Argentinos falam o que esperam de Javier Milei e quais os maiores desafios do país; veja


Novo presidente assume em 10 de dezembro com uma grande lista de tarefas para os próximos meses, sendo a economia a sua maior dor de cabeça

Por Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A partir do momento que Javier Milei tomar posse como presidente da Argentina em 10 de dezembro, assumirá uma lista longa de desafios a enfrentar. A economia é de longe o mais complexo deles, embora o libertário reivindique a área como sua especialidade, já que é formado em Economia. Mas temas como segurança, emprego e polarização também preocupam os argentinos. E outros mais complexos, como governabilidade, preocupam políticos e analistas.

Em uma conversa rápida com argentinos sobre suas esperanças para o futuro, logo se encontra o consenso: todos querem a melhora econômica. O país enfrenta uma inflação de 142% nos últimos 12 meses, o que tem consumido cada dia mais os salários dos argentinos. As taxas de pobreza continuam em disparada, principalmente entre crianças e adolescentes, ceifando o futuro de uma geração inteira. Quem pode, vai embora.

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Ibeth Tejena, 32, é uma equatoriana que chegou na Argentina há 8 anos em busca de uma melhora de vida. Mas o que tem encontrado nos últimos anos é um piora cada vez mais palpável de seu poder de compra. “Cada dia mais gente se torna pobre por causa da desvalorização do salário, que vai embora voando, escorre pelos dedos”, lamenta.

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, segura um cartaz em formato de nota de dólar Foto: Nicolas Aguilera/AP

Das prioridades que elenca para o novo presidente, a economia é a número um. ”O que espero de todo coração é poder construir um futuro aqui e ficar tranquila de que meu salário de hoje vai chegar até amanhã e me vai servir no futuro”, conclui.

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Para outros, a solução econômica é uma questão tão óbvia que preferem mencionar outros temas. “Esperamos [que o novo presidente] mude a economia para melhor, a segurança para melhor, a educação para melhor e que a Argentina de uma vez por todas decole, que haja um futuro melhor para as próximas gerações”, deseja o argentino Oscar Tocino, 51.

Crise galopante

O que Javier Milei vai fazer com a economia é a grande expectativa. Não à toa, o nome do futuro ministro da Economia é o mais aguardado, e é justamente o que Milei mantém a sete-chaves porque teme um “boicote” dos peronistas. Mas para conquistar a confiança de investidores e acalmar a ansiedade dos argentinos, o presidente eleito precisa dar sinais do que de fato irá fazer de suas promessas econômicas e quando deve começar.

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Ibeth Tejena, 32, espera ver o salário ao menos chegar ao fim do mês com uma melhora econômica Foto: Carolina Marins/Estadão

A grande promessa econômica de Javier Milei durante a campanha era a dolarização. Plano este que reforçou após ser eleito e deve ocorrer em um futuro médio. Mas antes da controvertida proposta - controvertida já que o país não conta com dólares o suficiente em circulação -, há outros ajustes econômicos que precisam ser feitos.

“A liberação da taxa de câmbio, desmantelar as Leliqs e o equilíbrio fiscal são os principais desafios econômicos para os próximos meses e terão de ser resolvidos com políticas de choque porque não há tempo para gradualismo”, explica o economista da Universidade Católica Argentina Juan Carlos Rosiello.

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Atualmente a Argentina conta com mais de um tipo de câmbio, para o turismo (dólar Blue), para a exportação (dólar MEP) e até para os shows (dólar Coldplay). Isto porque, em uma tentativa de conter uma desvalorização impopular da moeda, o governo de Alberto Fernández manteve o preço do peso artificialmente mais baixo, enquanto os custos reais das compras faziam surgir estes câmbios paralelos.

O Blue é, no fim, o câmbio mais utilizado e um “oficial não-oficial”. O que se espera nos próximos meses, e essa é uma exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI) para liberar mais dinheiro, é corrigir essa distorção, o que deve provocar um novo choque de preços.

Já as Leliqs são títulos da dívida do Banco Central argentino que existem para tentar conter a inflação causada pela emissão de pesos.

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Em suas primeiras entrevistas na terça-feira, 21, o presidente eleito prometeu que seguirá com as medidas e por meio de uma política de choque. “Vou fazer um ajuste de choque. 2024 tem que terminar com equilíbrio fiscal”, disse. Ele promete parar com obras públicas e cortar os gastos estatais em até 15 pontos percentuais do PIB. Atualmente a Argentina gasta 42% de seu PIB com despesas públicas.

O choque, afirma Rosiello, é essencial para garantir a confiança de investidores externos e até dos próprios argentinos, que fazem estoque de dólares em casa com medo de um novo corralito (crise de 2001, semelhante ao confisco de poupanças vivido pelo Brasil na época de Fernando Collor e no Equador, no começo dos anos 2000). Essa confiança será essencial para seu plano de dolarização avançar, já que só assim, argentinos e empresas farão circular a moeda, já que no Banco Central as reservas estão no vermelho.

