Atordoados e exaustos, sobreviventes de Mariupol descrevem os horrores na cidade sitiada


Primeiro corredor humanitário foi estabelecido após uma série de tentativas de retirada de civis ter falhado

Por Louisa Loveluck e David L. Stern
Atualização:

THE WASHINGTON POST - Quando os ônibus de Mariupol foram chegando um a um, os passageiros em estado de choque pareciam exaustos. Quase nenhum deles falou quando as portas se abriram.

A fuga da cidade ucraniana destruída sobre a qual o presidente russo, Vladimir Putin, declarou vitória na quinta-feira, mesmo quando seus assessores reconheceram que milhares de combatentes ucranianos ainda estavam lá, parecia “um milagre”, disse uma mulher.

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“Eles destruíram tudo,” outro assentiu suavemente. “Glória à Ucrânia”, gritou um adolescente.

Ucranianos desembarcam em Zaporizhzhia após conseguirem escapar de Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

O comboio, o primeiro a receber passagem segura pela Rússia em quase duas semanas, deveria incluir dezenas de veículos. Do jeito que estava, apenas quatro ônibus chegaram à cidade de Zaporizhzhia, no sudeste, 225 km ao norte de Mariupol. O restante foi retido quando a noite caiu por postos de controle russos ao longo da rota, disseram autoridades.

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Um punhado de carros particulares também conseguiu passar.

“Tudo o que você vê durante o dia, pessoas sem poder sair, ônibus sem sair, sem retirada de civis, isso é uma violação das garantias da Rússia”, disse a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, que recebeu os ônibus várias horas depois que os mísseis caíram na periferia da cidade.

O corredor humanitário é o mais recente de uma série de tentativas discutidas pela Ucrânia e pela Rússia para retirar civis de Mariupol. Outros acordos falharam por causa da desconfiança.

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Ucranianas se alimentam em centro de refugiados em Zaporizhzhia após conseguirem deixar Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

A vitória em Mariupol seria a mais significativa da Rússia nesta guerra até hoje. A cidade portuária é fundamental para as esperanças russas de formar um corredor terrestre ininterrupto que se estende desde a região leste de Donbas, na fronteira com a Rússia, até a Península da Crimeia, que a Rússia anexou em 2014.

Na quinta-feira, os civis que conseguiram deixar a cidade levaram com eles histórias de horror das táticas brutais que as forças russas usaram. Segundo seus relatos, bombardeios implacáveis iluminavam o céu enquanto os soldados russos iam de casa em casa em busca de inimigos percebidos.

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As famílias viviam no subsolo e sobreviviam com massas secas ou grãos crus. Se aventurar até mesmo em busca de água poderia significar a morte. “O chão estava tremendo”, disse Ruslana, sentada ao lado de sua filha enquanto comia sua primeira refeição adequada em semanas – pão fresco e frutas cozidas – dentro do centro de recepção de Zaporizhzhia.

Como outros civis entrevistados, ela não compartilhou seu sobrenome por preocupações com a segurança de sua família.

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“O mais assustador foi que, quando a gente saia na rua, via que ninguém tinha permissão para recolher os corpos”, disse ela, arregalando os olhos. “Muitos prédios estavam em chamas. Sabemos que muitas famílias foram queimadas vivas.”

Tristemente quietas

Quando o primeiro ônibus abriu suas portas em Zaporizhzhia, muitas das famílias apenas sentavam e esperavam, como se lutassem para entender que estavam a salvo. Algumas crianças estavam tristemente quietas. Elas olhavam em silêncio para a polícia ucraniana e os voluntários que registravam sua chegada.

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Do lado de fora de um ônibus amarelo próximo, outras famílias choravam umas sobre as outras enquanto os repórteres perguntavam sobre as condições em que haviam escapado. “Não havia luz, não havia água”, gritou uma mulher. “Foi um inferno”, disse outro.

Uma mulher idosa fechou os olhos e apenas parecia perdida em meio ao caos. Ela abaixou a cabeça e havia lágrimas em suas bochechas.

Em uma rara reunião televisionada transmitida na quinta-feira, Putin se dirigiu ao ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, dizendo-lhe que “o trabalho das forças armadas para libertar Mariupol foi um sucesso. Parabéns.”

