Refugiados climáticos crescem com eventos extremos e podem atingir 143 milhões em 2050


Sem ter o tema previsto na agenda oficial na COP-27, países afetados por eventos climáticos extremos e organizações civis devem pressionar países ricos a discutir indenizações

Por Carolina Marins
Atualização:

“Por 40 dias e 40 noites, uma tempestade bíblica caiu sobre nós”, relatou o primeiro-ministro do Paquistão, Muhammad Shehbaz Sharif, na Assembleia-Geral da ONU deste ano. “Enquanto discursamos, milhões de migrantes climáticos continuam procurando terra firme”. O discurso do premiê foi um vislumbre da temática que deverá ser levada pelos países afetados por seca, chuvas e inundações à COP 27: os enormes deslocamentos causados pelo clima. O tema, porém, não aparece na agenda oficial da conferência deste ano no Egito.

O Banco Mundial projeta mais de 143 milhões de migrantes internos por razões climáticas em 2050, ativistas e pesquisadores, porém, alertam que esta migração já está acontecendo, é subnotificada e exige que os países desenvolvidos se comprometam a lidar financeiramente com a questão. Somente em 2021, mais de 23,7 milhões de pessoas precisaram migrar internamente por causas ambientais, segundo o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, plataforma de dados mantida pelo Conselho Norueguês para Refugiados. Esses dados, porém, são apenas estimativas, já que não há bases de dados oficiais dos países que compilem esses números.

Além disso, as informações se limitam aos migrantes internos, ou seja, que se movem dentro do seu próprio país. Quando essas pessoas cruzam fronteiras, a situação fica ainda mais sensível, já que elas não se enquadram na definição de refugiadas e muitas vezes se tornam irregulares, ficando de fora das contagens oficiais e do direito de proteção.

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Pessoas afetadas pelas inundações após fortes chuvas no Paquistão recebem alimentos no distrito de Rajanpur. Mais de 33 milhões de pessoas foram afetadas pelas chuvas no país  Foto: Shahzaib Akber/EPA/EFE

“É muito urgente lidar com esse tema porque hoje 90% dos refugiados vêm de países vulneráveis às mudanças climáticas e 70% dos países declarados frágeis são países vulneráveis a essas mudanças”, explica Amali Tower, fundadora e diretora da organização Climate Refugee. “É claro que a mudança climática está gerando deslocamento dentro e além das fronteiras, porém não temos realmente uma base sobre o quanto.”

Ainda assim, o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno faz as estimativas com base nos mais variados tipos de fontes e fornece uma figura geral desta migração. Segundo os números, os migrantes por causas climáticas são maiores do que os deslocados por conflitos e situações de violência - casos que costumam chamar mais atenção internacional e se enquadram nas legislações para refugiados.

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Especialistas alertam que é difícil mensurar as causas exatas do êxodo climático, pois, diferentemente de conflitos ou perseguições, secas e outras situações climáticas lentas são difíceis de observar como diretamente ligadas ao motivo para uma pessoa migrar. Não à toa, as principais causas de deslocamento relacionado ao clima são fortes chuvas e inundações (11,5 milhões e 10,1 milhões respectivamente), acontecimentos mais imediatos.

Ainda assim, o centro de monitoramento conseguiu contar mais de 240 mil deslocados por seca e mais de 20 mil por temperaturas extremas somente em 2021. Ainda não há dados compilados do ano de 2022, mas eventos como do Paquistão e a histórica onda de calor na Europa não traz um quadro positivo. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse em setembro que “nunca viu um massacre climático como o do Paquistão’'.

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Assumir responsabilidades

“Ninguém sabe onde está sua própria casa, um homem não consegue mais reconhecer sua própria casa”, desabafou Ayaz Ali à agência AFP, cujo vilarejo ficou quase sete metros debaixo d’água após as chuvas no Paquistão. Embora seja comum as chamadas chuvas de monções atingirem a Ásia na metade do ano, o volume e as forças das chuvas deste ano mataram mais de 1,3 mil pessoas e quase 500 mil foram levadas para abrigos após serem desalojadas.

Segundo cientistas, eventos como esses - além de furacões, ciclones e outros tipos de tempestades que atingiram fortemente as Américas este ano - tendem a ser mais frequentes frente ao aumento da temperatura global. Segundo monitoramento do National Centers for Environmental Information dos EUA, desde os anos 1970 as temperaturas vêm crescendo, mas saltou a partir dos anos 2000, com 2016 batendo o ano recorde em 100 anos.

