Avanço do Brexit ameaça sossego entre Irlandas


Futuro da fronteira é ponto mais complexo de negociação e preocupa norte-irlandeses que temem retorno de distúrbios e o fim da prosperidade; oposição crescente ao Brexit no Norte e o tempo exíguo são os principais desafios da premiê britânica, Theresa May

Por Andrei Netto, Forkhill e Irlanda do Norte
Atualização:

FORKHILL, IRLANDA DO NORTE - Conor Patterson tinha 9 anos quando um atentado com um morteiro de fabricação caseira cometido contra a Polícia Real do Ulster (RUC) por membros do Exército Republicano Irlandês (IRA) em Newry, na Irlanda do Norte, deixou 9 agentes mortos e outros 40 feridos. O ataque, cometido em 28 de fevereiro de 1985, foi o mais mortífero sofrido até então pela polícia.

Aprofundou os anos de “distúrbios” entre nacionalistas republicanos e forças unionistas pró-Reino Unido e mergulhou toda a fronteira com a Irlanda em um período de intensa militarização. É essa violência que Patterson teme ver reaparecer em sua região com o Brexit.

Memória.Mural em Belfast relembra conflito irlandês Foto: REUTERS/Dylan Martinez
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Com a oposição ferrenha da ala mais radical do Partido Conservador e de grande parte da opinião pública britânica ao “Brexit light” proposto pela primeira-ministra, Theresa May, vem crescendo a hipótese de que o divórcio com a União Europeia (UE), que precisa ser selado até março de 2019, ocorra da forma mais dura - o chamado “hard Brexit”. Um dos pontos críticos das negociações é o futuro da fronteira da Irlanda com a Irlanda do Norte. Em tese, na perspectiva de um “hard Brexit”, o governo britânico terá de recriar uma estrutura de aduanas na fronteira entre os dois países.

A construção de um eventual posto de fronteira seria contrário a um dos pontos-chave do acordo de paz de Sexta-feira Santa, que pôs fim, em 1998, ao conflito histórico entre os católicos, republicanos e nacionalistas do IRA e os unionistas protestantes.

“A questão da fronteira da Irlanda é histórica. Foi a pressão que um culto fundamentalista e de extrema direita conseguiu exercer sobre a elite em Londres que nos fez mergulhar em 100 anos de divisão e distúrbios”, acusa Patterson, referindo-se aos núcleos protestantes ultrarradicais de Belfast, a capital da Irlanda do Norte.

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Católico, irlandês - ou seja, “não-britânico” -, favorável à reunificação da Irlanda e contrário à separação da União Europeia, o empresário é o líder regional do movimento Comunidades de Fronteira contra o Brexit. Sua principal motivação é econômica, mas também histórica e política.

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Algumas das principais lideranças que ajudaram a costurar o acordo de paz da Irlanda do Norte se reuniram para comemorar. O pacto completou duas décadas. O ex-presidente Bill Clinton esteve no evento.

Segundo Patterson, em 1972, em meio aos anos de violência sectária na ilha, o desemprego na Irlanda do Norte ultrapassou os 30%. Hoje, é de 2%. A prosperidade veio com a paz, a estabilidade política e econômica, e com os anos em que Bruxelas injetou dinheiro no local. “A transformação foi impressionante e deve ser atribuída a vários fatores, entre os quais um muito importante: a dissolução da estrutura de fronteira e a livre circulação de produtos e pessoas”, avalia Patterson.

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Munido de um documentário realizado pela rede britânica ITV sobre sua cidade nos anos 90, Patterson e ativistas locais fazem lobby em Londres e Bruxelas contra o Brexit. Uma de suas estratégias de persuasão é mostrar imagens dos soldados britânicos correndo pelas ruas, temendo atiradores irlandeses. O vídeo também mostra o movimento frenético de helicópteros militares na Base de Forkhill - então a mais movimentada da Europa.

Michael Flynn, de 73 anos, dono de uma pequena propriedade rural, se encontraria em uma situação ainda mais delicada: a área não habitada entre os postos de fronteira dos dois países. “Nunca houve animosidade entre católicos e protestantes na região até a chegada da fronteira e dos militares. Tudo voltou ao normal quando foram embora”, recorda. “Se a fronteira voltar, os distúrbios voltarão e, com eles, os militares. E essa propriedade aqui será uma terra de ninguém.”

