Arábia Saudita aumenta laços com Irã e endurece críticas a Israel enquanto aguarda volta de Trump


Riad busca estabilização no Oriente Médio para se firmar como liderança regional, mas guerras em Gaza e no Líbano atrapalham planos

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

O príncipe e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, recebeu as nações árabes-muçulmanas em Riad no dia 11 com o propósito discutir a guerra de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano. Na abertura, chamou as operações israelenses de genocídio e pediu o fim de ataques ao Irã.

O tom adotado por MBS, como o príncipe também é chamado, contrasta com a realidade que o Oriente Médio vivia há menos de dois anos, quando Riad tinha Teerã como principal rival e estava perto de reconhecer os laços com Tel Aviv.

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Chamada de cúpula conjunta da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, a reunião refletiu a mudança em andamento na região desde que a Arábia Saudita e o Irã restabeleceram os laços diplomáticos em março do ano passado e, meses depois, Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza em resposta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro. MBS já havia convocado em 2023 o mundo árabe-muçulmano por causa da guerra, mas não havia classificado a campanha como genocídio.

Um ano depois, o reino saudita endurece as críticas a Israel e faz mais acenos ao Irã, à medida que aguarda o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA. No primeiro mandato do republicano, os EUA estreitaram os laços com a Arábia Saudita, a aproximou de Israel e defendeu posições agressivas contra Teerã. Mas com as mudanças geopolíticas e o fracasso do governo Biden na região, há uma incerteza do que o segundo mandato do republicano pode significar, dizem analistas.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu levar paz à região ao mesmo tempo que demonstrou apoio incondicional às campanhas militares de Israel. Há uma expectativa de que ele retome o plano de mediar o acordo de reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita, para apresentá-lo como grande vitória da diplomacia americana.

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Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra o príncipe Mohammed bin Salman (à dir.) em encontro com o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Aragchi Foto: SPA/via AFP

O plano saudita de liderança: construir a estabilidade no Oriente Médio

Se o governo Trump avançar com diálogos de paz na região, a Arábia Saudita pode ser peça-chave para o plano. O republicano possui boas relações com Mohammad bin Salman, que, por sua vez, tem interesse de tornar o seu país o líder do mundo árabe-muçulmano e sabe que para isso é necessário a estabilidade regional. “O desejo de Trump de ver a Arábia Saudita reconhecer Israel pode dar ao reino de MBS a oportunidade de ser o intermediador de um acordo de paz e se firmar como líder regional”, disse o co-fundador e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), Najad Khouri.

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Desde que Riad estabeleceu o plano de desenvolvimento para 2030, a busca por uma estabilidade no Oriente Médio ganhou força. Isso explica o restabelecimento dos laços diplomáticos entre o país e o Irã no ano passado, depois de sete anos rompidos. “Os dois lados perceberam que, ao estabelecer uma base para uma comunicação e cooperação consistente, poderiam diminuir as tensões ao mesmo tempo que impulsionam e diversificam a economia”, avaliou o relatório do centro de estudos europeu International Crisis Group sobre o acordo.

O Irã é visto pelos sauditas como o principal inimigo e desestabilizador regional desde a Revolução Iraniana em 1979. Os países possuem duas visões diferentes do Islã – os sauditas são de maioria sunita, e os iranianos, xiitas – e estiveram em lados opostos muitas vezes, como na guerra civil do Iêmen. Os sauditas lideraram com os EUA uma campanha militar no país contra a milícia Houthi, que compartilha visões e tem apoio de Teerã. A mudança de Riad para uma estratégia menos bélica começou em 2019, depois dos houthis lançarem mísseis contra as instalações de petróleo saudita.

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Dentro dessa lógica, a Arábia Saudita também melhorou os laços com a Turquia e com o Iraque. Analistas citam que Riad também ajudou a reaproximar a Síria, depois do país ser expulso da Liga Árabe por causa da guerra civil. O próximo passo para fortalecer a estabilização seria reconhecer os laços com Israel, mas com a guerra em Gaza o plano foi demolido.

A invasão israelense no Líbano e os ataques contra o Irã pioraram as perspectivas de paz regional. Nesta semana, o jornal israelense Haaretz noticiou que MBS estaria frustrado com a indisposição de Israel em acabar a guerra. Com temor de ser alvo do Irã no conflito, o país também buscou aumentar a confiança nas relações com Teerã. “Os estados do Golfo tentam alavancar melhores relações com o Irã para evitar serem pegos no meio de uma escalada Israel-Irã”, disse a analista Anna Jacobs, do Crisis Group.

Reaproximação cautelosa e interesses em comum

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As divergências entre a Arábia Saudita e o Irã não chegaram ao fim, mas a reaproximação atende interesses mútuos. O reino saudita busca menos guerra para atender interesses econômicos, e a república islâmica quer sair do isolamento diplomático que destruiu a economia nacional e aumentou a oposição interna ao regime.

A eleição de Masoud Pezeshkian em julho moderou o país. Pezeshkian tem o discurso de reconciliação com o Ocidente e com os sunitas do Golfo. Nos primeiros meses, o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araqchi, se reuniu com os seus homólogos do Golfo no Catar e com o próprio Mohammed bin Salman em Riad. Pezeshkian também se encontrou com as autoridades.