Morador passa por complexo de prédios destruído por bombardeios russos em Mariupol  Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO

Ele acrescentou que “cancelou” os planos de invadir a siderúrgica e expulsar à força os ucranianos restantes, militares e civis, que há dias recusam a exigência de rendição da Rússia.

Mas um vice-comandante das últimas forças restantes que lutam pela Ucrânia em Mariupol disse na quinta-feira que suas tropas continuam lutando, mesmo quando as autoridades russas reivindicam a vitória.

Sviatoslav Palamar, vice-comandante do Batalhão Azov, um grupo nacionalista que faz parte da Guarda Nacional da Ucrânia, disse da usina Azovstal - onde suas tropas e a 36ª Brigada de Fuzileiros Navais rejeitaram o ataque da Rússia - que eles estavam “cercados”, mas “continuavam se defendendo”.

Palamar conseguiu se comunicar com o Washington Post via mensagens de satélite e descreveu um quadro contrastante com as reivindicações russas de vitória.

Ele disse que os combatentes ucranianos em Azovstal repeliram um avanço russo e danificaram veículos militares russos.

Tania e sua filha Ula chegam ao centro de refugiados de Zaporizhzhia  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

“Estamos em Mariupol... então, enquanto estivermos aqui, ninguém rendeu Mariupol ainda”, disse Palamar, embora reconhecesse que eles estavam perdendo força e precisavam ser resgatados.

Palamar disse que as forças russas tentaram por dois dias, mas não conseguiram invadir Azovstal. Ele disse que os combatentes ucranianos destruíram três tanques russos, dois veículos de combate de infantaria, um veículo blindado “e muita infantaria”. “O inimigo foi incapaz de tomar Azovstal de uma vez”, disse ele. “Por enquanto, esta é a situação.”

Enquanto Putin pode ter ordenado que suas tropas não invadam a usina, as forças russas ainda a estão bombardeando, disse Palamar.

O conselheiro presidencial ucraniano, Oleksi Arestovich, disse na quinta-feira que as reivindicações russas de vitória em Mariupol são prematuras. “Eles não podem tomar Azovstal fisicamente, eles entenderam; eles sofreram grandes perdas lá”, disse ele.

Shoigu, o chefe de defesa russo, estimou na quinta-feira que cerca de 2 mil soldados permanecem em Azovstal, enquanto Vereshchuk, a vice-primeira-ministra ucraniana, disse que havia cerca de mil civis e 500 soldados feridos lá – e exigiu “um corredor humanitário urgente” para tirá-los.

Tanques de guerra e prédios destruídos pelos combates na cidade de Mariupol  Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko

Palamar disse que os civis pediram garantias de sua segurança antes de concordarem em deixar a usina. “Pelo ao mundo inteiro que apoie nosso presidente e nossos políticos para garantir a saída segura dos civis, remover os feridos e mortos e retirar a guarnição que está defendendo Mariupol”, pediu.

Os 204 civis que chegaram quinta-feira de Mariupol estavam emergindo do que parecia ser um buraco negro. Em sua cidade natal, o sinal do celular foi bloqueado ou interrompido por danos à infraestrutura próxima. Muitas das famílias ainda não conseguiram contar aos parentes que haviam sobrevivido.

Dentro do centro de recepção, eles esperavam ansiosamente que seus telefones carregassem. Nadia, mãe de três filhos, tinha acabado de saber que seu filho havia sobrevivido. Mas havia outros com a situação incerta. “Não falo com minha mãe desde 1º de março”, disse ela. “Não conhecemos ninguém que tenha ouvido falar dela.”

Para muitos que chegaram na quinta-feira, foi a primeira vez que conseguiram descrever sua provação para pessoas de fora. Com a voz baixa de exaustão, Irina, de 75 anos, disse que sua casa foi destruída. “Estou sem-teto agora”, disse ela. “Tudo se transformou em escombros.”

“Foi muito assustador, todos esses tiros e explosões. Eu estava com tanto medo que minhas pernas não podiam me carregar, e elas ainda mal conseguem fazê-lo.”

