As principais centrais sindicais da Argentina se preparam para um nova greve geral, a segunda durante o governo do libertário Javier Milei, cujas políticas de ajuste econômico avançam no Legislativo. Diversas atividades serão afetadas total ou parcialmente nesta quinta-feira, 9, durante a paralisação de 24 horas em setores que vão desde o transporte a comércio, educação e bancos.
Esta é a segunda greve geral convocada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), sendo que a primeira ocorreu em janeiro logo após o novo presidente apresentar o seu DNU (Decreto de Necessidades e Urgências) que desregulamenta a economia e o Estado argentino, e poucos dias depois da chegada de sua Lei Ônibus. Aquela greve, bem como os protestos subsequentes, ocorreram sob o novo protocolo de segurança do governo, que aumenta a repressão e pune bloqueios de rua.
Protestos ocorreram durante quase todos os dias desta semana, cada dia abrangendo uma categoria diferente. Na segunda-feira, 6, sindicatos dos transportes públicos terrestres, aéreos e marítimos protestaram contra a reforma trabalhista do governo. Na terça a mobilização foi para exigir aumentos na ajuda às cozinhas populares do país, que se veem afetadas pelo corte de recursos e por uma auditoria do governo atrás de corrupção.
Diferentemente da primeira vez, esta greve de amanhã não prevê uma grande mobilização dos sindicatos nas ruas. Mas promete afetar serviços importantes em Buenos Aires e seu entorno. Não haverá transporte público de passageiros por 24 horas e os bancos ficarão fechados; no entanto, os hospitais funcionarão com equipes mínimas.
Não haverá voos domésticos nem internacionais durante 24 horas. Todos os sindicatos do serviço aéreo aderiram ao protesto contra a possível privatização da Aerolíneas Argentinas e a política de “céus abertos” implementada pelo governo para facilitar a atividade de companhias de baixo custo no país. Estima-se que mais de 700 voos serão cancelados, o que afetará mais de 90 mil passageiros.
O sindicato de trabalhadores de supermercado também aderiu, o que pode afetar principalmente as grandes cadeias de supermercados do país. As escolas e universidades públicas não funcionarão e as escolas particulares devem funcionar parcialmente já que preveem serem afetadas pela paralisação dos transportes.
O governo, no entanto, prometeu descontar o dia de trabalho dos trabalhadores estatais que não se apresentarem para trabalhar. “Quem não cumpre a sua atividade, não recebe”, afirmou nesta quarta, 8, o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, em sua tradicional coletiva de imprensa, sem especificar como vai diferenciar trabalhadores em greves daqueles que não comparecerem por impossibilidade.
Adorni ainda lembrou que existe uma linha direta para denunciar o que considera como extorsão por parte dos sindicatos. “As organizações que participarem da marcha deverão arcar com as despesas que a situação do dia de amanhã causar”, afirmou. A CGT, porém, não planeja fazer uma mobilização nas ruas, apenas uma coletiva de imprensa no fim da tarde.
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A cobrança de despesas de protestos é uma medida prevista no protocolo de segurança da ministra Patrícia Bullrich que busca punir os tradicionais piquetes, que fecham ruas principais da cidade. Segundo a medida, que é alvo de críticas de grupos de direitos humanos, a polícia pode reprimir quem tentar fechar qualquer rua.
A greve desta vez acontece em um contexto distinto que a de janeiro. Naquela, Milei recém havia lançado seus planos econômicos altamente ambiciosos e ainda não havia colecionado os reveses políticos que enfrentou. Agora, o DNU encontra-se parcialmente rejeitado após uma votação fracassada no Senado; a Lei Ônibus foi desidratada, avançou no Congresso e naufragou na mesma velocidade, fazendo Milei abrir uma frente de batalha contra a oposição que é disposta a dialogar.
A Lei Ônibus encolheu para quase um terço de seu tamanho original e agora é só Lei Bases (este já era o nome original da lei, que ganhou apelido ‘ônibus’ devido ao seu tamanho com 600 artigos), que finalmente avançou no Congresso após intensa negociação e concessões por parte do governo. O projeto já começou a ser discutido no Senado, onde a vida de Milei é ainda mais difícil contra a forte oposição peronista.
Do lado econômico, porém, o presidente acumulou boas notícias, com o primeiro trimestre superavitário da Argentina em 16 anos. As medidas foram elogiadas pelo governo dos EUA e pelo FMI, com que a Argentina renegocia uma dívida bilionária. O outro lado dessa moeda, no entanto, é o aumento exponencial da pobreza, para cifras maiores que as da época da pandemia.
É esse avanço da pobreza, em conjunto com a política de demissões de funcionários públicos, cortes de repasse às províncias, congelamento de salários e uma recessão proposital que tem derrubado o consumo e a produção do país, que impulsiona manifestações quase semanais.
No início de abril, dirigentes sindicais e trabalhadores declararam greve em estatais e tentaram entrar em prédios ministeriais do governo em protesto contra a demissão em massa de servidores públicos. Segundo o governo, 15 mil contratos de trabalho temporários se encerraram em março e não foram renovados e o governo espera demitir mais de 70 mil este ano. O protesto terminou em confronto com a polícia em meio a uma operação especial de segurança que colocou até a Polícia Federal nas ruas.
O último grande protesto, em 24 de abril, foi de professores e estudantes das universidades públicas do país que se veem em estado de emergência devido ao corte de repasses. A mais importante deles, a Universidade de Buenos Aires (UBA) teme não ter dinheiro para abrir as portas no mês que vem. Segundo cálculos do jornal La Nación, com base em análises fotográficas, 430 mil manifestantes estiveram presentes no final da tarde — quase o dobro dos participantes no velório de Diego Maradona, que aconteceu durante as restrições da pandemia.
Milei ainda guarda um apoio considerável, em torno dos 50%, mesma cifra que conquistou nas eleições. Mas analistas se questionam até quando o humor social se manterá esperançoso como está agora.