A reaproximação diplomática entre a Arábia Saudita e o Irã intermediada pela China, após anos de enfrentamentos entre as duas potências regionais em conflitos por procuração no Oriente Médio, tem um pano de fundo econômico por trás. De um lado, a retomada de relações foi um alívio para o Irã, que enfrenta distúrbios domésticos e uma economia prejudicada por duras sanções. Do outro, a Arábia Saudita também tem muito a ganhar se a nova cooperação realmente criar raízes duradouras.
O pacto pode ajudar a acalmar as tensões regionais que inflamaram guerras e guerrilhas em locais como o Iêmen, o Líbano, a Síria e o Iraque. O príncipe Mohamed Bin Salman, líder de facto dos sauditas, colocou como uma de suas prioridades resolver conflitos que drenaram o orçamento do governo e afastaram potenciais investidores de Riad. Além disso, um de seus projetos principais é reordenar a economia do reino islâmico, na esperança de transformá-lo em um centro global de negócios.
A rivalidade entre as duas nações islâmicas, separadas por menos de 240 quilômetros de águas do Golfo Pérsico, há muito molda a política e o comércio no Oriente Médio. Há nela uma dimensão sectária: a família real da Arábia Saudita e a maioria de sua população são sunitas, já o povo do Irã é predominantemente xiita. Em confrontos do gênero no Levante e no Iêmen, o Irã apoiou milícias que as autoridades sauditas dizem ter desestabilizado a região.
O momento da reconciliação foi uma surpresa para muitos analistas: até recentemente, as autoridades sauditas diziam que estavam fazendo pouco progresso nas negociações com o Irã. Surpreendente também foi o papel que a China desempenhou ao organizar as discussões que levaram ao avanço.
Economia desafia os sauditas
O movimento em direção à reconciliação é parcialmente impulsionado pelos desafios que o príncipe Mohammed enfrenta em casa. Seu plano de transformação, batizado de “Visão 2030″, conclama a diversificação da economia dependente do petróleo, a atração de investimentos estrangeiros e a necessidade de desenvolvimento de novos setores econômicos, como turismo de luxo e entretenimento. Esses objetivos seriam particularmente difíceis de alcançar com uma guerra ativa contra os rebeldes apoiados pelo Irã no Iêmen, na fronteira sul do reino.
No front diplomático, Bin Salman também pretende muddar o patamar da Arábia Saudita: um player global em vez de um “estado cliente” dos americanos. Um dos seus objetivos é ampliar relações comerciais com Ásia, Europa e América Latina.
Um terceiro ponto do plano da Casa de Saud é que o reino se torne um árbitro neutro em um mundo polarizado pela invasão russa da Ucrânia. Recentemente, o ministro das Relações Exteriores saudita viajou para a Ucrânia e a Rússia no mês passado, levando ajuda humanitária e se oferecendo para mediar o conflito.
Pressão militar do Irã
Os sinais de uma reaproximação entre as duas potências regionais do Golfo, no entanto, não são novos. Autoridades sauditas realizaram várias rodadas de conversas com lideranças iranianas nos últimos dois anos, até mesmo no Iraque e em Omã.
Em uma entrevista em 2019, o príncipe Mohammed disse que uma guerra entre a Arábia Saudita e o Irã dispararia os preços do petróleo e provocaria o “colapso total da economia global”, querendo dizer que uma “solução política e pacífica é muito melhor do que a militar”.
Uma das explicações para essa baixada de tom é simples. Poucas semanas antes desses comentários, um ataque de mísseis e drone sa uma grande instalação de petróleo saudita interrompeu brevemente metade da produção de petróleo do reino. Segundo autoridades americanas, esse ataque foi supervisionado diretamente pelo Irã.
A percepção de que o Irã teve a audácia e a capacidade de realizar tal operação foi um momento crítico para as autoridades sauditas, disseram analistas. Parece ter sido parte do que as levou a entrar em negociações com o Irã em 2021. Teerã agora tem urânio enriquecido suficiente para construir várias armas nucleares, se quiser, e autoridades sauditas temem que o reino possa ser seu primeiro alvo.
Ao mesmo tempo, a invasão da Ucrânia pela Rússia atraiu o foco das potências globais para outros lugares, deixando os governos do Golfo com uma sensação de que precisam depender de si mesmos.
“Pode haver algumas dificuldades no futuro próximo em termos de relacionamento do Irã com a comunidade internacional por conta da relação com a Rússia seu programa nuclear “, disse Mohammed Alsulami, especialista em Irã de um think tank saudita.
Declínio americano
Vários especialistas em políticas de Washington enquadraram o envolvimento chinês como um desafio ao declínio do domínio americano no Oriente Médio. De fato, algumas autoridades árabes do Golfo dizem que não podem mais contar com os Estados Unidos para garantir sua segurança, que precisam resolver seus próprios problemas e que a China está pronta para oferecer armas, tecnologia e investimentos sem contrapartidas.
Mas outros analistas alertaram que o príncipe Mohammed está simplesmente adotando uma abordagem mais pragmática da política externa. Embora os Estados Unidos continuem sendo o principal parceiro de segurança do reino, eles dizem que Washington não poderia ter intermediado um acordo entre a Arábia Saudita e o Irã de qualquer maneira, dadas suas relações profundamente tensas com a República Islâmica.
“Não é como se a Arábia Saudita não tivesse plena consciência de que mesmo uma garantia chinesa tem seus limites”, disse Yasmine Farouk, acadêmica não residente do Carnegie Endowment for International Peace, um grupo de pesquisa de Washington. “Os sauditas aprenderam lições muito duras nos últimos anos, uma delas é que temos de continuar diversificando nossos relacionamentos”. / NYT, COM TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU