Argentina: Milei e Massa fazem campanha polarizada e isolam Bullrich na reta final das eleições


Peronista e libertário agem como se já estivessem disputando um segundo turno, enquanto Bullrich ataca os dois adversários ao mesmo tempo na tentativa de não ficar para trás

Por Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES – Se antes das primárias havia conversas entre as campanhas de Patricia Bullrich e Javier Milei para uma possível união de forças nas eleições presidenciais da Argentina, agora os dois se declaram em guerra e a candidata move denúncias penais contra o libertário. Enquanto isso, Sergio Massa e Milei convergem em uma campanha que visa deixar Bullrich fora do segundo turno, já que para ambos o cenário ideal é uma disputa polarizada entre eles.

Em um cenário em que o governo peronista de Alberto Fernández amarga uma impopularidade próxima dos 80%, uma inflação galopante de 124% ao ano e números de pobreza em alta, o movimento natural seria de tornar o candidato governista, o ministro Sergio Massa, o alvo principal das campanhas. Não é o que vem acontecendo.

Em um embate entre a mudança gradual e a ruptura completa, a oposição considerada moderada do Juntos Pela Mudança, coalizão de Bullrich liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, é a considerada tóxica. De um lado, Milei promete ser diferente de tudo e de todos, inclusive da oposição que é tão impopular quanto o governo. De outro, Massa se distancia do kirchnerismo e se mostra um peronista mais “diferenciado” que não pretende “destruir tudo”.

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Debate presidencial na Argentina do último dia 1º de outubro, em Santiago del Estero Foto: Tomas F. Cuesta/AP

No fim, Massa se vê em uma posição de certa forma confortável, em que já sabia que teria de defender o governo ao qual pertence, mas pode jogar toda a culpa no presidente, enquanto vê seus adversários em uma guerra aberta pelo eleitorado cansado.

“Por um lado, Massa e Milei estão optando por se enfrentar neste primeiro turno porque ambos já se vêem entrando no segundo turno, então já se está vendo uma discussão que tenta ser polarizada entre os dois. Mas eles também gastam tempo para se diferenciar do Juntos pela Mudança”, observa Facundo Cruz, coordenador-geral do observatório de opinião pública Pulsar, da Universidade de Buenos Aires.

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À Bullrich lhe resta investir igualmente contra os dois, a ponto de chamar Massa de kirchnerista e dizer que “Milei também é casta”. Para atingir Massa, a oposicionista afirma que seu partido é o único que pode acabar com o kirchnerismo e promete criar a prisão de segurança máxima Dra. Cristina Fernández de Kirchner. Já mirando Milei, seu logo é transformar a Argentina em “um país ordenado” e não “destruir tudo”, como promete o “instável” Milei.

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Enquanto Milei foca sua campanha em dizer que “a mudança de verdade é ele”, Massa pode utilizar tranquilamente os seus dois minutos de espaço na televisão e no rádio – o dobro dos outros dois – para dizer que “agora temos alguém”, fazendo quase uma crítica direta ao seu atual presidente, desaparecido da vida pública. Massa ainda conta com a vantagem de, sendo um ministro, poder promover políticas econômicas que o ajudem até o pleito.

Não à toa, no primeiro debate presidencial, a cena foi dominada por Massa e Milei, ficando Bullrich mais apagada que candidatos que já sabem que não chegarão ao segundo turno. “Patricia Bullrich foi muito mais errática e sem muita clareza de como vai implementar sua agenda econômica”, analisa Cruz. “Já Massa e Milei não só reafirmaram suas propostas políticas e econômicas, mas principalmente avançaram sobre como planejam implementar essas medidas”.

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“Milei apareceu equilibrado em seus comentários, todos esperavam um Milei mais raivoso, mas ele praticou bem e se auto-controlou”, avalia o professor de ciência política da Universidade Católica Argentina, Fabian Calle. “Patricia usou tons duros, polarizando com Massa e criticando Milei”.