O contato mais recente das autoridades do alto escalão saudita e iraniano aconteceu nesta semana em Teerã, poucos dias depois da eleição de Trump nos EUA. O principal oficial militar saudita, Fayyad al Ruwaili, foi à Teerã para se encontrar com o homólogo, o general Mohammad Bagheri. Segundo a mídia estatal iraniana, Bagheri pediu aumento da cooperação militar e os convidou para exercícios navais iranianos em 2025.

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No fim de outubro, as forças militares dos dois países participaram de um exercício militar com outros países do Golfo no Mar Vermelho.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra líderes do mundo árabe-muçulmano reunidos em Riad Foto: SPA/AFP

A reaproximação resultou em uma trégua na guerra civil do Iêmen e nas hostilidades dos houthis contra a Arábia Saudita. De acordo com Jacobs, do Crisis Group, os sauditas também não permitiram que Israel e os EUA utilizassem seu espaço aéreo para defenderem os mísseis lançados pelo Irã contra o Estado judaico em abril.

Para o Irã, em particular, estabelecer uma relação de confiança com a Arábia Saudita é ter mais garantias de que o retorno de Trump à Casa Branca não transforme Riad em uma ameaça militar patrocinada pelos EUA.

A Arábia Saudita por sua vez tenta estabelecer um canal de diálogo com Washington e Teerã, na tentativa de ser mediador. “O que MBS quer é uma autonomia diplomática que vai atender os seus interesses de Estado”, disse Khouri.

Solução de dois Estados e sanções a Israel

Apesar das alianças da Arábia Saudita com o propósito de se consolidar como líder regional, há uma divergência fundamental com o governo atual de Israel. Depois do 7 de outubro, os sauditas passaram a exigir a solução de dois Estados na questão Israel-Palestina para reconhecer os laços com Israel, mas Israel mostra disposição cada vez maior de ocupar os territórios palestinos na Cisjordânia.

Antes da guerra iniciar, Riad falava que o reconhecimento passaria por exigências de boas condições de vida aos palestinos, mas a exigência por um Estado palestino não estava na mesa. O conflito, no entanto, mobilizou a sociedade saudita e fez com que Riad exigisse mais. “Para MBS, a questão Israel-Palestina não é algo que o afeta pessoalmente. Mas ele precisa ter a confiança da opinião pública para não sofrer uma desestabilização interna que afete seus planos”, disse Najad Khouri.

Se o retorno de Donald Trump à Casa Branca significar apoio irrestrito aos planos de Israel de anexar a Cisjordânia, anunciado pelo ministro das Finanças Bezalel Smotrich, Riad terá mais dificuldade em lidar com a questão. “Por isso, a Arábia Saudita pode aceitar reconhecer os laços com Israel desde que haja compromissos, mesmo que eles não se concretizem”, acrescentou.

Quanto ao Irã, as divergências existentes com a Arábia Saudita também limita a sua influência. Teerã não reconhece Israel como Estado legítimo, mas assinou a resolução da cúpula de Riad que pede dois Estados como solução. O país também defendeu sanções contra Tel Aviv no encontro, mas a proposta não foi aceita.

O príncipe e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, recebeu as nações árabes-muçulmanas em Riad no dia 11 com o propósito discutir a guerra de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano. Na abertura, chamou as operações israelenses de genocídio e pediu o fim de ataques ao Irã.

O tom adotado por MBS, como o príncipe também é chamado, contrasta com a realidade que o Oriente Médio vivia há menos de dois anos, quando Riad tinha Teerã como principal rival e estava perto de reconhecer os laços com Tel Aviv.

Chamada de cúpula conjunta da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, a reunião refletiu a mudança em andamento na região desde que a Arábia Saudita e o Irã restabeleceram os laços diplomáticos em março do ano passado e, meses depois, Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza em resposta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro. MBS já havia convocado em 2023 o mundo árabe-muçulmano por causa da guerra, mas não havia classificado a campanha como genocídio.

Um ano depois, o reino saudita endurece as críticas a Israel e faz mais acenos ao Irã, à medida que aguarda o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA. No primeiro mandato do republicano, os EUA estreitaram os laços com a Arábia Saudita, a aproximou de Israel e defendeu posições agressivas contra Teerã. Mas com as mudanças geopolíticas e o fracasso do governo Biden na região, há uma incerteza do que o segundo mandato do republicano pode significar, dizem analistas.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu levar paz à região ao mesmo tempo que demonstrou apoio incondicional às campanhas militares de Israel. Há uma expectativa de que ele retome o plano de mediar o acordo de reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita, para apresentá-lo como grande vitória da diplomacia americana.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra o príncipe Mohammed bin Salman (à dir.) em encontro com o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Aragchi Foto: SPA/via AFP

O plano saudita de liderança: construir a estabilidade no Oriente Médio

Se o governo Trump avançar com diálogos de paz na região, a Arábia Saudita pode ser peça-chave para o plano. O republicano possui boas relações com Mohammad bin Salman, que, por sua vez, tem interesse de tornar o seu país o líder do mundo árabe-muçulmano e sabe que para isso é necessário a estabilidade regional. “O desejo de Trump de ver a Arábia Saudita reconhecer Israel pode dar ao reino de MBS a oportunidade de ser o intermediador de um acordo de paz e se firmar como líder regional”, disse o co-fundador e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), Najad Khouri.