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O apelo feito pelo premiê do Paquistão na ONU foi repetido por outras nações atingidas por inundações este e outros anos, como Bangladesh. “Os países ricos, os países desenvolvidos: isso é responsabilidade deles. Deveriam dar um passo à frente. Mas não estamos recebendo muita resposta deles. Essa é a tragédia”, desabafou Sheikh Hasina, primeira-ministra de Bangladesh antes da Assembleia Geral.

Vista aérea mostra a comunidade Obagi em Ahoada inundada na Nigéria Foto: Temilade Adelaja/Reuters

O que esses líderes e as organizações civis que vão a COP este ano querem é que os países desenvolvidos assumam a culpa pelos eventos extremos em países do chamado sul global, e exigem que cumpram o envio de US$ 100 bilhões (R$ 530 bilhões) por ano aos países mais pobres definidos no Acordo de Paris.

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“O problema nas negociações é que se foca muito no migrante e se tem desfocado do ponto da Justiça Climática que é justamente apontar quem causou as mudanças ambientais e quem são as pessoas os principais países poluentes”, afirma Giulia Manccini Pinheiro, advogada e pesquisadora da Rede Sul-americana para Migração Ambiental (Resama).

Somente há pouco tempo, na COP de 2015, o tema da migração climática entrou no radar dentro das discussões de Perdas e Danos do Acordo de Paris, capítulo que determina que países poluentes “indenizem” os países afetados. O tema, porém, que avançou na COP 26, aparece na agenda provisória das discussões deste ano.

Corpo de um gado é visto enquanto áreas de pastoreio são afetadas pelo agravamento da seca devido ao fracasso da estação chuvosa no Quênia Foto: Simon Maina/AFP
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Uma carta assinada por mais de 400 organizações e dirigida à ONU pede que as perdas e danos sejam prioridade nas discussões deste ano. Mas as nações desenvolvidas concordaram em discutir este tema apenas em 2024.

“O Acordo de Paris criou uma força-tarefa sobre deslocamento, mas não parece estar progredindo muito. Existem pressões políticas dentro desse grupo de países que de certa forma limita a discussão sobre esse assunto, e isso é um problema real”, afirma Ian Fry, relator especial sobre mudanças climáticas no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao Estadão.

Enquanto isso, as nações mais afetadas, especialmente as da África subsaariana, do sul da Ásia e da América Latina, continuam sem recursos para lidar com os danos dos eventos extremos. A estimativa do Banco Mundial de 143 milhões de deslocados até 2050 diz respeito apenas a essas três regiões. Segundo o relatório, que é de 2018, essa projeção pode ser reduzida em centenas de milhões se houver empenho em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas a janela de oportunidade está se fechando.

“É necessário discutir o tema formalmente na COP 27, e não só na parte de perdas e danos. Mas essa não é a realidade no momento. Deslocamentos e migrações não estão nem tecnicamente na agenda, mas espero que a COP 28 mude isso”, diz Amali Tower.

Residentes procuram por seus pertences após a destruição causada por um ciclone em Bangladesh Foto: Rabin Chowdhury/AFP

Limbo legal

Se por um lado o tema do deslocamento interno tem ganhado relevância, as informações e busca por soluções na migração climática entre fronteiras ainda é muito restrita. Em junho de 2024, Ian Fry vai entregar seu relatório enquanto especialista independente à ONU e conta que está buscando formas de levar o assunto dos “refugiados climáticos” para a pauta.

“Essas pessoas não são definidas como refugiadas e, portanto, caem em um limbo no que diz respeito à proteção legal”, afirma. A própria ONU desaconselha o uso do termo “refugiados” neste caso, já que o refúgio é dado apenas a quem é vítima de perseguição ou violência. O objetivo de Fry é chamar atenção para o risco disso.

O especialista da ONU aponta que a migração climática entre fronteiras tem se mostrado uma questão crescente em países da América Central. “Na América Latina essa é uma questão particularmente crítica, por causa do corredor seco em Honduras, Guatemala, Nicarágua, etc., além de uma série de desastres que ocorreram na região com as pessoas tendo que cruzar fronteiras para escapar”.