Ela olhou para a comida seca à sua frente. “Agora estou calma, não quero nem comer”, disse ela, e começou a chorar. “É bom que eu esteja em casa agora.”

*COM COLABORAÇÃO DE EUGENE LAKATOSH E MARY ILYUSHINA

THE WASHINGTON POST - Quando os ônibus de Mariupol foram chegando um a um, os passageiros em estado de choque pareciam exaustos. Quase nenhum deles falou quando as portas se abriram.

A fuga da cidade ucraniana destruída sobre a qual o presidente russo, Vladimir Putin, declarou vitória na quinta-feira, mesmo quando seus assessores reconheceram que milhares de combatentes ucranianos ainda estavam lá, parecia “um milagre”, disse uma mulher.

“Eles destruíram tudo,” outro assentiu suavemente. “Glória à Ucrânia”, gritou um adolescente.

Ucranianos desembarcam em Zaporizhzhia após conseguirem escapar de Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

O comboio, o primeiro a receber passagem segura pela Rússia em quase duas semanas, deveria incluir dezenas de veículos. Do jeito que estava, apenas quatro ônibus chegaram à cidade de Zaporizhzhia, no sudeste, 225 km ao norte de Mariupol. O restante foi retido quando a noite caiu por postos de controle russos ao longo da rota, disseram autoridades.

Um punhado de carros particulares também conseguiu passar.

“Tudo o que você vê durante o dia, pessoas sem poder sair, ônibus sem sair, sem retirada de civis, isso é uma violação das garantias da Rússia”, disse a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, que recebeu os ônibus várias horas depois que os mísseis caíram na periferia da cidade.

O corredor humanitário é o mais recente de uma série de tentativas discutidas pela Ucrânia e pela Rússia para retirar civis de Mariupol. Outros acordos falharam por causa da desconfiança.

Ucranianas se alimentam em centro de refugiados em Zaporizhzhia após conseguirem deixar Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

A vitória em Mariupol seria a mais significativa da Rússia nesta guerra até hoje. A cidade portuária é fundamental para as esperanças russas de formar um corredor terrestre ininterrupto que se estende desde a região leste de Donbas, na fronteira com a Rússia, até a Península da Crimeia, que a Rússia anexou em 2014.

Na quinta-feira, os civis que conseguiram deixar a cidade levaram com eles histórias de horror das táticas brutais que as forças russas usaram. Segundo seus relatos, bombardeios implacáveis iluminavam o céu enquanto os soldados russos iam de casa em casa em busca de inimigos percebidos.

As famílias viviam no subsolo e sobreviviam com massas secas ou grãos crus. Se aventurar até mesmo em busca de água poderia significar a morte. “O chão estava tremendo”, disse Ruslana, sentada ao lado de sua filha enquanto comia sua primeira refeição adequada em semanas – pão fresco e frutas cozidas – dentro do centro de recepção de Zaporizhzhia.

Como outros civis entrevistados, ela não compartilhou seu sobrenome por preocupações com a segurança de sua família.

“O mais assustador foi que, quando a gente saia na rua, via que ninguém tinha permissão para recolher os corpos”, disse ela, arregalando os olhos. “Muitos prédios estavam em chamas. Sabemos que muitas famílias foram queimadas vivas.”

Tristemente quietas

Quando o primeiro ônibus abriu suas portas em Zaporizhzhia, muitas das famílias apenas sentavam e esperavam, como se lutassem para entender que estavam a salvo. Algumas crianças estavam tristemente quietas. Elas olhavam em silêncio para a polícia ucraniana e os voluntários que registravam sua chegada.

Do lado de fora de um ônibus amarelo próximo, outras famílias choravam umas sobre as outras enquanto os repórteres perguntavam sobre as condições em que haviam escapado. “Não havia luz, não havia água”, gritou uma mulher. “Foi um inferno”, disse outro.

Uma mulher idosa fechou os olhos e apenas parecia perdida em meio ao caos. Ela abaixou a cabeça e havia lágrimas em suas bochechas.

Em uma rara reunião televisionada transmitida na quinta-feira, Putin se dirigiu ao ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, dizendo-lhe que “o trabalho das forças armadas para libertar Mariupol foi um sucesso. Parabéns.”

