As medidas desesperadas de Putin não darão o que ele quer; leia a análise


O comportamento de Putin, destinado a mostrar sua determinação, revela sua consciência de que a guerra está indo mal e suas opções diminuindo

Por Dara Massicot*

Contra uma maré de mudança, Vladimir Putin está recorrendo a medidas desesperadas.

Primeiro, houve a ordem de mobilização de 300.000 cidadãos russos. Depois veio a anexação ilegal de quatro regiões ucranianas e a nomeação de um novo comandante, o general Sergei Surovikin, para liderar o esforço de guerra. Na semana passada, em retaliação a um ataque à ponte do estreito de Kerch, principal rota da Rússia para a Crimeia, o Kremlin lançou mais de 100 mísseis de longo alcance na Ucrânia, matando civis e atingindo 30% das instalações de energia ucranianas.

Mas se Putin esperava mudar a dinâmica do campo de batalha, ficou desapontado. Quatro fatores se combinaram para diminuir as perspectivas da Rússia na guerra: as demandas de uma guerra de alta intensidade contra um exército despreparado para travá-la; perdas precoces e severas para suas forças terrestres, aéreas e especiais; a resiliência e a vontade de lutar dos ucranianos; e o apoio ocidental para a Ucrânia. Nenhuma das recentes jogadas do Kremlin – anexação, mobilização ou transferência de pessoal – pode superar os problemas maiores enfrentados pelos militares russos. E nos próximos meses, suas dificuldades só vão piorar.

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin Foto: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin via AP

Apesar dos riscos envolvidos na mobilização - como ela atinge profundamente a população, contando com uma força de trabalho não testada e equipamentos militares mais antigos retirados de armazenamento de longo prazo - Putin sentiu claramente que não tinha escolha. O Kremlin atrasou a decisão o máximo que pôde, tentando atrair voluntários com bônus em dinheiro e benefícios sociais. Mas em setembro não tinha forças suficientes para manter as áreas ocupadas na Ucrânia. Contraofensivas ucranianas bem-sucedidas tomaram de volta milhares de quilômetros quadrados de território.

A mobilização ofereceria a chance de recuperação, aliviando as forças esgotadas da Rússia após quase oito meses de combates. No entanto, saiu pela culatra. Surgiram evidências de infantaria com apenas alguns dias ou semanas de treinamento enviadas às pressas para a Ucrânia; outros grupos receberão apenas um mês de treinamento. Mesmo antes de a maioria das novas tropas serem mobilizadas, há relatos de forças mobilizadas rapidamente mortas, capturadas ou desertando. Existem, para dizer o mínimo, desvantagens óbvias em enviar recrutas despreparados e liderados de forma questionável para uma zona de combate.

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Isso não quer dizer que as forças mobilizadas serão inúteis. Se usados em funções de apoio, como motoristas ou reabastecedores, eles podem aliviar o fardo do restantes do exausto exército profissional da Rússia. Eles também poderiam preencher unidades esgotadas ao longo da linha de contato, isolar algumas áreas e postos de controle na retaguarda. No entanto, é improvável que eles se tornem uma força de combate capaz. Já há sinais de problemas de disciplina entre os soldados mobilizados nas guarnições russas.

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Várias explosões atingiram Kiev, capital da Ucrânia, a cidade ainda vivia o trauma do forte ataque russo há uma semana

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Eles se juntam a um exército degradado em qualidade e capacidade. A composição da força militar da Rússia na Ucrânia – grande parte de seu pessoal ativo antes da guerra foi ferido ou morto e seu melhor equipamento destruído ou capturado – mudou radicalmente ao longo da guerra. É improvável que a liderança militar russa saiba com confiança como essa força indisciplinada reagirá quando confrontada com condições de combate frias e exaustivas ou rumores de ataques ucranianos. A experiência recente sugere que essas tropas podem abandonar em pânico suas posições e equipamentos, como as forças desmoralizadas fizeram na região de Kharkiv em setembro.

Isso não é um bom presságio para os planos da Rússia no campo de batalha. No momento, Putin parece ter dois objetivos imediatos: manter o controle do máximo possível das regiões ocupadas de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson (com os limites desejados da Rússia ainda não definidos); e congelar a linha de frente, estabelecendo uma fronteira que as forças ucranianas não podem ultrapassar, possivelmente selada por um cessar-fogo. Isso permitiria uma defesa mais sustentável, bem como permitiria que os militares rotacionassem as tropas e regenerassem suas forças. A Ucrânia e seus apoiadores, é claro, deixaram claro que nenhuma dessas condições é aceitável. E, como sugere o avanço contínuo dos ucranianos no sul, a Rússia parece longe de ser capaz de atingir qualquer um dos objetivos.

