Ativistas russos fogem da guerra e encontram detenção nos EUA: ‘troquei a Rússia por um lugar igual’


Separados por seis meses, casal de médicos ficou detido em centros remotos de detenção de imigrantes na zona rural do estado americano de Louisiana

Por Miriam Jordan

NOVA YORK — Eles se apaixonaram no primeiro ano da faculdade de medicina na Rússia, aliados ao compromisso de construir a democracia em um país onde qualquer esperança remanescente desaparecia. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia neste ano, Mariia Shemiatina e Boris Shevchuk, que se casaram e se tornaram médicos praticantes, postaram vídeos do derramamento de sangue e mensagens antiguerra nas redes sociais. “Peço aos russos que vejam a verdade, que não acreditem nas mentiras da mídia russa”, escreveu Shemiatina, 29 anos, no Instagram. Suas postagens foram deletadas pelas autoridades repetidas vezes, ela disse — até que suas contas foram bloqueadas.

A polícia ligou para a família dela em busca do casal, que havia se escondido. Certos de que estavam prestes a ser recrutados para servir como médicos nas linhas de frente, ou presos por sua atividade política, o casal decidiu fugir.

Eles conseguiram chegar ao México em meados de abril. Duas semanas depois, dirigiram até uma porta de entrada nos Estados Unidos, entregaram seus passaportes e pediram asilo, esperando o primeiro gostinho da verdadeira liberdade. Em vez disso, suas mãos e pés foram algemados e foram levados para centros remotos de detenção de imigrantes na zona rural da Louisiana. Levaria seis meses até que se vissem novamente.

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“Achei que, quando deixássemos a Rússia, nosso sofrimento acabaria”, disse Shevchuk, 28 anos, em entrevista no Centro de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) em Pine Prairie, Louisiana. “Me sinto desamparado”.

Boris Shevchuck repassa sua papelada com sua advogada, Jessica Gutierrez, enquanto sua esposa Mariia Shemiatina observa, após sua libertação do centro de detenção em Pine Prairie. Foto: Emily Kask/ The New York Times - 08/11/2022

Enquanto o presidente russo, Vladimir Putin, reprime os dissidentes e prende os que fogem do recrutamento, um número crescente de russos atravessa a fronteira sul dos EUA. Contudo, ao contrário de suas expectativas de asilo e liberdade, muitos são colocados em centros de detenção de imigrantes similares a prisões.

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Mesmo antes do ataque da Rússia à Ucrânia, ativistas antigovernamentais saíam do país em busca de refúgio nos Estados Unidos. O êxodo se intensificou após o início da guerra, no final de fevereiro, atingindo as maiores taxas da História recente. No ano de 2022, 21.763 russos foram registrados pelas autoridades americanas na fronteira sul, em comparação com 467 em 2020. Só em outubro foram 3.879.

Todos que chegam ao território americano têm o direito de pedir asilo, embora seja concedido apenas àqueles que podem provar que foram perseguidos em seu país de origem com base em sua raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertença a um determinado grupo social. Muitos requerentes de asilo são libertados e podem defender seus casos posteriormente no tribunal. Porém, milhares são enviados para centros de detenção, onde é difícil conseguir advogados e coletar provas, e as chances de obter asilo são extremamente pequenas.

“Proporcionalmente, em comparação com pessoas de outros países, há mais russos sendo detidos”, disse Svetlana Kaff, uma advogada de imigração de São Francisco que disse ter recebido uma enxurrada de pedidos de ajuda.

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Grupos de direitos humanos documentaram durante anos o confinamento prolongado, a negligência médica e os maus-tratos de imigrantes detidos, especialmente aqueles alojados em instalações com fins lucrativos, como as de Pine Prairie e Basile, a 48 quilômetros de distância, onde Shemiatina foi mantida. Os requerentes de asilo russos entrevistados disseram que estiveram à mercê dos guardas que os tratam com indiferença e, não raramente, com hostilidade.