Amali Tower, cuja organização Climate Refugee tem esse nome como forma de provocação ao termo, relata notar a mesma migração acontecendo no chifre da África, especialmente entre Uganda e Quênia, onde está atualmente pesquisado o tema. “Deslocamento não é só sobre o movimento de pessoas. É sobre pessoas abandonando suas comunidades. E as perdas econômicas disso? E as perdas culturais?”, pontua.

“Por 40 dias e 40 noites, uma tempestade bíblica caiu sobre nós”, relatou o primeiro-ministro do Paquistão, Muhammad Shehbaz Sharif, na Assembleia-Geral da ONU deste ano. “Enquanto discursamos, milhões de migrantes climáticos continuam procurando terra firme”. O discurso do premiê foi um vislumbre da temática que deverá ser levada pelos países afetados por seca, chuvas e inundações à COP 27: os enormes deslocamentos causados pelo clima. O tema, porém, não aparece na agenda oficial da conferência deste ano no Egito.

O Banco Mundial projeta mais de 143 milhões de migrantes internos por razões climáticas em 2050, ativistas e pesquisadores, porém, alertam que esta migração já está acontecendo, é subnotificada e exige que os países desenvolvidos se comprometam a lidar financeiramente com a questão. Somente em 2021, mais de 23,7 milhões de pessoas precisaram migrar internamente por causas ambientais, segundo o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, plataforma de dados mantida pelo Conselho Norueguês para Refugiados. Esses dados, porém, são apenas estimativas, já que não há bases de dados oficiais dos países que compilem esses números.

Além disso, as informações se limitam aos migrantes internos, ou seja, que se movem dentro do seu próprio país. Quando essas pessoas cruzam fronteiras, a situação fica ainda mais sensível, já que elas não se enquadram na definição de refugiadas e muitas vezes se tornam irregulares, ficando de fora das contagens oficiais e do direito de proteção.

Pessoas afetadas pelas inundações após fortes chuvas no Paquistão recebem alimentos no distrito de Rajanpur. Mais de 33 milhões de pessoas foram afetadas pelas chuvas no país  Foto: Shahzaib Akber/EPA/EFE

“É muito urgente lidar com esse tema porque hoje 90% dos refugiados vêm de países vulneráveis às mudanças climáticas e 70% dos países declarados frágeis são países vulneráveis a essas mudanças”, explica Amali Tower, fundadora e diretora da organização Climate Refugee. “É claro que a mudança climática está gerando deslocamento dentro e além das fronteiras, porém não temos realmente uma base sobre o quanto.”

Ainda assim, o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno faz as estimativas com base nos mais variados tipos de fontes e fornece uma figura geral desta migração. Segundo os números, os migrantes por causas climáticas são maiores do que os deslocados por conflitos e situações de violência - casos que costumam chamar mais atenção internacional e se enquadram nas legislações para refugiados.

Especialistas alertam que é difícil mensurar as causas exatas do êxodo climático, pois, diferentemente de conflitos ou perseguições, secas e outras situações climáticas lentas são difíceis de observar como diretamente ligadas ao motivo para uma pessoa migrar. Não à toa, as principais causas de deslocamento relacionado ao clima são fortes chuvas e inundações (11,5 milhões e 10,1 milhões respectivamente), acontecimentos mais imediatos.

Ainda assim, o centro de monitoramento conseguiu contar mais de 240 mil deslocados por seca e mais de 20 mil por temperaturas extremas somente em 2021. Ainda não há dados compilados do ano de 2022, mas eventos como do Paquistão e a histórica onda de calor na Europa não traz um quadro positivo. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse em setembro que “nunca viu um massacre climático como o do Paquistão’'.

Assumir responsabilidades

“Ninguém sabe onde está sua própria casa, um homem não consegue mais reconhecer sua própria casa”, desabafou Ayaz Ali à agência AFP, cujo vilarejo ficou quase sete metros debaixo d’água após as chuvas no Paquistão. Embora seja comum as chamadas chuvas de monções atingirem a Ásia na metade do ano, o volume e as forças das chuvas deste ano mataram mais de 1,3 mil pessoas e quase 500 mil foram levadas para abrigos após serem desalojadas.

Segundo cientistas, eventos como esses - além de furacões, ciclones e outros tipos de tempestades que atingiram fortemente as Américas este ano - tendem a ser mais frequentes frente ao aumento da temperatura global. Segundo monitoramento do National Centers for Environmental Information dos EUA, desde os anos 1970 as temperaturas vêm crescendo, mas saltou a partir dos anos 2000, com 2016 batendo o ano recorde em 100 anos.