Consolidando a avaliação de que Milei já se vê em um segundo turno contra Massa, o libertário divulgou na quinta-feira, 5, sua última peça de campanha, com o slogan “kirchnerismo ou liberdade”.

Já no segundo debate, celebrado no último dia 8 de outubro, Bullrich conseguiu furar a bolha polarizada de Massa e Milei, ganhando certo protagonismo, mas ainda é difícil saber se isso terá a capacidade de reverter seu destino.

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“Isso cria uma situação muito incômoda no Juntos pela Mudança de Patricia, porque para se aproximar do segundo turno, eles têm que travar uma batalha contra ambos os lados do ringue, e essa batalha está gerando muito desgaste”, aponta Cruz. “No debate de (1º de outubro) ela teve que tentar atacar os seus rivais e ao mesmo tempo apresentar propostas concretas que não prendem a atenção dos cidadãos.”

Guerra Milei e Bullrich

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Antes das eleições primárias, havia conversas entre as campanhas de Milei e Bullrich para possivelmente unir forças contra a chapa peronista. Até então, se acreditava que Milei era uma terceira força, quase sem chances de entrar no segundo turno. Com os resultados que mostraram um triplo empate, com Milei liderando as opções de voto e possivelmente captando eleitorado de Bullrich, as duas campanhas partiram para uma briga aberta.

Em termos discursivos, os dois candidatos parecem buscar o mesmo eleitorado: o argentino cansado que já não acredita mais na classe política. Para se diferenciar, cada um joga sua carta coringa: Milei é o outsider que não pertence à “casta” nem do governo nem da oposição; já Bullrich usa seu passado como ministra da Segurança para empurrar uma agenda anti-narcos que tem adesão, mas engaja menos que o tema da inflação.

Conscientes de que não vão conquistar o eleitor que já votou em Sergio Massa, os dois partiram em uma cruzada para convencer que o outro é o pior. Na intenção de colar sua rival ao peronismo, Milei usa o passado da candidata e a chama de “Montonera”, em referência à organização guerrilheira que supostamente ela fazia parte nos anos da ditadura.

Em resposta, a candidata não só nega ter sido guerrilheira, como promete que vai indenizar as vítimas dos Montoneros. Em outro movimento do libertário, que a acusou de haver plantado bombas em escolas infantis, Bullrich apresentou duas queixas-crime, uma por calúnia e injúria e outra por incitação ao ódio.

A candidata presidencial da Argentina Patricia Bullrich durante apresentando de seu novo livro, em setembro Foto: Luis Robayo/AFP

“Os argentinos precisam de serenidade e temperança diante do futuro por parte dos candidatos presidenciais. Até recentemente, Javier Milei falava muito bem de mim. Não sei o que aconteceu que deixou de fazê-lo. Mas aqui o problema não sou eu, nem as mentiras e calúnias sobre mim”, escreveu a candidata na rede social X (antigo Twitter).

No desenvolvimento mais recente, e talvez mais pitoresco, os dois entraram em choque em um colóquio para empresários em Mar del Plata ao agendar seus eventos praticamente ao mesmo tempo, forçando os participantes a correrem para acompanhá-los.

O discurso de Bullrich já estava programado e era o mais aguardado do evento, mas Milei, sabendo do interesse que desperta na classe empresarial, agendou um almoço para o mesmo horário. “O pessoal de Milei quer criar justamente isso e todo mundo acaba caindo”, reclamou a candidata a caminho do evento.

Para completar, Bullrich ainda lida com climões dentro da própria coalizão, em que seu padrinho Mauricio Macri vem tecendo elogios a Milei e sorrindo para os boatos de que ele poderia compor um gabinete do libertário. Por mais de uma vez os dois tiveram de conversar para acalmar os ânimos.

O que esperar

Segundo as pesquisas de intenção de votos, o futuro será complicado para Bullrich. A coalizão que começou o ano como a favorita para derrotar o peronismo, amarga o terceiro lugar nas sondagens, ficando de fora do segundo turno. Para Milei e Massa, o cenário é o mais ideal possível, já que buscam ganhar o “voto contra” um do outro.