Desde que Riad estabeleceu o plano de desenvolvimento para 2030, a busca por uma estabilidade no Oriente Médio ganhou força. Isso explica o restabelecimento dos laços diplomáticos entre o país e o Irã no ano passado, depois de sete anos rompidos. “Os dois lados perceberam que, ao estabelecer uma base para uma comunicação e cooperação consistente, poderiam diminuir as tensões ao mesmo tempo que impulsionam e diversificam a economia”, avaliou o relatório do centro de estudos europeu International Crisis Group sobre o acordo.

O Irã é visto pelos sauditas como o principal inimigo e desestabilizador regional desde a Revolução Iraniana em 1979. Os países possuem duas visões diferentes do Islã – os sauditas são de maioria sunita, e os iranianos, xiitas – e estiveram em lados opostos muitas vezes, como na guerra civil do Iêmen. Os sauditas lideraram com os EUA uma campanha militar no país contra a milícia Houthi, que compartilha visões e tem apoio de Teerã. A mudança de Riad para uma estratégia menos bélica começou em 2019, depois dos houthis lançarem mísseis contra as instalações de petróleo saudita.

Dentro dessa lógica, a Arábia Saudita também melhorou os laços com a Turquia e com o Iraque. Analistas citam que Riad também ajudou a reaproximar a Síria, depois do país ser expulso da Liga Árabe por causa da guerra civil. O próximo passo para fortalecer a estabilização seria reconhecer os laços com Israel, mas com a guerra em Gaza o plano foi demolido.

A invasão israelense no Líbano e os ataques contra o Irã pioraram as perspectivas de paz regional. Nesta semana, o jornal israelense Haaretz noticiou que MBS estaria frustrado com a indisposição de Israel em acabar a guerra. Com temor de ser alvo do Irã no conflito, o país também buscou aumentar a confiança nas relações com Teerã. “Os estados do Golfo tentam alavancar melhores relações com o Irã para evitar serem pegos no meio de uma escalada Israel-Irã”, disse a analista Anna Jacobs, do Crisis Group.

Reaproximação cautelosa e interesses em comum

As divergências entre a Arábia Saudita e o Irã não chegaram ao fim, mas a reaproximação atende interesses mútuos. O reino saudita busca menos guerra para atender interesses econômicos, e a república islâmica quer sair do isolamento diplomático que destruiu a economia nacional e aumentou a oposição interna ao regime.

A eleição de Masoud Pezeshkian em julho moderou o país. Pezeshkian tem o discurso de reconciliação com o Ocidente e com os sunitas do Golfo. Nos primeiros meses, o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araqchi, se reuniu com os seus homólogos do Golfo no Catar e com o próprio Mohammed bin Salman em Riad. Pezeshkian também se encontrou com as autoridades.

O contato mais recente das autoridades do alto escalão saudita e iraniano aconteceu nesta semana em Teerã, poucos dias depois da eleição de Trump nos EUA. O principal oficial militar saudita, Fayyad al Ruwaili, foi à Teerã para se encontrar com o homólogo, o general Mohammad Bagheri. Segundo a mídia estatal iraniana, Bagheri pediu aumento da cooperação militar e os convidou para exercícios navais iranianos em 2025.

No fim de outubro, as forças militares dos dois países participaram de um exercício militar com outros países do Golfo no Mar Vermelho.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra líderes do mundo árabe-muçulmano reunidos em Riad Foto: SPA/AFP

A reaproximação resultou em uma trégua na guerra civil do Iêmen e nas hostilidades dos houthis contra a Arábia Saudita. De acordo com Jacobs, do Crisis Group, os sauditas também não permitiram que Israel e os EUA utilizassem seu espaço aéreo para defenderem os mísseis lançados pelo Irã contra o Estado judaico em abril.

Para o Irã, em particular, estabelecer uma relação de confiança com a Arábia Saudita é ter mais garantias de que o retorno de Trump à Casa Branca não transforme Riad em uma ameaça militar patrocinada pelos EUA.

A Arábia Saudita por sua vez tenta estabelecer um canal de diálogo com Washington e Teerã, na tentativa de ser mediador. “O que MBS quer é uma autonomia diplomática que vai atender os seus interesses de Estado”, disse Khouri.

Solução de dois Estados e sanções a Israel

Apesar das alianças da Arábia Saudita com o propósito de se consolidar como líder regional, há uma divergência fundamental com o governo atual de Israel. Depois do 7 de outubro, os sauditas passaram a exigir a solução de dois Estados na questão Israel-Palestina para reconhecer os laços com Israel, mas Israel mostra disposição cada vez maior de ocupar os territórios palestinos na Cisjordânia.

Antes da guerra iniciar, Riad falava que o reconhecimento passaria por exigências de boas condições de vida aos palestinos, mas a exigência por um Estado palestino não estava na mesa. O conflito, no entanto, mobilizou a sociedade saudita e fez com que Riad exigisse mais. “Para MBS, a questão Israel-Palestina não é algo que o afeta pessoalmente. Mas ele precisa ter a confiança da opinião pública para não sofrer uma desestabilização interna que afete seus planos”, disse Najad Khouri.

Se o retorno de Donald Trump à Casa Branca significar apoio irrestrito aos planos de Israel de anexar a Cisjordânia, anunciado pelo ministro das Finanças Bezalel Smotrich, Riad terá mais dificuldade em lidar com a questão. “Por isso, a Arábia Saudita pode aceitar reconhecer os laços com Israel desde que haja compromissos, mesmo que eles não se concretizem”, acrescentou.

Quanto ao Irã, as divergências existentes com a Arábia Saudita também limita a sua influência. Teerã não reconhece Israel como Estado legítimo, mas assinou a resolução da cúpula de Riad que pede dois Estados como solução. O país também defendeu sanções contra Tel Aviv no encontro, mas a proposta não foi aceita.

O príncipe e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, recebeu as nações árabes-muçulmanas em Riad no dia 11 com o propósito discutir a guerra de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano. Na abertura, chamou as operações israelenses de genocídio e pediu o fim de ataques ao Irã.

O tom adotado por MBS, como o príncipe também é chamado, contrasta com a realidade que o Oriente Médio vivia há menos de dois anos, quando Riad tinha Teerã como principal rival e estava perto de reconhecer os laços com Tel Aviv.

Chamada de cúpula conjunta da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, a reunião refletiu a mudança em andamento na região desde que a Arábia Saudita e o Irã restabeleceram os laços diplomáticos em março do ano passado e, meses depois, Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza em resposta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro. MBS já havia convocado em 2023 o mundo árabe-muçulmano por causa da guerra, mas não havia classificado a campanha como genocídio.

Um ano depois, o reino saudita endurece as críticas a Israel e faz mais acenos ao Irã, à medida que aguarda o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA. No primeiro mandato do republicano, os EUA estreitaram os laços com a Arábia Saudita, a aproximou de Israel e defendeu posições agressivas contra Teerã. Mas com as mudanças geopolíticas e o fracasso do governo Biden na região, há uma incerteza do que o segundo mandato do republicano pode significar, dizem analistas.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu levar paz à região ao mesmo tempo que demonstrou apoio incondicional às campanhas militares de Israel. Há uma expectativa de que ele retome o plano de mediar o acordo de reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita, para apresentá-lo como grande vitória da diplomacia americana.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra o príncipe Mohammed bin Salman (à dir.) em encontro com o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Aragchi Foto: SPA/via AFP

O plano saudita de liderança: construir a estabilidade no Oriente Médio

Se o governo Trump avançar com diálogos de paz na região, a Arábia Saudita pode ser peça-chave para o plano. O republicano possui boas relações com Mohammad bin Salman, que, por sua vez, tem interesse de tornar o seu país o líder do mundo árabe-muçulmano e sabe que para isso é necessário a estabilidade regional. “O desejo de Trump de ver a Arábia Saudita reconhecer Israel pode dar ao reino de MBS a oportunidade de ser o intermediador de um acordo de paz e se firmar como líder regional”, disse o co-fundador e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), Najad Khouri.

Desde que Riad estabeleceu o plano de desenvolvimento para 2030, a busca por uma estabilidade no Oriente Médio ganhou força. Isso explica o restabelecimento dos laços diplomáticos entre o país e o Irã no ano passado, depois de sete anos rompidos. “Os dois lados perceberam que, ao estabelecer uma base para uma comunicação e cooperação consistente, poderiam diminuir as tensões ao mesmo tempo que impulsionam e diversificam a economia”, avaliou o relatório do centro de estudos europeu International Crisis Group sobre o acordo.

O Irã é visto pelos sauditas como o principal inimigo e desestabilizador regional desde a Revolução Iraniana em 1979. Os países possuem duas visões diferentes do Islã – os sauditas são de maioria sunita, e os iranianos, xiitas – e estiveram em lados opostos muitas vezes, como na guerra civil do Iêmen. Os sauditas lideraram com os EUA uma campanha militar no país contra a milícia Houthi, que compartilha visões e tem apoio de Teerã. A mudança de Riad para uma estratégia menos bélica começou em 2019, depois dos houthis lançarem mísseis contra as instalações de petróleo saudita.

Dentro dessa lógica, a Arábia Saudita também melhorou os laços com a Turquia e com o Iraque. Analistas citam que Riad também ajudou a reaproximar a Síria, depois do país ser expulso da Liga Árabe por causa da guerra civil. O próximo passo para fortalecer a estabilização seria reconhecer os laços com Israel, mas com a guerra em Gaza o plano foi demolido.

