Argentina: Petróleo vira arma na guerra de Milei com governadores, expondo novas fissuras no governo


Governadores da Patagônia ameaçaram cortar o fornecimento caso Buenos Aires não libere recursos, em um novo episódio do embate cujo pano de fundo é o plano econômico do libertário

Por Carolina Marins

A guerra declarada entre o presidente Javier Milei e os governadores da Argentina ganhou novos contornos nos últimos dias, com o petróleo e o gás virando armas das províncias produtoras, especialmente da Patagônia. O governador de Chubut, a segunda maior província produtora, ameaçou cortar o fornecimento caso o governo não liberasse uma verba bilionária que havia sido retida. A disputa, que ganhou adesão de governadores de direita e esquerda, deve chegar à Suprema Corte do país.

Este foi um novo episódio dos embates do governo do libertário com os governadores que deveriam constituir sua base de apoio. O conflito começou após as primeiras medidas econômicas que retiraram verbas das províncias e ganhou fundos dramáticos depois que Milei saiu em uma caça às bruxas aos deputados e governadores que não estavam apoiando o avanço da sua Lei Ônibus, que terminou derrubada no Congresso. Ao chamá-los de “traidores”, Milei criou uma fissura que coloca em dúvida a sua governabilidade.

Em 23 de fevereiro, o governador de Chubut, Ignácio Torres, denunciou que o governo federal havia retido ilegalmente mais de 13,5 bilhões de pesos da verba de coparticipação da província. “Se não cumprirem a Constituição e não enviarem recursos aos moradores de Chubut, então Chubut não entregará seu petróleo e gás”, ameaçou em uma carta assinada também por seus vizinhos patagônicos de Río Negro, Santa Cruz, Neuquén, Tierra del Fuego e La Pampa.

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O presidente da Argentina, Javier Milei, durante conferência conservadora em Maryland, Estados Unidos, em 24 de fevereiro Foto: AP

A Patagônia concentra a maior produção de petróleo e gás do país e a ameaça, que havia requintes de ser inconstitucional segundo juristas ouvidos por jornais argentinos, prometia encarecer ainda mais os combustíveis no país - que já sofrem pressão da inflação acima dos 20% mensais e da liberação de preços que Milei promoveu em janeiro. O resultado político prometia ser dramático.

O governo respondeu que os valores haviam sido retidos para pagar uma dívida da província com um fundo de desenvolvimento provincial da nação. Milei, porém, subiu o tom e chamou os governadores de “degenerados fiscais”. Os patagônicos acusam a Casa Rosada de estar punindo-os pela queda de sua Lei Ônibus.

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A briga não ficou restrita à região gelada. Oito governadores do Juntos pela Mudança - coalizão de Mauricio Macri que forma a base de apoio de Milei - assinaram um documento endossando as reclamações de Chubut, entre eles nomes de peso como Jorge Macri, prefeito de de Buenos Aires, e Alfredo Cornejo, governador de Mendoza, outra grande produtora de hidrocarbonetos. O kirchnerista Axel Kicillof, da província de Buenos Aires, também deu endosso.

Os patagônicos abaixaram o tom nesta quarta-feira, 28, e voltaram atrás na ameaça de cortar o fornecimento depois que uma decisão da Justiça deu razão a Ignácio Torres. Os governadores deram a questão por resolvida, mas exigiram um diálogo com Milei que, segundo eles, não se deu ao trabalho de entrar em contato durante os dias de crise. O governo, no entanto, já avisou que vai recorrer da decisão e planeja usar um recurso chamado per saltum para levar a disputa direto para a Corte Suprema.

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A meta de déficit zero

A retenção na coparticipação de Chubut se torna ainda mais dramática ao ser somada com o corte a quase zero das transferências não obrigatórias do governo às províncias, bem como o fim dos subsídios aos transportes públicos do interior.