Para Facundo Cruz, Bullrich parece ter focado tanto seus esforços em vencer as primárias do Juntos pela Mudança contra Horacio Rodríguez Larreta, que se vê com menos capacidade em brigar agora nas eleições gerais.

O candidato presidencial da Argentina Javier Milei segurando uma motosserra em La Plata, em setembro Foto: Natacha Pisarenko/AP

As pesquisas publicadas logo após o primeiro debate consolidaram a tendência de Javier Milei liderar a votação, variando apenas o segundo lugar. De acordo com um levantamento do jornal argentino Clarín, que analisou mais de 20 sondagens, apenas duas colocaram Bullrich no segundo turno, as demais deram o lugar a Massa.

Mas Fabian Calle alerta para previsões com muitas certezas em uma Argentina onde o cenário eleitoral muda a cada dia, lembrando que nenhuma das sondagens foi capaz de prever o sucesso de Milei nas PASO. “Faltam alguns dias. Em política Argentina isso é muito. Faltam novidades no preço do dólar, anúncio da inflação. Em poucos dias se pode mudar 3, 4 até 5 pontos para um ou outro candidato, e em uma eleição tão empatada e com pesquisas tão pouco confiáveis, é muito incerto.”

De fato, os últimos levantamentos ainda não trouxeram as repercussões do escândalo envolvendo um kirchnerista do governo de Buenos Aires que pode chacoalhar a campanha de Sergio Massa e até do governador de Buenos Aires, Axel Kicillof.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES – Se antes das primárias havia conversas entre as campanhas de Patricia Bullrich e Javier Milei para uma possível união de forças nas eleições presidenciais da Argentina, agora os dois se declaram em guerra e a candidata move denúncias penais contra o libertário. Enquanto isso, Sergio Massa e Milei convergem em uma campanha que visa deixar Bullrich fora do segundo turno, já que para ambos o cenário ideal é uma disputa polarizada entre eles.

Em um cenário em que o governo peronista de Alberto Fernández amarga uma impopularidade próxima dos 80%, uma inflação galopante de 124% ao ano e números de pobreza em alta, o movimento natural seria de tornar o candidato governista, o ministro Sergio Massa, o alvo principal das campanhas. Não é o que vem acontecendo.

Em um embate entre a mudança gradual e a ruptura completa, a oposição considerada moderada do Juntos Pela Mudança, coalizão de Bullrich liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, é a considerada tóxica. De um lado, Milei promete ser diferente de tudo e de todos, inclusive da oposição que é tão impopular quanto o governo. De outro, Massa se distancia do kirchnerismo e se mostra um peronista mais “diferenciado” que não pretende “destruir tudo”.

Debate presidencial na Argentina do último dia 1º de outubro, em Santiago del Estero Foto: Tomas F. Cuesta/AP

No fim, Massa se vê em uma posição de certa forma confortável, em que já sabia que teria de defender o governo ao qual pertence, mas pode jogar toda a culpa no presidente, enquanto vê seus adversários em uma guerra aberta pelo eleitorado cansado.

“Por um lado, Massa e Milei estão optando por se enfrentar neste primeiro turno porque ambos já se vêem entrando no segundo turno, então já se está vendo uma discussão que tenta ser polarizada entre os dois. Mas eles também gastam tempo para se diferenciar do Juntos pela Mudança”, observa Facundo Cruz, coordenador-geral do observatório de opinião pública Pulsar, da Universidade de Buenos Aires.

À Bullrich lhe resta investir igualmente contra os dois, a ponto de chamar Massa de kirchnerista e dizer que “Milei também é casta”. Para atingir Massa, a oposicionista afirma que seu partido é o único que pode acabar com o kirchnerismo e promete criar a prisão de segurança máxima Dra. Cristina Fernández de Kirchner. Já mirando Milei, seu logo é transformar a Argentina em “um país ordenado” e não “destruir tudo”, como promete o “instável” Milei.

