As relações entre Trump e Putin entram em um novo capítulo, e o mundo está em jogo


Putin quer uma reunião de iguais com Trump, na qual eles dividiriam o mundo em esferas de influência

Por Robyn Dixon, Catherine Belton e Francesca Ebel

Dois autoproclamados machos alfa da liderança geopolítica estarão se enfrentando no ano que vem.

Em um canto estará o presidente Donald Trump, faminto por um acordo de paz com a Ucrânia que o faria parecer um pacificador global. No outro, o presidente russo Vladimir Putin, um autocrata astuto, manipulador e veementemente antiamericano que espera atrair Trump para criar uma nova ordem mundial transacional sem regras ou direitos humanos.

Putin está buscando uma grande barganha envolvendo a segurança europeia que deixaria a Ucrânia à mercê do Kremlin, enfraqueceria a Otan e consolidaria o lugar da Rússia como potência global.

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Antes de qualquer conversa, o Kremlin está avaliando cuidadosamente as mensagens, ambições e vulnerabilidades de Trump, enquanto permanece cauteloso diante de sua imprevisibilidade. As fraquezas de Trump, de acordo com analistas russos, incluem ingenuidade geopolítica, capacidade abreviada de prestar atenção no tópico em questão e uma propensão a confiar nos instintos, e não no cérebro.

“Eu acho que Trump fica em silêncio deliberadamente porque ele não sabe o que dizer”, disse Konstantin Remchukov, editor do Nezavisimaya Gazeta. “Vimos sua campanha. Ele não é um pensador profundo em termos de assuntos geopolíticos.”

Donald Trump quer um acordo de paz com a Ucrânia. Foto: Rick Scuteri/AP
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A maior questão entre os dois homens será o conflito na Ucrânia, que Trump prometeu encerrar em 24 horas.

Mas Putin estabeleceu condições rigorosas para qualquer acordo, incluindo manter a Ucrânia permanentemente fora da Otan, reduzir significativamente as forças armadas da aliança ocidental e manter o território ucraniano por ele ocupado. Analistas veem pouca esperança para um acordo de paz, dada a posição maximalista de Putin e a cautela de Trump em parecer fraco se der muito à Rússia.

Trump, “como qualquer líder mundial, quer negociar a partir de uma posição de força. Ele não quer ser visto como fraco e não quer ser visto como alguém que se curva a Putin”, disse Joshua Huminski, vice-presidente sênior do Centro de Estudos da Presidência e do Congresso.

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Até agora, os sinais trocados entre Putin e Trump não sugerem imediatamente uma nova era de relações mais calorosas. Âncoras da televisão estatal russa exibiram fotos de Melania Trump nua poucos dias após a eleição, sorrindo enquanto discutiam o retorno da primeira-dama dos Estados Unidos.

Então, no mês passado, Putin alertou que Trump “não estava em segurança”, em uma aparente referência ao seu possível assassinato: “Infelizmente, na história dos Estados Unidos, vários incidentes aconteceram”, disse ele.

Enquanto isso, depois que Putin perdeu seu cliente sírio, Bashar Assad, Trump alardeou que a Rússia estava em um “estado enfraquecido” por causa da guerra na Ucrânia e das dificuldades na economia.

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“Este é o momento de agir”, disse ele, dizendo a Putin para buscar um cessar-fogo na Ucrânia e negociações de paz.

No entanto, há muitos pontos em que os dois homens concordam.

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Putin não tolera o liberalismo ocidental — líderes estrangeiros que lhe dão sermões a respeito da repressão russa e de valores universais como direitos humanos. Em Trump, ele vê um cínico implacável semelhante.

Isso pode ser uma vantagem, pois ele busca transformar a Rússia em uma potência global em uma nova ordem mundial multipolar sem valores que defendam os direitos humanos, onde gigantes globais dividem o mapa e negociam a soberania de nações mais fracas.

“Essa abordagem de valores formou o que Putin mais odeia, a ordem baseada em regras, e foi assim que nossas relações se deterioraram”, disse Remchukov. “Trump, nesse aspecto, parece ser uma pessoa que não se importa com valores, que não se importa com ideologia, não prega ou repreende ninguém a respeito de nenhuma dessas questões. Trump diz: não me importa o que você faz internamente.”

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Falando dias após a vitória de Trump, Putin transmitiu um clima triunfal, alegando que sua nova ordem está quase chegando.

