Avanço do programa nuclear do Irã e acordo com sauditas impõe novos desafios para Israel


Temendo que o regime iraniano construa uma arma nuclear, Israel concentra esforços em enfraquecer o país, enquanto lida com crise política e social interna

Por Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ÀS COLINAS DE GOLAN, ISRAEL - Apesar da turbulência política e social vivida em Israel nos últimos meses, a grande preocupação de segurança do governo, ao menos em público, continua sendo seu inimigo histórico, o Irã. Relatórios recentes apontam que Teerã pode estar perto de obter uma arma nuclear, enquanto Israel concentra seus esforços de defesa para impedir a todo custo que o regime dos aiatolás alcance esse objetivo. O temor é de uma escalada no médio prazo caso não haja novos acordos nucleares.

Em paralelo, o acordo de Teerã para retomada de relações diplomáticas com a Arábia Saudita, intermediado pela China neste mês, surpreendeu a diplomacia israelense, que busca costurar acordos com outras monarquias sunitas do golfo, como os Emirados Árabes, para isolar a república islâmica.

Desde a Faixa de Gaza até ao norte, nas Colinas de Golan, os sistemas de defesa do país são montados para proteger os israelenses dos foguetes, mísseis e drones iranianos fornecidos aos grupos terroristas Hamas e Jihad Islâmica, além da milícia Hezbollah. Já na frente diplomática, o país age para normalizar relações com os demais vizinhos árabes a fim de isolar ainda mais o Irã.

continua após a publicidade

“O regime do Irã tem uma agenda, que é destruir o Estado de Israel”, afirmou o general Alon Friedman enquanto apontava do alto das Colinas de Golan para as fronteiras da Síria, do Líbano e da Jordânia para mostrar como a região capturada em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias serve de barreira natural para incursões no território israelense. “É por isso que precisamos impedir o regime de construir uma arma nuclear”, completa.

O general israelense Alon Friedman aponta para as fronteiras de Israel com a Síria, Jordânia e Líbano do alto das Colinas de Golan Foto: Carolina Marins/Estadão

Com 22 mil quilômetros de um território estreito - cuja largura entre o Mar Mediterrâneo e a fronteira com a Jordânia pode ser percorrida em menos de 3 horas - e uma grande densidade populacional concentrada no litoral, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) destacam que qualquer ataque com míssil de médio alcance já poderia fazer um grande estrago no país, incluindo na agitada Tel Aviv.

continua após a publicidade

É por isso que o país investe mais de US$ 24 bilhões (R$ 27 bilhões) em defesa todos os anos, cerca de 5,2% de seu PIB, orçamento menor apenas que da Arábia Saudita na região, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês).

Guerra nas sombras

continua após a publicidade

Irã e Israel travam o que analistas chamam de “uma guerra nas sombras” desde 1979 quando os aiatolás chegaram ao poder após a revolução iraniana. Com um Estado de preceitos islâmicos xiitas, Teerã fala abertamente de seu objetivo de lutar contra a existência do Estado israelense. Desde então, os dois países travam batalhas de procuração na Síria, na Faixa de Gaza e na fronteira com o Líbano.

“Ao longo dos anos, o Irã forneceu diretamente aos grupos terroristas Jihad Islâmica e Hamas armas e foguetes prontos para usar ou então todos os componentes necessários de que precisavam para montá-los”, conta Jonathan Conrius, ex-porta-voz do IDF, que acrescenta que as entregas são feitas por meio de túneis através do Egito. “O que o Irã hoje está fornecendo são mísseis antitanque, com alcance de três a cinco quilômetros, e de alto nível militar. Porém, esses grupos estão tentando colocar as mãos em mísseis de médio e longo alcance.”

Um pôster mostra o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, no sul do Líbano, perto da fronteira com Israel, onde a presença de combatentes do grupo é uma constante Foto: Aziz Taher/Reuters - 25 de abril de 2022
continua após a publicidade

A principal estratégia contra esses armamentos é o poderoso sistema antimísseis Domo de Ferro, que é capaz de interceptar foguetes a até 70 quilômetros de distância dentro de qualquer área populosa de Israel. O problema, aponta Conrius, é o custo, já que a cada um foguete identificado, o sistema dispara mais de um interceptador para contê-lo.