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Em janeiro, ao menos 14 províncias receberam zero repasses chamados de discricionários, que não são obrigatórios e podem obedecer a critérios políticos. Chubut foi uma delas, junto com as demais da Patagônia. No caso a coparticipação é uma transferência obrigatória, mas a regra do fundo em questão permite a retenção para o pagamento de dívidas.

Com isso, a província se vê sufocada, com poucos recursos para investimento. A situação se repete em quase todas as províncias argentinas, com reclamações de falta de fundos para áreas sensíveis como Educação e Saúde.

Toda essa situação tem origem na ambiciosa meta de déficit zero do governo Milei. O novo presidente pretende, ainda esse ano, equilibrar as contas a fim de ter um superávit. No entanto, o método para este fim tem gerado intensos embates com sua própria base de apoio, que tem colhido os frutos ruins.

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A meta recessiva já provocou uma erosão dos salários dos argentinos, derrubou o consumo, retirou subsídios, aumentou contas básicas e segue cortando recursos das províncias. O resultado é um aumento da pobreza, já projetada em 57%, segundo a Universidade Católica Argentina (UCA). Um impacto que se vê muito mais fora da capital Buenos Aires.

Da esquerda para a direita, os governadores: Sergio Ziliotto de La Pampa, Alberto Weretilneck de Río Negro, Ignácio Torres de Chubut e Rolando Figueroa de Neuquén Foto: Matias Baglietto/Reuters

Desde que foram anunciadas as medidas que cortavam recursos das províncias, analistas políticos e economistas alertavam que haveria conflitos com os governadores, pois as províncias são altamente dependentes dos recursos repassados, especialmente as mais pobres. Dias depois, o governo se reuniu com os mandatários locais, quando prometeu conversar e ouvi-los durante a elaboração de seu plano econômico. O diálogo durou poucos dias.

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A coparticipação historicamente já é alvo de um embate na Argentina. Pela regra, o governo nacional concentra a arrecadação de todas as províncias e depois as distribui de acordo com uma porcentagem definida por lei. “Fiscalmente, as províncias dependem muito do governo nacional”, explica o cientista político do Observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires (UBA) Facundo Cruz. O embate, geralmente, gira em torno do quanto é justa essa distribuição.

“A tensão hoje é mais que nada uma discussão por recursos, e, sobretudo, por quem paga os custos e quem recebe os benefícios. A estratégia do governo Javier Milei e do A Liberdade Avança (LLA, seu partido) desde o início foi reter os benefícios no governo nacional e transportar os custos, tanto em termos políticos, como sociais, como econômicos, às províncias. E é aí que se está dando essa tensão com vários governadores”, completa.

Foto divulgada pela agência estatal Telam mostra barcos pesqueiros de Rawson protestando contra Javier Milei em Chubut em 26 de fevereiro  Foto: MAXI JONAS/AFP

Um jogo arriscado

O jogo, porém, é extremamente arriscado, já que Milei não tem base própria de apoio. Dos 257 assentos no Congresso, seu partido tem apenas 38. Das 24 províncias do país, o LLA elegeu zero governadores. Esses dados faz de seu governo altamente depende da aliança fina que costurou com o Juntos pela Mudança, coalizão que reúne todos os governadores com quem agora está guerra.

Na Argentina, os governadores, bem como os prefeitos e demais políticos locais, tem muita força política e costumam aproveitar de maior popularidade que o governo nacional.

“O ponto de partida para entender tudo isso é saber que os governadores na Argentina têm autonomia política plena, autonomia administrativa restrita e autonomia financeira limitada, bastante limitada”, afirma Cruz. Por autonomia política, o analista se refere a poder de verdadeiramente mudar as regras do jogo, inclusive eleitorais. Governadores tem o poder de definir datas e formatos das eleições locais - de forma que lhes convenha, inclusive - e construir alianças.

Já Milei, que foi eleito em meio ao agravamento da histórica crise econômica argentina, conta com uma paciência popular muito curta, que já deu seus primeiros sinais de esgotamento.