A invasão israelense no Líbano e os ataques contra o Irã pioraram as perspectivas de paz regional. Nesta semana, o jornal israelense Haaretz noticiou que MBS estaria frustrado com a indisposição de Israel em acabar a guerra. Com temor de ser alvo do Irã no conflito, o país também buscou aumentar a confiança nas relações com Teerã. “Os estados do Golfo tentam alavancar melhores relações com o Irã para evitar serem pegos no meio de uma escalada Israel-Irã”, disse a analista Anna Jacobs, do Crisis Group.

Reaproximação cautelosa e interesses em comum

As divergências entre a Arábia Saudita e o Irã não chegaram ao fim, mas a reaproximação atende interesses mútuos. O reino saudita busca menos guerra para atender interesses econômicos, e a república islâmica quer sair do isolamento diplomático que destruiu a economia nacional e aumentou a oposição interna ao regime.

A eleição de Masoud Pezeshkian em julho moderou o país. Pezeshkian tem o discurso de reconciliação com o Ocidente e com os sunitas do Golfo. Nos primeiros meses, o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araqchi, se reuniu com os seus homólogos do Golfo no Catar e com o próprio Mohammed bin Salman em Riad. Pezeshkian também se encontrou com as autoridades.

O contato mais recente das autoridades do alto escalão saudita e iraniano aconteceu nesta semana em Teerã, poucos dias depois da eleição de Trump nos EUA. O principal oficial militar saudita, Fayyad al Ruwaili, foi à Teerã para se encontrar com o homólogo, o general Mohammad Bagheri. Segundo a mídia estatal iraniana, Bagheri pediu aumento da cooperação militar e os convidou para exercícios navais iranianos em 2025.

No fim de outubro, as forças militares dos dois países participaram de um exercício militar com outros países do Golfo no Mar Vermelho.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra líderes do mundo árabe-muçulmano reunidos em Riad Foto: SPA/AFP

A reaproximação resultou em uma trégua na guerra civil do Iêmen e nas hostilidades dos houthis contra a Arábia Saudita. De acordo com Jacobs, do Crisis Group, os sauditas também não permitiram que Israel e os EUA utilizassem seu espaço aéreo para defenderem os mísseis lançados pelo Irã contra o Estado judaico em abril.

Para o Irã, em particular, estabelecer uma relação de confiança com a Arábia Saudita é ter mais garantias de que o retorno de Trump à Casa Branca não transforme Riad em uma ameaça militar patrocinada pelos EUA.

A Arábia Saudita por sua vez tenta estabelecer um canal de diálogo com Washington e Teerã, na tentativa de ser mediador. “O que MBS quer é uma autonomia diplomática que vai atender os seus interesses de Estado”, disse Khouri.

Solução de dois Estados e sanções a Israel

Apesar das alianças da Arábia Saudita com o propósito de se consolidar como líder regional, há uma divergência fundamental com o governo atual de Israel. Depois do 7 de outubro, os sauditas passaram a exigir a solução de dois Estados na questão Israel-Palestina para reconhecer os laços com Israel, mas Israel mostra disposição cada vez maior de ocupar os territórios palestinos na Cisjordânia.

Antes da guerra iniciar, Riad falava que o reconhecimento passaria por exigências de boas condições de vida aos palestinos, mas a exigência por um Estado palestino não estava na mesa. O conflito, no entanto, mobilizou a sociedade saudita e fez com que Riad exigisse mais. “Para MBS, a questão Israel-Palestina não é algo que o afeta pessoalmente. Mas ele precisa ter a confiança da opinião pública para não sofrer uma desestabilização interna que afete seus planos”, disse Najad Khouri.

Se o retorno de Donald Trump à Casa Branca significar apoio irrestrito aos planos de Israel de anexar a Cisjordânia, anunciado pelo ministro das Finanças Bezalel Smotrich, Riad terá mais dificuldade em lidar com a questão. “Por isso, a Arábia Saudita pode aceitar reconhecer os laços com Israel desde que haja compromissos, mesmo que eles não se concretizem”, acrescentou.

Quanto ao Irã, as divergências existentes com a Arábia Saudita também limita a sua influência. Teerã não reconhece Israel como Estado legítimo, mas assinou a resolução da cúpula de Riad que pede dois Estados como solução. O país também defendeu sanções contra Tel Aviv no encontro, mas a proposta não foi aceita.

O príncipe e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, recebeu as nações árabes-muçulmanas em Riad no dia 11 com o propósito discutir a guerra de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano. Na abertura, chamou as operações israelenses de genocídio e pediu o fim de ataques ao Irã.

O tom adotado por MBS, como o príncipe também é chamado, contrasta com a realidade que o Oriente Médio vivia há menos de dois anos, quando Riad tinha Teerã como principal rival e estava perto de reconhecer os laços com Tel Aviv.

Chamada de cúpula conjunta da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, a reunião refletiu a mudança em andamento na região desde que a Arábia Saudita e o Irã restabeleceram os laços diplomáticos em março do ano passado e, meses depois, Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza em resposta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro. MBS já havia convocado em 2023 o mundo árabe-muçulmano por causa da guerra, mas não havia classificado a campanha como genocídio.