Nesse caso, Putin poderia atacar mais amplamente a Ucrânia. Os ataques ao longo da última semana – atingindo infraestruturas civis críticas – podem ser expandidos por toda a Ucrânia se o fornecimento de mísseis resistir, enquanto a Rússia pode atingir diretamente a liderança ucraniana com ataques ou operações especiais.

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O Kremlin, até agora reticente em escalar a guerra além da Ucrânia, também poderia ter como objetivo interromper ou impedir diretamente a assistência militar estrangeira a Kiev. Tais esforços podem envolver ataques a satélites da Otan ou outros meios de reconhecimento, bloqueando-os ou “sensorizando-os” para torná-los temporariamente ou permanentemente inoperáveis. Para infligir custos domésticos aos apoiadores de Kiev, a Rússia também poderia realizar ataques cibernéticos contra a Europa ou os Estados Unidos, visando a infraestrutura crítica como sistemas de energia, transporte e comunicações. A guerra então não estaria mais confinada às fronteiras da Ucrânia.

De forma preocupante, os líderes russos e a mídia controlada pelo Estado já estão tentando reformular a guerra como um conflito existencial entre a Rússia e o Ocidente. Putin chegou ao ponto de ameaçar usar todos os meios disponíveis – uma referência velada às armas nucleares – para defender “a integridade territorial de nosso país”.

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Essa ameaça, embora séria, por enquanto é só discurso. Pelos termos da própria doutrina nuclear da Rússia, nem a Ucrânia nem seus apoiadores representaram uma ameaça que permitiria o uso de armas nucleares: a Ucrânia não pode atacar a Rússia com uma arma nuclear, desativar as forças nucleares russas ou lançar um ataque em massa contra a Rússia que colocaria em perigo a existência do Estado russo. Vale lembrar que, antes de quebrar o tabu nuclear, a Rússia tem outros meios disponíveis para escalar.

O comportamento de Putin, destinado a mostrar sua determinação, revela sua consciência de que a guerra está indo mal e suas opções diminuindo. Os próximos meses provavelmente serão voláteis, especialmente se – ou quando – as jogadas da Rússia falharem.

*Massicot é pesquisadora sênior de políticas na RAND Corporation, com foco em questões de defesa e segurança russas.

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Contra uma maré de mudança, Vladimir Putin está recorrendo a medidas desesperadas.

Primeiro, houve a ordem de mobilização de 300.000 cidadãos russos. Depois veio a anexação ilegal de quatro regiões ucranianas e a nomeação de um novo comandante, o general Sergei Surovikin, para liderar o esforço de guerra. Na semana passada, em retaliação a um ataque à ponte do estreito de Kerch, principal rota da Rússia para a Crimeia, o Kremlin lançou mais de 100 mísseis de longo alcance na Ucrânia, matando civis e atingindo 30% das instalações de energia ucranianas.

Mas se Putin esperava mudar a dinâmica do campo de batalha, ficou desapontado. Quatro fatores se combinaram para diminuir as perspectivas da Rússia na guerra: as demandas de uma guerra de alta intensidade contra um exército despreparado para travá-la; perdas precoces e severas para suas forças terrestres, aéreas e especiais; a resiliência e a vontade de lutar dos ucranianos; e o apoio ocidental para a Ucrânia. Nenhuma das recentes jogadas do Kremlin – anexação, mobilização ou transferência de pessoal – pode superar os problemas maiores enfrentados pelos militares russos. E nos próximos meses, suas dificuldades só vão piorar.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin Foto: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin via AP

Apesar dos riscos envolvidos na mobilização - como ela atinge profundamente a população, contando com uma força de trabalho não testada e equipamentos militares mais antigos retirados de armazenamento de longo prazo - Putin sentiu claramente que não tinha escolha. O Kremlin atrasou a decisão o máximo que pôde, tentando atrair voluntários com bônus em dinheiro e benefícios sociais. Mas em setembro não tinha forças suficientes para manter as áreas ocupadas na Ucrânia. Contraofensivas ucranianas bem-sucedidas tomaram de volta milhares de quilômetros quadrados de território.