“Na Argentina, se é algo é certo, é que um presidente não pode governar o país sem governadores que o acompanhem. E, até hoje, desde o começo do seu mandato, o A Liberdade Avança conta com zero de 24 governadores.”

A guerra declarada entre o presidente Javier Milei e os governadores da Argentina ganhou novos contornos nos últimos dias, com o petróleo e o gás virando armas das províncias produtoras, especialmente da Patagônia. O governador de Chubut, a segunda maior província produtora, ameaçou cortar o fornecimento caso o governo não liberasse uma verba bilionária que havia sido retida. A disputa, que ganhou adesão de governadores de direita e esquerda, deve chegar à Suprema Corte do país.

Este foi um novo episódio dos embates do governo do libertário com os governadores que deveriam constituir sua base de apoio. O conflito começou após as primeiras medidas econômicas que retiraram verbas das províncias e ganhou fundos dramáticos depois que Milei saiu em uma caça às bruxas aos deputados e governadores que não estavam apoiando o avanço da sua Lei Ônibus, que terminou derrubada no Congresso. Ao chamá-los de “traidores”, Milei criou uma fissura que coloca em dúvida a sua governabilidade.

Em 23 de fevereiro, o governador de Chubut, Ignácio Torres, denunciou que o governo federal havia retido ilegalmente mais de 13,5 bilhões de pesos da verba de coparticipação da província. “Se não cumprirem a Constituição e não enviarem recursos aos moradores de Chubut, então Chubut não entregará seu petróleo e gás”, ameaçou em uma carta assinada também por seus vizinhos patagônicos de Río Negro, Santa Cruz, Neuquén, Tierra del Fuego e La Pampa.

O presidente da Argentina, Javier Milei, durante conferência conservadora em Maryland, Estados Unidos, em 24 de fevereiro Foto: AP

A Patagônia concentra a maior produção de petróleo e gás do país e a ameaça, que havia requintes de ser inconstitucional segundo juristas ouvidos por jornais argentinos, prometia encarecer ainda mais os combustíveis no país - que já sofrem pressão da inflação acima dos 20% mensais e da liberação de preços que Milei promoveu em janeiro. O resultado político prometia ser dramático.

O governo respondeu que os valores haviam sido retidos para pagar uma dívida da província com um fundo de desenvolvimento provincial da nação. Milei, porém, subiu o tom e chamou os governadores de “degenerados fiscais”. Os patagônicos acusam a Casa Rosada de estar punindo-os pela queda de sua Lei Ônibus.

A briga não ficou restrita à região gelada. Oito governadores do Juntos pela Mudança - coalizão de Mauricio Macri que forma a base de apoio de Milei - assinaram um documento endossando as reclamações de Chubut, entre eles nomes de peso como Jorge Macri, prefeito de de Buenos Aires, e Alfredo Cornejo, governador de Mendoza, outra grande produtora de hidrocarbonetos. O kirchnerista Axel Kicillof, da província de Buenos Aires, também deu endosso.

Os patagônicos abaixaram o tom nesta quarta-feira, 28, e voltaram atrás na ameaça de cortar o fornecimento depois que uma decisão da Justiça deu razão a Ignácio Torres. Os governadores deram a questão por resolvida, mas exigiram um diálogo com Milei que, segundo eles, não se deu ao trabalho de entrar em contato durante os dias de crise. O governo, no entanto, já avisou que vai recorrer da decisão e planeja usar um recurso chamado per saltum para levar a disputa direto para a Corte Suprema.

A meta de déficit zero

A retenção na coparticipação de Chubut se torna ainda mais dramática ao ser somada com o corte a quase zero das transferências não obrigatórias do governo às províncias, bem como o fim dos subsídios aos transportes públicos do interior.

Em janeiro, ao menos 14 províncias receberam zero repasses chamados de discricionários, que não são obrigatórios e podem obedecer a critérios políticos. Chubut foi uma delas, junto com as demais da Patagônia. No caso a coparticipação é uma transferência obrigatória, mas a regra do fundo em questão permite a retenção para o pagamento de dívidas.