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O problema, é que Milei já adiantou que antes de qualquer suposta melhora haverá uma piora, e o futuro no curto prazo continua sombrio. “Tempos difíceis estão chegando”, alertou, projetando que uma melhora inflacionária só ocorreria em um prazo de dois anos.

Imagem mostra os diferentes valores de cambio em uma loja em Buenos Aires em 21 de novembro Foto: JUAN MABROMATA/AFP

Governabilidade

A dúvida é se Javier Milei de fato poderá levar adiante suas promessas, já que grande parte delas requer apoio do Congresso, onde sua coalizão, A Liberdade Avança, está longe de ter uma maioria. Esse é o outro grande desafio do novo presidente. Construir acordos com os políticos que chamou durante a campanha inteira de “casta”.

Além disso, a coalizão libertária é recém-nascida, tendo tanto tempo de vida na política quanto o próprio Milei. A Liberdade Avança surgiu em 2021 para as eleições legislativas e não conta com grandes lideranças. Nessas eleições gerais, não elegeu governadores e, embora tenha elevado suas cadeiras no Congresso de 3 para 38, o número é longe de ser suficiente para avançar projetos.

Neste sentido, o papel de Mauricio Macri será essencial. O ex-presidente declarou apoio a Milei no segundo turno e deixou a disposição do libertário todo o aparato de seu partido, o Proposta Republicana, para ajudá-lo a ser eleito. A ajuda surtiu efeito, já que Milei conseguiu praticamente dobrar o número de fiscais nas eleições.

Oscar Tocino, 51, espera uma melhora econômica, na segurança e educação Foto: Carolina Marins/Estadão

Poucas horas depois de eleito, Milei se sentou com Macri e com Patricia Bullrich para as primeiras conversas. Todos se recusam a comentar o tom das discussões e se haveria conversas sobre cargos. Mas nos bastidores se fala em disputas entre os libertários e os macristas sobre alguns cargos, como a chancelaria.

A sua capacidade de ter um governo funcional também será crucial para conquistar confiança já nos primeiros meses. Especialmente porque se sabe que, do outro lado, o peronismo prepara terreno para uma oposição barulhenta, com um futuro de greves, protestos e boicotes.

Emprego e moradia

Dois temas que são efeitos colaterais da alta inflação têm tirado o sono dos argentinos. As taxas de desemprego na Argentina seguem relativamente baixas, em torno de 7%. Mas com 140% de variação de preços, os salários já não são suficientes, muitos empregos não são atrativos e há um contingente não contabilizado de argentinos que trabalha na informalidade ou em mais de um emprego.

Por outro lado, a taxa de desemprego triplica quando observada em jovens, inclusive aqueles formados. O desencanto com a falta de oportunidades foi uma das explicações para a popularidade tão expressiva de Milei entre os jovens que só sabem o que é viver em crise econômica.

O outro lado dessa moeda é uma fuga da juventude para outros países, como Espanha e Brasil. O governo argentino não tem números por idade e motivações para a emigração. Mas um levantamento do jornal La Nación com base em dados de migração durante a covid-19 mostrou que os jovens que têm por volta de 30 anos são os que mais deixam o país. Por causa da pandemia, era preciso preencher um formulário mais detalhado de migração, criando finalmente uma base de dados com faixa etária e motivações.

Uma pesquisa feita pelo Observatório de Psicologia Social Aplicada (OPSA) da Faculdade de Psicologia da UBA no início deste ano mostrou que cinco em cada 10 pessoas querem emigrar da Argentina. A taxa salta para 70% entre os jovens de 18 e 29 anos.

O futuro de seus dois filhos foi o que motivou a agente administrativa de Salta Andrea Zintgraff, 36, a votar em Milei. Ela teme que eles precisem ir embora do país quando crescerem por não encontrarem mais oportunidades. “Eu quero que, se eles forem para outro país, seja porque escolheram e não porque foram obrigados”, afirma.

Vista aérea da favela Padre Mujica em Buenos Aires, em 27 de setembro Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Além do emprego, um aumento exponencial dos aluguéis tem custado ainda mais aos argentinos. Com a oscilação dos preços, os proprietários têm dificuldade de fixar um valor de aluguel, preferindo os aluguéis de temporada. A inflação também torna mais atrativo cobrar em dólar, tornando o acesso ainda mais limitado a classes mais baixas. Toda essa situação tem criado uma crise imobiliária que parece de difícil solução.

“O problema da habitação não é apenas local, mas está relacionado com plataformas virtuais de locação como o Airbnb nas grandes cidades. Soma-se a isso a falta de segurança jurídica para despejar um inquilino que não paga e a lei do arrendamento que não permite a livre fixação de preços e o reajuste periódico das rendas num ambiente de inflação muito elevada”, explica Rosiello.

Segurança

Depois da Economia, a segurança é o segundo tema mais mencionado pelos argentinos. Embora os dados oficiais de criminalidade mostrem uma queda nas taxas de homicídios na última década, entre os argentinos existe uma sensação de insegurança crescente, principalmente nos moradores da Grande Buenos Aires e algumas províncias do interior.