A mobilização ofereceria a chance de recuperação, aliviando as forças esgotadas da Rússia após quase oito meses de combates. No entanto, saiu pela culatra. Surgiram evidências de infantaria com apenas alguns dias ou semanas de treinamento enviadas às pressas para a Ucrânia; outros grupos receberão apenas um mês de treinamento. Mesmo antes de a maioria das novas tropas serem mobilizadas, há relatos de forças mobilizadas rapidamente mortas, capturadas ou desertando. Existem, para dizer o mínimo, desvantagens óbvias em enviar recrutas despreparados e liderados de forma questionável para uma zona de combate.

Isso não quer dizer que as forças mobilizadas serão inúteis. Se usados em funções de apoio, como motoristas ou reabastecedores, eles podem aliviar o fardo do restantes do exausto exército profissional da Rússia. Eles também poderiam preencher unidades esgotadas ao longo da linha de contato, isolar algumas áreas e postos de controle na retaguarda. No entanto, é improvável que eles se tornem uma força de combate capaz. Já há sinais de problemas de disciplina entre os soldados mobilizados nas guarnições russas.

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Eles se juntam a um exército degradado em qualidade e capacidade. A composição da força militar da Rússia na Ucrânia – grande parte de seu pessoal ativo antes da guerra foi ferido ou morto e seu melhor equipamento destruído ou capturado – mudou radicalmente ao longo da guerra. É improvável que a liderança militar russa saiba com confiança como essa força indisciplinada reagirá quando confrontada com condições de combate frias e exaustivas ou rumores de ataques ucranianos. A experiência recente sugere que essas tropas podem abandonar em pânico suas posições e equipamentos, como as forças desmoralizadas fizeram na região de Kharkiv em setembro.

Isso não é um bom presságio para os planos da Rússia no campo de batalha. No momento, Putin parece ter dois objetivos imediatos: manter o controle do máximo possível das regiões ocupadas de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson (com os limites desejados da Rússia ainda não definidos); e congelar a linha de frente, estabelecendo uma fronteira que as forças ucranianas não podem ultrapassar, possivelmente selada por um cessar-fogo. Isso permitiria uma defesa mais sustentável, bem como permitiria que os militares rotacionassem as tropas e regenerassem suas forças. A Ucrânia e seus apoiadores, é claro, deixaram claro que nenhuma dessas condições é aceitável. E, como sugere o avanço contínuo dos ucranianos no sul, a Rússia parece longe de ser capaz de atingir qualquer um dos objetivos.

Nesse caso, Putin poderia atacar mais amplamente a Ucrânia. Os ataques ao longo da última semana – atingindo infraestruturas civis críticas – podem ser expandidos por toda a Ucrânia se o fornecimento de mísseis resistir, enquanto a Rússia pode atingir diretamente a liderança ucraniana com ataques ou operações especiais.

O Kremlin, até agora reticente em escalar a guerra além da Ucrânia, também poderia ter como objetivo interromper ou impedir diretamente a assistência militar estrangeira a Kiev. Tais esforços podem envolver ataques a satélites da Otan ou outros meios de reconhecimento, bloqueando-os ou “sensorizando-os” para torná-los temporariamente ou permanentemente inoperáveis. Para infligir custos domésticos aos apoiadores de Kiev, a Rússia também poderia realizar ataques cibernéticos contra a Europa ou os Estados Unidos, visando a infraestrutura crítica como sistemas de energia, transporte e comunicações. A guerra então não estaria mais confinada às fronteiras da Ucrânia.

De forma preocupante, os líderes russos e a mídia controlada pelo Estado já estão tentando reformular a guerra como um conflito existencial entre a Rússia e o Ocidente. Putin chegou ao ponto de ameaçar usar todos os meios disponíveis – uma referência velada às armas nucleares – para defender “a integridade territorial de nosso país”.

Essa ameaça, embora séria, por enquanto é só discurso. Pelos termos da própria doutrina nuclear da Rússia, nem a Ucrânia nem seus apoiadores representaram uma ameaça que permitiria o uso de armas nucleares: a Ucrânia não pode atacar a Rússia com uma arma nuclear, desativar as forças nucleares russas ou lançar um ataque em massa contra a Rússia que colocaria em perigo a existência do Estado russo. Vale lembrar que, antes de quebrar o tabu nuclear, a Rússia tem outros meios disponíveis para escalar.

O comportamento de Putin, destinado a mostrar sua determinação, revela sua consciência de que a guerra está indo mal e suas opções diminuindo. Os próximos meses provavelmente serão voláteis, especialmente se – ou quando – as jogadas da Rússia falharem.

*Massicot é pesquisadora sênior de políticas na RAND Corporation, com foco em questões de defesa e segurança russas.