Morador passa por complexo de prédios destruído por bombardeios russos em Mariupol  Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO

Ele acrescentou que “cancelou” os planos de invadir a siderúrgica e expulsar à força os ucranianos restantes, militares e civis, que há dias recusam a exigência de rendição da Rússia.

Mas um vice-comandante das últimas forças restantes que lutam pela Ucrânia em Mariupol disse na quinta-feira que suas tropas continuam lutando, mesmo quando as autoridades russas reivindicam a vitória.

Sviatoslav Palamar, vice-comandante do Batalhão Azov, um grupo nacionalista que faz parte da Guarda Nacional da Ucrânia, disse da usina Azovstal - onde suas tropas e a 36ª Brigada de Fuzileiros Navais rejeitaram o ataque da Rússia - que eles estavam “cercados”, mas “continuavam se defendendo”.

Palamar conseguiu se comunicar com o Washington Post via mensagens de satélite e descreveu um quadro contrastante com as reivindicações russas de vitória.

Ele disse que os combatentes ucranianos em Azovstal repeliram um avanço russo e danificaram veículos militares russos.

Tania e sua filha Ula chegam ao centro de refugiados de Zaporizhzhia  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

“Estamos em Mariupol... então, enquanto estivermos aqui, ninguém rendeu Mariupol ainda”, disse Palamar, embora reconhecesse que eles estavam perdendo força e precisavam ser resgatados.

Palamar disse que as forças russas tentaram por dois dias, mas não conseguiram invadir Azovstal. Ele disse que os combatentes ucranianos destruíram três tanques russos, dois veículos de combate de infantaria, um veículo blindado “e muita infantaria”. “O inimigo foi incapaz de tomar Azovstal de uma vez”, disse ele. “Por enquanto, esta é a situação.”

Enquanto Putin pode ter ordenado que suas tropas não invadam a usina, as forças russas ainda a estão bombardeando, disse Palamar.

O conselheiro presidencial ucraniano, Oleksi Arestovich, disse na quinta-feira que as reivindicações russas de vitória em Mariupol são prematuras. “Eles não podem tomar Azovstal fisicamente, eles entenderam; eles sofreram grandes perdas lá”, disse ele.

Shoigu, o chefe de defesa russo, estimou na quinta-feira que cerca de 2 mil soldados permanecem em Azovstal, enquanto Vereshchuk, a vice-primeira-ministra ucraniana, disse que havia cerca de mil civis e 500 soldados feridos lá – e exigiu “um corredor humanitário urgente” para tirá-los.

Tanques de guerra e prédios destruídos pelos combates na cidade de Mariupol  Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko

Palamar disse que os civis pediram garantias de sua segurança antes de concordarem em deixar a usina. “Pelo ao mundo inteiro que apoie nosso presidente e nossos políticos para garantir a saída segura dos civis, remover os feridos e mortos e retirar a guarnição que está defendendo Mariupol”, pediu.

Os 204 civis que chegaram quinta-feira de Mariupol estavam emergindo do que parecia ser um buraco negro. Em sua cidade natal, o sinal do celular foi bloqueado ou interrompido por danos à infraestrutura próxima. Muitas das famílias ainda não conseguiram contar aos parentes que haviam sobrevivido.

Dentro do centro de recepção, eles esperavam ansiosamente que seus telefones carregassem. Nadia, mãe de três filhos, tinha acabado de saber que seu filho havia sobrevivido. Mas havia outros com a situação incerta. “Não falo com minha mãe desde 1º de março”, disse ela. “Não conhecemos ninguém que tenha ouvido falar dela.”

Para muitos que chegaram na quinta-feira, foi a primeira vez que conseguiram descrever sua provação para pessoas de fora. Com a voz baixa de exaustão, Irina, de 75 anos, disse que sua casa foi destruída. “Estou sem-teto agora”, disse ela. “Tudo se transformou em escombros.”

“Foi muito assustador, todos esses tiros e explosões. Eu estava com tanto medo que minhas pernas não podiam me carregar, e elas ainda mal conseguem fazê-lo.”

Ela olhou para a comida seca à sua frente. “Agora estou calma, não quero nem comer”, disse ela, e começou a chorar. “É bom que eu esteja em casa agora.”