A cidade de Rosário, na província de Santa Fé, se tornou central nos temas de segurança e virou um dos focos das campanhas presidenciais. Cidade natal do campeão mundial Lionel Messi, Rosário vive uma onda de violência exacerbada por conflito entre facções criminosas que disputam o território que serve como rota de droga.

A segurança não é o mote de Milei, como foi da sua então adversária Patricia Bullrich, que já foi ministra de Segurança. Mas ele reivindica uma postura “linha-dura” e promete “acabar com a impunidade”. A suposta participação de Bullrich no governo - se não ela própria, nomes indicados por ela - promete avançar a agenda de segurança neste sentido.

Além disso, a vice-presidente eleita, Victoria Villarruel já reivindicou para si a missão de cuidar da segurança. A substituta de Cristina Kirchner como número dois do governo e presidente do Senado também terá sob o seu guarda-chuva a pasta de Segurança e Defesa, segundo determinou o próprio Milei. Villarruel é filha de militar e defende uma reavaliação da contagem de vítimas da ditadura militar argentina.

Javier Milei e a vice-presidente eleita, Victoria Villarruel Foto: Natacha Pisarenko/AP

Polarização

A sociedade argentina foi há anos dividida entre peronistas e anti-peronistas, mas o nível de polarização atual preocupa os argentinos. A disputa acalorada entre Milei e Sergio Massa acendeu os ânimos em questões caras aos argentinos, como democracia, revisionismo da ditadura militar, direitos fundamentais e a guerra das Malvinas. O próprio movimento libertário de Javier Milei já é considerado uma nova divisão na sociedade.

As campanhas de medo que se jogaram nestas eleições deixaram uma parte considerável do eleitorado hostil ao adversário, e neste cenário Milei buscou falar no discurso de vitória em “governar para todos os argentinos.”

“A sociedade e o país inteiro está muito polarizado e por isso que, além de que haja uma melhora da economia que afeta a todos nós, esperamos que termine um pouco esse clima de divisão e de violência que também há em certo ponto, que tem a ver com nossos enfrentamentos por ideologias políticas”, deseja a moradora de Buenos Aires Carolina Castillo, 37.

“E claro, que também sigam mantendo nossos direitos que adquirimos ao longo de nossa história como país democrático”, completa.

Paulina Rodriguez, 55, espera trabalho, confiança e paz social do novo presidente argentino Foto: Carolina Marins/Estadão

É um desejo compartilhado por Paulina Rodríguez, 55. “Espero que [o novo presidente] possa cumprir os nossos direitos acima de tudo. Que haja democracia, haja paz social, trabalho e oportunidade para todos, os ricos, os pobres, as classes médias. E que todos possamos progredir, cada qual de seu lugar. É isso que espero do nosso novo presidente: trabalho, confiança e muita paz social”.

Em meio a esta polarização também está um forte sentimento de cansaço com a política tradicional, cansaço esse que catapultou Milei com seu discurso da “casta”. Depois de ter desacreditado toda a política e, agora, tendo que construir consensos, Milei terá o desafio de reconstruir essa confiança nos políticos.

O florista Alfredo Gonzalez, 62, diz que já desistiu de acreditar nos políticos tradicionais. “Eu só quero que o presidente não nos roubem”, fala com desesperança; “E não só ele. Os ministros e todo o seu gabinete. São muitos anos que já perdemos a esperança. Temos que seguir trabalhando”.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A partir do momento que Javier Milei tomar posse como presidente da Argentina em 10 de dezembro, assumirá uma lista longa de desafios a enfrentar. A economia é de longe o mais complexo deles, embora o libertário reivindique a área como sua especialidade, já que é formado em Economia. Mas temas como segurança, emprego e polarização também preocupam os argentinos. E outros mais complexos, como governabilidade, preocupam políticos e analistas.

Em uma conversa rápida com argentinos sobre suas esperanças para o futuro, logo se encontra o consenso: todos querem a melhora econômica. O país enfrenta uma inflação de 142% nos últimos 12 meses, o que tem consumido cada dia mais os salários dos argentinos. As taxas de pobreza continuam em disparada, principalmente entre crianças e adolescentes, ceifando o futuro de uma geração inteira. Quem pode, vai embora.

Ibeth Tejena, 32, é uma equatoriana que chegou na Argentina há 8 anos em busca de uma melhora de vida. Mas o que tem encontrado nos últimos anos é um piora cada vez mais palpável de seu poder de compra. “Cada dia mais gente se torna pobre por causa da desvalorização do salário, que vai embora voando, escorre pelos dedos”, lamenta.

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, segura um cartaz em formato de nota de dólar Foto: Nicolas Aguilera/AP

Das prioridades que elenca para o novo presidente, a economia é a número um. ”O que espero de todo coração é poder construir um futuro aqui e ficar tranquila de que meu salário de hoje vai chegar até amanhã e me vai servir no futuro”, conclui.