Instalações em Pine Prairie, onde migrantes russos ficaram detidos. Foto: Emily Kask/ The New York Times

O ICE se recusou a discutir casos individuais, mas disse em comunicado que a agência está “firmemente comprometida com a saúde e o bem-estar de todos aqueles sob sua custódia”. Eles disseram que a agência revisa regularmente suas operações de detenção para garantir que os não cidadãos “sejam tratados com humanidade, protegidos contra danos, recebam cuidados médicos e de saúde mental apropriados e recebam os direitos e proteções a que têm direito”.

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O grupo GEO, empresa privada que opera uma rede de centros de detenção de imigrantes, incluindo os da Louisiana, disse que suas instalações fornecem acesso 24 horas por dia a cuidados médicos, um programa de orientação jurídica e ligações telefônicas gratuitas para advogados.

‘Troquei a Rússia por um lugar igual’

Shevchuk e Shemiatina estavam cada vez mais preocupados com a corrupção e repressão à expressão pública na Rússia. Eles se juntaram aos protestos convocados pelo líder da oposição, Alexei Navalni, na corrida para a eleição de Putin para um quarto mandato em 2018. Quando a universidade ameaçou reter seus diplomas por causa de seu ativismo, eles continuaram a doar dinheiro secretamente para a organização de Navalni, anos antes de ele ser envenenado e preso.

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O casal enfrentou represália nos hospitais onde trabalhava por suas visões políticas. Eles disseram que seus salários foram reduzidos depois que se recusaram a assinar petições e participar de manifestações em apoio a Putin. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia no final de fevereiro, o casal começou a postar fotos e vídeos no Instagram e no V Kontakte, uma plataforma russa, e soube que a polícia os procurava.

Como os médicos foram mobilizados para o esforço de guerra, eles decidiram que deveriam deixar o país. Impossibilitados de obter vistos para a União Europeia (UE), seguiram a rota de outros recentes dissidentes russos, voando para o México em 13 de abril. Duas semanas depois, na cidade de Tijuana, chegaram à fronteira com os EUA e pediram proteção.

No porto de entrada perto de San Diego, quando receberam ordem de retirar objetos de valor, Shevchuk enfiou as alianças em um compartimento de sua mochila. Depois de seis dias em celas separadas, frias e sem janelas, eles foram levados para a Louisiana em 5 de maio e colocados em diferentes centros de detenção.

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Boris Shevchuk e Mariia Shemiatina recolocam alianças após período de detenção nos EUA. Foto: Emily Kask/ The New York Times

No centro em Basile, Shemiatina contou duas dúzias de russos em um dormitório que ela dividia com cerca de 60 mulheres em macacões laranja. Para passar o tempo e animar sua esposa, Shevchuk escreveu cartas e esboços de cenas românticas — um casal sentado lado a lado olhando para uma montanha ou de mãos dadas à beira de um rio — que enviou para ela.

Entretanto, depois que um detento ameaçou violência contra ele e outros russos, Shevchuk exigiu que fossem transferidos. Um guarda os algemou durante a transferência e derrubou Shevchuk no chão, disse ele, fazendo com que machucasse a cabeça e sangrasse o nariz. “Percebi que havia trocado a Rússia por um lugar que era exatamente como a Rússia”, disse ele.

Finalmente, no início de agosto, o casal chegou ao topo da lista de espera da Isla, uma organização sem fins lucrativos de ajuda a imigrantes em Nova Orleans. A advogada deles, Jessica Gutierrez, entrou com pedido de soltura do casal, lembrando que eles não representavam risco de fuga e tinham um padrinho para recebê-los.

O ICE, por sua vez, respondeu que “após a revisão de todos os fatos relevantes”, havia determinado que eles poderiam ser liberados se cada um pagasse uma fiança no valor de US$ 15 mil (cerca de R$ 80 mil) cada. Mas onde eles encontrariam o dinheiro?

