo para entender as motivações das principais partes interessadas e o que elas podem ganhar e perder ao desertar do governo.

Resolver o impasse atual será desafiador, mas não é impossível./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

CARACAS — Sete dias após a contestada eleição presidencial da Venezuela, a disputa continua sendo um confronto aparentemente intratável, com um incumbente insistindo em uma vitória não comprovada e líderes da oposição pedindo apoio internacional para desalojar um ditador que não quer ceder o poder.

Com o presidente Nicolás Maduro reforçando a repressão contra a oposição para silenciar manifestações massivas em favor do diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, a comunidade internacional continua a pedir diálogo entre os dois lados para a construção de uma solução pacífica. No domingo, presidentes e primeiros-ministros de sete países da União Europeia exortaram o regime de Maduro a “divulgar prontamente todas as atas de contagem de votos” para garantir a total transparência e integridade do processo eleitoral realizado em 28 de julho.

Cerca de 20 países pressionaram Maduro a apresentar uma contagem de votos completa e verificável, sem sucesso, enquanto o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, reconheceu que González ganhou a maioria dos votos na eleição. Enquanto isso, a Organização dos Estados Americanos fracassou em aprovar na semana passada uma resolução exigindo que as autoridades eleitorais publicassem resultados eleitorais detalhados, preparando o cenário para negociações árduas que talvez não tragam a transição democrática necessária para este país. Destes esforços, aquele com mais probabilidade de influenciar Maduro — se possível — pode ser a iniciativa promovida pelo Brasil, México e Colômbia, buscando verificação imparcial dos resultados e facilitando as negociações entre os dois lados. Esses três países devem enviar seus ministros de relações exteriores à capital da Venezuela esta semana.

Conforme a comunidade internacional acompanha os eventos de perto, a estratégia jurídica e política pós-eleitoral do governo de proclamar a vitória de Maduro para um terceiro mandato causou indignação compreensível. “Este é o único caso em que a nomeação de um presidente (venezuelano) foi feita sem contagens, verificação, sem absolutamente nada. É simplesmente a autoproclamação de Maduro”, disse José Ignacio Hernández, professor de direito venezuelano em Boston, à AQ.

Embora Maduro talvez esteja tentando entrar no “modo Ortega” — seguindo o modelo do ditador da Nicarágua — ainda há outros caminhos que o país pode seguir. Assim como é improvável que Maduro renuncie ao poder sem luta, é improvável que os venezuelanos aceitem passivamente uma eleição maculada. A partir daqui, os cenários possíveis incluem o governo sufocando violentamente e com sucesso a dissidência, como aconteceu após outras eleições celebradas na última década; a divulgação de uma nova contagem eleitoral com evidências verificáveis; ou uma solução negociada entre o governo e a oposição.

Qualquer tentativa de transição envolveria mais do que apenas abordar a presidência. O partido no poder, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), controla quase todas as instituições relevantes: a Suprema Corte, o Gabinete do Procurador-Geral, o Congresso Nacional, os meios de comunicação, as autoridades eleitorais e as forças armadas. No entanto, o chavismo — a ideologia do governo atual — parece mais fraco do que nunca: 75% dos venezuelanos querem uma mudança na liderança. Mesmo nos bairros mais pobres, antigos redutos chavistas, o apoio a Maduro diminuiu.

A resposta de Maduro provavelmente afetará o chavismo também. O movimento político que leva o nome do falecido presidente Hugo Chávez Frías não é um bloco monolítico e, nos próximos dias e semanas, podemos ver fraturas internas que podem enfraquecer a coalizão dominante. Até 10% dos chavistas mais ortodoxos estão abertos a considerar o que uma mudança pode significar. Qualquer ruptura significativa com sub coalizões reformistas pode colocar em risco o poder do chavismo.

Apoiador segura foto de Maduro em Caracas. Sete dias após a contestada eleição, ditador venezuelano segue insistindo em uma vitória não comprovada. Foto: Matias Delacroix/AP

Referências regionais

Vimos alguns casos de ditadores regionais aceitando a derrota, como Augusto Pinochet no Chile em 1988. “Respeitarei o veredito” do povo, disse o ex-ditador Pinochet no dia seguinte às eleições. Ainda assim, ele permaneceu como comandante-em-chefe do país até 1998 e nunca foi condenado em um tribunal chileno.