*COM COLABORAÇÃO DE EUGENE LAKATOSH E MARY ILYUSHINA

THE WASHINGTON POST - Quando os ônibus de Mariupol foram chegando um a um, os passageiros em estado de choque pareciam exaustos. Quase nenhum deles falou quando as portas se abriram.

A fuga da cidade ucraniana destruída sobre a qual o presidente russo, Vladimir Putin, declarou vitória na quinta-feira, mesmo quando seus assessores reconheceram que milhares de combatentes ucranianos ainda estavam lá, parecia “um milagre”, disse uma mulher.

“Eles destruíram tudo,” outro assentiu suavemente. “Glória à Ucrânia”, gritou um adolescente.

Ucranianos desembarcam em Zaporizhzhia após conseguirem escapar de Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

O comboio, o primeiro a receber passagem segura pela Rússia em quase duas semanas, deveria incluir dezenas de veículos. Do jeito que estava, apenas quatro ônibus chegaram à cidade de Zaporizhzhia, no sudeste, 225 km ao norte de Mariupol. O restante foi retido quando a noite caiu por postos de controle russos ao longo da rota, disseram autoridades.

Um punhado de carros particulares também conseguiu passar.

“Tudo o que você vê durante o dia, pessoas sem poder sair, ônibus sem sair, sem retirada de civis, isso é uma violação das garantias da Rússia”, disse a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, que recebeu os ônibus várias horas depois que os mísseis caíram na periferia da cidade.

O corredor humanitário é o mais recente de uma série de tentativas discutidas pela Ucrânia e pela Rússia para retirar civis de Mariupol. Outros acordos falharam por causa da desconfiança.

Ucranianas se alimentam em centro de refugiados em Zaporizhzhia após conseguirem deixar Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

A vitória em Mariupol seria a mais significativa da Rússia nesta guerra até hoje. A cidade portuária é fundamental para as esperanças russas de formar um corredor terrestre ininterrupto que se estende desde a região leste de Donbas, na fronteira com a Rússia, até a Península da Crimeia, que a Rússia anexou em 2014.

Na quinta-feira, os civis que conseguiram deixar a cidade levaram com eles histórias de horror das táticas brutais que as forças russas usaram. Segundo seus relatos, bombardeios implacáveis iluminavam o céu enquanto os soldados russos iam de casa em casa em busca de inimigos percebidos.

As famílias viviam no subsolo e sobreviviam com massas secas ou grãos crus. Se aventurar até mesmo em busca de água poderia significar a morte. “O chão estava tremendo”, disse Ruslana, sentada ao lado de sua filha enquanto comia sua primeira refeição adequada em semanas – pão fresco e frutas cozidas – dentro do centro de recepção de Zaporizhzhia.

Como outros civis entrevistados, ela não compartilhou seu sobrenome por preocupações com a segurança de sua família.

“O mais assustador foi que, quando a gente saia na rua, via que ninguém tinha permissão para recolher os corpos”, disse ela, arregalando os olhos. “Muitos prédios estavam em chamas. Sabemos que muitas famílias foram queimadas vivas.”

Tristemente quietas

Quando o primeiro ônibus abriu suas portas em Zaporizhzhia, muitas das famílias apenas sentavam e esperavam, como se lutassem para entender que estavam a salvo. Algumas crianças estavam tristemente quietas. Elas olhavam em silêncio para a polícia ucraniana e os voluntários que registravam sua chegada.

Do lado de fora de um ônibus amarelo próximo, outras famílias choravam umas sobre as outras enquanto os repórteres perguntavam sobre as condições em que haviam escapado. “Não havia luz, não havia água”, gritou uma mulher. “Foi um inferno”, disse outro.

Uma mulher idosa fechou os olhos e apenas parecia perdida em meio ao caos. Ela abaixou a cabeça e havia lágrimas em suas bochechas.

Em uma rara reunião televisionada transmitida na quinta-feira, Putin se dirigiu ao ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, dizendo-lhe que “o trabalho das forças armadas para libertar Mariupol foi um sucesso. Parabéns.”