Mariia Shemiatina exibe desenhos enviados a ela por seu marido Boris Shevchuck enquanto ele estava sob custódia federal. Foto: Emily Kask/ The New York Times

A essa altura, Shemiatina começou a sentir dores excruciantes na região pélvica e dormência no lado esquerdo do corpo, mas as ressonâncias magnéticas foram inconclusivas, de acordo com relatórios médicos revisados pelo The New York Times. Finalmente, um dissidente russo que Shevchuk conheceu na fronteira, Balashov, juntou o dinheiro para libertar Shemiatina. Ela viajou para Nova Orleans em 6 de novembro para esperar o marido, usando um apoio para a perna.

Dan Gashler, professor de história na Universidade do Estado de Nova York e voluntário da Liberdade para Imigrantes (Freedom for Immigrants), que ajuda imigrantes detidos, organizou uma arrecadação de fundos para pagar a fiança de Shevchuk e levar o casal para Nova York. Os membros da comunidade se ofereceram para abrigá-los e ajudá-los.

Em 8 de novembro, Shemiatina subiu em uma minivan, com seu advogado ao volante, para uma viagem de três horas para encontrar seu marido em Pine Prairie. “Estou mais feliz do que no dia do meu casamento”, declarou ela.

Quando Shevchuk emergiu das instalações, com um largo sorriso, ele apressou o passo para se reunir com sua esposa, que mancou em sua direção. De sua mochila, Shevchuk recuperou a aliança de casamento que havia escondido seis meses antes. Ele o colocou no dedo de Shemiatina.

NOVA YORK — Eles se apaixonaram no primeiro ano da faculdade de medicina na Rússia, aliados ao compromisso de construir a democracia em um país onde qualquer esperança remanescente desaparecia. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia neste ano, Mariia Shemiatina e Boris Shevchuk, que se casaram e se tornaram médicos praticantes, postaram vídeos do derramamento de sangue e mensagens antiguerra nas redes sociais. “Peço aos russos que vejam a verdade, que não acreditem nas mentiras da mídia russa”, escreveu Shemiatina, 29 anos, no Instagram. Suas postagens foram deletadas pelas autoridades repetidas vezes, ela disse — até que suas contas foram bloqueadas.

A polícia ligou para a família dela em busca do casal, que havia se escondido. Certos de que estavam prestes a ser recrutados para servir como médicos nas linhas de frente, ou presos por sua atividade política, o casal decidiu fugir.

Eles conseguiram chegar ao México em meados de abril. Duas semanas depois, dirigiram até uma porta de entrada nos Estados Unidos, entregaram seus passaportes e pediram asilo, esperando o primeiro gostinho da verdadeira liberdade. Em vez disso, suas mãos e pés foram algemados e foram levados para centros remotos de detenção de imigrantes na zona rural da Louisiana. Levaria seis meses até que se vissem novamente.

“Achei que, quando deixássemos a Rússia, nosso sofrimento acabaria”, disse Shevchuk, 28 anos, em entrevista no Centro de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) em Pine Prairie, Louisiana. “Me sinto desamparado”.

Boris Shevchuck repassa sua papelada com sua advogada, Jessica Gutierrez, enquanto sua esposa Mariia Shemiatina observa, após sua libertação do centro de detenção em Pine Prairie. Foto: Emily Kask/ The New York Times - 08/11/2022

Enquanto o presidente russo, Vladimir Putin, reprime os dissidentes e prende os que fogem do recrutamento, um número crescente de russos atravessa a fronteira sul dos EUA. Contudo, ao contrário de suas expectativas de asilo e liberdade, muitos são colocados em centros de detenção de imigrantes similares a prisões.

Mesmo antes do ataque da Rússia à Ucrânia, ativistas antigovernamentais saíam do país em busca de refúgio nos Estados Unidos. O êxodo se intensificou após o início da guerra, no final de fevereiro, atingindo as maiores taxas da História recente. No ano de 2022, 21.763 russos foram registrados pelas autoridades americanas na fronteira sul, em comparação com 467 em 2020. Só em outubro foram 3.879.

