Atrás em pesquisas, Le Pen atrai votos com novo discurso e foco na economia


Especialistas e eleitores ouvidos pelo ‘Estadão’ falam da nova imagem da candidata de extrema direita, que nunca esteve tão perto de chegar à presidência da França

Por Paloma Varón, especial para o Estadão

PARIS - Primeiro ela mudou o nome do partido, fundado por seu pai. Frente Nacional virou Reunião Nacional em 2018. Em seguida, foi mudando sua atitude, seus gestos, seu palavreado, sua imagem e seu material de campanha. Assim, pela primeira vez na história da França, Marine Le Pen leva o partido de extrema direita ao segundo turno com verdadeira chance de chegar ao poder.

Esta é a análise dos especialistas entrevistados pelo Estadão e também da mídia francesa. Segundo o programa Quotidien, do canal de TV TF1, “a desdiabolização de Marine Le Pen teve a sua apoteose em 2022″. L’Expess escreveu que “2022 é o ano da mudança para MLP”.

Por trás da nova imagem, de uma mulher mais “cool”, sorridente, que posa com filhotes de gato, está a sua sobrinha Nolwenn Olivier, filha de irmã Marie-Caroline Le Pen e namorada do vice-presidente do Reunião Nacional, Jordan Bardella, de 26 anos.

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Nolwenn, ao contrário de sua prima Marion Maréchal, que, além de tirar o sobrenome Le Pen, virou a casaca e apoiou o candidato polemista Éric Zemmour no primeiro turno – é a responsável seu guarda-roupa (mais luminoso), sua atitude (mais serena e até divertida) e seus posts nas redes sociais, TikTok incluso. Aparentemente, suas fotos com gatos e alguns passos de dança ajudaram a melhorar sua imagem entre os jovens. Seus eleitores, aliás, estão majoritariamente entre 18 e 24 anos (59% dos que têm esta faixa etária votam nela, segundo pesquisa do grupo BVA publicada no dia 22).

Com três filhos e divorciada, Marine Le Pen se declara uma solteira descomplexada, o que também ajuda a melhorar a sua imagem: “Eu não vou comprar um namorado no Wish”, brincou Le Pen numa entrevista à revista Elle, em março. A mesma Elle, nesta semana decisiva da eleição, destacou em sua capa “Marine Le Pen no Eliseu? Para nós, é não!”, justficando a escolha editorial dizendo que “é uma mulher que não defende os direitos das mulheres”.

Marine, de 53 anos, que entrou para o partido de seu pai, o Frente Nacional, quando tinha 18, tenta pela terceira vez a eleição. E, pela segunda vez, chega ao segundo turno. Mas pela primeira vez chega verdadeiramente perto do poder (em 2017, teve 33,9% dos votos, contra 66,1% de Macron).

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O site da candidata não traz o seu nome. “M la France”, diz a frase que dá nome ao site e faz um trocadilho entre M, de Marine, e o verbo amar em francês conjugado na terceira pessoa: “Marine ama a França”. Sua campanha também utilizou o apelido “Marine Le Peuple” (“Marine do Povo”) em contraposição ao “presidente dos ricos” ou mesmo a “Emmanuel McKinsey”, como Bardella chegou a chamar Macron no canal de TV France 2, em alusão ao escândalo que envolveu contratos milionários entre a presidência e a agência americana de consultoria.

No seu folheto de campanha – entregue a todos os eleitores franceses pelo correio, junto com as cédulas, alguns dias antes de cada votação – ela trazia, no primeiro turno, apenas o seu nome (”Marine, mulher de Estado”). Ela não esqueceu o seu sobrenome, isso foi proposital. No folheto do segundo turno, nem nome nem sobrenome, apenas a frase: “Para todos os franceses”.

Nada é por acaso, afirma o analista político e diretor do programa Ipsos Flair, do instituto de pesquisas Ipsos, Yves Bardon. “Ela vem progressivamente mudando esta imagem, tentando se afastar ao máximo da imagem do seu pai, Jean-Marie Le Pen. Enquanto ele encarna o ódio, ela quer encarnar o amor. Ele posava com seus dobermans, como símbolo de agressividade; ela posa com gatinhos, filhotes, que são fofos. É uma estratégia de inversão”.