Um ano depois, o reino saudita endurece as críticas a Israel e faz mais acenos ao Irã, à medida que aguarda o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA. No primeiro mandato do republicano, os EUA estreitaram os laços com a Arábia Saudita, a aproximou de Israel e defendeu posições agressivas contra Teerã. Mas com as mudanças geopolíticas e o fracasso do governo Biden na região, há uma incerteza do que o segundo mandato do republicano pode significar, dizem analistas.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu levar paz à região ao mesmo tempo que demonstrou apoio incondicional às campanhas militares de Israel. Há uma expectativa de que ele retome o plano de mediar o acordo de reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita, para apresentá-lo como grande vitória da diplomacia americana.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra o príncipe Mohammed bin Salman (à dir.) em encontro com o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Aragchi Foto: SPA/via AFP

O plano saudita de liderança: construir a estabilidade no Oriente Médio

Se o governo Trump avançar com diálogos de paz na região, a Arábia Saudita pode ser peça-chave para o plano. O republicano possui boas relações com Mohammad bin Salman, que, por sua vez, tem interesse de tornar o seu país o líder do mundo árabe-muçulmano e sabe que para isso é necessário a estabilidade regional. “O desejo de Trump de ver a Arábia Saudita reconhecer Israel pode dar ao reino de MBS a oportunidade de ser o intermediador de um acordo de paz e se firmar como líder regional”, disse o co-fundador e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), Najad Khouri.

Desde que Riad estabeleceu o plano de desenvolvimento para 2030, a busca por uma estabilidade no Oriente Médio ganhou força. Isso explica o restabelecimento dos laços diplomáticos entre o país e o Irã no ano passado, depois de sete anos rompidos. “Os dois lados perceberam que, ao estabelecer uma base para uma comunicação e cooperação consistente, poderiam diminuir as tensões ao mesmo tempo que impulsionam e diversificam a economia”, avaliou o relatório do centro de estudos europeu International Crisis Group sobre o acordo.

O Irã é visto pelos sauditas como o principal inimigo e desestabilizador regional desde a Revolução Iraniana em 1979. Os países possuem duas visões diferentes do Islã – os sauditas são de maioria sunita, e os iranianos, xiitas – e estiveram em lados opostos muitas vezes, como na guerra civil do Iêmen. Os sauditas lideraram com os EUA uma campanha militar no país contra a milícia Houthi, que compartilha visões e tem apoio de Teerã. A mudança de Riad para uma estratégia menos bélica começou em 2019, depois dos houthis lançarem mísseis contra as instalações de petróleo saudita.

Dentro dessa lógica, a Arábia Saudita também melhorou os laços com a Turquia e com o Iraque. Analistas citam que Riad também ajudou a reaproximar a Síria, depois do país ser expulso da Liga Árabe por causa da guerra civil. O próximo passo para fortalecer a estabilização seria reconhecer os laços com Israel, mas com a guerra em Gaza o plano foi demolido.

A invasão israelense no Líbano e os ataques contra o Irã pioraram as perspectivas de paz regional. Nesta semana, o jornal israelense Haaretz noticiou que MBS estaria frustrado com a indisposição de Israel em acabar a guerra. Com temor de ser alvo do Irã no conflito, o país também buscou aumentar a confiança nas relações com Teerã. “Os estados do Golfo tentam alavancar melhores relações com o Irã para evitar serem pegos no meio de uma escalada Israel-Irã”, disse a analista Anna Jacobs, do Crisis Group.

Reaproximação cautelosa e interesses em comum

As divergências entre a Arábia Saudita e o Irã não chegaram ao fim, mas a reaproximação atende interesses mútuos. O reino saudita busca menos guerra para atender interesses econômicos, e a república islâmica quer sair do isolamento diplomático que destruiu a economia nacional e aumentou a oposição interna ao regime.

A eleição de Masoud Pezeshkian em julho moderou o país. Pezeshkian tem o discurso de reconciliação com o Ocidente e com os sunitas do Golfo. Nos primeiros meses, o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araqchi, se reuniu com os seus homólogos do Golfo no Catar e com o próprio Mohammed bin Salman em Riad. Pezeshkian também se encontrou com as autoridades.

O contato mais recente das autoridades do alto escalão saudita e iraniano aconteceu nesta semana em Teerã, poucos dias depois da eleição de Trump nos EUA. O principal oficial militar saudita, Fayyad al Ruwaili, foi à Teerã para se encontrar com o homólogo, o general Mohammad Bagheri. Segundo a mídia estatal iraniana, Bagheri pediu aumento da cooperação militar e os convidou para exercícios navais iranianos em 2025.

No fim de outubro, as forças militares dos dois países participaram de um exercício militar com outros países do Golfo no Mar Vermelho.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra líderes do mundo árabe-muçulmano reunidos em Riad Foto: SPA/AFP

A reaproximação resultou em uma trégua na guerra civil do Iêmen e nas hostilidades dos houthis contra a Arábia Saudita. De acordo com Jacobs, do Crisis Group, os sauditas também não permitiram que Israel e os EUA utilizassem seu espaço aéreo para defenderem os mísseis lançados pelo Irã contra o Estado judaico em abril.