Putin está buscando uma grande barganha envolvendo a segurança europeia que deixaria a Ucrânia à mercê do Kremlin, enfraqueceria a Otan e consolidaria o lugar da Rússia como potência global. Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

“Diante de nossos olhos, uma ordem mundial inteiramente nova está surgindo, diferente de tudo que já vimos antes”, ele declarou, acrescentando que com a morte da velha ordem baseada em regras, “uma luta feroz e sem recuo está em andamento para moldar essa nova ordem”.

A Otan, disse ele, é “um anacronismo absoluto.” A carta da ONU, que proíbe invasões, foi criada pelos vencedores e deve ser alterada porque “novos centros de poder estão surgindo”. O liberalismo ocidental é “totalitário em essência”.

O proeminente escritor russo Mikhail Zygar, que mora nos Estados Unidos, mas foi condenado na Rússia em julho por suas críticas à guerra, disse que Putin parecia estar se dirigindo diretamente a Trump quando disse que mais cedo ou mais tarde o Ocidente entenderia a necessidade de “uma abordagem pragmática e sóbria, fundamentada em uma avaliação bastante dura, às vezes cínica, mas racional dos eventos e de suas próprias capacidades”.

“Simplificando, Putin insiste que todo ditador merece tolerância. Todo regime tem o direito de realizar suas próprias repressões”, escreveu Zygar em uma análise recente. De acordo com Putin, guerras seriam inevitáveis.

“A força determina quem tem razão, e esse princípio também funciona. Os países têm que defender seus interesses militarmente, afirmando-os por todos os meios necessários”, disse Putin, que dois dias depois usou um novo míssil de alcance intermediário chamado Oreshnik contra a Ucrânia. Desde então, ele ameaçou usar os mísseis para destruir os centros de tomada de decisões políticas e militares de Kiev.

Como seu enviado à Ucrânia, Trump escolheu o tenente-general da reserva Keith Kellogg, que argumentou que a abordagem transacional de Trump em seu primeiro mandato permitiu que ele “reduzisse as tensões com Putin enquanto se mantinha firme nos interesses de segurança americanos”.

Enquanto Putin e Trump se preparam para o duelo, o líder russo enfrenta uma restrição do quanto tempo sua economia sob sanções pode sustentar a guerra, mas ele está apostando que isso é mais do que a Ucrânia pode aguentar — especialmente se, como Moscou acredita, as entregas de armas ocidentais forem cortadas sob Trump.

“Putin está contando com a possibilidade de decidir algo com Trump”, disse em uma entrevista Tatiana Stanovaya, pesquisadora sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, acrescentando que Putin esperava “ser capaz de convencer Trump de que a guerra precisa acabar — nos termos [de Putin], é claro”.

“Se isso não der certo, então ele continuará lutando como antes”, disse ela. “Ele está contando que a Ucrânia não será capaz de resistir por muito tempo”.

Donald Trump em encontro com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, na Trump Tower, em setembro de 2024. Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Um acadêmico russo próximo ao alto escalão da diplomacia russa disse que não havia clima para concessões no Kremlin, com suas forças avançando firmemente no leste da Ucrânia e ninguém prevendo um colapso econômico.

“A Rússia está pronta para conduzir negociações, mas negociações a partir de uma posição de força, não de fraqueza”, disse ele, sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do tema.

As fanfarronices de Trump dizendo que ele pode fechar um acordo rápido sugerem impaciência, então autoridades de Moscou continuam insistindo que o acordo aborde a “causa raiz” da guerra, sugerindo que eles vão retardar as negociações em conversas longas e complicadas a respeito de um pacto de segurança europeu mais amplo.

O desejo de Putin por uma grande barganha na arquitetura de segurança europeia foi transmitido por um oligarca conservador próximo ao Kremlin, Konstantin Malofeyev, que alertou em uma entrevista ao Financial Times em Dubai este mês que Putin rejeitaria qualquer acordo de Trump a menos que envolvesse não apenas a Ucrânia, mas a Europa e o mundo.

O acadêmico russo disse que Moscou poderia sugerir que estava disposta a ser “flexível” em algumas de suas demandas territoriais diante da Ucrânia em troca de concessões na composição futura da arquitetura de segurança da Europa.

Isso significa essencialmente uma cúpula Trump-Putin concordando em dividir o mundo em esferas de influência, com a primazia da Rússia sobre a Ucrânia, Geórgia e outros antigos vizinhos soviéticos não membros da Otan assegurada. Isso restringiria a Otan e comprometeria a segurança da Europa.