Para outros, a solução econômica é uma questão tão óbvia que preferem mencionar outros temas. “Esperamos [que o novo presidente] mude a economia para melhor, a segurança para melhor, a educação para melhor e que a Argentina de uma vez por todas decole, que haja um futuro melhor para as próximas gerações”, deseja o argentino Oscar Tocino, 51.

Crise galopante

O que Javier Milei vai fazer com a economia é a grande expectativa. Não à toa, o nome do futuro ministro da Economia é o mais aguardado, e é justamente o que Milei mantém a sete-chaves porque teme um “boicote” dos peronistas. Mas para conquistar a confiança de investidores e acalmar a ansiedade dos argentinos, o presidente eleito precisa dar sinais do que de fato irá fazer de suas promessas econômicas e quando deve começar.

Ibeth Tejena, 32, espera ver o salário ao menos chegar ao fim do mês com uma melhora econômica Foto: Carolina Marins/Estadão

A grande promessa econômica de Javier Milei durante a campanha era a dolarização. Plano este que reforçou após ser eleito e deve ocorrer em um futuro médio. Mas antes da controvertida proposta - controvertida já que o país não conta com dólares o suficiente em circulação -, há outros ajustes econômicos que precisam ser feitos.

“A liberação da taxa de câmbio, desmantelar as Leliqs e o equilíbrio fiscal são os principais desafios econômicos para os próximos meses e terão de ser resolvidos com políticas de choque porque não há tempo para gradualismo”, explica o economista da Universidade Católica Argentina Juan Carlos Rosiello.

Atualmente a Argentina conta com mais de um tipo de câmbio, para o turismo (dólar Blue), para a exportação (dólar MEP) e até para os shows (dólar Coldplay). Isto porque, em uma tentativa de conter uma desvalorização impopular da moeda, o governo de Alberto Fernández manteve o preço do peso artificialmente mais baixo, enquanto os custos reais das compras faziam surgir estes câmbios paralelos.

O Blue é, no fim, o câmbio mais utilizado e um “oficial não-oficial”. O que se espera nos próximos meses, e essa é uma exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI) para liberar mais dinheiro, é corrigir essa distorção, o que deve provocar um novo choque de preços.

Já as Leliqs são títulos da dívida do Banco Central argentino que existem para tentar conter a inflação causada pela emissão de pesos.

Em suas primeiras entrevistas na terça-feira, 21, o presidente eleito prometeu que seguirá com as medidas e por meio de uma política de choque. “Vou fazer um ajuste de choque. 2024 tem que terminar com equilíbrio fiscal”, disse. Ele promete parar com obras públicas e cortar os gastos estatais em até 15 pontos percentuais do PIB. Atualmente a Argentina gasta 42% de seu PIB com despesas públicas.

O choque, afirma Rosiello, é essencial para garantir a confiança de investidores externos e até dos próprios argentinos, que fazem estoque de dólares em casa com medo de um novo corralito (crise de 2001, semelhante ao confisco de poupanças vivido pelo Brasil na época de Fernando Collor e no Equador, no começo dos anos 2000). Essa confiança será essencial para seu plano de dolarização avançar, já que só assim, argentinos e empresas farão circular a moeda, já que no Banco Central as reservas estão no vermelho.

O problema, é que Milei já adiantou que antes de qualquer suposta melhora haverá uma piora, e o futuro no curto prazo continua sombrio. “Tempos difíceis estão chegando”, alertou, projetando que uma melhora inflacionária só ocorreria em um prazo de dois anos.

Imagem mostra os diferentes valores de cambio em uma loja em Buenos Aires em 21 de novembro Foto: JUAN MABROMATA/AFP

Governabilidade

A dúvida é se Javier Milei de fato poderá levar adiante suas promessas, já que grande parte delas requer apoio do Congresso, onde sua coalizão, A Liberdade Avança, está longe de ter uma maioria. Esse é o outro grande desafio do novo presidente. Construir acordos com os políticos que chamou durante a campanha inteira de “casta”.

Além disso, a coalizão libertária é recém-nascida, tendo tanto tempo de vida na política quanto o próprio Milei. A Liberdade Avança surgiu em 2021 para as eleições legislativas e não conta com grandes lideranças. Nessas eleições gerais, não elegeu governadores e, embora tenha elevado suas cadeiras no Congresso de 3 para 38, o número é longe de ser suficiente para avançar projetos.

Neste sentido, o papel de Mauricio Macri será essencial. O ex-presidente declarou apoio a Milei no segundo turno e deixou a disposição do libertário todo o aparato de seu partido, o Proposta Republicana, para ajudá-lo a ser eleito. A ajuda surtiu efeito, já que Milei conseguiu praticamente dobrar o número de fiscais nas eleições.

Oscar Tocino, 51, espera uma melhora econômica, na segurança e educação Foto: Carolina Marins/Estadão

Poucas horas depois de eleito, Milei se sentou com Macri e com Patricia Bullrich para as primeiras conversas. Todos se recusam a comentar o tom das discussões e se haveria conversas sobre cargos. Mas nos bastidores se fala em disputas entre os libertários e os macristas sobre alguns cargos, como a chancelaria.