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Bardon comenta também o fato de ela se apresentar apenas como Marine (o que não é comum na França, chamar alguém pelo nome, sem o sobrenome). “Isso dá uma dimensão afetiva, emocional, só chamamos pelo nome quem temos intimidades. Ou as rainhas”, analisa.

“Além de ter mudado o nome do partido que ela herdou do pai, ela ‘mudou’ o próprio nome, numa tentativa de apagar o seu DNA, a sua história, no imaginário coletivo, que vê a Frente Nacional como algo negativo”.

Para a historiadora Maud Chirio, o processo de ‘desdiabolização’ de Le Pen foi abraçado por muitos setores da mídia e da política. Além disso, a chegada de Zemmour no cenário eleitoral a colocou como uma candidata mais ao centro, banalizando a extrema direita. “Hoje, o RN é uma força muito mais integrada no sistema político”, diz.

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“Apesar de toda a história de seu partido, as pessoas acabaram se acostumando com a presença dela na cena política. O processo de desdiabolização do RN também aconteceu no campo progressista”, diz a historiadora. Isso justificaria o fato de muita gente de esquerda hoje dizer “Nem Macron nem Le Pen”, como se eles fossem equivalentes. “Não são”, atesta Chirio.

O professor da Sciences Po e especialista em Defesa e Relações Internacionais William Leday concorda com esta visão: “Podemos dizer que houve um início de desdiabolização resultante do cruzamento de várias tendências. Primeiro, houve uma banalização das ideias de extrema direita iniciadas pela própria direita dominante. Recordamos os desabafos de Nicolas Sarkozy, como candidato e presidente, sobre a questão da segurança que ele correlacionou com as migrações que produziram uma liberação do discurso racista”.

“Parte das pautas e do vocabulário da extrema direita foram abraçados pelo centro-direita”, diz Chirio.

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Muitos franceses são radicalmente contra a extrema direita, mas não conseguem votar em Macron, segundo ela, não entendem isso, por não terem vivenciado a experiência de ter um país liderado pela extrema direita. “A semântica política reflete tanto as ideias quanto a intenção. E se há uma atenuação de certas posições, em particular na Europa, onde Marine Le Pen já não propõe sair do Euro, ou mesmo na Rússia – o conflito ucraniano a obrigou a reposicionar-se radicalmente em relação ao lugar ocupado por Vladimir Putin no discurso e nas propostas –, os elementos de continuidade tanto em substância quanto em semântica vão além de suas evoluções em termos de imagem”, analisa o professor da Sciences Po William Leday.

Eleitores de Le Pen mostram entusiasmo e “abertura ao mundo”

“Voto Le Pen porque ela é francesa. Eu sou francesa, com um espírito completamente francês, o que quer dizer, livre, a liberdade antes de tudo. A gente ama todo mundo, os sul-americanos sabem bem, os argentinos, os bolivianos... a gente tem ótimas relações”, diz a septuagenária Anne Lavenier.

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“Ontem eu falei com um tuareg, um argelino que vota Le Pen há 40 anos, e ele mesmo disse que é feio ter duas nacionalidades, é como ter um pé entre duas cadeiras, pois há um risco de quebrar e cair”, comenta.

Sobre a xenofobia do programa de Le Pen, ela rebate: “Nós respeitamos as pessoas que nos respeitam. E é normal. No seu país, você não pode ter alguém que te cospe na cara. É isso o que acontece aqui. Nós, franceses, somos mal vistos. Se somos católicos, então, é pior ainda”, diz Lavenier, contando que, quando os passantes não aceitam os folhetos de Marine Le Pen que ela distribui, ela diz que é porque “eles não gostam das loiras”.

Um outro cabo eleitoral de Le Pen se aproxima de Lavenier: “Eu sou judeu, negro e sobretudo francês. Voto em Marine Le Pen porque ela é a única capaz de unir todos os franceses, de todas as origens”, afirma Christian Degbegni, de 58 anos, que tem origens no Benin e na Etiópia, mas apenas uma cidadania: a francesa (não é um binacional, como os que Le Pen combate).

Para o cientista político William Leday, “em substância, o registro nacional mantém-se muito presente no discurso de Le Pen, evidenciado pela vontade de fazer da preferência nacional um elemento normativo em termos de política pública”.