Contra uma maré de mudança, Vladimir Putin está recorrendo a medidas desesperadas.

Primeiro, houve a ordem de mobilização de 300.000 cidadãos russos. Depois veio a anexação ilegal de quatro regiões ucranianas e a nomeação de um novo comandante, o general Sergei Surovikin, para liderar o esforço de guerra. Na semana passada, em retaliação a um ataque à ponte do estreito de Kerch, principal rota da Rússia para a Crimeia, o Kremlin lançou mais de 100 mísseis de longo alcance na Ucrânia, matando civis e atingindo 30% das instalações de energia ucranianas.

Mas se Putin esperava mudar a dinâmica do campo de batalha, ficou desapontado. Quatro fatores se combinaram para diminuir as perspectivas da Rússia na guerra: as demandas de uma guerra de alta intensidade contra um exército despreparado para travá-la; perdas precoces e severas para suas forças terrestres, aéreas e especiais; a resiliência e a vontade de lutar dos ucranianos; e o apoio ocidental para a Ucrânia. Nenhuma das recentes jogadas do Kremlin – anexação, mobilização ou transferência de pessoal – pode superar os problemas maiores enfrentados pelos militares russos. E nos próximos meses, suas dificuldades só vão piorar.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin Foto: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin via AP

Apesar dos riscos envolvidos na mobilização - como ela atinge profundamente a população, contando com uma força de trabalho não testada e equipamentos militares mais antigos retirados de armazenamento de longo prazo - Putin sentiu claramente que não tinha escolha. O Kremlin atrasou a decisão o máximo que pôde, tentando atrair voluntários com bônus em dinheiro e benefícios sociais. Mas em setembro não tinha forças suficientes para manter as áreas ocupadas na Ucrânia. Contraofensivas ucranianas bem-sucedidas tomaram de volta milhares de quilômetros quadrados de território.

A mobilização ofereceria a chance de recuperação, aliviando as forças esgotadas da Rússia após quase oito meses de combates. No entanto, saiu pela culatra. Surgiram evidências de infantaria com apenas alguns dias ou semanas de treinamento enviadas às pressas para a Ucrânia; outros grupos receberão apenas um mês de treinamento. Mesmo antes de a maioria das novas tropas serem mobilizadas, há relatos de forças mobilizadas rapidamente mortas, capturadas ou desertando. Existem, para dizer o mínimo, desvantagens óbvias em enviar recrutas despreparados e liderados de forma questionável para uma zona de combate.

Isso não quer dizer que as forças mobilizadas serão inúteis. Se usados em funções de apoio, como motoristas ou reabastecedores, eles podem aliviar o fardo do restantes do exausto exército profissional da Rússia. Eles também poderiam preencher unidades esgotadas ao longo da linha de contato, isolar algumas áreas e postos de controle na retaguarda. No entanto, é improvável que eles se tornem uma força de combate capaz. Já há sinais de problemas de disciplina entre os soldados mobilizados nas guarnições russas.

Seu navegador não suporta esse video.

Várias explosões atingiram Kiev, capital da Ucrânia, a cidade ainda vivia o trauma do forte ataque russo há uma semana

Eles se juntam a um exército degradado em qualidade e capacidade. A composição da força militar da Rússia na Ucrânia – grande parte de seu pessoal ativo antes da guerra foi ferido ou morto e seu melhor equipamento destruído ou capturado – mudou radicalmente ao longo da guerra. É improvável que a liderança militar russa saiba com confiança como essa força indisciplinada reagirá quando confrontada com condições de combate frias e exaustivas ou rumores de ataques ucranianos. A experiência recente sugere que essas tropas podem abandonar em pânico suas posições e equipamentos, como as forças desmoralizadas fizeram na região de Kharkiv em setembro.

Isso não é um bom presságio para os planos da Rússia no campo de batalha. No momento, Putin parece ter dois objetivos imediatos: manter o controle do máximo possível das regiões ocupadas de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson (com os limites desejados da Rússia ainda não definidos); e congelar a linha de frente, estabelecendo uma fronteira que as forças ucranianas não podem ultrapassar, possivelmente selada por um cessar-fogo. Isso permitiria uma defesa mais sustentável, bem como permitiria que os militares rotacionassem as tropas e regenerassem suas forças. A Ucrânia e seus apoiadores, é claro, deixaram claro que nenhuma dessas condições é aceitável. E, como sugere o avanço contínuo dos ucranianos no sul, a Rússia parece longe de ser capaz de atingir qualquer um dos objetivos.