A sua capacidade de ter um governo funcional também será crucial para conquistar confiança já nos primeiros meses. Especialmente porque se sabe que, do outro lado, o peronismo prepara terreno para uma oposição barulhenta, com um futuro de greves, protestos e boicotes.

Emprego e moradia

Dois temas que são efeitos colaterais da alta inflação têm tirado o sono dos argentinos. As taxas de desemprego na Argentina seguem relativamente baixas, em torno de 7%. Mas com 140% de variação de preços, os salários já não são suficientes, muitos empregos não são atrativos e há um contingente não contabilizado de argentinos que trabalha na informalidade ou em mais de um emprego.

Por outro lado, a taxa de desemprego triplica quando observada em jovens, inclusive aqueles formados. O desencanto com a falta de oportunidades foi uma das explicações para a popularidade tão expressiva de Milei entre os jovens que só sabem o que é viver em crise econômica.

O outro lado dessa moeda é uma fuga da juventude para outros países, como Espanha e Brasil. O governo argentino não tem números por idade e motivações para a emigração. Mas um levantamento do jornal La Nación com base em dados de migração durante a covid-19 mostrou que os jovens que têm por volta de 30 anos são os que mais deixam o país. Por causa da pandemia, era preciso preencher um formulário mais detalhado de migração, criando finalmente uma base de dados com faixa etária e motivações.

Uma pesquisa feita pelo Observatório de Psicologia Social Aplicada (OPSA) da Faculdade de Psicologia da UBA no início deste ano mostrou que cinco em cada 10 pessoas querem emigrar da Argentina. A taxa salta para 70% entre os jovens de 18 e 29 anos.

O futuro de seus dois filhos foi o que motivou a agente administrativa de Salta Andrea Zintgraff, 36, a votar em Milei. Ela teme que eles precisem ir embora do país quando crescerem por não encontrarem mais oportunidades. “Eu quero que, se eles forem para outro país, seja porque escolheram e não porque foram obrigados”, afirma.

Vista aérea da favela Padre Mujica em Buenos Aires, em 27 de setembro Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Além do emprego, um aumento exponencial dos aluguéis tem custado ainda mais aos argentinos. Com a oscilação dos preços, os proprietários têm dificuldade de fixar um valor de aluguel, preferindo os aluguéis de temporada. A inflação também torna mais atrativo cobrar em dólar, tornando o acesso ainda mais limitado a classes mais baixas. Toda essa situação tem criado uma crise imobiliária que parece de difícil solução.

“O problema da habitação não é apenas local, mas está relacionado com plataformas virtuais de locação como o Airbnb nas grandes cidades. Soma-se a isso a falta de segurança jurídica para despejar um inquilino que não paga e a lei do arrendamento que não permite a livre fixação de preços e o reajuste periódico das rendas num ambiente de inflação muito elevada”, explica Rosiello.

Segurança

Depois da Economia, a segurança é o segundo tema mais mencionado pelos argentinos. Embora os dados oficiais de criminalidade mostrem uma queda nas taxas de homicídios na última década, entre os argentinos existe uma sensação de insegurança crescente, principalmente nos moradores da Grande Buenos Aires e algumas províncias do interior.

A cidade de Rosário, na província de Santa Fé, se tornou central nos temas de segurança e virou um dos focos das campanhas presidenciais. Cidade natal do campeão mundial Lionel Messi, Rosário vive uma onda de violência exacerbada por conflito entre facções criminosas que disputam o território que serve como rota de droga.

A segurança não é o mote de Milei, como foi da sua então adversária Patricia Bullrich, que já foi ministra de Segurança. Mas ele reivindica uma postura “linha-dura” e promete “acabar com a impunidade”. A suposta participação de Bullrich no governo - se não ela própria, nomes indicados por ela - promete avançar a agenda de segurança neste sentido.

Além disso, a vice-presidente eleita, Victoria Villarruel já reivindicou para si a missão de cuidar da segurança. A substituta de Cristina Kirchner como número dois do governo e presidente do Senado também terá sob o seu guarda-chuva a pasta de Segurança e Defesa, segundo determinou o próprio Milei. Villarruel é filha de militar e defende uma reavaliação da contagem de vítimas da ditadura militar argentina.

Javier Milei e a vice-presidente eleita, Victoria Villarruel Foto: Natacha Pisarenko/AP

Polarização

A sociedade argentina foi há anos dividida entre peronistas e anti-peronistas, mas o nível de polarização atual preocupa os argentinos. A disputa acalorada entre Milei e Sergio Massa acendeu os ânimos em questões caras aos argentinos, como democracia, revisionismo da ditadura militar, direitos fundamentais e a guerra das Malvinas. O próprio movimento libertário de Javier Milei já é considerado uma nova divisão na sociedade.