Todos que chegam ao território americano têm o direito de pedir asilo, embora seja concedido apenas àqueles que podem provar que foram perseguidos em seu país de origem com base em sua raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertença a um determinado grupo social. Muitos requerentes de asilo são libertados e podem defender seus casos posteriormente no tribunal. Porém, milhares são enviados para centros de detenção, onde é difícil conseguir advogados e coletar provas, e as chances de obter asilo são extremamente pequenas.

“Proporcionalmente, em comparação com pessoas de outros países, há mais russos sendo detidos”, disse Svetlana Kaff, uma advogada de imigração de São Francisco que disse ter recebido uma enxurrada de pedidos de ajuda.

Grupos de direitos humanos documentaram durante anos o confinamento prolongado, a negligência médica e os maus-tratos de imigrantes detidos, especialmente aqueles alojados em instalações com fins lucrativos, como as de Pine Prairie e Basile, a 48 quilômetros de distância, onde Shemiatina foi mantida. Os requerentes de asilo russos entrevistados disseram que estiveram à mercê dos guardas que os tratam com indiferença e, não raramente, com hostilidade.

Instalações em Pine Prairie, onde migrantes russos ficaram detidos. Foto: Emily Kask/ The New York Times

O ICE se recusou a discutir casos individuais, mas disse em comunicado que a agência está “firmemente comprometida com a saúde e o bem-estar de todos aqueles sob sua custódia”. Eles disseram que a agência revisa regularmente suas operações de detenção para garantir que os não cidadãos “sejam tratados com humanidade, protegidos contra danos, recebam cuidados médicos e de saúde mental apropriados e recebam os direitos e proteções a que têm direito”.

O grupo GEO, empresa privada que opera uma rede de centros de detenção de imigrantes, incluindo os da Louisiana, disse que suas instalações fornecem acesso 24 horas por dia a cuidados médicos, um programa de orientação jurídica e ligações telefônicas gratuitas para advogados.

‘Troquei a Rússia por um lugar igual’

Shevchuk e Shemiatina estavam cada vez mais preocupados com a corrupção e repressão à expressão pública na Rússia. Eles se juntaram aos protestos convocados pelo líder da oposição, Alexei Navalni, na corrida para a eleição de Putin para um quarto mandato em 2018. Quando a universidade ameaçou reter seus diplomas por causa de seu ativismo, eles continuaram a doar dinheiro secretamente para a organização de Navalni, anos antes de ele ser envenenado e preso.

O casal enfrentou represália nos hospitais onde trabalhava por suas visões políticas. Eles disseram que seus salários foram reduzidos depois que se recusaram a assinar petições e participar de manifestações em apoio a Putin. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia no final de fevereiro, o casal começou a postar fotos e vídeos no Instagram e no V Kontakte, uma plataforma russa, e soube que a polícia os procurava.

Como os médicos foram mobilizados para o esforço de guerra, eles decidiram que deveriam deixar o país. Impossibilitados de obter vistos para a União Europeia (UE), seguiram a rota de outros recentes dissidentes russos, voando para o México em 13 de abril. Duas semanas depois, na cidade de Tijuana, chegaram à fronteira com os EUA e pediram proteção.

No porto de entrada perto de San Diego, quando receberam ordem de retirar objetos de valor, Shevchuk enfiou as alianças em um compartimento de sua mochila. Depois de seis dias em celas separadas, frias e sem janelas, eles foram levados para a Louisiana em 5 de maio e colocados em diferentes centros de detenção.

Boris Shevchuk e Mariia Shemiatina recolocam alianças após período de detenção nos EUA. Foto: Emily Kask/ The New York Times

No centro em Basile, Shemiatina contou duas dúzias de russos em um dormitório que ela dividia com cerca de 60 mulheres em macacões laranja. Para passar o tempo e animar sua esposa, Shevchuk escreveu cartas e esboços de cenas românticas — um casal sentado lado a lado olhando para uma montanha ou de mãos dadas à beira de um rio — que enviou para ela.