“Eu acho que ela faz uma boa política. Somos pelo fim da imigração selvagem e descontrolada e pela prioridade nacional. Porque a imigração selvagem causa delinquência”, conclui Degbegni.

PARIS - Primeiro ela mudou o nome do partido, fundado por seu pai. Frente Nacional virou Reunião Nacional em 2018. Em seguida, foi mudando sua atitude, seus gestos, seu palavreado, sua imagem e seu material de campanha. Assim, pela primeira vez na história da França, Marine Le Pen leva o partido de extrema direita ao segundo turno com verdadeira chance de chegar ao poder.

Esta é a análise dos especialistas entrevistados pelo Estadão e também da mídia francesa. Segundo o programa Quotidien, do canal de TV TF1, “a desdiabolização de Marine Le Pen teve a sua apoteose em 2022″. L’Expess escreveu que “2022 é o ano da mudança para MLP”.

Por trás da nova imagem, de uma mulher mais “cool”, sorridente, que posa com filhotes de gato, está a sua sobrinha Nolwenn Olivier, filha de irmã Marie-Caroline Le Pen e namorada do vice-presidente do Reunião Nacional, Jordan Bardella, de 26 anos.

Nolwenn, ao contrário de sua prima Marion Maréchal, que, além de tirar o sobrenome Le Pen, virou a casaca e apoiou o candidato polemista Éric Zemmour no primeiro turno – é a responsável seu guarda-roupa (mais luminoso), sua atitude (mais serena e até divertida) e seus posts nas redes sociais, TikTok incluso. Aparentemente, suas fotos com gatos e alguns passos de dança ajudaram a melhorar sua imagem entre os jovens. Seus eleitores, aliás, estão majoritariamente entre 18 e 24 anos (59% dos que têm esta faixa etária votam nela, segundo pesquisa do grupo BVA publicada no dia 22).

Com três filhos e divorciada, Marine Le Pen se declara uma solteira descomplexada, o que também ajuda a melhorar a sua imagem: “Eu não vou comprar um namorado no Wish”, brincou Le Pen numa entrevista à revista Elle, em março. A mesma Elle, nesta semana decisiva da eleição, destacou em sua capa “Marine Le Pen no Eliseu? Para nós, é não!”, justficando a escolha editorial dizendo que “é uma mulher que não defende os direitos das mulheres”.

Marine, de 53 anos, que entrou para o partido de seu pai, o Frente Nacional, quando tinha 18, tenta pela terceira vez a eleição. E, pela segunda vez, chega ao segundo turno. Mas pela primeira vez chega verdadeiramente perto do poder (em 2017, teve 33,9% dos votos, contra 66,1% de Macron).

O site da candidata não traz o seu nome. “M la France”, diz a frase que dá nome ao site e faz um trocadilho entre M, de Marine, e o verbo amar em francês conjugado na terceira pessoa: “Marine ama a França”. Sua campanha também utilizou o apelido “Marine Le Peuple” (“Marine do Povo”) em contraposição ao “presidente dos ricos” ou mesmo a “Emmanuel McKinsey”, como Bardella chegou a chamar Macron no canal de TV France 2, em alusão ao escândalo que envolveu contratos milionários entre a presidência e a agência americana de consultoria.

No seu folheto de campanha – entregue a todos os eleitores franceses pelo correio, junto com as cédulas, alguns dias antes de cada votação – ela trazia, no primeiro turno, apenas o seu nome (”Marine, mulher de Estado”). Ela não esqueceu o seu sobrenome, isso foi proposital. No folheto do segundo turno, nem nome nem sobrenome, apenas a frase: “Para todos os franceses”.

Nada é por acaso, afirma o analista político e diretor do programa Ipsos Flair, do instituto de pesquisas Ipsos, Yves Bardon. “Ela vem progressivamente mudando esta imagem, tentando se afastar ao máximo da imagem do seu pai, Jean-Marie Le Pen. Enquanto ele encarna o ódio, ela quer encarnar o amor. Ele posava com seus dobermans, como símbolo de agressividade; ela posa com gatinhos, filhotes, que são fofos. É uma estratégia de inversão”.