As campanhas de medo que se jogaram nestas eleições deixaram uma parte considerável do eleitorado hostil ao adversário, e neste cenário Milei buscou falar no discurso de vitória em “governar para todos os argentinos.”

“A sociedade e o país inteiro está muito polarizado e por isso que, além de que haja uma melhora da economia que afeta a todos nós, esperamos que termine um pouco esse clima de divisão e de violência que também há em certo ponto, que tem a ver com nossos enfrentamentos por ideologias políticas”, deseja a moradora de Buenos Aires Carolina Castillo, 37.

“E claro, que também sigam mantendo nossos direitos que adquirimos ao longo de nossa história como país democrático”, completa.

Paulina Rodriguez, 55, espera trabalho, confiança e paz social do novo presidente argentino Foto: Carolina Marins/Estadão

É um desejo compartilhado por Paulina Rodríguez, 55. “Espero que [o novo presidente] possa cumprir os nossos direitos acima de tudo. Que haja democracia, haja paz social, trabalho e oportunidade para todos, os ricos, os pobres, as classes médias. E que todos possamos progredir, cada qual de seu lugar. É isso que espero do nosso novo presidente: trabalho, confiança e muita paz social”.

Em meio a esta polarização também está um forte sentimento de cansaço com a política tradicional, cansaço esse que catapultou Milei com seu discurso da “casta”. Depois de ter desacreditado toda a política e, agora, tendo que construir consensos, Milei terá o desafio de reconstruir essa confiança nos políticos.

O florista Alfredo Gonzalez, 62, diz que já desistiu de acreditar nos políticos tradicionais. “Eu só quero que o presidente não nos roubem”, fala com desesperança; “E não só ele. Os ministros e todo o seu gabinete. São muitos anos que já perdemos a esperança. Temos que seguir trabalhando”.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A partir do momento que Javier Milei tomar posse como presidente da Argentina em 10 de dezembro, assumirá uma lista longa de desafios a enfrentar. A economia é de longe o mais complexo deles, embora o libertário reivindique a área como sua especialidade, já que é formado em Economia. Mas temas como segurança, emprego e polarização também preocupam os argentinos. E outros mais complexos, como governabilidade, preocupam políticos e analistas.

Em uma conversa rápida com argentinos sobre suas esperanças para o futuro, logo se encontra o consenso: todos querem a melhora econômica. O país enfrenta uma inflação de 142% nos últimos 12 meses, o que tem consumido cada dia mais os salários dos argentinos. As taxas de pobreza continuam em disparada, principalmente entre crianças e adolescentes, ceifando o futuro de uma geração inteira. Quem pode, vai embora.

Ibeth Tejena, 32, é uma equatoriana que chegou na Argentina há 8 anos em busca de uma melhora de vida. Mas o que tem encontrado nos últimos anos é um piora cada vez mais palpável de seu poder de compra. “Cada dia mais gente se torna pobre por causa da desvalorização do salário, que vai embora voando, escorre pelos dedos”, lamenta.

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, segura um cartaz em formato de nota de dólar Foto: Nicolas Aguilera/AP

Das prioridades que elenca para o novo presidente, a economia é a número um. ”O que espero de todo coração é poder construir um futuro aqui e ficar tranquila de que meu salário de hoje vai chegar até amanhã e me vai servir no futuro”, conclui.

Para outros, a solução econômica é uma questão tão óbvia que preferem mencionar outros temas. “Esperamos [que o novo presidente] mude a economia para melhor, a segurança para melhor, a educação para melhor e que a Argentina de uma vez por todas decole, que haja um futuro melhor para as próximas gerações”, deseja o argentino Oscar Tocino, 51.

Crise galopante

O que Javier Milei vai fazer com a economia é a grande expectativa. Não à toa, o nome do futuro ministro da Economia é o mais aguardado, e é justamente o que Milei mantém a sete-chaves porque teme um “boicote” dos peronistas. Mas para conquistar a confiança de investidores e acalmar a ansiedade dos argentinos, o presidente eleito precisa dar sinais do que de fato irá fazer de suas promessas econômicas e quando deve começar.

Ibeth Tejena, 32, espera ver o salário ao menos chegar ao fim do mês com uma melhora econômica Foto: Carolina Marins/Estadão

A grande promessa econômica de Javier Milei durante a campanha era a dolarização. Plano este que reforçou após ser eleito e deve ocorrer em um futuro médio. Mas antes da controvertida proposta - controvertida já que o país não conta com dólares o suficiente em circulação -, há outros ajustes econômicos que precisam ser feitos.

“A liberação da taxa de câmbio, desmantelar as Leliqs e o equilíbrio fiscal são os principais desafios econômicos para os próximos meses e terão de ser resolvidos com políticas de choque porque não há tempo para gradualismo”, explica o economista da Universidade Católica Argentina Juan Carlos Rosiello.