Entretanto, depois que um detento ameaçou violência contra ele e outros russos, Shevchuk exigiu que fossem transferidos. Um guarda os algemou durante a transferência e derrubou Shevchuk no chão, disse ele, fazendo com que machucasse a cabeça e sangrasse o nariz. “Percebi que havia trocado a Rússia por um lugar que era exatamente como a Rússia”, disse ele.

Finalmente, no início de agosto, o casal chegou ao topo da lista de espera da Isla, uma organização sem fins lucrativos de ajuda a imigrantes em Nova Orleans. A advogada deles, Jessica Gutierrez, entrou com pedido de soltura do casal, lembrando que eles não representavam risco de fuga e tinham um padrinho para recebê-los.

O ICE, por sua vez, respondeu que “após a revisão de todos os fatos relevantes”, havia determinado que eles poderiam ser liberados se cada um pagasse uma fiança no valor de US$ 15 mil (cerca de R$ 80 mil) cada. Mas onde eles encontrariam o dinheiro?

Mariia Shemiatina exibe desenhos enviados a ela por seu marido Boris Shevchuck enquanto ele estava sob custódia federal. Foto: Emily Kask/ The New York Times

A essa altura, Shemiatina começou a sentir dores excruciantes na região pélvica e dormência no lado esquerdo do corpo, mas as ressonâncias magnéticas foram inconclusivas, de acordo com relatórios médicos revisados pelo The New York Times. Finalmente, um dissidente russo que Shevchuk conheceu na fronteira, Balashov, juntou o dinheiro para libertar Shemiatina. Ela viajou para Nova Orleans em 6 de novembro para esperar o marido, usando um apoio para a perna.

Dan Gashler, professor de história na Universidade do Estado de Nova York e voluntário da Liberdade para Imigrantes (Freedom for Immigrants), que ajuda imigrantes detidos, organizou uma arrecadação de fundos para pagar a fiança de Shevchuk e levar o casal para Nova York. Os membros da comunidade se ofereceram para abrigá-los e ajudá-los.

Em 8 de novembro, Shemiatina subiu em uma minivan, com seu advogado ao volante, para uma viagem de três horas para encontrar seu marido em Pine Prairie. “Estou mais feliz do que no dia do meu casamento”, declarou ela.

Quando Shevchuk emergiu das instalações, com um largo sorriso, ele apressou o passo para se reunir com sua esposa, que mancou em sua direção. De sua mochila, Shevchuk recuperou a aliança de casamento que havia escondido seis meses antes. Ele o colocou no dedo de Shemiatina.

NOVA YORK — Eles se apaixonaram no primeiro ano da faculdade de medicina na Rússia, aliados ao compromisso de construir a democracia em um país onde qualquer esperança remanescente desaparecia. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia neste ano, Mariia Shemiatina e Boris Shevchuk, que se casaram e se tornaram médicos praticantes, postaram vídeos do derramamento de sangue e mensagens antiguerra nas redes sociais. “Peço aos russos que vejam a verdade, que não acreditem nas mentiras da mídia russa”, escreveu Shemiatina, 29 anos, no Instagram. Suas postagens foram deletadas pelas autoridades repetidas vezes, ela disse — até que suas contas foram bloqueadas.

A polícia ligou para a família dela em busca do casal, que havia se escondido. Certos de que estavam prestes a ser recrutados para servir como médicos nas linhas de frente, ou presos por sua atividade política, o casal decidiu fugir.

Eles conseguiram chegar ao México em meados de abril. Duas semanas depois, dirigiram até uma porta de entrada nos Estados Unidos, entregaram seus passaportes e pediram asilo, esperando o primeiro gostinho da verdadeira liberdade. Em vez disso, suas mãos e pés foram algemados e foram levados para centros remotos de detenção de imigrantes na zona rural da Louisiana. Levaria seis meses até que se vissem novamente.