Bardon comenta também o fato de ela se apresentar apenas como Marine (o que não é comum na França, chamar alguém pelo nome, sem o sobrenome). “Isso dá uma dimensão afetiva, emocional, só chamamos pelo nome quem temos intimidades. Ou as rainhas”, analisa.

“Além de ter mudado o nome do partido que ela herdou do pai, ela ‘mudou’ o próprio nome, numa tentativa de apagar o seu DNA, a sua história, no imaginário coletivo, que vê a Frente Nacional como algo negativo”.

Para a historiadora Maud Chirio, o processo de ‘desdiabolização’ de Le Pen foi abraçado por muitos setores da mídia e da política. Além disso, a chegada de Zemmour no cenário eleitoral a colocou como uma candidata mais ao centro, banalizando a extrema direita. “Hoje, o RN é uma força muito mais integrada no sistema político”, diz.

“Apesar de toda a história de seu partido, as pessoas acabaram se acostumando com a presença dela na cena política. O processo de desdiabolização do RN também aconteceu no campo progressista”, diz a historiadora. Isso justificaria o fato de muita gente de esquerda hoje dizer “Nem Macron nem Le Pen”, como se eles fossem equivalentes. “Não são”, atesta Chirio.

O professor da Sciences Po e especialista em Defesa e Relações Internacionais William Leday concorda com esta visão: “Podemos dizer que houve um início de desdiabolização resultante do cruzamento de várias tendências. Primeiro, houve uma banalização das ideias de extrema direita iniciadas pela própria direita dominante. Recordamos os desabafos de Nicolas Sarkozy, como candidato e presidente, sobre a questão da segurança que ele correlacionou com as migrações que produziram uma liberação do discurso racista”.

“Parte das pautas e do vocabulário da extrema direita foram abraçados pelo centro-direita”, diz Chirio.

Muitos franceses são radicalmente contra a extrema direita, mas não conseguem votar em Macron, segundo ela, não entendem isso, por não terem vivenciado a experiência de ter um país liderado pela extrema direita. “A semântica política reflete tanto as ideias quanto a intenção. E se há uma atenuação de certas posições, em particular na Europa, onde Marine Le Pen já não propõe sair do Euro, ou mesmo na Rússia – o conflito ucraniano a obrigou a reposicionar-se radicalmente em relação ao lugar ocupado por Vladimir Putin no discurso e nas propostas –, os elementos de continuidade tanto em substância quanto em semântica vão além de suas evoluções em termos de imagem”, analisa o professor da Sciences Po William Leday.

Eleitores de Le Pen mostram entusiasmo e “abertura ao mundo”

“Voto Le Pen porque ela é francesa. Eu sou francesa, com um espírito completamente francês, o que quer dizer, livre, a liberdade antes de tudo. A gente ama todo mundo, os sul-americanos sabem bem, os argentinos, os bolivianos... a gente tem ótimas relações”, diz a septuagenária Anne Lavenier.

“Ontem eu falei com um tuareg, um argelino que vota Le Pen há 40 anos, e ele mesmo disse que é feio ter duas nacionalidades, é como ter um pé entre duas cadeiras, pois há um risco de quebrar e cair”, comenta.

Sobre a xenofobia do programa de Le Pen, ela rebate: “Nós respeitamos as pessoas que nos respeitam. E é normal. No seu país, você não pode ter alguém que te cospe na cara. É isso o que acontece aqui. Nós, franceses, somos mal vistos. Se somos católicos, então, é pior ainda”, diz Lavenier, contando que, quando os passantes não aceitam os folhetos de Marine Le Pen que ela distribui, ela diz que é porque “eles não gostam das loiras”.

Um outro cabo eleitoral de Le Pen se aproxima de Lavenier: “Eu sou judeu, negro e sobretudo francês. Voto em Marine Le Pen porque ela é a única capaz de unir todos os franceses, de todas as origens”, afirma Christian Degbegni, de 58 anos, que tem origens no Benin e na Etiópia, mas apenas uma cidadania: a francesa (não é um binacional, como os que Le Pen combate).

Para o cientista político William Leday, “em substância, o registro nacional mantém-se muito presente no discurso de Le Pen, evidenciado pela vontade de fazer da preferência nacional um elemento normativo em termos de política pública”.