Para o Irã, em particular, estabelecer uma relação de confiança com a Arábia Saudita é ter mais garantias de que o retorno de Trump à Casa Branca não transforme Riad em uma ameaça militar patrocinada pelos EUA.

A Arábia Saudita por sua vez tenta estabelecer um canal de diálogo com Washington e Teerã, na tentativa de ser mediador. “O que MBS quer é uma autonomia diplomática que vai atender os seus interesses de Estado”, disse Khouri.

Solução de dois Estados e sanções a Israel

Apesar das alianças da Arábia Saudita com o propósito de se consolidar como líder regional, há uma divergência fundamental com o governo atual de Israel. Depois do 7 de outubro, os sauditas passaram a exigir a solução de dois Estados na questão Israel-Palestina para reconhecer os laços com Israel, mas Israel mostra disposição cada vez maior de ocupar os territórios palestinos na Cisjordânia.

Antes da guerra iniciar, Riad falava que o reconhecimento passaria por exigências de boas condições de vida aos palestinos, mas a exigência por um Estado palestino não estava na mesa. O conflito, no entanto, mobilizou a sociedade saudita e fez com que Riad exigisse mais. “Para MBS, a questão Israel-Palestina não é algo que o afeta pessoalmente. Mas ele precisa ter a confiança da opinião pública para não sofrer uma desestabilização interna que afete seus planos”, disse Najad Khouri.

Se o retorno de Donald Trump à Casa Branca significar apoio irrestrito aos planos de Israel de anexar a Cisjordânia, anunciado pelo ministro das Finanças Bezalel Smotrich, Riad terá mais dificuldade em lidar com a questão. “Por isso, a Arábia Saudita pode aceitar reconhecer os laços com Israel desde que haja compromissos, mesmo que eles não se concretizem”, acrescentou.

Quanto ao Irã, as divergências existentes com a Arábia Saudita também limita a sua influência. Teerã não reconhece Israel como Estado legítimo, mas assinou a resolução da cúpula de Riad que pede dois Estados como solução. O país também defendeu sanções contra Tel Aviv no encontro, mas a proposta não foi aceita.

O príncipe e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, recebeu as nações árabes-muçulmanas em Riad no dia 11 com o propósito discutir a guerra de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano. Na abertura, chamou as operações israelenses de genocídio e pediu o fim de ataques ao Irã.

O tom adotado por MBS, como o príncipe também é chamado, contrasta com a realidade que o Oriente Médio vivia há menos de dois anos, quando Riad tinha Teerã como principal rival e estava perto de reconhecer os laços com Tel Aviv.

Chamada de cúpula conjunta da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, a reunião refletiu a mudança em andamento na região desde que a Arábia Saudita e o Irã restabeleceram os laços diplomáticos em março do ano passado e, meses depois, Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza em resposta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro. MBS já havia convocado em 2023 o mundo árabe-muçulmano por causa da guerra, mas não havia classificado a campanha como genocídio.

Um ano depois, o reino saudita endurece as críticas a Israel e faz mais acenos ao Irã, à medida que aguarda o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA. No primeiro mandato do republicano, os EUA estreitaram os laços com a Arábia Saudita, a aproximou de Israel e defendeu posições agressivas contra Teerã. Mas com as mudanças geopolíticas e o fracasso do governo Biden na região, há uma incerteza do que o segundo mandato do republicano pode significar, dizem analistas.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu levar paz à região ao mesmo tempo que demonstrou apoio incondicional às campanhas militares de Israel. Há uma expectativa de que ele retome o plano de mediar o acordo de reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita, para apresentá-lo como grande vitória da diplomacia americana.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra o príncipe Mohammed bin Salman (à dir.) em encontro com o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Aragchi Foto: SPA/via AFP

O plano saudita de liderança: construir a estabilidade no Oriente Médio

Se o governo Trump avançar com diálogos de paz na região, a Arábia Saudita pode ser peça-chave para o plano. O republicano possui boas relações com Mohammad bin Salman, que, por sua vez, tem interesse de tornar o seu país o líder do mundo árabe-muçulmano e sabe que para isso é necessário a estabilidade regional. “O desejo de Trump de ver a Arábia Saudita reconhecer Israel pode dar ao reino de MBS a oportunidade de ser o intermediador de um acordo de paz e se firmar como líder regional”, disse o co-fundador e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), Najad Khouri.

Desde que Riad estabeleceu o plano de desenvolvimento para 2030, a busca por uma estabilidade no Oriente Médio ganhou força. Isso explica o restabelecimento dos laços diplomáticos entre o país e o Irã no ano passado, depois de sete anos rompidos. “Os dois lados perceberam que, ao estabelecer uma base para uma comunicação e cooperação consistente, poderiam diminuir as tensões ao mesmo tempo que impulsionam e diversificam a economia”, avaliou o relatório do centro de estudos europeu International Crisis Group sobre o acordo.

