Um tribunal de Mianmar, governado por militares, condenou a líder destituída do país, Aung San Suu Kyi, por novas acusações de corrupção nesta segunda-feira, 15, acrescentando seis anos à sentença anterior de 11 anos de prisão, disse uma autoridade legal. O julgamento foi realizado a portas fechadas, sem acesso da mídia ou do público, e seus advogados foram proibidos por uma ordem de silêncio de revelar informações sobre o processo.
Nos quatro casos de corrupção decididos nesta segunda, Suu Kyi teria abusado de sua posição para alugar terras públicas abaixo dos preços de mercado e construir uma residência com doações destinadas a fins de caridade. Ela recebeu sentenças de três anos para cada uma das quatro acusações, mas as sentenças para três deles serão cumpridas simultaneamente, dando-lhe um total de mais seis anos de prisão. Ela negou todas as acusações e seus advogados devem recorrer.
Ela já havia sido condenada a 11 anos de prisão por sedição, corrupção e outras acusações em julgamentos anteriores depois que os militares derrubaram seu governo eleito e a detiveram em fevereiro de 2021.
Analistas dizem que as inúmeras acusações contra ela e seus aliados são uma tentativa de legitimar a tomada do poder pelos militares e, ao mesmo tempo, eliminá-la da política antes que os militares realizem uma eleição prometida para o próximo ano.
Suu Kyi e os demais réus negaram todas as acusações e seus advogados devem entrar com recursos nos próximos dias, disse o oficial de justiça, que pediu para não ser identificado por não estar autorizado a divulgar informações e temer punição por parte das autoridades.
Outros membros importantes do partido Liga Nacional pela Democracia (LND) de Suu Kyi e seu governo também foram detidos e condenados, e as autoridades sugeriram que poderiam dissolver o partido antes da próxima eleição. A Associação de Assistência aos Presos Políticos, uma organização da sociedade civil, diz que mais de 12.000 pessoas estão presas depois de serem detidas pelas forças de segurança.
“Quanto mais o conselho militar terrorista deliberadamente aprisiona a líder popular Aung San Suu Kyi com várias acusações arbitrárias, mais forte se torna a determinação do povo de destruir o ditador militar”, disse Tun Myint, membro do comitê de trabalho central clandestino do partido de Suu Kyi.
O exército tomou o poder e deteve Suu Kyi em 1º de fevereiro de 2021, o dia em que seu partido teria iniciado um segundo mandato de cinco anos depois de obter uma vitória esmagadora nas eleições gerais de novembro de 2020. O Exército disse que agiu porque houve fraude eleitoral em massa, mas observadores eleitorais independentes não encontraram nenhuma grande irregularidade.
A tomada do poder pelo exército provocou protestos pacíficos de rua em todo o país que as forças de segurança reprimiram com força letal, provocando resistência armada que alguns especialistas da ONU agora caracterizam como guerra civil. O governo militar foi acusado de abusos de direitos humanos, incluindo prisões e assassinatos arbitrários, tortura e varreduras militares que incluem ataques aéreos a civis e a queima de aldeias inteiras.
A Associação de Assistência a Presos Políticos diz ter verificado que 2.191 ativistas pró-democracia e outros civis foram mortos na repressão pelos militares, embora o total real seja provavelmente muito maior.
Acusações de corrupção
Suu Kyi, de 77 anos, é o rosto da oposição ao regime militar em Mianmar há mais de três décadas. Ela ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1991 enquanto estava em prisão domiciliar. Seus cinco anos como líder do governo civil foram marcados pela repressão e domínio militar, embora tenha sido o período mais democrático de Mianmar desde o golpe de 1962.
Ela foi sentenciada em um total de 11 acusações de acordo com a Lei Anticorrupção, com cada acusação punível com até 15 anos de prisão e multa. Nos veredictos desta segunda, o oficial legal disse que Suu Kyi recebeu uma sentença de três anos de prisão por construir uma residência para si mesma em Naypyitaw, supostamente com dinheiro doado para uma fundação de caridade com o nome de sua mãe, que ela presidia.
Além disso, ela recebeu uma sentença de três anos por supostamente aproveitar sua posição para alugar uma propriedade em Yangon, a maior cidade do país, para a mesma fundação, disse a autoridade.
Os outros dois casos decididos na segunda-feira envolveram parcelas de terra em Naypyitaw para as quais ela supostamente abusou de sua autoridade para alugar abaixo dos preços de mercado para a fundação. Ela recebeu uma sentença de três anos para cada um desses casos. Os três casos relativos a crimes em Naypyitaw devem ser atendidos simultaneamente.
O ex-prefeito de Naypyitaw, Myo Aung, também foi réu em ambos os casos relacionados à concessão de licenças para alugar a terra. Ye Min Oo, o ex-vice-prefeito, é corréu em um caso e Min Thu, ex-membro do Comitê de Desenvolvimento Naypyitaw, no outro. Cada um recebeu sentenças de três anos.
A Comissão Anticorrupção do governo, que apresentou o caso, alegou que as taxas de aluguel acordadas pelo Comitê de Desenvolvimento de Naypyitaw eram inferiores à taxa fixada pelo Ministério do Planejamento e Finanças, de modo que o contrato de aluguel privava o Estado de receita que deveria ter recebido.
Repressão
O alto representante da União Europeia para assuntos externos e política de segurança, Josep Borrell Fontelles, pediu a libertação imediata de Suu Kyi. “Condeno a sentença injusta de Aung San Suu Kyi a mais seis anos de detenção e exorto o regime em Myanmar a libertá-la imediata e incondicionalmente, assim como a todos os presos políticos, e respeitar a vontade do povo” disse ele em um tuíte.
Na prisão de Naypyidaw, Aung San Suu Kyi é mantida isolada de outras detentas quando não está presente em seus julgamentos. Antes do tribunal, ela tem 30 minutos para se reunir com seus advogados e corréus. Seus julgamentos são fechados ao público, e o tribunal proibiu seus advogados de falar sobre ela publicamente.
Aliados levam comida e roupas brancas e marrons para que ela não precise usar os uniformes infestados de piolhos dados aos prisioneiros. Funcionárias mulheres chegam à sua cela e provam a comida da prisão para mostrar que não está envenenada, segundo as duas pessoas com conhecimento de sua situação, que falaram sob condição de anonimato por medo de represálias.
Depois de enforcar quatro ativistas pró-democracia no mês passado, incluindo o ativista popular U Kyaw Min Yu e o ex-artista de hip-hop e membro eleito do Parlamento U Phyo Zeya Thaw, o regime prometeu mais execuções. Desde o golpe, mais de 70 presos políticos foram condenados à morte.
Jornalistas também estão sob intenso escrutínio. Pelo menos 55 jornalistas estão presos, de acordo com o grupo de direitos Detained Journalist Information Myanmar. No mês passado, o repórter Ko Maung Maung Myo, da agência independente de notícias Mekong, foi condenado por violar a lei de contraterrorismo e sentenciado a seis anos por possuir fotos e entrevistas com um grupo guerrilheiro local./AP e NYT