O apelo feito pelo premiê do Paquistão na ONU foi repetido por outras nações atingidas por inundações este e outros anos, como Bangladesh. “Os países ricos, os países desenvolvidos: isso é responsabilidade deles. Deveriam dar um passo à frente. Mas não estamos recebendo muita resposta deles. Essa é a tragédia”, desabafou Sheikh Hasina, primeira-ministra de Bangladesh antes da Assembleia Geral.

Vista aérea mostra a comunidade Obagi em Ahoada inundada na Nigéria Foto: Temilade Adelaja/Reuters

O que esses líderes e as organizações civis que vão a COP este ano querem é que os países desenvolvidos assumam a culpa pelos eventos extremos em países do chamado sul global, e exigem que cumpram o envio de US$ 100 bilhões (R$ 530 bilhões) por ano aos países mais pobres definidos no Acordo de Paris.

“O problema nas negociações é que se foca muito no migrante e se tem desfocado do ponto da Justiça Climática que é justamente apontar quem causou as mudanças ambientais e quem são as pessoas os principais países poluentes”, afirma Giulia Manccini Pinheiro, advogada e pesquisadora da Rede Sul-americana para Migração Ambiental (Resama).

Somente há pouco tempo, na COP de 2015, o tema da migração climática entrou no radar dentro das discussões de Perdas e Danos do Acordo de Paris, capítulo que determina que países poluentes “indenizem” os países afetados. O tema, porém, que avançou na COP 26, aparece na agenda provisória das discussões deste ano.

Corpo de um gado é visto enquanto áreas de pastoreio são afetadas pelo agravamento da seca devido ao fracasso da estação chuvosa no Quênia Foto: Simon Maina/AFP

Uma carta assinada por mais de 400 organizações e dirigida à ONU pede que as perdas e danos sejam prioridade nas discussões deste ano. Mas as nações desenvolvidas concordaram em discutir este tema apenas em 2024.

“O Acordo de Paris criou uma força-tarefa sobre deslocamento, mas não parece estar progredindo muito. Existem pressões políticas dentro desse grupo de países que de certa forma limita a discussão sobre esse assunto, e isso é um problema real”, afirma Ian Fry, relator especial sobre mudanças climáticas no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao Estadão.

Enquanto isso, as nações mais afetadas, especialmente as da África subsaariana, do sul da Ásia e da América Latina, continuam sem recursos para lidar com os danos dos eventos extremos. A estimativa do Banco Mundial de 143 milhões de deslocados até 2050 diz respeito apenas a essas três regiões. Segundo o relatório, que é de 2018, essa projeção pode ser reduzida em centenas de milhões se houver empenho em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas a janela de oportunidade está se fechando.

“É necessário discutir o tema formalmente na COP 27, e não só na parte de perdas e danos. Mas essa não é a realidade no momento. Deslocamentos e migrações não estão nem tecnicamente na agenda, mas espero que a COP 28 mude isso”, diz Amali Tower.

Residentes procuram por seus pertences após a destruição causada por um ciclone em Bangladesh Foto: Rabin Chowdhury/AFP

Limbo legal

Se por um lado o tema do deslocamento interno tem ganhado relevância, as informações e busca por soluções na migração climática entre fronteiras ainda é muito restrita. Em junho de 2024, Ian Fry vai entregar seu relatório enquanto especialista independente à ONU e conta que está buscando formas de levar o assunto dos “refugiados climáticos” para a pauta.

“Essas pessoas não são definidas como refugiadas e, portanto, caem em um limbo no que diz respeito à proteção legal”, afirma. A própria ONU desaconselha o uso do termo “refugiados” neste caso, já que o refúgio é dado apenas a quem é vítima de perseguição ou violência. O objetivo de Fry é chamar atenção para o risco disso.

O especialista da ONU aponta que a migração climática entre fronteiras tem se mostrado uma questão crescente em países da América Central. “Na América Latina essa é uma questão particularmente crítica, por causa do corredor seco em Honduras, Guatemala, Nicarágua, etc., além de uma série de desastres que ocorreram na região com as pessoas tendo que cruzar fronteiras para escapar”.

Amali Tower, cuja organização Climate Refugee tem esse nome como forma de provocação ao termo, relata notar a mesma migração acontecendo no chifre da África, especialmente entre Uganda e Quênia, onde está atualmente pesquisado o tema. “Deslocamento não é só sobre o movimento de pessoas. É sobre pessoas abandonando suas comunidades. E as perdas econômicas disso? E as perdas culturais?”, pontua.

“Por 40 dias e 40 noites, uma tempestade bíblica caiu sobre nós”, relatou o primeiro-ministro do Paquistão, Muhammad Shehbaz Sharif, na Assembleia-Geral da ONU deste ano. “Enquanto discursamos, milhões de migrantes climáticos continuam procurando terra firme”. O discurso do premiê foi um vislumbre da temática que deverá ser levada pelos países afetados por seca, chuvas e inundações à COP 27: os enormes deslocamentos causados pelo clima. O tema, porém, não aparece na agenda oficial da conferência deste ano no Egito.

O Banco Mundial projeta mais de 143 milhões de migrantes internos por razões climáticas em 2050, ativistas e pesquisadores, porém, alertam que esta migração já está acontecendo, é subnotificada e exige que os países desenvolvidos se comprometam a lidar financeiramente com a questão. Somente em 2021, mais de 23,7 milhões de pessoas precisaram migrar internamente por causas ambientais, segundo o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, plataforma de dados mantida pelo Conselho Norueguês para Refugiados. Esses dados, porém, são apenas estimativas, já que não há bases de dados oficiais dos países que compilem esses números.

Além disso, as informações se limitam aos migrantes internos, ou seja, que se movem dentro do seu próprio país. Quando essas pessoas cruzam fronteiras, a situação fica ainda mais sensível, já que elas não se enquadram na definição de refugiadas e muitas vezes se tornam irregulares, ficando de fora das contagens oficiais e do direito de proteção.

Pessoas afetadas pelas inundações após fortes chuvas no Paquistão recebem alimentos no distrito de Rajanpur. Mais de 33 milhões de pessoas foram afetadas pelas chuvas no país  Foto: Shahzaib Akber/EPA/EFE

“É muito urgente lidar com esse tema porque hoje 90% dos refugiados vêm de países vulneráveis às mudanças climáticas e 70% dos países declarados frágeis são países vulneráveis a essas mudanças”, explica Amali Tower, fundadora e diretora da organização Climate Refugee. “É claro que a mudança climática está gerando deslocamento dentro e além das fronteiras, porém não temos realmente uma base sobre o quanto.”

Ainda assim, o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno faz as estimativas com base nos mais variados tipos de fontes e fornece uma figura geral desta migração. Segundo os números, os migrantes por causas climáticas são maiores do que os deslocados por conflitos e situações de violência - casos que costumam chamar mais atenção internacional e se enquadram nas legislações para refugiados.

Especialistas alertam que é difícil mensurar as causas exatas do êxodo climático, pois, diferentemente de conflitos ou perseguições, secas e outras situações climáticas lentas são difíceis de observar como diretamente ligadas ao motivo para uma pessoa migrar. Não à toa, as principais causas de deslocamento relacionado ao clima são fortes chuvas e inundações (11,5 milhões e 10,1 milhões respectivamente), acontecimentos mais imediatos.

Ainda assim, o centro de monitoramento conseguiu contar mais de 240 mil deslocados por seca e mais de 20 mil por temperaturas extremas somente em 2021. Ainda não há dados compilados do ano de 2022, mas eventos como do Paquistão e a histórica onda de calor na Europa não traz um quadro positivo. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse em setembro que “nunca viu um massacre climático como o do Paquistão’'.

Assumir responsabilidades

“Ninguém sabe onde está sua própria casa, um homem não consegue mais reconhecer sua própria casa”, desabafou Ayaz Ali à agência AFP, cujo vilarejo ficou quase sete metros debaixo d’água após as chuvas no Paquistão. Embora seja comum as chamadas chuvas de monções atingirem a Ásia na metade do ano, o volume e as forças das chuvas deste ano mataram mais de 1,3 mil pessoas e quase 500 mil foram levadas para abrigos após serem desalojadas.

Segundo cientistas, eventos como esses - além de furacões, ciclones e outros tipos de tempestades que atingiram fortemente as Américas este ano - tendem a ser mais frequentes frente ao aumento da temperatura global. Segundo monitoramento do National Centers for Environmental Information dos EUA, desde os anos 1970 as temperaturas vêm crescendo, mas saltou a partir dos anos 2000, com 2016 batendo o ano recorde em 100 anos.