O Irã é visto pelos sauditas como o principal inimigo e desestabilizador regional desde a Revolução Iraniana em 1979. Os países possuem duas visões diferentes do Islã – os sauditas são de maioria sunita, e os iranianos, xiitas – e estiveram em lados opostos muitas vezes, como na guerra civil do Iêmen. Os sauditas lideraram com os EUA uma campanha militar no país contra a milícia Houthi, que compartilha visões e tem apoio de Teerã. A mudança de Riad para uma estratégia menos bélica começou em 2019, depois dos houthis lançarem mísseis contra as instalações de petróleo saudita.

Dentro dessa lógica, a Arábia Saudita também melhorou os laços com a Turquia e com o Iraque. Analistas citam que Riad também ajudou a reaproximar a Síria, depois do país ser expulso da Liga Árabe por causa da guerra civil. O próximo passo para fortalecer a estabilização seria reconhecer os laços com Israel, mas com a guerra em Gaza o plano foi demolido.

A invasão israelense no Líbano e os ataques contra o Irã pioraram as perspectivas de paz regional. Nesta semana, o jornal israelense Haaretz noticiou que MBS estaria frustrado com a indisposição de Israel em acabar a guerra. Com temor de ser alvo do Irã no conflito, o país também buscou aumentar a confiança nas relações com Teerã. “Os estados do Golfo tentam alavancar melhores relações com o Irã para evitar serem pegos no meio de uma escalada Israel-Irã”, disse a analista Anna Jacobs, do Crisis Group.

Reaproximação cautelosa e interesses em comum

As divergências entre a Arábia Saudita e o Irã não chegaram ao fim, mas a reaproximação atende interesses mútuos. O reino saudita busca menos guerra para atender interesses econômicos, e a república islâmica quer sair do isolamento diplomático que destruiu a economia nacional e aumentou a oposição interna ao regime.

A eleição de Masoud Pezeshkian em julho moderou o país. Pezeshkian tem o discurso de reconciliação com o Ocidente e com os sunitas do Golfo. Nos primeiros meses, o ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araqchi, se reuniu com os seus homólogos do Golfo no Catar e com o próprio Mohammed bin Salman em Riad. Pezeshkian também se encontrou com as autoridades.

O contato mais recente das autoridades do alto escalão saudita e iraniano aconteceu nesta semana em Teerã, poucos dias depois da eleição de Trump nos EUA. O principal oficial militar saudita, Fayyad al Ruwaili, foi à Teerã para se encontrar com o homólogo, o general Mohammad Bagheri. Segundo a mídia estatal iraniana, Bagheri pediu aumento da cooperação militar e os convidou para exercícios navais iranianos em 2025.

No fim de outubro, as forças militares dos dois países participaram de um exercício militar com outros países do Golfo no Mar Vermelho.

Imagem da agência de notícias saudita (SPA) mostra líderes do mundo árabe-muçulmano reunidos em Riad Foto: SPA/AFP

A reaproximação resultou em uma trégua na guerra civil do Iêmen e nas hostilidades dos houthis contra a Arábia Saudita. De acordo com Jacobs, do Crisis Group, os sauditas também não permitiram que Israel e os EUA utilizassem seu espaço aéreo para defenderem os mísseis lançados pelo Irã contra o Estado judaico em abril.

Para o Irã, em particular, estabelecer uma relação de confiança com a Arábia Saudita é ter mais garantias de que o retorno de Trump à Casa Branca não transforme Riad em uma ameaça militar patrocinada pelos EUA.

A Arábia Saudita por sua vez tenta estabelecer um canal de diálogo com Washington e Teerã, na tentativa de ser mediador. “O que MBS quer é uma autonomia diplomática que vai atender os seus interesses de Estado”, disse Khouri.

Solução de dois Estados e sanções a Israel

Apesar das alianças da Arábia Saudita com o propósito de se consolidar como líder regional, há uma divergência fundamental com o governo atual de Israel. Depois do 7 de outubro, os sauditas passaram a exigir a solução de dois Estados na questão Israel-Palestina para reconhecer os laços com Israel, mas Israel mostra disposição cada vez maior de ocupar os territórios palestinos na Cisjordânia.

Antes da guerra iniciar, Riad falava que o reconhecimento passaria por exigências de boas condições de vida aos palestinos, mas a exigência por um Estado palestino não estava na mesa. O conflito, no entanto, mobilizou a sociedade saudita e fez com que Riad exigisse mais. “Para MBS, a questão Israel-Palestina não é algo que o afeta pessoalmente. Mas ele precisa ter a confiança da opinião pública para não sofrer uma desestabilização interna que afete seus planos”, disse Najad Khouri.

Se o retorno de Donald Trump à Casa Branca significar apoio irrestrito aos planos de Israel de anexar a Cisjordânia, anunciado pelo ministro das Finanças Bezalel Smotrich, Riad terá mais dificuldade em lidar com a questão. “Por isso, a Arábia Saudita pode aceitar reconhecer os laços com Israel desde que haja compromissos, mesmo que eles não se concretizem”, acrescentou.

Quanto ao Irã, as divergências existentes com a Arábia Saudita também limita a sua influência. Teerã não reconhece Israel como Estado legítimo, mas assinou a resolução da cúpula de Riad que pede dois Estados como solução. O país também defendeu sanções contra Tel Aviv no encontro, mas a proposta não foi aceita.

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