Mas agora, em vez de admitir imediatamente a derrota, Maduro e seu círculo íntimo podem usar o reconhecimento dos resultados das eleições como uma ferramenta de negociação, como quando Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, entregou o poder a Violeta Chamorro, da União Nacional de Oposição na Nicarágua em 1990, parcialmente em troca de deixar que seu irmão, Humberto Ortega, mantivesse o controle dos militares.

Alternativamente, uma fratura dentro da coalizão governante pode levar à anulação da contagem de votos, como visto quando o Congresso da Bolívia anulou as eleições em 2019 devido a alegações de fraude. No entanto, este último cenário parece cada vez mais improvável, com a inflexibilidade dos líderes do governo venezuelano em relação aos resultados e com poucas chances de vitória em uma nova eleição justa.

“É muito provável que algumas facções não façam isso”, disse o cientista político venezuelano John Magdaleno à AQ em Caracas. Enquanto os escalões superiores dos militares permanecem leais a Maduro, podemos testemunhar uma rebelião de baixo para cima de civis e militares de nível médio e baixo. Muitos estão frustrados com os baixos salários e não querem reprimir seus concidadãos.

Continuar com a fraude eleitoral em massa torna as mobilizações em massa inevitáveis. No dia seguinte às eleições, protestos e violência irromperam espontaneamente em Caracas. Depois de escolher não reconhecer os resultados, o regime se depara com uma nova escolha crucial: recorrer ou não à repressão cada vez mais violenta; as manifestações continuam, embora as forças de segurança já tenham feito mais de 2.000 prisões na semana passada e Maduro tenha dito que Machado e González “deveriam ficar atrás das grades” por 30 anos.

Processo de transição?

González e Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. “Há muitos setores do chavismo que estão me procurando”, disse Machado à AQ alguns dias antes da eleição. Ela explicou como alguns militares a procuraram, tentando entender como seria uma transição e como eles podem fazer parte dela.

No entanto, os militares são uma organização de cima para baixo, o que dificulta o sucesso de uma rebelião de baixo para cima. Os altos escalões militares têm mais a perder do que os escalões inferiores. Se o governo de Maduro cair, muitos devem abrir mão de esquemas lucrativos de corrupção estatal e enfrentar acusações criminais.

Opositores Edmundo González e María Corina Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. Foto: AP Photo/Matias Delacroix

Pressões internas e externas serão necessárias para obrigar a coalizão governante a renunciar ao poder. A maioria das nações em todo o mundo já sinalizou que não ignorará a situação. “A comunidade internacional tem uma grande responsabilidade”, disse Machado à AQ.

Em meio aos conflitos em andamento na Rússia, Ucrânia e Oriente Médio, a Venezuela pode facilmente cair na lista de prioridades de seus parceiros internacionais. No entanto, Machado está confiante de que a comunidade internacional não normalizará as relações com o regime. “Esta não é apenas mais uma eleição. É a última oportunidade”, disse ela.

As alternativas restantes

Transições bem-sucedidas geralmente exigem o equilíbrio entre uma linha dura e branda. É aqui que Machado e sua escolha presidencial “acidental”, González Urrutia, podem emergir como uma mistura forte. Machado é conhecida por sua firmeza e determinação, enquanto González Urrutia traz um toque diplomático e foco na paz e reconciliação. Embora Machado tenha prometido não permitir impunidade total, essa dupla de liderança deve oferecer aos altos funcionários do governo uma estratégia de saída viável, incluindo incentivos apropriados.

“Não há transição sem transação”, disse Ángel Alvarado, pesquisador sênior do Departamento de Economia da Universidade da Pensilvânia e fundador do Observatório Financeiro da Venezuela, à AQ em Caracas.

Na fase inicial, a oposição falhou em envolver as partes interessadas certas e criar condições que tornariam menos assustador para o governo ceder o poder. Eles podem ter suposto que uma vitória esmagadora por si só seria suficiente. Com uma mudança na estratégia, a oposição ainda pode se mobilizar e envolver as principais partes interessadas em uma segunda fase. Isso exigirá uma abordagem diferenciada caracterizada por empatia e diálogo extensivo para entender as motivações das principais partes interessadas e o que elas podem ganhar e perder ao desertar do governo.