Com isso, a província se vê sufocada, com poucos recursos para investimento. A situação se repete em quase todas as províncias argentinas, com reclamações de falta de fundos para áreas sensíveis como Educação e Saúde.

Toda essa situação tem origem na ambiciosa meta de déficit zero do governo Milei. O novo presidente pretende, ainda esse ano, equilibrar as contas a fim de ter um superávit. No entanto, o método para este fim tem gerado intensos embates com sua própria base de apoio, que tem colhido os frutos ruins.

A meta recessiva já provocou uma erosão dos salários dos argentinos, derrubou o consumo, retirou subsídios, aumentou contas básicas e segue cortando recursos das províncias. O resultado é um aumento da pobreza, já projetada em 57%, segundo a Universidade Católica Argentina (UCA). Um impacto que se vê muito mais fora da capital Buenos Aires.

Da esquerda para a direita, os governadores: Sergio Ziliotto de La Pampa, Alberto Weretilneck de Río Negro, Ignácio Torres de Chubut e Rolando Figueroa de Neuquén Foto: Matias Baglietto/Reuters

Desde que foram anunciadas as medidas que cortavam recursos das províncias, analistas políticos e economistas alertavam que haveria conflitos com os governadores, pois as províncias são altamente dependentes dos recursos repassados, especialmente as mais pobres. Dias depois, o governo se reuniu com os mandatários locais, quando prometeu conversar e ouvi-los durante a elaboração de seu plano econômico. O diálogo durou poucos dias.

A coparticipação historicamente já é alvo de um embate na Argentina. Pela regra, o governo nacional concentra a arrecadação de todas as províncias e depois as distribui de acordo com uma porcentagem definida por lei. “Fiscalmente, as províncias dependem muito do governo nacional”, explica o cientista político do Observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires (UBA) Facundo Cruz. O embate, geralmente, gira em torno do quanto é justa essa distribuição.

“A tensão hoje é mais que nada uma discussão por recursos, e, sobretudo, por quem paga os custos e quem recebe os benefícios. A estratégia do governo Javier Milei e do A Liberdade Avança (LLA, seu partido) desde o início foi reter os benefícios no governo nacional e transportar os custos, tanto em termos políticos, como sociais, como econômicos, às províncias. E é aí que se está dando essa tensão com vários governadores”, completa.

Foto divulgada pela agência estatal Telam mostra barcos pesqueiros de Rawson protestando contra Javier Milei em Chubut em 26 de fevereiro  Foto: MAXI JONAS/AFP

Um jogo arriscado

O jogo, porém, é extremamente arriscado, já que Milei não tem base própria de apoio. Dos 257 assentos no Congresso, seu partido tem apenas 38. Das 24 províncias do país, o LLA elegeu zero governadores. Esses dados faz de seu governo altamente depende da aliança fina que costurou com o Juntos pela Mudança, coalizão que reúne todos os governadores com quem agora está guerra.

Na Argentina, os governadores, bem como os prefeitos e demais políticos locais, tem muita força política e costumam aproveitar de maior popularidade que o governo nacional.

“O ponto de partida para entender tudo isso é saber que os governadores na Argentina têm autonomia política plena, autonomia administrativa restrita e autonomia financeira limitada, bastante limitada”, afirma Cruz. Por autonomia política, o analista se refere a poder de verdadeiramente mudar as regras do jogo, inclusive eleitorais. Governadores tem o poder de definir datas e formatos das eleições locais - de forma que lhes convenha, inclusive - e construir alianças.

Já Milei, que foi eleito em meio ao agravamento da histórica crise econômica argentina, conta com uma paciência popular muito curta, que já deu seus primeiros sinais de esgotamento.

“Na Argentina, se é algo é certo, é que um presidente não pode governar o país sem governadores que o acompanhem. E, até hoje, desde o começo do seu mandato, o A Liberdade Avança conta com zero de 24 governadores.”