Morador passa por complexo de prédios destruído por bombardeios russos em Mariupol  Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO

Ele acrescentou que “cancelou” os planos de invadir a siderúrgica e expulsar à força os ucranianos restantes, militares e civis, que há dias recusam a exigência de rendição da Rússia.

Mas um vice-comandante das últimas forças restantes que lutam pela Ucrânia em Mariupol disse na quinta-feira que suas tropas continuam lutando, mesmo quando as autoridades russas reivindicam a vitória.

Sviatoslav Palamar, vice-comandante do Batalhão Azov, um grupo nacionalista que faz parte da Guarda Nacional da Ucrânia, disse da usina Azovstal - onde suas tropas e a 36ª Brigada de Fuzileiros Navais rejeitaram o ataque da Rússia - que eles estavam “cercados”, mas “continuavam se defendendo”.

Palamar conseguiu se comunicar com o Washington Post via mensagens de satélite e descreveu um quadro contrastante com as reivindicações russas de vitória.

Ele disse que os combatentes ucranianos em Azovstal repeliram um avanço russo e danificaram veículos militares russos.

Tania e sua filha Ula chegam ao centro de refugiados de Zaporizhzhia  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

“Estamos em Mariupol... então, enquanto estivermos aqui, ninguém rendeu Mariupol ainda”, disse Palamar, embora reconhecesse que eles estavam perdendo força e precisavam ser resgatados.

Palamar disse que as forças russas tentaram por dois dias, mas não conseguiram invadir Azovstal. Ele disse que os combatentes ucranianos destruíram três tanques russos, dois veículos de combate de infantaria, um veículo blindado “e muita infantaria”. “O inimigo foi incapaz de tomar Azovstal de uma vez”, disse ele. “Por enquanto, esta é a situação.”

Enquanto Putin pode ter ordenado que suas tropas não invadam a usina, as forças russas ainda a estão bombardeando, disse Palamar.

O conselheiro presidencial ucraniano, Oleksi Arestovich, disse na quinta-feira que as reivindicações russas de vitória em Mariupol são prematuras. “Eles não podem tomar Azovstal fisicamente, eles entenderam; eles sofreram grandes perdas lá”, disse ele.

Shoigu, o chefe de defesa russo, estimou na quinta-feira que cerca de 2 mil soldados permanecem em Azovstal, enquanto Vereshchuk, a vice-primeira-ministra ucraniana, disse que havia cerca de mil civis e 500 soldados feridos lá – e exigiu “um corredor humanitário urgente” para tirá-los.

Tanques de guerra e prédios destruídos pelos combates na cidade de Mariupol  Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko

Palamar disse que os civis pediram garantias de sua segurança antes de concordarem em deixar a usina. “Pelo ao mundo inteiro que apoie nosso presidente e nossos políticos para garantir a saída segura dos civis, remover os feridos e mortos e retirar a guarnição que está defendendo Mariupol”, pediu.

Os 204 civis que chegaram quinta-feira de Mariupol estavam emergindo do que parecia ser um buraco negro. Em sua cidade natal, o sinal do celular foi bloqueado ou interrompido por danos à infraestrutura próxima. Muitas das famílias ainda não conseguiram contar aos parentes que haviam sobrevivido.

Dentro do centro de recepção, eles esperavam ansiosamente que seus telefones carregassem. Nadia, mãe de três filhos, tinha acabado de saber que seu filho havia sobrevivido. Mas havia outros com a situação incerta. “Não falo com minha mãe desde 1º de março”, disse ela. “Não conhecemos ninguém que tenha ouvido falar dela.”

Para muitos que chegaram na quinta-feira, foi a primeira vez que conseguiram descrever sua provação para pessoas de fora. Com a voz baixa de exaustão, Irina, de 75 anos, disse que sua casa foi destruída. “Estou sem-teto agora”, disse ela. “Tudo se transformou em escombros.”

“Foi muito assustador, todos esses tiros e explosões. Eu estava com tanto medo que minhas pernas não podiam me carregar, e elas ainda mal conseguem fazê-lo.”

Ela olhou para a comida seca à sua frente. “Agora estou calma, não quero nem comer”, disse ela, e começou a chorar. “É bom que eu esteja em casa agora.”