O apelo feito pelo premiê do Paquistão na ONU foi repetido por outras nações atingidas por inundações este e outros anos, como Bangladesh. “Os países ricos, os países desenvolvidos: isso é responsabilidade deles. Deveriam dar um passo à frente. Mas não estamos recebendo muita resposta deles. Essa é a tragédia”, desabafou Sheikh Hasina, primeira-ministra de Bangladesh antes da Assembleia Geral.

Vista aérea mostra a comunidade Obagi em Ahoada inundada na Nigéria Foto: Temilade Adelaja/Reuters

O que esses líderes e as organizações civis que vão a COP este ano querem é que os países desenvolvidos assumam a culpa pelos eventos extremos em países do chamado sul global, e exigem que cumpram o envio de US$ 100 bilhões (R$ 530 bilhões) por ano aos países mais pobres definidos no Acordo de Paris.

“O problema nas negociações é que se foca muito no migrante e se tem desfocado do ponto da Justiça Climática que é justamente apontar quem causou as mudanças ambientais e quem são as pessoas os principais países poluentes”, afirma Giulia Manccini Pinheiro, advogada e pesquisadora da Rede Sul-americana para Migração Ambiental (Resama).

Somente há pouco tempo, na COP de 2015, o tema da migração climática entrou no radar dentro das discussões de Perdas e Danos do Acordo de Paris, capítulo que determina que países poluentes “indenizem” os países afetados. O tema, porém, que avançou na COP 26, aparece na agenda provisória das discussões deste ano.

Corpo de um gado é visto enquanto áreas de pastoreio são afetadas pelo agravamento da seca devido ao fracasso da estação chuvosa no Quênia Foto: Simon Maina/AFP

Uma carta assinada por mais de 400 organizações e dirigida à ONU pede que as perdas e danos sejam prioridade nas discussões deste ano. Mas as nações desenvolvidas concordaram em discutir este tema apenas em 2024.

“O Acordo de Paris criou uma força-tarefa sobre deslocamento, mas não parece estar progredindo muito. Existem pressões políticas dentro desse grupo de países que de certa forma limita a discussão sobre esse assunto, e isso é um problema real”, afirma Ian Fry, relator especial sobre mudanças climáticas no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao Estadão.

Enquanto isso, as nações mais afetadas, especialmente as da África subsaariana, do sul da Ásia e da América Latina, continuam sem recursos para lidar com os danos dos eventos extremos. A estimativa do Banco Mundial de 143 milhões de deslocados até 2050 diz respeito apenas a essas três regiões. Segundo o relatório, que é de 2018, essa projeção pode ser reduzida em centenas de milhões se houver empenho em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas a janela de oportunidade está se fechando.

“É necessário discutir o tema formalmente na COP 27, e não só na parte de perdas e danos. Mas essa não é a realidade no momento. Deslocamentos e migrações não estão nem tecnicamente na agenda, mas espero que a COP 28 mude isso”, diz Amali Tower.

Residentes procuram por seus pertences após a destruição causada por um ciclone em Bangladesh Foto: Rabin Chowdhury/AFP

Limbo legal

Se por um lado o tema do deslocamento interno tem ganhado relevância, as informações e busca por soluções na migração climática entre fronteiras ainda é muito restrita. Em junho de 2024, Ian Fry vai entregar seu relatório enquanto especialista independente à ONU e conta que está buscando formas de levar o assunto dos “refugiados climáticos” para a pauta.

“Essas pessoas não são definidas como refugiadas e, portanto, caem em um limbo no que diz respeito à proteção legal”, afirma. A própria ONU desaconselha o uso do termo “refugiados” neste caso, já que o refúgio é dado apenas a quem é vítima de perseguição ou violência. O objetivo de Fry é chamar atenção para o risco disso.

O especialista da ONU aponta que a migração climática entre fronteiras tem se mostrado uma questão crescente em países da América Central. “Na América Latina essa é uma questão particularmente crítica, por causa do corredor seco em Honduras, Guatemala, Nicarágua, etc., além de uma série de desastres que ocorreram na região com as pessoas tendo que cruzar fronteiras para escapar”.

Amali Tower, cuja organização Climate Refugee tem esse nome como forma de provocação ao termo, relata notar a mesma migração acontecendo no chifre da África, especialmente entre Uganda e Quênia, onde está atualmente pesquisado o tema. “Deslocamento não é só sobre o movimento de pessoas. É sobre pessoas abandonando suas comunidades. E as perdas econômicas disso? E as perdas culturais?”, pontua.

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