A guerra declarada entre o presidente Javier Milei e os governadores da Argentina ganhou novos contornos nos últimos dias, com o petróleo e o gás virando armas das províncias produtoras, especialmente da Patagônia. O governador de Chubut, a segunda maior província produtora, ameaçou cortar o fornecimento caso o governo não liberasse uma verba bilionária que havia sido retida. A disputa, que ganhou adesão de governadores de direita e esquerda, deve chegar à Suprema Corte do país.

Este foi um novo episódio dos embates do governo do libertário com os governadores que deveriam constituir sua base de apoio. O conflito começou após as primeiras medidas econômicas que retiraram verbas das províncias e ganhou fundos dramáticos depois que Milei saiu em uma caça às bruxas aos deputados e governadores que não estavam apoiando o avanço da sua Lei Ônibus, que terminou derrubada no Congresso. Ao chamá-los de “traidores”, Milei criou uma fissura que coloca em dúvida a sua governabilidade.

Em 23 de fevereiro, o governador de Chubut, Ignácio Torres, denunciou que o governo federal havia retido ilegalmente mais de 13,5 bilhões de pesos da verba de coparticipação da província. “Se não cumprirem a Constituição e não enviarem recursos aos moradores de Chubut, então Chubut não entregará seu petróleo e gás”, ameaçou em uma carta assinada também por seus vizinhos patagônicos de Río Negro, Santa Cruz, Neuquén, Tierra del Fuego e La Pampa.

O presidente da Argentina, Javier Milei, durante conferência conservadora em Maryland, Estados Unidos, em 24 de fevereiro Foto: AP

A Patagônia concentra a maior produção de petróleo e gás do país e a ameaça, que havia requintes de ser inconstitucional segundo juristas ouvidos por jornais argentinos, prometia encarecer ainda mais os combustíveis no país - que já sofrem pressão da inflação acima dos 20% mensais e da liberação de preços que Milei promoveu em janeiro. O resultado político prometia ser dramático.

O governo respondeu que os valores haviam sido retidos para pagar uma dívida da província com um fundo de desenvolvimento provincial da nação. Milei, porém, subiu o tom e chamou os governadores de “degenerados fiscais”. Os patagônicos acusam a Casa Rosada de estar punindo-os pela queda de sua Lei Ônibus.

A briga não ficou restrita à região gelada. Oito governadores do Juntos pela Mudança - coalizão de Mauricio Macri que forma a base de apoio de Milei - assinaram um documento endossando as reclamações de Chubut, entre eles nomes de peso como Jorge Macri, prefeito de de Buenos Aires, e Alfredo Cornejo, governador de Mendoza, outra grande produtora de hidrocarbonetos. O kirchnerista Axel Kicillof, da província de Buenos Aires, também deu endosso.

Os patagônicos abaixaram o tom nesta quarta-feira, 28, e voltaram atrás na ameaça de cortar o fornecimento depois que uma decisão da Justiça deu razão a Ignácio Torres. Os governadores deram a questão por resolvida, mas exigiram um diálogo com Milei que, segundo eles, não se deu ao trabalho de entrar em contato durante os dias de crise. O governo, no entanto, já avisou que vai recorrer da decisão e planeja usar um recurso chamado per saltum para levar a disputa direto para a Corte Suprema.

A meta de déficit zero

A retenção na coparticipação de Chubut se torna ainda mais dramática ao ser somada com o corte a quase zero das transferências não obrigatórias do governo às províncias, bem como o fim dos subsídios aos transportes públicos do interior.

Em janeiro, ao menos 14 províncias receberam zero repasses chamados de discricionários, que não são obrigatórios e podem obedecer a critérios políticos. Chubut foi uma delas, junto com as demais da Patagônia. No caso a coparticipação é uma transferência obrigatória, mas a regra do fundo em questão permite a retenção para o pagamento de dívidas.