“Espero que Trump não caia nessa armadilha, porque os europeus se oporão a isso e acho que os ucranianos também”, disse um ex-diplomata do alto escalão dos EUA e especialista em Rússia, que falou sob condição de anonimato para cumprir as regras do think tank americano que o emprega. Putin, ele disse, “sempre quis ter algum tipo de paz imposta pelos EUA e pela Rússia em relação a isso”.

Depois, há o ângulo popular entre muitos na órbita de Trump de dividir a emergente aliança Rússia-China. Em uma entrevista em outubro com o comentarista de direita Tucker Carlson, Trump disse que teria que “desunir” a Rússia e a China.

“Essa escola de pensamento parece ser popular entre muitas pessoas no universo de Trump, incluindo aquelas que foram nomeadas para sua equipe de segurança nacional”, escreveu Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim.

Um funcionário republicano do congresso descartou essa “estratégia de divisão” como esforços de propaganda russa para persuadir o Ocidente a suavizar sua posição diante de Putin. “Geralmente é um código para pessoas que querem ser brandas com a Rússia e podem se importar com a China ou não.”

A Rússia depende da China para o comércio, e Putin e o presidente chinês Xi Jinping sabem que Trump irá embora em quatro anos.

Qualquer jogada de Trump para enfraquecer os laços Moscou-Pequim seria um fracasso, de acordo com Gabuev, dada “a relação pessoal entre os dois autocratas, sua desconfiança comum em relação a Washington e suas esperanças de se tornarem mais poderosos em uma ordem multipolar emergente — às custas dos Estados Unidos.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Dois autoproclamados machos alfa da liderança geopolítica estarão se enfrentando no ano que vem.

Em um canto estará o presidente Donald Trump, faminto por um acordo de paz com a Ucrânia que o faria parecer um pacificador global. No outro, o presidente russo Vladimir Putin, um autocrata astuto, manipulador e veementemente antiamericano que espera atrair Trump para criar uma nova ordem mundial transacional sem regras ou direitos humanos.

Putin está buscando uma grande barganha envolvendo a segurança europeia que deixaria a Ucrânia à mercê do Kremlin, enfraqueceria a Otan e consolidaria o lugar da Rússia como potência global.

Antes de qualquer conversa, o Kremlin está avaliando cuidadosamente as mensagens, ambições e vulnerabilidades de Trump, enquanto permanece cauteloso diante de sua imprevisibilidade. As fraquezas de Trump, de acordo com analistas russos, incluem ingenuidade geopolítica, capacidade abreviada de prestar atenção no tópico em questão e uma propensão a confiar nos instintos, e não no cérebro.

“Eu acho que Trump fica em silêncio deliberadamente porque ele não sabe o que dizer”, disse Konstantin Remchukov, editor do Nezavisimaya Gazeta. “Vimos sua campanha. Ele não é um pensador profundo em termos de assuntos geopolíticos.”

Donald Trump quer um acordo de paz com a Ucrânia. Foto: Rick Scuteri/AP

A maior questão entre os dois homens será o conflito na Ucrânia, que Trump prometeu encerrar em 24 horas.

Mas Putin estabeleceu condições rigorosas para qualquer acordo, incluindo manter a Ucrânia permanentemente fora da Otan, reduzir significativamente as forças armadas da aliança ocidental e manter o território ucraniano por ele ocupado. Analistas veem pouca esperança para um acordo de paz, dada a posição maximalista de Putin e a cautela de Trump em parecer fraco se der muito à Rússia.

Trump, “como qualquer líder mundial, quer negociar a partir de uma posição de força. Ele não quer ser visto como fraco e não quer ser visto como alguém que se curva a Putin”, disse Joshua Huminski, vice-presidente sênior do Centro de Estudos da Presidência e do Congresso.

Até agora, os sinais trocados entre Putin e Trump não sugerem imediatamente uma nova era de relações mais calorosas. Âncoras da televisão estatal russa exibiram fotos de Melania Trump nua poucos dias após a eleição, sorrindo enquanto discutiam o retorno da primeira-dama dos Estados Unidos.

Então, no mês passado, Putin alertou que Trump “não estava em segurança”, em uma aparente referência ao seu possível assassinato: “Infelizmente, na história dos Estados Unidos, vários incidentes aconteceram”, disse ele.