Atualmente a Argentina conta com mais de um tipo de câmbio, para o turismo (dólar Blue), para a exportação (dólar MEP) e até para os shows (dólar Coldplay). Isto porque, em uma tentativa de conter uma desvalorização impopular da moeda, o governo de Alberto Fernández manteve o preço do peso artificialmente mais baixo, enquanto os custos reais das compras faziam surgir estes câmbios paralelos.

O Blue é, no fim, o câmbio mais utilizado e um “oficial não-oficial”. O que se espera nos próximos meses, e essa é uma exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI) para liberar mais dinheiro, é corrigir essa distorção, o que deve provocar um novo choque de preços.

Já as Leliqs são títulos da dívida do Banco Central argentino que existem para tentar conter a inflação causada pela emissão de pesos.

Em suas primeiras entrevistas na terça-feira, 21, o presidente eleito prometeu que seguirá com as medidas e por meio de uma política de choque. “Vou fazer um ajuste de choque. 2024 tem que terminar com equilíbrio fiscal”, disse. Ele promete parar com obras públicas e cortar os gastos estatais em até 15 pontos percentuais do PIB. Atualmente a Argentina gasta 42% de seu PIB com despesas públicas.

O choque, afirma Rosiello, é essencial para garantir a confiança de investidores externos e até dos próprios argentinos, que fazem estoque de dólares em casa com medo de um novo corralito (crise de 2001, semelhante ao confisco de poupanças vivido pelo Brasil na época de Fernando Collor e no Equador, no começo dos anos 2000). Essa confiança será essencial para seu plano de dolarização avançar, já que só assim, argentinos e empresas farão circular a moeda, já que no Banco Central as reservas estão no vermelho.

O problema, é que Milei já adiantou que antes de qualquer suposta melhora haverá uma piora, e o futuro no curto prazo continua sombrio. “Tempos difíceis estão chegando”, alertou, projetando que uma melhora inflacionária só ocorreria em um prazo de dois anos.

Imagem mostra os diferentes valores de cambio em uma loja em Buenos Aires em 21 de novembro Foto: JUAN MABROMATA/AFP

Governabilidade

A dúvida é se Javier Milei de fato poderá levar adiante suas promessas, já que grande parte delas requer apoio do Congresso, onde sua coalizão, A Liberdade Avança, está longe de ter uma maioria. Esse é o outro grande desafio do novo presidente. Construir acordos com os políticos que chamou durante a campanha inteira de “casta”.

Além disso, a coalizão libertária é recém-nascida, tendo tanto tempo de vida na política quanto o próprio Milei. A Liberdade Avança surgiu em 2021 para as eleições legislativas e não conta com grandes lideranças. Nessas eleições gerais, não elegeu governadores e, embora tenha elevado suas cadeiras no Congresso de 3 para 38, o número é longe de ser suficiente para avançar projetos.

Neste sentido, o papel de Mauricio Macri será essencial. O ex-presidente declarou apoio a Milei no segundo turno e deixou a disposição do libertário todo o aparato de seu partido, o Proposta Republicana, para ajudá-lo a ser eleito. A ajuda surtiu efeito, já que Milei conseguiu praticamente dobrar o número de fiscais nas eleições.

Oscar Tocino, 51, espera uma melhora econômica, na segurança e educação Foto: Carolina Marins/Estadão

Poucas horas depois de eleito, Milei se sentou com Macri e com Patricia Bullrich para as primeiras conversas. Todos se recusam a comentar o tom das discussões e se haveria conversas sobre cargos. Mas nos bastidores se fala em disputas entre os libertários e os macristas sobre alguns cargos, como a chancelaria.

A sua capacidade de ter um governo funcional também será crucial para conquistar confiança já nos primeiros meses. Especialmente porque se sabe que, do outro lado, o peronismo prepara terreno para uma oposição barulhenta, com um futuro de greves, protestos e boicotes.

Emprego e moradia

Dois temas que são efeitos colaterais da alta inflação têm tirado o sono dos argentinos. As taxas de desemprego na Argentina seguem relativamente baixas, em torno de 7%. Mas com 140% de variação de preços, os salários já não são suficientes, muitos empregos não são atrativos e há um contingente não contabilizado de argentinos que trabalha na informalidade ou em mais de um emprego.

Por outro lado, a taxa de desemprego triplica quando observada em jovens, inclusive aqueles formados. O desencanto com a falta de oportunidades foi uma das explicações para a popularidade tão expressiva de Milei entre os jovens que só sabem o que é viver em crise econômica.

O outro lado dessa moeda é uma fuga da juventude para outros países, como Espanha e Brasil. O governo argentino não tem números por idade e motivações para a emigração. Mas um levantamento do jornal La Nación com base em dados de migração durante a covid-19 mostrou que os jovens que têm por volta de 30 anos são os que mais deixam o país. Por causa da pandemia, era preciso preencher um formulário mais detalhado de migração, criando finalmente uma base de dados com faixa etária e motivações.

Uma pesquisa feita pelo Observatório de Psicologia Social Aplicada (OPSA) da Faculdade de Psicologia da UBA no início deste ano mostrou que cinco em cada 10 pessoas querem emigrar da Argentina. A taxa salta para 70% entre os jovens de 18 e 29 anos.