*COM COLABORAÇÃO DE EUGENE LAKATOSH E MARY ILYUSHINA

THE WASHINGTON POST - Quando os ônibus de Mariupol foram chegando um a um, os passageiros em estado de choque pareciam exaustos. Quase nenhum deles falou quando as portas se abriram.

A fuga da cidade ucraniana destruída sobre a qual o presidente russo, Vladimir Putin, declarou vitória na quinta-feira, mesmo quando seus assessores reconheceram que milhares de combatentes ucranianos ainda estavam lá, parecia “um milagre”, disse uma mulher.

“Eles destruíram tudo,” outro assentiu suavemente. “Glória à Ucrânia”, gritou um adolescente.

Ucranianos desembarcam em Zaporizhzhia após conseguirem escapar de Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

O comboio, o primeiro a receber passagem segura pela Rússia em quase duas semanas, deveria incluir dezenas de veículos. Do jeito que estava, apenas quatro ônibus chegaram à cidade de Zaporizhzhia, no sudeste, 225 km ao norte de Mariupol. O restante foi retido quando a noite caiu por postos de controle russos ao longo da rota, disseram autoridades.

Um punhado de carros particulares também conseguiu passar.

“Tudo o que você vê durante o dia, pessoas sem poder sair, ônibus sem sair, sem retirada de civis, isso é uma violação das garantias da Rússia”, disse a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, que recebeu os ônibus várias horas depois que os mísseis caíram na periferia da cidade.

O corredor humanitário é o mais recente de uma série de tentativas discutidas pela Ucrânia e pela Rússia para retirar civis de Mariupol. Outros acordos falharam por causa da desconfiança.

Ucranianas se alimentam em centro de refugiados em Zaporizhzhia após conseguirem deixar Mariupol  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

A vitória em Mariupol seria a mais significativa da Rússia nesta guerra até hoje. A cidade portuária é fundamental para as esperanças russas de formar um corredor terrestre ininterrupto que se estende desde a região leste de Donbas, na fronteira com a Rússia, até a Península da Crimeia, que a Rússia anexou em 2014.

Na quinta-feira, os civis que conseguiram deixar a cidade levaram com eles histórias de horror das táticas brutais que as forças russas usaram. Segundo seus relatos, bombardeios implacáveis iluminavam o céu enquanto os soldados russos iam de casa em casa em busca de inimigos percebidos.

As famílias viviam no subsolo e sobreviviam com massas secas ou grãos crus. Se aventurar até mesmo em busca de água poderia significar a morte. “O chão estava tremendo”, disse Ruslana, sentada ao lado de sua filha enquanto comia sua primeira refeição adequada em semanas – pão fresco e frutas cozidas – dentro do centro de recepção de Zaporizhzhia.

Como outros civis entrevistados, ela não compartilhou seu sobrenome por preocupações com a segurança de sua família.

“O mais assustador foi que, quando a gente saia na rua, via que ninguém tinha permissão para recolher os corpos”, disse ela, arregalando os olhos. “Muitos prédios estavam em chamas. Sabemos que muitas famílias foram queimadas vivas.”

Tristemente quietas

Quando o primeiro ônibus abriu suas portas em Zaporizhzhia, muitas das famílias apenas sentavam e esperavam, como se lutassem para entender que estavam a salvo. Algumas crianças estavam tristemente quietas. Elas olhavam em silêncio para a polícia ucraniana e os voluntários que registravam sua chegada.

Do lado de fora de um ônibus amarelo próximo, outras famílias choravam umas sobre as outras enquanto os repórteres perguntavam sobre as condições em que haviam escapado. “Não havia luz, não havia água”, gritou uma mulher. “Foi um inferno”, disse outro.

Uma mulher idosa fechou os olhos e apenas parecia perdida em meio ao caos. Ela abaixou a cabeça e havia lágrimas em suas bochechas.

Em uma rara reunião televisionada transmitida na quinta-feira, Putin se dirigiu ao ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, dizendo-lhe que “o trabalho das forças armadas para libertar Mariupol foi um sucesso. Parabéns.”

Morador passa por complexo de prédios destruído por bombardeios russos em Mariupol  Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO

Ele acrescentou que “cancelou” os planos de invadir a siderúrgica e expulsar à força os ucranianos restantes, militares e civis, que há dias recusam a exigência de rendição da Rússia.