“Eu acho que ela faz uma boa política. Somos pelo fim da imigração selvagem e descontrolada e pela prioridade nacional. Porque a imigração selvagem causa delinquência”, conclui Degbegni.

PARIS - Primeiro ela mudou o nome do partido, fundado por seu pai. Frente Nacional virou Reunião Nacional em 2018. Em seguida, foi mudando sua atitude, seus gestos, seu palavreado, sua imagem e seu material de campanha. Assim, pela primeira vez na história da França, Marine Le Pen leva o partido de extrema direita ao segundo turno com verdadeira chance de chegar ao poder.

Esta é a análise dos especialistas entrevistados pelo Estadão e também da mídia francesa. Segundo o programa Quotidien, do canal de TV TF1, “a desdiabolização de Marine Le Pen teve a sua apoteose em 2022″. L’Expess escreveu que “2022 é o ano da mudança para MLP”.

Por trás da nova imagem, de uma mulher mais “cool”, sorridente, que posa com filhotes de gato, está a sua sobrinha Nolwenn Olivier, filha de irmã Marie-Caroline Le Pen e namorada do vice-presidente do Reunião Nacional, Jordan Bardella, de 26 anos.

Nolwenn, ao contrário de sua prima Marion Maréchal, que, além de tirar o sobrenome Le Pen, virou a casaca e apoiou o candidato polemista Éric Zemmour no primeiro turno – é a responsável seu guarda-roupa (mais luminoso), sua atitude (mais serena e até divertida) e seus posts nas redes sociais, TikTok incluso. Aparentemente, suas fotos com gatos e alguns passos de dança ajudaram a melhorar sua imagem entre os jovens. Seus eleitores, aliás, estão majoritariamente entre 18 e 24 anos (59% dos que têm esta faixa etária votam nela, segundo pesquisa do grupo BVA publicada no dia 22).

Com três filhos e divorciada, Marine Le Pen se declara uma solteira descomplexada, o que também ajuda a melhorar a sua imagem: “Eu não vou comprar um namorado no Wish”, brincou Le Pen numa entrevista à revista Elle, em março. A mesma Elle, nesta semana decisiva da eleição, destacou em sua capa “Marine Le Pen no Eliseu? Para nós, é não!”, justficando a escolha editorial dizendo que “é uma mulher que não defende os direitos das mulheres”.

Marine, de 53 anos, que entrou para o partido de seu pai, o Frente Nacional, quando tinha 18, tenta pela terceira vez a eleição. E, pela segunda vez, chega ao segundo turno. Mas pela primeira vez chega verdadeiramente perto do poder (em 2017, teve 33,9% dos votos, contra 66,1% de Macron).

O site da candidata não traz o seu nome. “M la France”, diz a frase que dá nome ao site e faz um trocadilho entre M, de Marine, e o verbo amar em francês conjugado na terceira pessoa: “Marine ama a França”. Sua campanha também utilizou o apelido “Marine Le Peuple” (“Marine do Povo”) em contraposição ao “presidente dos ricos” ou mesmo a “Emmanuel McKinsey”, como Bardella chegou a chamar Macron no canal de TV France 2, em alusão ao escândalo que envolveu contratos milionários entre a presidência e a agência americana de consultoria.

No seu folheto de campanha – entregue a todos os eleitores franceses pelo correio, junto com as cédulas, alguns dias antes de cada votação – ela trazia, no primeiro turno, apenas o seu nome (”Marine, mulher de Estado”). Ela não esqueceu o seu sobrenome, isso foi proposital. No folheto do segundo turno, nem nome nem sobrenome, apenas a frase: “Para todos os franceses”.

Nada é por acaso, afirma o analista político e diretor do programa Ipsos Flair, do instituto de pesquisas Ipsos, Yves Bardon. “Ela vem progressivamente mudando esta imagem, tentando se afastar ao máximo da imagem do seu pai, Jean-Marie Le Pen. Enquanto ele encarna o ódio, ela quer encarnar o amor. Ele posava com seus dobermans, como símbolo de agressividade; ela posa com gatinhos, filhotes, que são fofos. É uma estratégia de inversão”.

Bardon comenta também o fato de ela se apresentar apenas como Marine (o que não é comum na França, chamar alguém pelo nome, sem o sobrenome). “Isso dá uma dimensão afetiva, emocional, só chamamos pelo nome quem temos intimidades. Ou as rainhas”, analisa.