A mobilização dos norte-irlandeses, em especial na fronteira, contra a recriação de uma aduana é crescente. Em 2016, 55,78% do eleitorado da Irlanda do Norte votou contra a saída do Reino Unido da União Europeia. Hoje, 69% dos norte-irlandeses votariam contra, segundo pesquisas. Ou seja, uma fatia do eleitorado protestante e, em tese, pró-Reino Unido, mudou de opinião.

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John Sheridan, produtor rural na região fronteiriça, é testemunha dessa alteração. Protestante, abandonou suas convicções unionistas (pró-Londres) e hoje defende uma só Irlanda, republicana, independente de Londres e membro da União Europeia.

“Sou protestante, cresci nessa comunidade e não tinha problemas com o Reino Unido. Mas agora tenho, pois a UE ajudou a trazer a paz e nos deu a estrutura econômica que temos hoje”, diz. “Quando se divide uma comunidade com uma fronteira, você causa atrito e estimula o sectarismo. Hoje, eu concordo totalmente que a ilha da Irlanda nunca deveria ter sido dividida.”

Lidar com a oposição crescente ao Brexit na Irlanda do Norte tornou-se um dos maiores problemas políticos para Theresa May. O outro problema é o tempo. As negociações para o divórcio deveriam acabar em 2018. Mas, por ora, três hipóteses ainda são cogitadas: a manutenção da atual linha de fronteira, invisível; a criação de um sistema automático de aduana, sem barreiras à circulação; e a construção de uma fronteira física tradicional.

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A primeira hipótese só seria possível se o Reino Unido permanecer na área de livre-mercado da UE, o que contraria o espírito do voto pelo Brexit. Caso abandone o espaço econômico europeu, restariam as duas outras alternativas. A mais simples seria uma passagem aberta a mercadorias e pessoas, criando uma espécie de “zona franca irlandesa” - o que não é aceito por nenhum dos lados. Restaria a solução mais drástica: o fechamento da fronteira.

FORKHILL, IRLANDA DO NORTE - Conor Patterson tinha 9 anos quando um atentado com um morteiro de fabricação caseira cometido contra a Polícia Real do Ulster (RUC) por membros do Exército Republicano Irlandês (IRA) em Newry, na Irlanda do Norte, deixou 9 agentes mortos e outros 40 feridos. O ataque, cometido em 28 de fevereiro de 1985, foi o mais mortífero sofrido até então pela polícia.

Aprofundou os anos de “distúrbios” entre nacionalistas republicanos e forças unionistas pró-Reino Unido e mergulhou toda a fronteira com a Irlanda em um período de intensa militarização. É essa violência que Patterson teme ver reaparecer em sua região com o Brexit.

Memória.Mural em Belfast relembra conflito irlandês Foto: REUTERS/Dylan Martinez

Com a oposição ferrenha da ala mais radical do Partido Conservador e de grande parte da opinião pública britânica ao “Brexit light” proposto pela primeira-ministra, Theresa May, vem crescendo a hipótese de que o divórcio com a União Europeia (UE), que precisa ser selado até março de 2019, ocorra da forma mais dura - o chamado “hard Brexit”. Um dos pontos críticos das negociações é o futuro da fronteira da Irlanda com a Irlanda do Norte. Em tese, na perspectiva de um “hard Brexit”, o governo britânico terá de recriar uma estrutura de aduanas na fronteira entre os dois países.

A construção de um eventual posto de fronteira seria contrário a um dos pontos-chave do acordo de paz de Sexta-feira Santa, que pôs fim, em 1998, ao conflito histórico entre os católicos, republicanos e nacionalistas do IRA e os unionistas protestantes.

“A questão da fronteira da Irlanda é histórica. Foi a pressão que um culto fundamentalista e de extrema direita conseguiu exercer sobre a elite em Londres que nos fez mergulhar em 100 anos de divisão e distúrbios”, acusa Patterson, referindo-se aos núcleos protestantes ultrarradicais de Belfast, a capital da Irlanda do Norte.

Católico, irlandês - ou seja, “não-britânico” -, favorável à reunificação da Irlanda e contrário à separação da União Europeia, o empresário é o líder regional do movimento Comunidades de Fronteira contra o Brexit. Sua principal motivação é econômica, mas também histórica e política.

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Algumas das principais lideranças que ajudaram a costurar o acordo de paz da Irlanda do Norte se reuniram para comemorar. O pacto completou duas décadas. O ex-presidente Bill Clinton esteve no evento.