Nesse caso, Putin poderia atacar mais amplamente a Ucrânia. Os ataques ao longo da última semana – atingindo infraestruturas civis críticas – podem ser expandidos por toda a Ucrânia se o fornecimento de mísseis resistir, enquanto a Rússia pode atingir diretamente a liderança ucraniana com ataques ou operações especiais.

O Kremlin, até agora reticente em escalar a guerra além da Ucrânia, também poderia ter como objetivo interromper ou impedir diretamente a assistência militar estrangeira a Kiev. Tais esforços podem envolver ataques a satélites da Otan ou outros meios de reconhecimento, bloqueando-os ou “sensorizando-os” para torná-los temporariamente ou permanentemente inoperáveis. Para infligir custos domésticos aos apoiadores de Kiev, a Rússia também poderia realizar ataques cibernéticos contra a Europa ou os Estados Unidos, visando a infraestrutura crítica como sistemas de energia, transporte e comunicações. A guerra então não estaria mais confinada às fronteiras da Ucrânia.

De forma preocupante, os líderes russos e a mídia controlada pelo Estado já estão tentando reformular a guerra como um conflito existencial entre a Rússia e o Ocidente. Putin chegou ao ponto de ameaçar usar todos os meios disponíveis – uma referência velada às armas nucleares – para defender “a integridade territorial de nosso país”.

Essa ameaça, embora séria, por enquanto é só discurso. Pelos termos da própria doutrina nuclear da Rússia, nem a Ucrânia nem seus apoiadores representaram uma ameaça que permitiria o uso de armas nucleares: a Ucrânia não pode atacar a Rússia com uma arma nuclear, desativar as forças nucleares russas ou lançar um ataque em massa contra a Rússia que colocaria em perigo a existência do Estado russo. Vale lembrar que, antes de quebrar o tabu nuclear, a Rússia tem outros meios disponíveis para escalar.

O comportamento de Putin, destinado a mostrar sua determinação, revela sua consciência de que a guerra está indo mal e suas opções diminuindo. Os próximos meses provavelmente serão voláteis, especialmente se – ou quando – as jogadas da Rússia falharem.

*Massicot é pesquisadora sênior de políticas na RAND Corporation, com foco em questões de defesa e segurança russas.

Contra uma maré de mudança, Vladimir Putin está recorrendo a medidas desesperadas.

Primeiro, houve a ordem de mobilização de 300.000 cidadãos russos. Depois veio a anexação ilegal de quatro regiões ucranianas e a nomeação de um novo comandante, o general Sergei Surovikin, para liderar o esforço de guerra. Na semana passada, em retaliação a um ataque à ponte do estreito de Kerch, principal rota da Rússia para a Crimeia, o Kremlin lançou mais de 100 mísseis de longo alcance na Ucrânia, matando civis e atingindo 30% das instalações de energia ucranianas.

Mas se Putin esperava mudar a dinâmica do campo de batalha, ficou desapontado. Quatro fatores se combinaram para diminuir as perspectivas da Rússia na guerra: as demandas de uma guerra de alta intensidade contra um exército despreparado para travá-la; perdas precoces e severas para suas forças terrestres, aéreas e especiais; a resiliência e a vontade de lutar dos ucranianos; e o apoio ocidental para a Ucrânia. Nenhuma das recentes jogadas do Kremlin – anexação, mobilização ou transferência de pessoal – pode superar os problemas maiores enfrentados pelos militares russos. E nos próximos meses, suas dificuldades só vão piorar.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin Foto: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin via AP

Apesar dos riscos envolvidos na mobilização - como ela atinge profundamente a população, contando com uma força de trabalho não testada e equipamentos militares mais antigos retirados de armazenamento de longo prazo - Putin sentiu claramente que não tinha escolha. O Kremlin atrasou a decisão o máximo que pôde, tentando atrair voluntários com bônus em dinheiro e benefícios sociais. Mas em setembro não tinha forças suficientes para manter as áreas ocupadas na Ucrânia. Contraofensivas ucranianas bem-sucedidas tomaram de volta milhares de quilômetros quadrados de território.

A mobilização ofereceria a chance de recuperação, aliviando as forças esgotadas da Rússia após quase oito meses de combates. No entanto, saiu pela culatra. Surgiram evidências de infantaria com apenas alguns dias ou semanas de treinamento enviadas às pressas para a Ucrânia; outros grupos receberão apenas um mês de treinamento. Mesmo antes de a maioria das novas tropas serem mobilizadas, há relatos de forças mobilizadas rapidamente mortas, capturadas ou desertando. Existem, para dizer o mínimo, desvantagens óbvias em enviar recrutas despreparados e liderados de forma questionável para uma zona de combate.