Enquanto Milei foca sua campanha em dizer que “a mudança de verdade é ele”, Massa pode utilizar tranquilamente os seus dois minutos de espaço na televisão e no rádio – o dobro dos outros dois – para dizer que “agora temos alguém”, fazendo quase uma crítica direta ao seu atual presidente, desaparecido da vida pública. Massa ainda conta com a vantagem de, sendo um ministro, poder promover políticas econômicas que o ajudem até o pleito.

Não à toa, no primeiro debate presidencial, a cena foi dominada por Massa e Milei, ficando Bullrich mais apagada que candidatos que já sabem que não chegarão ao segundo turno. “Patricia Bullrich foi muito mais errática e sem muita clareza de como vai implementar sua agenda econômica”, analisa Cruz. “Já Massa e Milei não só reafirmaram suas propostas políticas e econômicas, mas principalmente avançaram sobre como planejam implementar essas medidas”.

“Milei apareceu equilibrado em seus comentários, todos esperavam um Milei mais raivoso, mas ele praticou bem e se auto-controlou”, avalia o professor de ciência política da Universidade Católica Argentina, Fabian Calle. “Patricia usou tons duros, polarizando com Massa e criticando Milei”.

Consolidando a avaliação de que Milei já se vê em um segundo turno contra Massa, o libertário divulgou na quinta-feira, 5, sua última peça de campanha, com o slogan “kirchnerismo ou liberdade”.

Já no segundo debate, celebrado no último dia 8 de outubro, Bullrich conseguiu furar a bolha polarizada de Massa e Milei, ganhando certo protagonismo, mas ainda é difícil saber se isso terá a capacidade de reverter seu destino.

“Isso cria uma situação muito incômoda no Juntos pela Mudança de Patricia, porque para se aproximar do segundo turno, eles têm que travar uma batalha contra ambos os lados do ringue, e essa batalha está gerando muito desgaste”, aponta Cruz. “No debate de (1º de outubro) ela teve que tentar atacar os seus rivais e ao mesmo tempo apresentar propostas concretas que não prendem a atenção dos cidadãos.”

Guerra Milei e Bullrich

Antes das eleições primárias, havia conversas entre as campanhas de Milei e Bullrich para possivelmente unir forças contra a chapa peronista. Até então, se acreditava que Milei era uma terceira força, quase sem chances de entrar no segundo turno. Com os resultados que mostraram um triplo empate, com Milei liderando as opções de voto e possivelmente captando eleitorado de Bullrich, as duas campanhas partiram para uma briga aberta.

Em termos discursivos, os dois candidatos parecem buscar o mesmo eleitorado: o argentino cansado que já não acredita mais na classe política. Para se diferenciar, cada um joga sua carta coringa: Milei é o outsider que não pertence à “casta” nem do governo nem da oposição; já Bullrich usa seu passado como ministra da Segurança para empurrar uma agenda anti-narcos que tem adesão, mas engaja menos que o tema da inflação.

Conscientes de que não vão conquistar o eleitor que já votou em Sergio Massa, os dois partiram em uma cruzada para convencer que o outro é o pior. Na intenção de colar sua rival ao peronismo, Milei usa o passado da candidata e a chama de “Montonera”, em referência à organização guerrilheira que supostamente ela fazia parte nos anos da ditadura.

Em resposta, a candidata não só nega ter sido guerrilheira, como promete que vai indenizar as vítimas dos Montoneros. Em outro movimento do libertário, que a acusou de haver plantado bombas em escolas infantis, Bullrich apresentou duas queixas-crime, uma por calúnia e injúria e outra por incitação ao ódio.

A candidata presidencial da Argentina Patricia Bullrich durante apresentando de seu novo livro, em setembro Foto: Luis Robayo/AFP

“Os argentinos precisam de serenidade e temperança diante do futuro por parte dos candidatos presidenciais. Até recentemente, Javier Milei falava muito bem de mim. Não sei o que aconteceu que deixou de fazê-lo. Mas aqui o problema não sou eu, nem as mentiras e calúnias sobre mim”, escreveu a candidata na rede social X (antigo Twitter).