Segundo Patterson, em 1972, em meio aos anos de violência sectária na ilha, o desemprego na Irlanda do Norte ultrapassou os 30%. Hoje, é de 2%. A prosperidade veio com a paz, a estabilidade política e econômica, e com os anos em que Bruxelas injetou dinheiro no local. “A transformação foi impressionante e deve ser atribuída a vários fatores, entre os quais um muito importante: a dissolução da estrutura de fronteira e a livre circulação de produtos e pessoas”, avalia Patterson.

Munido de um documentário realizado pela rede britânica ITV sobre sua cidade nos anos 90, Patterson e ativistas locais fazem lobby em Londres e Bruxelas contra o Brexit. Uma de suas estratégias de persuasão é mostrar imagens dos soldados britânicos correndo pelas ruas, temendo atiradores irlandeses. O vídeo também mostra o movimento frenético de helicópteros militares na Base de Forkhill - então a mais movimentada da Europa.

Michael Flynn, de 73 anos, dono de uma pequena propriedade rural, se encontraria em uma situação ainda mais delicada: a área não habitada entre os postos de fronteira dos dois países. “Nunca houve animosidade entre católicos e protestantes na região até a chegada da fronteira e dos militares. Tudo voltou ao normal quando foram embora”, recorda. “Se a fronteira voltar, os distúrbios voltarão e, com eles, os militares. E essa propriedade aqui será uma terra de ninguém.”

A mobilização dos norte-irlandeses, em especial na fronteira, contra a recriação de uma aduana é crescente. Em 2016, 55,78% do eleitorado da Irlanda do Norte votou contra a saída do Reino Unido da União Europeia. Hoje, 69% dos norte-irlandeses votariam contra, segundo pesquisas. Ou seja, uma fatia do eleitorado protestante e, em tese, pró-Reino Unido, mudou de opinião.

John Sheridan, produtor rural na região fronteiriça, é testemunha dessa alteração. Protestante, abandonou suas convicções unionistas (pró-Londres) e hoje defende uma só Irlanda, republicana, independente de Londres e membro da União Europeia.

“Sou protestante, cresci nessa comunidade e não tinha problemas com o Reino Unido. Mas agora tenho, pois a UE ajudou a trazer a paz e nos deu a estrutura econômica que temos hoje”, diz. “Quando se divide uma comunidade com uma fronteira, você causa atrito e estimula o sectarismo. Hoje, eu concordo totalmente que a ilha da Irlanda nunca deveria ter sido dividida.”

Lidar com a oposição crescente ao Brexit na Irlanda do Norte tornou-se um dos maiores problemas políticos para Theresa May. O outro problema é o tempo. As negociações para o divórcio deveriam acabar em 2018. Mas, por ora, três hipóteses ainda são cogitadas: a manutenção da atual linha de fronteira, invisível; a criação de um sistema automático de aduana, sem barreiras à circulação; e a construção de uma fronteira física tradicional.

A primeira hipótese só seria possível se o Reino Unido permanecer na área de livre-mercado da UE, o que contraria o espírito do voto pelo Brexit. Caso abandone o espaço econômico europeu, restariam as duas outras alternativas. A mais simples seria uma passagem aberta a mercadorias e pessoas, criando uma espécie de “zona franca irlandesa” - o que não é aceito por nenhum dos lados. Restaria a solução mais drástica: o fechamento da fronteira.

FORKHILL, IRLANDA DO NORTE - Conor Patterson tinha 9 anos quando um atentado com um morteiro de fabricação caseira cometido contra a Polícia Real do Ulster (RUC) por membros do Exército Republicano Irlandês (IRA) em Newry, na Irlanda do Norte, deixou 9 agentes mortos e outros 40 feridos. O ataque, cometido em 28 de fevereiro de 1985, foi o mais mortífero sofrido até então pela polícia.

Aprofundou os anos de “distúrbios” entre nacionalistas republicanos e forças unionistas pró-Reino Unido e mergulhou toda a fronteira com a Irlanda em um período de intensa militarização. É essa violência que Patterson teme ver reaparecer em sua região com o Brexit.

Memória.Mural em Belfast relembra conflito irlandês Foto: REUTERS/Dylan Martinez

Com a oposição ferrenha da ala mais radical do Partido Conservador e de grande parte da opinião pública britânica ao “Brexit light” proposto pela primeira-ministra, Theresa May, vem crescendo a hipótese de que o divórcio com a União Europeia (UE), que precisa ser selado até março de 2019, ocorra da forma mais dura - o chamado “hard Brexit”. Um dos pontos críticos das negociações é o futuro da fronteira da Irlanda com a Irlanda do Norte. Em tese, na perspectiva de um “hard Brexit”, o governo britânico terá de recriar uma estrutura de aduanas na fronteira entre os dois países.