Enquanto isso, depois que Putin perdeu seu cliente sírio, Bashar Assad, Trump alardeou que a Rússia estava em um “estado enfraquecido” por causa da guerra na Ucrânia e das dificuldades na economia.

“Este é o momento de agir”, disse ele, dizendo a Putin para buscar um cessar-fogo na Ucrânia e negociações de paz.

No entanto, há muitos pontos em que os dois homens concordam.

Putin não tolera o liberalismo ocidental — líderes estrangeiros que lhe dão sermões a respeito da repressão russa e de valores universais como direitos humanos. Em Trump, ele vê um cínico implacável semelhante.

Isso pode ser uma vantagem, pois ele busca transformar a Rússia em uma potência global em uma nova ordem mundial multipolar sem valores que defendam os direitos humanos, onde gigantes globais dividem o mapa e negociam a soberania de nações mais fracas.

“Essa abordagem de valores formou o que Putin mais odeia, a ordem baseada em regras, e foi assim que nossas relações se deterioraram”, disse Remchukov. “Trump, nesse aspecto, parece ser uma pessoa que não se importa com valores, que não se importa com ideologia, não prega ou repreende ninguém a respeito de nenhuma dessas questões. Trump diz: não me importa o que você faz internamente.”

Falando dias após a vitória de Trump, Putin transmitiu um clima triunfal, alegando que sua nova ordem está quase chegando.

Putin está buscando uma grande barganha envolvendo a segurança europeia que deixaria a Ucrânia à mercê do Kremlin, enfraqueceria a Otan e consolidaria o lugar da Rússia como potência global. Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

“Diante de nossos olhos, uma ordem mundial inteiramente nova está surgindo, diferente de tudo que já vimos antes”, ele declarou, acrescentando que com a morte da velha ordem baseada em regras, “uma luta feroz e sem recuo está em andamento para moldar essa nova ordem”.

A Otan, disse ele, é “um anacronismo absoluto.” A carta da ONU, que proíbe invasões, foi criada pelos vencedores e deve ser alterada porque “novos centros de poder estão surgindo”. O liberalismo ocidental é “totalitário em essência”.

O proeminente escritor russo Mikhail Zygar, que mora nos Estados Unidos, mas foi condenado na Rússia em julho por suas críticas à guerra, disse que Putin parecia estar se dirigindo diretamente a Trump quando disse que mais cedo ou mais tarde o Ocidente entenderia a necessidade de “uma abordagem pragmática e sóbria, fundamentada em uma avaliação bastante dura, às vezes cínica, mas racional dos eventos e de suas próprias capacidades”.

“Simplificando, Putin insiste que todo ditador merece tolerância. Todo regime tem o direito de realizar suas próprias repressões”, escreveu Zygar em uma análise recente. De acordo com Putin, guerras seriam inevitáveis.

“A força determina quem tem razão, e esse princípio também funciona. Os países têm que defender seus interesses militarmente, afirmando-os por todos os meios necessários”, disse Putin, que dois dias depois usou um novo míssil de alcance intermediário chamado Oreshnik contra a Ucrânia. Desde então, ele ameaçou usar os mísseis para destruir os centros de tomada de decisões políticas e militares de Kiev.

Como seu enviado à Ucrânia, Trump escolheu o tenente-general da reserva Keith Kellogg, que argumentou que a abordagem transacional de Trump em seu primeiro mandato permitiu que ele “reduzisse as tensões com Putin enquanto se mantinha firme nos interesses de segurança americanos”.

Enquanto Putin e Trump se preparam para o duelo, o líder russo enfrenta uma restrição do quanto tempo sua economia sob sanções pode sustentar a guerra, mas ele está apostando que isso é mais do que a Ucrânia pode aguentar — especialmente se, como Moscou acredita, as entregas de armas ocidentais forem cortadas sob Trump.

“Putin está contando com a possibilidade de decidir algo com Trump”, disse em uma entrevista Tatiana Stanovaya, pesquisadora sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, acrescentando que Putin esperava “ser capaz de convencer Trump de que a guerra precisa acabar — nos termos [de Putin], é claro”.

“Se isso não der certo, então ele continuará lutando como antes”, disse ela. “Ele está contando que a Ucrânia não será capaz de resistir por muito tempo”.

Donald Trump em encontro com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, na Trump Tower, em setembro de 2024. Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Um acadêmico russo próximo ao alto escalão da diplomacia russa disse que não havia clima para concessões no Kremlin, com suas forças avançando firmemente no leste da Ucrânia e ninguém prevendo um colapso econômico.