Com isso, a província se vê sufocada, com poucos recursos para investimento. A situação se repete em quase todas as províncias argentinas, com reclamações de falta de fundos para áreas sensíveis como Educação e Saúde.

Toda essa situação tem origem na ambiciosa meta de déficit zero do governo Milei. O novo presidente pretende, ainda esse ano, equilibrar as contas a fim de ter um superávit. No entanto, o método para este fim tem gerado intensos embates com sua própria base de apoio, que tem colhido os frutos ruins.

A meta recessiva já provocou uma erosão dos salários dos argentinos, derrubou o consumo, retirou subsídios, aumentou contas básicas e segue cortando recursos das províncias. O resultado é um aumento da pobreza, já projetada em 57%, segundo a Universidade Católica Argentina (UCA). Um impacto que se vê muito mais fora da capital Buenos Aires.

Da esquerda para a direita, os governadores: Sergio Ziliotto de La Pampa, Alberto Weretilneck de Río Negro, Ignácio Torres de Chubut e Rolando Figueroa de Neuquén Foto: Matias Baglietto/Reuters

Desde que foram anunciadas as medidas que cortavam recursos das províncias, analistas políticos e economistas alertavam que haveria conflitos com os governadores, pois as províncias são altamente dependentes dos recursos repassados, especialmente as mais pobres. Dias depois, o governo se reuniu com os mandatários locais, quando prometeu conversar e ouvi-los durante a elaboração de seu plano econômico. O diálogo durou poucos dias.

A coparticipação historicamente já é alvo de um embate na Argentina. Pela regra, o governo nacional concentra a arrecadação de todas as províncias e depois as distribui de acordo com uma porcentagem definida por lei. “Fiscalmente, as províncias dependem muito do governo nacional”, explica o cientista político do Observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires (UBA) Facundo Cruz. O embate, geralmente, gira em torno do quanto é justa essa distribuição.

“A tensão hoje é mais que nada uma discussão por recursos, e, sobretudo, por quem paga os custos e quem recebe os benefícios. A estratégia do governo Javier Milei e do A Liberdade Avança (LLA, seu partido) desde o início foi reter os benefícios no governo nacional e transportar os custos, tanto em termos políticos, como sociais, como econômicos, às províncias. E é aí que se está dando essa tensão com vários governadores”, completa.

Foto divulgada pela agência estatal Telam mostra barcos pesqueiros de Rawson protestando contra Javier Milei em Chubut em 26 de fevereiro  Foto: MAXI JONAS/AFP

Um jogo arriscado

O jogo, porém, é extremamente arriscado, já que Milei não tem base própria de apoio. Dos 257 assentos no Congresso, seu partido tem apenas 38. Das 24 províncias do país, o LLA elegeu zero governadores. Esses dados faz de seu governo altamente depende da aliança fina que costurou com o Juntos pela Mudança, coalizão que reúne todos os governadores com quem agora está guerra.

Na Argentina, os governadores, bem como os prefeitos e demais políticos locais, tem muita força política e costumam aproveitar de maior popularidade que o governo nacional.

“O ponto de partida para entender tudo isso é saber que os governadores na Argentina têm autonomia política plena, autonomia administrativa restrita e autonomia financeira limitada, bastante limitada”, afirma Cruz. Por autonomia política, o analista se refere a poder de verdadeiramente mudar as regras do jogo, inclusive eleitorais. Governadores tem o poder de definir datas e formatos das eleições locais - de forma que lhes convenha, inclusive - e construir alianças.

Já Milei, que foi eleito em meio ao agravamento da histórica crise econômica argentina, conta com uma paciência popular muito curta, que já deu seus primeiros sinais de esgotamento.

“Na Argentina, se é algo é certo, é que um presidente não pode governar o país sem governadores que o acompanhem. E, até hoje, desde o começo do seu mandato, o A Liberdade Avança conta com zero de 24 governadores.”

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