A construção de um eventual posto de fronteira seria contrário a um dos pontos-chave do acordo de paz de Sexta-feira Santa, que pôs fim, em 1998, ao conflito histórico entre os católicos, republicanos e nacionalistas do IRA e os unionistas protestantes.

“A questão da fronteira da Irlanda é histórica. Foi a pressão que um culto fundamentalista e de extrema direita conseguiu exercer sobre a elite em Londres que nos fez mergulhar em 100 anos de divisão e distúrbios”, acusa Patterson, referindo-se aos núcleos protestantes ultrarradicais de Belfast, a capital da Irlanda do Norte.

Católico, irlandês - ou seja, “não-britânico” -, favorável à reunificação da Irlanda e contrário à separação da União Europeia, o empresário é o líder regional do movimento Comunidades de Fronteira contra o Brexit. Sua principal motivação é econômica, mas também histórica e política.

Seu navegador não suporta esse video.

Algumas das principais lideranças que ajudaram a costurar o acordo de paz da Irlanda do Norte se reuniram para comemorar. O pacto completou duas décadas. O ex-presidente Bill Clinton esteve no evento.

Segundo Patterson, em 1972, em meio aos anos de violência sectária na ilha, o desemprego na Irlanda do Norte ultrapassou os 30%. Hoje, é de 2%. A prosperidade veio com a paz, a estabilidade política e econômica, e com os anos em que Bruxelas injetou dinheiro no local. “A transformação foi impressionante e deve ser atribuída a vários fatores, entre os quais um muito importante: a dissolução da estrutura de fronteira e a livre circulação de produtos e pessoas”, avalia Patterson.

Munido de um documentário realizado pela rede britânica ITV sobre sua cidade nos anos 90, Patterson e ativistas locais fazem lobby em Londres e Bruxelas contra o Brexit. Uma de suas estratégias de persuasão é mostrar imagens dos soldados britânicos correndo pelas ruas, temendo atiradores irlandeses. O vídeo também mostra o movimento frenético de helicópteros militares na Base de Forkhill - então a mais movimentada da Europa.

Michael Flynn, de 73 anos, dono de uma pequena propriedade rural, se encontraria em uma situação ainda mais delicada: a área não habitada entre os postos de fronteira dos dois países. “Nunca houve animosidade entre católicos e protestantes na região até a chegada da fronteira e dos militares. Tudo voltou ao normal quando foram embora”, recorda. “Se a fronteira voltar, os distúrbios voltarão e, com eles, os militares. E essa propriedade aqui será uma terra de ninguém.”

A mobilização dos norte-irlandeses, em especial na fronteira, contra a recriação de uma aduana é crescente. Em 2016, 55,78% do eleitorado da Irlanda do Norte votou contra a saída do Reino Unido da União Europeia. Hoje, 69% dos norte-irlandeses votariam contra, segundo pesquisas. Ou seja, uma fatia do eleitorado protestante e, em tese, pró-Reino Unido, mudou de opinião.

John Sheridan, produtor rural na região fronteiriça, é testemunha dessa alteração. Protestante, abandonou suas convicções unionistas (pró-Londres) e hoje defende uma só Irlanda, republicana, independente de Londres e membro da União Europeia.

“Sou protestante, cresci nessa comunidade e não tinha problemas com o Reino Unido. Mas agora tenho, pois a UE ajudou a trazer a paz e nos deu a estrutura econômica que temos hoje”, diz. “Quando se divide uma comunidade com uma fronteira, você causa atrito e estimula o sectarismo. Hoje, eu concordo totalmente que a ilha da Irlanda nunca deveria ter sido dividida.”

Lidar com a oposição crescente ao Brexit na Irlanda do Norte tornou-se um dos maiores problemas políticos para Theresa May. O outro problema é o tempo. As negociações para o divórcio deveriam acabar em 2018. Mas, por ora, três hipóteses ainda são cogitadas: a manutenção da atual linha de fronteira, invisível; a criação de um sistema automático de aduana, sem barreiras à circulação; e a construção de uma fronteira física tradicional.

A primeira hipótese só seria possível se o Reino Unido permanecer na área de livre-mercado da UE, o que contraria o espírito do voto pelo Brexit. Caso abandone o espaço econômico europeu, restariam as duas outras alternativas. A mais simples seria uma passagem aberta a mercadorias e pessoas, criando uma espécie de “zona franca irlandesa” - o que não é aceito por nenhum dos lados. Restaria a solução mais drástica: o fechamento da fronteira.

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