“Achei que, quando deixássemos a Rússia, nosso sofrimento acabaria”, disse Shevchuk, 28 anos, em entrevista no Centro de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) em Pine Prairie, Louisiana. “Me sinto desamparado”.

Boris Shevchuck repassa sua papelada com sua advogada, Jessica Gutierrez, enquanto sua esposa Mariia Shemiatina observa, após sua libertação do centro de detenção em Pine Prairie. Foto: Emily Kask/ The New York Times - 08/11/2022

Enquanto o presidente russo, Vladimir Putin, reprime os dissidentes e prende os que fogem do recrutamento, um número crescente de russos atravessa a fronteira sul dos EUA. Contudo, ao contrário de suas expectativas de asilo e liberdade, muitos são colocados em centros de detenção de imigrantes similares a prisões.

Mesmo antes do ataque da Rússia à Ucrânia, ativistas antigovernamentais saíam do país em busca de refúgio nos Estados Unidos. O êxodo se intensificou após o início da guerra, no final de fevereiro, atingindo as maiores taxas da História recente. No ano de 2022, 21.763 russos foram registrados pelas autoridades americanas na fronteira sul, em comparação com 467 em 2020. Só em outubro foram 3.879.

Todos que chegam ao território americano têm o direito de pedir asilo, embora seja concedido apenas àqueles que podem provar que foram perseguidos em seu país de origem com base em sua raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertença a um determinado grupo social. Muitos requerentes de asilo são libertados e podem defender seus casos posteriormente no tribunal. Porém, milhares são enviados para centros de detenção, onde é difícil conseguir advogados e coletar provas, e as chances de obter asilo são extremamente pequenas.

“Proporcionalmente, em comparação com pessoas de outros países, há mais russos sendo detidos”, disse Svetlana Kaff, uma advogada de imigração de São Francisco que disse ter recebido uma enxurrada de pedidos de ajuda.

Grupos de direitos humanos documentaram durante anos o confinamento prolongado, a negligência médica e os maus-tratos de imigrantes detidos, especialmente aqueles alojados em instalações com fins lucrativos, como as de Pine Prairie e Basile, a 48 quilômetros de distância, onde Shemiatina foi mantida. Os requerentes de asilo russos entrevistados disseram que estiveram à mercê dos guardas que os tratam com indiferença e, não raramente, com hostilidade.

Instalações em Pine Prairie, onde migrantes russos ficaram detidos. Foto: Emily Kask/ The New York Times

O ICE se recusou a discutir casos individuais, mas disse em comunicado que a agência está “firmemente comprometida com a saúde e o bem-estar de todos aqueles sob sua custódia”. Eles disseram que a agência revisa regularmente suas operações de detenção para garantir que os não cidadãos “sejam tratados com humanidade, protegidos contra danos, recebam cuidados médicos e de saúde mental apropriados e recebam os direitos e proteções a que têm direito”.

O grupo GEO, empresa privada que opera uma rede de centros de detenção de imigrantes, incluindo os da Louisiana, disse que suas instalações fornecem acesso 24 horas por dia a cuidados médicos, um programa de orientação jurídica e ligações telefônicas gratuitas para advogados.

‘Troquei a Rússia por um lugar igual’

Shevchuk e Shemiatina estavam cada vez mais preocupados com a corrupção e repressão à expressão pública na Rússia. Eles se juntaram aos protestos convocados pelo líder da oposição, Alexei Navalni, na corrida para a eleição de Putin para um quarto mandato em 2018. Quando a universidade ameaçou reter seus diplomas por causa de seu ativismo, eles continuaram a doar dinheiro secretamente para a organização de Navalni, anos antes de ele ser envenenado e preso.