Isso não quer dizer que as forças mobilizadas serão inúteis. Se usados em funções de apoio, como motoristas ou reabastecedores, eles podem aliviar o fardo do restantes do exausto exército profissional da Rússia. Eles também poderiam preencher unidades esgotadas ao longo da linha de contato, isolar algumas áreas e postos de controle na retaguarda. No entanto, é improvável que eles se tornem uma força de combate capaz. Já há sinais de problemas de disciplina entre os soldados mobilizados nas guarnições russas.

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Várias explosões atingiram Kiev, capital da Ucrânia, a cidade ainda vivia o trauma do forte ataque russo há uma semana

Eles se juntam a um exército degradado em qualidade e capacidade. A composição da força militar da Rússia na Ucrânia – grande parte de seu pessoal ativo antes da guerra foi ferido ou morto e seu melhor equipamento destruído ou capturado – mudou radicalmente ao longo da guerra. É improvável que a liderança militar russa saiba com confiança como essa força indisciplinada reagirá quando confrontada com condições de combate frias e exaustivas ou rumores de ataques ucranianos. A experiência recente sugere que essas tropas podem abandonar em pânico suas posições e equipamentos, como as forças desmoralizadas fizeram na região de Kharkiv em setembro.

Isso não é um bom presságio para os planos da Rússia no campo de batalha. No momento, Putin parece ter dois objetivos imediatos: manter o controle do máximo possível das regiões ocupadas de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson (com os limites desejados da Rússia ainda não definidos); e congelar a linha de frente, estabelecendo uma fronteira que as forças ucranianas não podem ultrapassar, possivelmente selada por um cessar-fogo. Isso permitiria uma defesa mais sustentável, bem como permitiria que os militares rotacionassem as tropas e regenerassem suas forças. A Ucrânia e seus apoiadores, é claro, deixaram claro que nenhuma dessas condições é aceitável. E, como sugere o avanço contínuo dos ucranianos no sul, a Rússia parece longe de ser capaz de atingir qualquer um dos objetivos.

Nesse caso, Putin poderia atacar mais amplamente a Ucrânia. Os ataques ao longo da última semana – atingindo infraestruturas civis críticas – podem ser expandidos por toda a Ucrânia se o fornecimento de mísseis resistir, enquanto a Rússia pode atingir diretamente a liderança ucraniana com ataques ou operações especiais.

O Kremlin, até agora reticente em escalar a guerra além da Ucrânia, também poderia ter como objetivo interromper ou impedir diretamente a assistência militar estrangeira a Kiev. Tais esforços podem envolver ataques a satélites da Otan ou outros meios de reconhecimento, bloqueando-os ou “sensorizando-os” para torná-los temporariamente ou permanentemente inoperáveis. Para infligir custos domésticos aos apoiadores de Kiev, a Rússia também poderia realizar ataques cibernéticos contra a Europa ou os Estados Unidos, visando a infraestrutura crítica como sistemas de energia, transporte e comunicações. A guerra então não estaria mais confinada às fronteiras da Ucrânia.

De forma preocupante, os líderes russos e a mídia controlada pelo Estado já estão tentando reformular a guerra como um conflito existencial entre a Rússia e o Ocidente. Putin chegou ao ponto de ameaçar usar todos os meios disponíveis – uma referência velada às armas nucleares – para defender “a integridade territorial de nosso país”.

Essa ameaça, embora séria, por enquanto é só discurso. Pelos termos da própria doutrina nuclear da Rússia, nem a Ucrânia nem seus apoiadores representaram uma ameaça que permitiria o uso de armas nucleares: a Ucrânia não pode atacar a Rússia com uma arma nuclear, desativar as forças nucleares russas ou lançar um ataque em massa contra a Rússia que colocaria em perigo a existência do Estado russo. Vale lembrar que, antes de quebrar o tabu nuclear, a Rússia tem outros meios disponíveis para escalar.

O comportamento de Putin, destinado a mostrar sua determinação, revela sua consciência de que a guerra está indo mal e suas opções diminuindo. Os próximos meses provavelmente serão voláteis, especialmente se – ou quando – as jogadas da Rússia falharem.

*Massicot é pesquisadora sênior de políticas na RAND Corporation, com foco em questões de defesa e segurança russas.

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