No desenvolvimento mais recente, e talvez mais pitoresco, os dois entraram em choque em um colóquio para empresários em Mar del Plata ao agendar seus eventos praticamente ao mesmo tempo, forçando os participantes a correrem para acompanhá-los.

O discurso de Bullrich já estava programado e era o mais aguardado do evento, mas Milei, sabendo do interesse que desperta na classe empresarial, agendou um almoço para o mesmo horário. “O pessoal de Milei quer criar justamente isso e todo mundo acaba caindo”, reclamou a candidata a caminho do evento.

Para completar, Bullrich ainda lida com climões dentro da própria coalizão, em que seu padrinho Mauricio Macri vem tecendo elogios a Milei e sorrindo para os boatos de que ele poderia compor um gabinete do libertário. Por mais de uma vez os dois tiveram de conversar para acalmar os ânimos.

O que esperar

Segundo as pesquisas de intenção de votos, o futuro será complicado para Bullrich. A coalizão que começou o ano como a favorita para derrotar o peronismo, amarga o terceiro lugar nas sondagens, ficando de fora do segundo turno. Para Milei e Massa, o cenário é o mais ideal possível, já que buscam ganhar o “voto contra” um do outro.

Para Facundo Cruz, Bullrich parece ter focado tanto seus esforços em vencer as primárias do Juntos pela Mudança contra Horacio Rodríguez Larreta, que se vê com menos capacidade em brigar agora nas eleições gerais.

O candidato presidencial da Argentina Javier Milei segurando uma motosserra em La Plata, em setembro Foto: Natacha Pisarenko/AP

As pesquisas publicadas logo após o primeiro debate consolidaram a tendência de Javier Milei liderar a votação, variando apenas o segundo lugar. De acordo com um levantamento do jornal argentino Clarín, que analisou mais de 20 sondagens, apenas duas colocaram Bullrich no segundo turno, as demais deram o lugar a Massa.

Mas Fabian Calle alerta para previsões com muitas certezas em uma Argentina onde o cenário eleitoral muda a cada dia, lembrando que nenhuma das sondagens foi capaz de prever o sucesso de Milei nas PASO. “Faltam alguns dias. Em política Argentina isso é muito. Faltam novidades no preço do dólar, anúncio da inflação. Em poucos dias se pode mudar 3, 4 até 5 pontos para um ou outro candidato, e em uma eleição tão empatada e com pesquisas tão pouco confiáveis, é muito incerto.”

De fato, os últimos levantamentos ainda não trouxeram as repercussões do escândalo envolvendo um kirchnerista do governo de Buenos Aires que pode chacoalhar a campanha de Sergio Massa e até do governador de Buenos Aires, Axel Kicillof.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES – Se antes das primárias havia conversas entre as campanhas de Patricia Bullrich e Javier Milei para uma possível união de forças nas eleições presidenciais da Argentina, agora os dois se declaram em guerra e a candidata move denúncias penais contra o libertário. Enquanto isso, Sergio Massa e Milei convergem em uma campanha que visa deixar Bullrich fora do segundo turno, já que para ambos o cenário ideal é uma disputa polarizada entre eles.

Em um cenário em que o governo peronista de Alberto Fernández amarga uma impopularidade próxima dos 80%, uma inflação galopante de 124% ao ano e números de pobreza em alta, o movimento natural seria de tornar o candidato governista, o ministro Sergio Massa, o alvo principal das campanhas. Não é o que vem acontecendo.

Em um embate entre a mudança gradual e a ruptura completa, a oposição considerada moderada do Juntos Pela Mudança, coalizão de Bullrich liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, é a considerada tóxica. De um lado, Milei promete ser diferente de tudo e de todos, inclusive da oposição que é tão impopular quanto o governo. De outro, Massa se distancia do kirchnerismo e se mostra um peronista mais “diferenciado” que não pretende “destruir tudo”.