O casal enfrentou represália nos hospitais onde trabalhava por suas visões políticas. Eles disseram que seus salários foram reduzidos depois que se recusaram a assinar petições e participar de manifestações em apoio a Putin. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia no final de fevereiro, o casal começou a postar fotos e vídeos no Instagram e no V Kontakte, uma plataforma russa, e soube que a polícia os procurava.

Como os médicos foram mobilizados para o esforço de guerra, eles decidiram que deveriam deixar o país. Impossibilitados de obter vistos para a União Europeia (UE), seguiram a rota de outros recentes dissidentes russos, voando para o México em 13 de abril. Duas semanas depois, na cidade de Tijuana, chegaram à fronteira com os EUA e pediram proteção.

No porto de entrada perto de San Diego, quando receberam ordem de retirar objetos de valor, Shevchuk enfiou as alianças em um compartimento de sua mochila. Depois de seis dias em celas separadas, frias e sem janelas, eles foram levados para a Louisiana em 5 de maio e colocados em diferentes centros de detenção.

Boris Shevchuk e Mariia Shemiatina recolocam alianças após período de detenção nos EUA. Foto: Emily Kask/ The New York Times

No centro em Basile, Shemiatina contou duas dúzias de russos em um dormitório que ela dividia com cerca de 60 mulheres em macacões laranja. Para passar o tempo e animar sua esposa, Shevchuk escreveu cartas e esboços de cenas românticas — um casal sentado lado a lado olhando para uma montanha ou de mãos dadas à beira de um rio — que enviou para ela.

Entretanto, depois que um detento ameaçou violência contra ele e outros russos, Shevchuk exigiu que fossem transferidos. Um guarda os algemou durante a transferência e derrubou Shevchuk no chão, disse ele, fazendo com que machucasse a cabeça e sangrasse o nariz. “Percebi que havia trocado a Rússia por um lugar que era exatamente como a Rússia”, disse ele.

Finalmente, no início de agosto, o casal chegou ao topo da lista de espera da Isla, uma organização sem fins lucrativos de ajuda a imigrantes em Nova Orleans. A advogada deles, Jessica Gutierrez, entrou com pedido de soltura do casal, lembrando que eles não representavam risco de fuga e tinham um padrinho para recebê-los.

O ICE, por sua vez, respondeu que “após a revisão de todos os fatos relevantes”, havia determinado que eles poderiam ser liberados se cada um pagasse uma fiança no valor de US$ 15 mil (cerca de R$ 80 mil) cada. Mas onde eles encontrariam o dinheiro?

Mariia Shemiatina exibe desenhos enviados a ela por seu marido Boris Shevchuck enquanto ele estava sob custódia federal. Foto: Emily Kask/ The New York Times

A essa altura, Shemiatina começou a sentir dores excruciantes na região pélvica e dormência no lado esquerdo do corpo, mas as ressonâncias magnéticas foram inconclusivas, de acordo com relatórios médicos revisados pelo The New York Times. Finalmente, um dissidente russo que Shevchuk conheceu na fronteira, Balashov, juntou o dinheiro para libertar Shemiatina. Ela viajou para Nova Orleans em 6 de novembro para esperar o marido, usando um apoio para a perna.

Dan Gashler, professor de história na Universidade do Estado de Nova York e voluntário da Liberdade para Imigrantes (Freedom for Immigrants), que ajuda imigrantes detidos, organizou uma arrecadação de fundos para pagar a fiança de Shevchuk e levar o casal para Nova York. Os membros da comunidade se ofereceram para abrigá-los e ajudá-los.

Em 8 de novembro, Shemiatina subiu em uma minivan, com seu advogado ao volante, para uma viagem de três horas para encontrar seu marido em Pine Prairie. “Estou mais feliz do que no dia do meu casamento”, declarou ela.

Quando Shevchuk emergiu das instalações, com um largo sorriso, ele apressou o passo para se reunir com sua esposa, que mancou em sua direção. De sua mochila, Shevchuk recuperou a aliança de casamento que havia escondido seis meses antes. Ele o colocou no dedo de Shemiatina.

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