“A Rússia está pronta para conduzir negociações, mas negociações a partir de uma posição de força, não de fraqueza”, disse ele, sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do tema.

As fanfarronices de Trump dizendo que ele pode fechar um acordo rápido sugerem impaciência, então autoridades de Moscou continuam insistindo que o acordo aborde a “causa raiz” da guerra, sugerindo que eles vão retardar as negociações em conversas longas e complicadas a respeito de um pacto de segurança europeu mais amplo.

O desejo de Putin por uma grande barganha na arquitetura de segurança europeia foi transmitido por um oligarca conservador próximo ao Kremlin, Konstantin Malofeyev, que alertou em uma entrevista ao Financial Times em Dubai este mês que Putin rejeitaria qualquer acordo de Trump a menos que envolvesse não apenas a Ucrânia, mas a Europa e o mundo.

O acadêmico russo disse que Moscou poderia sugerir que estava disposta a ser “flexível” em algumas de suas demandas territoriais diante da Ucrânia em troca de concessões na composição futura da arquitetura de segurança da Europa.

Isso significa essencialmente uma cúpula Trump-Putin concordando em dividir o mundo em esferas de influência, com a primazia da Rússia sobre a Ucrânia, Geórgia e outros antigos vizinhos soviéticos não membros da Otan assegurada. Isso restringiria a Otan e comprometeria a segurança da Europa.

“Espero que Trump não caia nessa armadilha, porque os europeus se oporão a isso e acho que os ucranianos também”, disse um ex-diplomata do alto escalão dos EUA e especialista em Rússia, que falou sob condição de anonimato para cumprir as regras do think tank americano que o emprega. Putin, ele disse, “sempre quis ter algum tipo de paz imposta pelos EUA e pela Rússia em relação a isso”.

Depois, há o ângulo popular entre muitos na órbita de Trump de dividir a emergente aliança Rússia-China. Em uma entrevista em outubro com o comentarista de direita Tucker Carlson, Trump disse que teria que “desunir” a Rússia e a China.

“Essa escola de pensamento parece ser popular entre muitas pessoas no universo de Trump, incluindo aquelas que foram nomeadas para sua equipe de segurança nacional”, escreveu Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim.

Um funcionário republicano do congresso descartou essa “estratégia de divisão” como esforços de propaganda russa para persuadir o Ocidente a suavizar sua posição diante de Putin. “Geralmente é um código para pessoas que querem ser brandas com a Rússia e podem se importar com a China ou não.”

A Rússia depende da China para o comércio, e Putin e o presidente chinês Xi Jinping sabem que Trump irá embora em quatro anos.

Qualquer jogada de Trump para enfraquecer os laços Moscou-Pequim seria um fracasso, de acordo com Gabuev, dada “a relação pessoal entre os dois autocratas, sua desconfiança comum em relação a Washington e suas esperanças de se tornarem mais poderosos em uma ordem multipolar emergente — às custas dos Estados Unidos.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Dois autoproclamados machos alfa da liderança geopolítica estarão se enfrentando no ano que vem.

Em um canto estará o presidente Donald Trump, faminto por um acordo de paz com a Ucrânia que o faria parecer um pacificador global. No outro, o presidente russo Vladimir Putin, um autocrata astuto, manipulador e veementemente antiamericano que espera atrair Trump para criar uma nova ordem mundial transacional sem regras ou direitos humanos.

Putin está buscando uma grande barganha envolvendo a segurança europeia que deixaria a Ucrânia à mercê do Kremlin, enfraqueceria a Otan e consolidaria o lugar da Rússia como potência global.

Antes de qualquer conversa, o Kremlin está avaliando cuidadosamente as mensagens, ambições e vulnerabilidades de Trump, enquanto permanece cauteloso diante de sua imprevisibilidade. As fraquezas de Trump, de acordo com analistas russos, incluem ingenuidade geopolítica, capacidade abreviada de prestar atenção no tópico em questão e uma propensão a confiar nos instintos, e não no cérebro.

“Eu acho que Trump fica em silêncio deliberadamente porque ele não sabe o que dizer”, disse Konstantin Remchukov, editor do Nezavisimaya Gazeta. “Vimos sua campanha. Ele não é um pensador profundo em termos de assuntos geopolíticos.”