Debate presidencial na Argentina do último dia 1º de outubro, em Santiago del Estero Foto: Tomas F. Cuesta/AP

No fim, Massa se vê em uma posição de certa forma confortável, em que já sabia que teria de defender o governo ao qual pertence, mas pode jogar toda a culpa no presidente, enquanto vê seus adversários em uma guerra aberta pelo eleitorado cansado.

“Por um lado, Massa e Milei estão optando por se enfrentar neste primeiro turno porque ambos já se vêem entrando no segundo turno, então já se está vendo uma discussão que tenta ser polarizada entre os dois. Mas eles também gastam tempo para se diferenciar do Juntos pela Mudança”, observa Facundo Cruz, coordenador-geral do observatório de opinião pública Pulsar, da Universidade de Buenos Aires.

À Bullrich lhe resta investir igualmente contra os dois, a ponto de chamar Massa de kirchnerista e dizer que “Milei também é casta”. Para atingir Massa, a oposicionista afirma que seu partido é o único que pode acabar com o kirchnerismo e promete criar a prisão de segurança máxima Dra. Cristina Fernández de Kirchner. Já mirando Milei, seu logo é transformar a Argentina em “um país ordenado” e não “destruir tudo”, como promete o “instável” Milei.

Enquanto Milei foca sua campanha em dizer que “a mudança de verdade é ele”, Massa pode utilizar tranquilamente os seus dois minutos de espaço na televisão e no rádio – o dobro dos outros dois – para dizer que “agora temos alguém”, fazendo quase uma crítica direta ao seu atual presidente, desaparecido da vida pública. Massa ainda conta com a vantagem de, sendo um ministro, poder promover políticas econômicas que o ajudem até o pleito.

Não à toa, no primeiro debate presidencial, a cena foi dominada por Massa e Milei, ficando Bullrich mais apagada que candidatos que já sabem que não chegarão ao segundo turno. “Patricia Bullrich foi muito mais errática e sem muita clareza de como vai implementar sua agenda econômica”, analisa Cruz. “Já Massa e Milei não só reafirmaram suas propostas políticas e econômicas, mas principalmente avançaram sobre como planejam implementar essas medidas”.

“Milei apareceu equilibrado em seus comentários, todos esperavam um Milei mais raivoso, mas ele praticou bem e se auto-controlou”, avalia o professor de ciência política da Universidade Católica Argentina, Fabian Calle. “Patricia usou tons duros, polarizando com Massa e criticando Milei”.

Consolidando a avaliação de que Milei já se vê em um segundo turno contra Massa, o libertário divulgou na quinta-feira, 5, sua última peça de campanha, com o slogan “kirchnerismo ou liberdade”.

Já no segundo debate, celebrado no último dia 8 de outubro, Bullrich conseguiu furar a bolha polarizada de Massa e Milei, ganhando certo protagonismo, mas ainda é difícil saber se isso terá a capacidade de reverter seu destino.

“Isso cria uma situação muito incômoda no Juntos pela Mudança de Patricia, porque para se aproximar do segundo turno, eles têm que travar uma batalha contra ambos os lados do ringue, e essa batalha está gerando muito desgaste”, aponta Cruz. “No debate de (1º de outubro) ela teve que tentar atacar os seus rivais e ao mesmo tempo apresentar propostas concretas que não prendem a atenção dos cidadãos.”

Guerra Milei e Bullrich

Antes das eleições primárias, havia conversas entre as campanhas de Milei e Bullrich para possivelmente unir forças contra a chapa peronista. Até então, se acreditava que Milei era uma terceira força, quase sem chances de entrar no segundo turno. Com os resultados que mostraram um triplo empate, com Milei liderando as opções de voto e possivelmente captando eleitorado de Bullrich, as duas campanhas partiram para uma briga aberta.

Em termos discursivos, os dois candidatos parecem buscar o mesmo eleitorado: o argentino cansado que já não acredita mais na classe política. Para se diferenciar, cada um joga sua carta coringa: Milei é o outsider que não pertence à “casta” nem do governo nem da oposição; já Bullrich usa seu passado como ministra da Segurança para empurrar uma agenda anti-narcos que tem adesão, mas engaja menos que o tema da inflação.