“Além de ter mudado o nome do partido que ela herdou do pai, ela ‘mudou’ o próprio nome, numa tentativa de apagar o seu DNA, a sua história, no imaginário coletivo, que vê a Frente Nacional como algo negativo”.

Para a historiadora Maud Chirio, o processo de ‘desdiabolização’ de Le Pen foi abraçado por muitos setores da mídia e da política. Além disso, a chegada de Zemmour no cenário eleitoral a colocou como uma candidata mais ao centro, banalizando a extrema direita. “Hoje, o RN é uma força muito mais integrada no sistema político”, diz.

“Apesar de toda a história de seu partido, as pessoas acabaram se acostumando com a presença dela na cena política. O processo de desdiabolização do RN também aconteceu no campo progressista”, diz a historiadora. Isso justificaria o fato de muita gente de esquerda hoje dizer “Nem Macron nem Le Pen”, como se eles fossem equivalentes. “Não são”, atesta Chirio.

O professor da Sciences Po e especialista em Defesa e Relações Internacionais William Leday concorda com esta visão: “Podemos dizer que houve um início de desdiabolização resultante do cruzamento de várias tendências. Primeiro, houve uma banalização das ideias de extrema direita iniciadas pela própria direita dominante. Recordamos os desabafos de Nicolas Sarkozy, como candidato e presidente, sobre a questão da segurança que ele correlacionou com as migrações que produziram uma liberação do discurso racista”.

“Parte das pautas e do vocabulário da extrema direita foram abraçados pelo centro-direita”, diz Chirio.

Muitos franceses são radicalmente contra a extrema direita, mas não conseguem votar em Macron, segundo ela, não entendem isso, por não terem vivenciado a experiência de ter um país liderado pela extrema direita. “A semântica política reflete tanto as ideias quanto a intenção. E se há uma atenuação de certas posições, em particular na Europa, onde Marine Le Pen já não propõe sair do Euro, ou mesmo na Rússia – o conflito ucraniano a obrigou a reposicionar-se radicalmente em relação ao lugar ocupado por Vladimir Putin no discurso e nas propostas –, os elementos de continuidade tanto em substância quanto em semântica vão além de suas evoluções em termos de imagem”, analisa o professor da Sciences Po William Leday.

Eleitores de Le Pen mostram entusiasmo e “abertura ao mundo”

“Voto Le Pen porque ela é francesa. Eu sou francesa, com um espírito completamente francês, o que quer dizer, livre, a liberdade antes de tudo. A gente ama todo mundo, os sul-americanos sabem bem, os argentinos, os bolivianos... a gente tem ótimas relações”, diz a septuagenária Anne Lavenier.

“Ontem eu falei com um tuareg, um argelino que vota Le Pen há 40 anos, e ele mesmo disse que é feio ter duas nacionalidades, é como ter um pé entre duas cadeiras, pois há um risco de quebrar e cair”, comenta.

Sobre a xenofobia do programa de Le Pen, ela rebate: “Nós respeitamos as pessoas que nos respeitam. E é normal. No seu país, você não pode ter alguém que te cospe na cara. É isso o que acontece aqui. Nós, franceses, somos mal vistos. Se somos católicos, então, é pior ainda”, diz Lavenier, contando que, quando os passantes não aceitam os folhetos de Marine Le Pen que ela distribui, ela diz que é porque “eles não gostam das loiras”.

Um outro cabo eleitoral de Le Pen se aproxima de Lavenier: “Eu sou judeu, negro e sobretudo francês. Voto em Marine Le Pen porque ela é a única capaz de unir todos os franceses, de todas as origens”, afirma Christian Degbegni, de 58 anos, que tem origens no Benin e na Etiópia, mas apenas uma cidadania: a francesa (não é um binacional, como os que Le Pen combate).

Para o cientista político William Leday, “em substância, o registro nacional mantém-se muito presente no discurso de Le Pen, evidenciado pela vontade de fazer da preferência nacional um elemento normativo em termos de política pública”.

“Eu acho que ela faz uma boa política. Somos pelo fim da imigração selvagem e descontrolada e pela prioridade nacional. Porque a imigração selvagem causa delinquência”, conclui Degbegni.

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