Resolver o impasse atual será desafiador, mas não é impossível./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

CARACAS — Sete dias após a contestada eleição presidencial da Venezuela, a disputa continua sendo um confronto aparentemente intratável, com um incumbente insistindo em uma vitória não comprovada e líderes da oposição pedindo apoio internacional para desalojar um ditador que não quer ceder o poder.

Com o presidente Nicolás Maduro reforçando a repressão contra a oposição para silenciar manifestações massivas em favor do diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, a comunidade internacional continua a pedir diálogo entre os dois lados para a construção de uma solução pacífica. No domingo, presidentes e primeiros-ministros de sete países da União Europeia exortaram o regime de Maduro a “divulgar prontamente todas as atas de contagem de votos” para garantir a total transparência e integridade do processo eleitoral realizado em 28 de julho.

Cerca de 20 países pressionaram Maduro a apresentar uma contagem de votos completa e verificável, sem sucesso, enquanto o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, reconheceu que González ganhou a maioria dos votos na eleição. Enquanto isso, a Organização dos Estados Americanos fracassou em aprovar na semana passada uma resolução exigindo que as autoridades eleitorais publicassem resultados eleitorais detalhados, preparando o cenário para negociações árduas que talvez não tragam a transição democrática necessária para este país. Destes esforços, aquele com mais probabilidade de influenciar Maduro — se possível — pode ser a iniciativa promovida pelo Brasil, México e Colômbia, buscando verificação imparcial dos resultados e facilitando as negociações entre os dois lados. Esses três países devem enviar seus ministros de relações exteriores à capital da Venezuela esta semana.

Conforme a comunidade internacional acompanha os eventos de perto, a estratégia jurídica e política pós-eleitoral do governo de proclamar a vitória de Maduro para um terceiro mandato causou indignação compreensível. “Este é o único caso em que a nomeação de um presidente (venezuelano) foi feita sem contagens, verificação, sem absolutamente nada. É simplesmente a autoproclamação de Maduro”, disse José Ignacio Hernández, professor de direito venezuelano em Boston, à AQ.

Embora Maduro talvez esteja tentando entrar no “modo Ortega” — seguindo o modelo do ditador da Nicarágua — ainda há outros caminhos que o país pode seguir. Assim como é improvável que Maduro renuncie ao poder sem luta, é improvável que os venezuelanos aceitem passivamente uma eleição maculada. A partir daqui, os cenários possíveis incluem o governo sufocando violentamente e com sucesso a dissidência, como aconteceu após outras eleições celebradas na última década; a divulgação de uma nova contagem eleitoral com evidências verificáveis; ou uma solução negociada entre o governo e a oposição.

Qualquer tentativa de transição envolveria mais do que apenas abordar a presidência. O partido no poder, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), controla quase todas as instituições relevantes: a Suprema Corte, o Gabinete do Procurador-Geral, o Congresso Nacional, os meios de comunicação, as autoridades eleitorais e as forças armadas. No entanto, o chavismo — a ideologia do governo atual — parece mais fraco do que nunca: 75% dos venezuelanos querem uma mudança na liderança. Mesmo nos bairros mais pobres, antigos redutos chavistas, o apoio a Maduro diminuiu.

A resposta de Maduro provavelmente afetará o chavismo também. O movimento político que leva o nome do falecido presidente Hugo Chávez Frías não é um bloco monolítico e, nos próximos dias e semanas, podemos ver fraturas internas que podem enfraquecer a coalizão dominante. Até 10% dos chavistas mais ortodoxos estão abertos a considerar o que uma mudança pode significar. Qualquer ruptura significativa com sub coalizões reformistas pode colocar em risco o poder do chavismo.

Apoiador segura foto de Maduro em Caracas. Sete dias após a contestada eleição, ditador venezuelano segue insistindo em uma vitória não comprovada. Foto: Matias Delacroix/AP

Referências regionais

Vimos alguns casos de ditadores regionais aceitando a derrota, como Augusto Pinochet no Chile em 1988. “Respeitarei o veredito” do povo, disse o ex-ditador Pinochet no dia seguinte às eleições. Ainda assim, ele permaneceu como comandante-em-chefe do país até 1998 e nunca foi condenado em um tribunal chileno.

Mas agora, em vez de admitir imediatamente a derrota, Maduro e seu círculo íntimo podem usar o reconhecimento dos resultados das eleições como uma ferramenta de negociação, como quando Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, entregou o poder a Violeta Chamorro, da União Nacional de Oposição na Nicarágua em 1990, parcialmente em troca de deixar que seu irmão, Humberto Ortega, mantivesse o controle dos militares.