Conscientes de que não vão conquistar o eleitor que já votou em Sergio Massa, os dois partiram em uma cruzada para convencer que o outro é o pior. Na intenção de colar sua rival ao peronismo, Milei usa o passado da candidata e a chama de “Montonera”, em referência à organização guerrilheira que supostamente ela fazia parte nos anos da ditadura.

Em resposta, a candidata não só nega ter sido guerrilheira, como promete que vai indenizar as vítimas dos Montoneros. Em outro movimento do libertário, que a acusou de haver plantado bombas em escolas infantis, Bullrich apresentou duas queixas-crime, uma por calúnia e injúria e outra por incitação ao ódio.

A candidata presidencial da Argentina Patricia Bullrich durante apresentando de seu novo livro, em setembro Foto: Luis Robayo/AFP

“Os argentinos precisam de serenidade e temperança diante do futuro por parte dos candidatos presidenciais. Até recentemente, Javier Milei falava muito bem de mim. Não sei o que aconteceu que deixou de fazê-lo. Mas aqui o problema não sou eu, nem as mentiras e calúnias sobre mim”, escreveu a candidata na rede social X (antigo Twitter).

No desenvolvimento mais recente, e talvez mais pitoresco, os dois entraram em choque em um colóquio para empresários em Mar del Plata ao agendar seus eventos praticamente ao mesmo tempo, forçando os participantes a correrem para acompanhá-los.

O discurso de Bullrich já estava programado e era o mais aguardado do evento, mas Milei, sabendo do interesse que desperta na classe empresarial, agendou um almoço para o mesmo horário. “O pessoal de Milei quer criar justamente isso e todo mundo acaba caindo”, reclamou a candidata a caminho do evento.

Para completar, Bullrich ainda lida com climões dentro da própria coalizão, em que seu padrinho Mauricio Macri vem tecendo elogios a Milei e sorrindo para os boatos de que ele poderia compor um gabinete do libertário. Por mais de uma vez os dois tiveram de conversar para acalmar os ânimos.

O que esperar

Segundo as pesquisas de intenção de votos, o futuro será complicado para Bullrich. A coalizão que começou o ano como a favorita para derrotar o peronismo, amarga o terceiro lugar nas sondagens, ficando de fora do segundo turno. Para Milei e Massa, o cenário é o mais ideal possível, já que buscam ganhar o “voto contra” um do outro.

Para Facundo Cruz, Bullrich parece ter focado tanto seus esforços em vencer as primárias do Juntos pela Mudança contra Horacio Rodríguez Larreta, que se vê com menos capacidade em brigar agora nas eleições gerais.

O candidato presidencial da Argentina Javier Milei segurando uma motosserra em La Plata, em setembro Foto: Natacha Pisarenko/AP

As pesquisas publicadas logo após o primeiro debate consolidaram a tendência de Javier Milei liderar a votação, variando apenas o segundo lugar. De acordo com um levantamento do jornal argentino Clarín, que analisou mais de 20 sondagens, apenas duas colocaram Bullrich no segundo turno, as demais deram o lugar a Massa.

Mas Fabian Calle alerta para previsões com muitas certezas em uma Argentina onde o cenário eleitoral muda a cada dia, lembrando que nenhuma das sondagens foi capaz de prever o sucesso de Milei nas PASO. “Faltam alguns dias. Em política Argentina isso é muito. Faltam novidades no preço do dólar, anúncio da inflação. Em poucos dias se pode mudar 3, 4 até 5 pontos para um ou outro candidato, e em uma eleição tão empatada e com pesquisas tão pouco confiáveis, é muito incerto.”

De fato, os últimos levantamentos ainda não trouxeram as repercussões do escândalo envolvendo um kirchnerista do governo de Buenos Aires que pode chacoalhar a campanha de Sergio Massa e até do governador de Buenos Aires, Axel Kicillof.

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