O futuro de seus dois filhos foi o que motivou a agente administrativa de Salta Andrea Zintgraff, 36, a votar em Milei. Ela teme que eles precisem ir embora do país quando crescerem por não encontrarem mais oportunidades. “Eu quero que, se eles forem para outro país, seja porque escolheram e não porque foram obrigados”, afirma.

Vista aérea da favela Padre Mujica em Buenos Aires, em 27 de setembro Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Além do emprego, um aumento exponencial dos aluguéis tem custado ainda mais aos argentinos. Com a oscilação dos preços, os proprietários têm dificuldade de fixar um valor de aluguel, preferindo os aluguéis de temporada. A inflação também torna mais atrativo cobrar em dólar, tornando o acesso ainda mais limitado a classes mais baixas. Toda essa situação tem criado uma crise imobiliária que parece de difícil solução.

“O problema da habitação não é apenas local, mas está relacionado com plataformas virtuais de locação como o Airbnb nas grandes cidades. Soma-se a isso a falta de segurança jurídica para despejar um inquilino que não paga e a lei do arrendamento que não permite a livre fixação de preços e o reajuste periódico das rendas num ambiente de inflação muito elevada”, explica Rosiello.

Segurança

Depois da Economia, a segurança é o segundo tema mais mencionado pelos argentinos. Embora os dados oficiais de criminalidade mostrem uma queda nas taxas de homicídios na última década, entre os argentinos existe uma sensação de insegurança crescente, principalmente nos moradores da Grande Buenos Aires e algumas províncias do interior.

A cidade de Rosário, na província de Santa Fé, se tornou central nos temas de segurança e virou um dos focos das campanhas presidenciais. Cidade natal do campeão mundial Lionel Messi, Rosário vive uma onda de violência exacerbada por conflito entre facções criminosas que disputam o território que serve como rota de droga.

A segurança não é o mote de Milei, como foi da sua então adversária Patricia Bullrich, que já foi ministra de Segurança. Mas ele reivindica uma postura “linha-dura” e promete “acabar com a impunidade”. A suposta participação de Bullrich no governo - se não ela própria, nomes indicados por ela - promete avançar a agenda de segurança neste sentido.

Além disso, a vice-presidente eleita, Victoria Villarruel já reivindicou para si a missão de cuidar da segurança. A substituta de Cristina Kirchner como número dois do governo e presidente do Senado também terá sob o seu guarda-chuva a pasta de Segurança e Defesa, segundo determinou o próprio Milei. Villarruel é filha de militar e defende uma reavaliação da contagem de vítimas da ditadura militar argentina.

Javier Milei e a vice-presidente eleita, Victoria Villarruel Foto: Natacha Pisarenko/AP

Polarização

A sociedade argentina foi há anos dividida entre peronistas e anti-peronistas, mas o nível de polarização atual preocupa os argentinos. A disputa acalorada entre Milei e Sergio Massa acendeu os ânimos em questões caras aos argentinos, como democracia, revisionismo da ditadura militar, direitos fundamentais e a guerra das Malvinas. O próprio movimento libertário de Javier Milei já é considerado uma nova divisão na sociedade.

As campanhas de medo que se jogaram nestas eleições deixaram uma parte considerável do eleitorado hostil ao adversário, e neste cenário Milei buscou falar no discurso de vitória em “governar para todos os argentinos.”

“A sociedade e o país inteiro está muito polarizado e por isso que, além de que haja uma melhora da economia que afeta a todos nós, esperamos que termine um pouco esse clima de divisão e de violência que também há em certo ponto, que tem a ver com nossos enfrentamentos por ideologias políticas”, deseja a moradora de Buenos Aires Carolina Castillo, 37.

“E claro, que também sigam mantendo nossos direitos que adquirimos ao longo de nossa história como país democrático”, completa.

Paulina Rodriguez, 55, espera trabalho, confiança e paz social do novo presidente argentino Foto: Carolina Marins/Estadão

É um desejo compartilhado por Paulina Rodríguez, 55. “Espero que [o novo presidente] possa cumprir os nossos direitos acima de tudo. Que haja democracia, haja paz social, trabalho e oportunidade para todos, os ricos, os pobres, as classes médias. E que todos possamos progredir, cada qual de seu lugar. É isso que espero do nosso novo presidente: trabalho, confiança e muita paz social”.

Em meio a esta polarização também está um forte sentimento de cansaço com a política tradicional, cansaço esse que catapultou Milei com seu discurso da “casta”. Depois de ter desacreditado toda a política e, agora, tendo que construir consensos, Milei terá o desafio de reconstruir essa confiança nos políticos.

O florista Alfredo Gonzalez, 62, diz que já desistiu de acreditar nos políticos tradicionais. “Eu só quero que o presidente não nos roubem”, fala com desesperança; “E não só ele. Os ministros e todo o seu gabinete. São muitos anos que já perdemos a esperança. Temos que seguir trabalhando”.

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