Donald Trump quer um acordo de paz com a Ucrânia. Foto: Rick Scuteri/AP

A maior questão entre os dois homens será o conflito na Ucrânia, que Trump prometeu encerrar em 24 horas.

Mas Putin estabeleceu condições rigorosas para qualquer acordo, incluindo manter a Ucrânia permanentemente fora da Otan, reduzir significativamente as forças armadas da aliança ocidental e manter o território ucraniano por ele ocupado. Analistas veem pouca esperança para um acordo de paz, dada a posição maximalista de Putin e a cautela de Trump em parecer fraco se der muito à Rússia.

Trump, “como qualquer líder mundial, quer negociar a partir de uma posição de força. Ele não quer ser visto como fraco e não quer ser visto como alguém que se curva a Putin”, disse Joshua Huminski, vice-presidente sênior do Centro de Estudos da Presidência e do Congresso.

Até agora, os sinais trocados entre Putin e Trump não sugerem imediatamente uma nova era de relações mais calorosas. Âncoras da televisão estatal russa exibiram fotos de Melania Trump nua poucos dias após a eleição, sorrindo enquanto discutiam o retorno da primeira-dama dos Estados Unidos.

Então, no mês passado, Putin alertou que Trump “não estava em segurança”, em uma aparente referência ao seu possível assassinato: “Infelizmente, na história dos Estados Unidos, vários incidentes aconteceram”, disse ele.

Enquanto isso, depois que Putin perdeu seu cliente sírio, Bashar Assad, Trump alardeou que a Rússia estava em um “estado enfraquecido” por causa da guerra na Ucrânia e das dificuldades na economia.

“Este é o momento de agir”, disse ele, dizendo a Putin para buscar um cessar-fogo na Ucrânia e negociações de paz.

No entanto, há muitos pontos em que os dois homens concordam.

Putin não tolera o liberalismo ocidental — líderes estrangeiros que lhe dão sermões a respeito da repressão russa e de valores universais como direitos humanos. Em Trump, ele vê um cínico implacável semelhante.

Isso pode ser uma vantagem, pois ele busca transformar a Rússia em uma potência global em uma nova ordem mundial multipolar sem valores que defendam os direitos humanos, onde gigantes globais dividem o mapa e negociam a soberania de nações mais fracas.

“Essa abordagem de valores formou o que Putin mais odeia, a ordem baseada em regras, e foi assim que nossas relações se deterioraram”, disse Remchukov. “Trump, nesse aspecto, parece ser uma pessoa que não se importa com valores, que não se importa com ideologia, não prega ou repreende ninguém a respeito de nenhuma dessas questões. Trump diz: não me importa o que você faz internamente.”

Falando dias após a vitória de Trump, Putin transmitiu um clima triunfal, alegando que sua nova ordem está quase chegando.

Putin está buscando uma grande barganha envolvendo a segurança europeia que deixaria a Ucrânia à mercê do Kremlin, enfraqueceria a Otan e consolidaria o lugar da Rússia como potência global. Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

“Diante de nossos olhos, uma ordem mundial inteiramente nova está surgindo, diferente de tudo que já vimos antes”, ele declarou, acrescentando que com a morte da velha ordem baseada em regras, “uma luta feroz e sem recuo está em andamento para moldar essa nova ordem”.

A Otan, disse ele, é “um anacronismo absoluto.” A carta da ONU, que proíbe invasões, foi criada pelos vencedores e deve ser alterada porque “novos centros de poder estão surgindo”. O liberalismo ocidental é “totalitário em essência”.

O proeminente escritor russo Mikhail Zygar, que mora nos Estados Unidos, mas foi condenado na Rússia em julho por suas críticas à guerra, disse que Putin parecia estar se dirigindo diretamente a Trump quando disse que mais cedo ou mais tarde o Ocidente entenderia a necessidade de “uma abordagem pragmática e sóbria, fundamentada em uma avaliação bastante dura, às vezes cínica, mas racional dos eventos e de suas próprias capacidades”.

“Simplificando, Putin insiste que todo ditador merece tolerância. Todo regime tem o direito de realizar suas próprias repressões”, escreveu Zygar em uma análise recente. De acordo com Putin, guerras seriam inevitáveis.

“A força determina quem tem razão, e esse princípio também funciona. Os países têm que defender seus interesses militarmente, afirmando-os por todos os meios necessários”, disse Putin, que dois dias depois usou um novo míssil de alcance intermediário chamado Oreshnik contra a Ucrânia. Desde então, ele ameaçou usar os mísseis para destruir os centros de tomada de decisões políticas e militares de Kiev.