Mas um vice-comandante das últimas forças restantes que lutam pela Ucrânia em Mariupol disse na quinta-feira que suas tropas continuam lutando, mesmo quando as autoridades russas reivindicam a vitória.

Sviatoslav Palamar, vice-comandante do Batalhão Azov, um grupo nacionalista que faz parte da Guarda Nacional da Ucrânia, disse da usina Azovstal - onde suas tropas e a 36ª Brigada de Fuzileiros Navais rejeitaram o ataque da Rússia - que eles estavam “cercados”, mas “continuavam se defendendo”.

Palamar conseguiu se comunicar com o Washington Post via mensagens de satélite e descreveu um quadro contrastante com as reivindicações russas de vitória.

Ele disse que os combatentes ucranianos em Azovstal repeliram um avanço russo e danificaram veículos militares russos.

Tania e sua filha Ula chegam ao centro de refugiados de Zaporizhzhia  Foto: The Washington Post by Heidi Levine

“Estamos em Mariupol... então, enquanto estivermos aqui, ninguém rendeu Mariupol ainda”, disse Palamar, embora reconhecesse que eles estavam perdendo força e precisavam ser resgatados.

Palamar disse que as forças russas tentaram por dois dias, mas não conseguiram invadir Azovstal. Ele disse que os combatentes ucranianos destruíram três tanques russos, dois veículos de combate de infantaria, um veículo blindado “e muita infantaria”. “O inimigo foi incapaz de tomar Azovstal de uma vez”, disse ele. “Por enquanto, esta é a situação.”

Enquanto Putin pode ter ordenado que suas tropas não invadam a usina, as forças russas ainda a estão bombardeando, disse Palamar.

O conselheiro presidencial ucraniano, Oleksi Arestovich, disse na quinta-feira que as reivindicações russas de vitória em Mariupol são prematuras. “Eles não podem tomar Azovstal fisicamente, eles entenderam; eles sofreram grandes perdas lá”, disse ele.

Shoigu, o chefe de defesa russo, estimou na quinta-feira que cerca de 2 mil soldados permanecem em Azovstal, enquanto Vereshchuk, a vice-primeira-ministra ucraniana, disse que havia cerca de mil civis e 500 soldados feridos lá – e exigiu “um corredor humanitário urgente” para tirá-los.

Tanques de guerra e prédios destruídos pelos combates na cidade de Mariupol  Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko

Palamar disse que os civis pediram garantias de sua segurança antes de concordarem em deixar a usina. “Pelo ao mundo inteiro que apoie nosso presidente e nossos políticos para garantir a saída segura dos civis, remover os feridos e mortos e retirar a guarnição que está defendendo Mariupol”, pediu.

Os 204 civis que chegaram quinta-feira de Mariupol estavam emergindo do que parecia ser um buraco negro. Em sua cidade natal, o sinal do celular foi bloqueado ou interrompido por danos à infraestrutura próxima. Muitas das famílias ainda não conseguiram contar aos parentes que haviam sobrevivido.

Dentro do centro de recepção, eles esperavam ansiosamente que seus telefones carregassem. Nadia, mãe de três filhos, tinha acabado de saber que seu filho havia sobrevivido. Mas havia outros com a situação incerta. “Não falo com minha mãe desde 1º de março”, disse ela. “Não conhecemos ninguém que tenha ouvido falar dela.”

Para muitos que chegaram na quinta-feira, foi a primeira vez que conseguiram descrever sua provação para pessoas de fora. Com a voz baixa de exaustão, Irina, de 75 anos, disse que sua casa foi destruída. “Estou sem-teto agora”, disse ela. “Tudo se transformou em escombros.”

“Foi muito assustador, todos esses tiros e explosões. Eu estava com tanto medo que minhas pernas não podiam me carregar, e elas ainda mal conseguem fazê-lo.”

Ela olhou para a comida seca à sua frente. “Agora estou calma, não quero nem comer”, disse ela, e começou a chorar. “É bom que eu esteja em casa agora.”

*COM COLABORAÇÃO DE EUGENE LAKATOSH E MARY ILYUSHINA

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