Alternativamente, uma fratura dentro da coalizão governante pode levar à anulação da contagem de votos, como visto quando o Congresso da Bolívia anulou as eleições em 2019 devido a alegações de fraude. No entanto, este último cenário parece cada vez mais improvável, com a inflexibilidade dos líderes do governo venezuelano em relação aos resultados e com poucas chances de vitória em uma nova eleição justa.

“É muito provável que algumas facções não façam isso”, disse o cientista político venezuelano John Magdaleno à AQ em Caracas. Enquanto os escalões superiores dos militares permanecem leais a Maduro, podemos testemunhar uma rebelião de baixo para cima de civis e militares de nível médio e baixo. Muitos estão frustrados com os baixos salários e não querem reprimir seus concidadãos.

Continuar com a fraude eleitoral em massa torna as mobilizações em massa inevitáveis. No dia seguinte às eleições, protestos e violência irromperam espontaneamente em Caracas. Depois de escolher não reconhecer os resultados, o regime se depara com uma nova escolha crucial: recorrer ou não à repressão cada vez mais violenta; as manifestações continuam, embora as forças de segurança já tenham feito mais de 2.000 prisões na semana passada e Maduro tenha dito que Machado e González “deveriam ficar atrás das grades” por 30 anos.

Processo de transição?

González e Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. “Há muitos setores do chavismo que estão me procurando”, disse Machado à AQ alguns dias antes da eleição. Ela explicou como alguns militares a procuraram, tentando entender como seria uma transição e como eles podem fazer parte dela.

No entanto, os militares são uma organização de cima para baixo, o que dificulta o sucesso de uma rebelião de baixo para cima. Os altos escalões militares têm mais a perder do que os escalões inferiores. Se o governo de Maduro cair, muitos devem abrir mão de esquemas lucrativos de corrupção estatal e enfrentar acusações criminais.

Opositores Edmundo González e María Corina Machado anunciaram que estão preparados para incluir os militares em um eventual processo de transição. Foto: AP Photo/Matias Delacroix

Pressões internas e externas serão necessárias para obrigar a coalizão governante a renunciar ao poder. A maioria das nações em todo o mundo já sinalizou que não ignorará a situação. “A comunidade internacional tem uma grande responsabilidade”, disse Machado à AQ.

Em meio aos conflitos em andamento na Rússia, Ucrânia e Oriente Médio, a Venezuela pode facilmente cair na lista de prioridades de seus parceiros internacionais. No entanto, Machado está confiante de que a comunidade internacional não normalizará as relações com o regime. “Esta não é apenas mais uma eleição. É a última oportunidade”, disse ela.

As alternativas restantes

Transições bem-sucedidas geralmente exigem o equilíbrio entre uma linha dura e branda. É aqui que Machado e sua escolha presidencial “acidental”, González Urrutia, podem emergir como uma mistura forte. Machado é conhecida por sua firmeza e determinação, enquanto González Urrutia traz um toque diplomático e foco na paz e reconciliação. Embora Machado tenha prometido não permitir impunidade total, essa dupla de liderança deve oferecer aos altos funcionários do governo uma estratégia de saída viável, incluindo incentivos apropriados.

“Não há transição sem transação”, disse Ángel Alvarado, pesquisador sênior do Departamento de Economia da Universidade da Pensilvânia e fundador do Observatório Financeiro da Venezuela, à AQ em Caracas.

Na fase inicial, a oposição falhou em envolver as partes interessadas certas e criar condições que tornariam menos assustador para o governo ceder o poder. Eles podem ter suposto que uma vitória esmagadora por si só seria suficiente. Com uma mudança na estratégia, a oposição ainda pode se mobilizar e envolver as principais partes interessadas em uma segunda fase. Isso exigirá uma abordagem diferenciada caracterizada por empatia e diálogo extensivo para entender as motivações das principais partes interessadas e o que elas podem ganhar e perder ao desertar do governo.

Resolver o impasse atual será desafiador, mas não é impossível./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Análise por Mie Dahl

Cientista social interdisciplinar e jornalista com mestrado em Negócios Internacionais e Política, Gestão Internacional e Administração Pública pela Copenhagen Business School e pela Harvard Kennedy School of Government. Dahl está em Caracas, cobrindo as consequências da eleição.

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