Como seu enviado à Ucrânia, Trump escolheu o tenente-general da reserva Keith Kellogg, que argumentou que a abordagem transacional de Trump em seu primeiro mandato permitiu que ele “reduzisse as tensões com Putin enquanto se mantinha firme nos interesses de segurança americanos”.

Enquanto Putin e Trump se preparam para o duelo, o líder russo enfrenta uma restrição do quanto tempo sua economia sob sanções pode sustentar a guerra, mas ele está apostando que isso é mais do que a Ucrânia pode aguentar — especialmente se, como Moscou acredita, as entregas de armas ocidentais forem cortadas sob Trump.

“Putin está contando com a possibilidade de decidir algo com Trump”, disse em uma entrevista Tatiana Stanovaya, pesquisadora sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, acrescentando que Putin esperava “ser capaz de convencer Trump de que a guerra precisa acabar — nos termos [de Putin], é claro”.

“Se isso não der certo, então ele continuará lutando como antes”, disse ela. “Ele está contando que a Ucrânia não será capaz de resistir por muito tempo”.

Donald Trump em encontro com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, na Trump Tower, em setembro de 2024. Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Um acadêmico russo próximo ao alto escalão da diplomacia russa disse que não havia clima para concessões no Kremlin, com suas forças avançando firmemente no leste da Ucrânia e ninguém prevendo um colapso econômico.

“A Rússia está pronta para conduzir negociações, mas negociações a partir de uma posição de força, não de fraqueza”, disse ele, sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do tema.

As fanfarronices de Trump dizendo que ele pode fechar um acordo rápido sugerem impaciência, então autoridades de Moscou continuam insistindo que o acordo aborde a “causa raiz” da guerra, sugerindo que eles vão retardar as negociações em conversas longas e complicadas a respeito de um pacto de segurança europeu mais amplo.

O desejo de Putin por uma grande barganha na arquitetura de segurança europeia foi transmitido por um oligarca conservador próximo ao Kremlin, Konstantin Malofeyev, que alertou em uma entrevista ao Financial Times em Dubai este mês que Putin rejeitaria qualquer acordo de Trump a menos que envolvesse não apenas a Ucrânia, mas a Europa e o mundo.

O acadêmico russo disse que Moscou poderia sugerir que estava disposta a ser “flexível” em algumas de suas demandas territoriais diante da Ucrânia em troca de concessões na composição futura da arquitetura de segurança da Europa.

Isso significa essencialmente uma cúpula Trump-Putin concordando em dividir o mundo em esferas de influência, com a primazia da Rússia sobre a Ucrânia, Geórgia e outros antigos vizinhos soviéticos não membros da Otan assegurada. Isso restringiria a Otan e comprometeria a segurança da Europa.

“Espero que Trump não caia nessa armadilha, porque os europeus se oporão a isso e acho que os ucranianos também”, disse um ex-diplomata do alto escalão dos EUA e especialista em Rússia, que falou sob condição de anonimato para cumprir as regras do think tank americano que o emprega. Putin, ele disse, “sempre quis ter algum tipo de paz imposta pelos EUA e pela Rússia em relação a isso”.

Depois, há o ângulo popular entre muitos na órbita de Trump de dividir a emergente aliança Rússia-China. Em uma entrevista em outubro com o comentarista de direita Tucker Carlson, Trump disse que teria que “desunir” a Rússia e a China.

“Essa escola de pensamento parece ser popular entre muitas pessoas no universo de Trump, incluindo aquelas que foram nomeadas para sua equipe de segurança nacional”, escreveu Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim.

Um funcionário republicano do congresso descartou essa “estratégia de divisão” como esforços de propaganda russa para persuadir o Ocidente a suavizar sua posição diante de Putin. “Geralmente é um código para pessoas que querem ser brandas com a Rússia e podem se importar com a China ou não.”

A Rússia depende da China para o comércio, e Putin e o presidente chinês Xi Jinping sabem que Trump irá embora em quatro anos.

Qualquer jogada de Trump para enfraquecer os laços Moscou-Pequim seria um fracasso, de acordo com Gabuev, dada “a relação pessoal entre os dois autocratas, sua desconfiança comum em relação a Washington e suas esperanças de se tornarem mais poderosos em uma ordem multipolar emergente — às custas dos Estados Unidos.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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