“Custa cerca de US$ 300 a US$ 400 para produzir um foguete em Gaza, enquanto nossos interceptadores custam pelo menos US$ 55.000″, destaca. “Sem contar todos os demais custos com o sistema, manutenção, soldados e etc. Então é uma coisa muito cara, mas é um dinheiro que achamos que é o melhor investimento para defender os civis”. Nesse sentido, os Estados Unidos têm um papel crucial, ao financiar o Domo de Ferro com bilhões de dólares.

Segundo, Yonatan Touval, analista sênior de Política Externa no Instituto Israelense de Políticas Externas Regionais (Mitvim), com sede em Tel Aviv, existe o risco de uma escalada para além da guerra de procuração, mas não há indícios de que deva ocorrer nos próximos dois anos no mínimo. “Os riscos são reais e algumas ações beligerantes, como ataques a navios no Golfo Pérsico, já ocorrem, mas é impossível prever como as coisas vão se desenvolver.”

continua após a publicidade

A preocupação é com uma escalada em meio à guerra na Ucrânia, onde o Irã está fornecendo armamentos para a Rússia e Kiev implora a Israel pelo seu sistema antimíssil.

Drone 'kamikaze' produzido no Irã é encontrado após um ataque russo a Kharkiv, na Ucrânia em 6 de outubro de 2022 Foto: Vyacheslav Madiyevskyy/Reuters

Meios diplomáticos

continua após a publicidade

Outro campo que Israel tem apostado é o da normalização das relações diplomáticas com os países vizinhos por meio de acordos econômicos, a fim de isolar ainda mais o regime iraniano, já fortemente sancionado pelo Ocidente. O maior símbolo dessa política foram os Acordos de Abraão, assinados com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. Mais recentemente, Israel também assinou um histórico acordo de fronteiras marítimas com o Líbano para exploração de energia.

Os Acordos de Abraão, que seguiram normalizações anteriores com Egito e Jordânia, foram uma grande vitória do governo anterior de Binyamin Netanyahu, cuja prioridade de política externa é o enfraquecimento do Irã.

“Devemos entender que os Acordos de Abraão vieram para ficar”, afirma Ido Zelkovitz, pesquisador do Centro Ezri para Estudos do Irã e do Golfo Pérsico na Universidade de Haifa. “Os Emirados se aproximaram de Israel e não apenas porque eles se sentiam ameaçados, mas também porque ambos os lados têm muitos benefícios com este acordo no nível econômico e, claro, na arena político-diplomática”.

As Colinas de Golan, no norte de Israel, foram capturadas da Síria em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias e serve como defesa para incursões no território israelense Foto: Carolina Marins/Estadão

A intenção é levar uma proposta semelhante para um outro grande inimigo do Irã: a Arábia Saudita. Por anos, o regime xiita trava várias batalhas de procuração contra o reino saudita, especialmente no Iêmen. No entanto, um movimento recente de ambos os países surpreendeu a chancelaria israelense. Irã e Arábia Saudita concordaram com uma reaproximação diplomática em um acordo econômico intermediado pela China.

Especialistas apontam que o acordo é motivo para ser celebrado por todas as partes, já que traz um alívio nas tensões da região. “A renovação das relações diplomáticas entre o Irã e a Arábia Saudita ajuda a estabilizar a região do Golfo e isso pode levar a um menor nível de ameaças à segurança”, afirma Zelkovitz. “Israel, claro, não está tão feliz com esse desenvolvimento, mas não tem nada que ser feito.”

Uma normalização semelhante entre Irã e Israel, no entanto, é vista como impossível por analistas, ao menos enquanto permanecer o regime fundamentalista de Ali Khamenei. “Israel e Irã, acredito, estão destinados a normalizar suas relações e retomar a estreita amizade e cooperação que caracterizou suas relações até a Revolução Islâmica de 1979. Não vejo isso acontecendo enquanto os aiatolás continuarem a governar o Irã, mas isso, também, é apenas uma questão de tempo”, opina Touval.

Enquanto este tempo não chega, a esperança está em um novo acordo nuclear. Embora Israel fosse, na época, contra o acordo entre as potências ocidentais e o Irã, foi ele que até então manteve limitadas as capacidades do regime de construir uma arma nuclear. No entanto, o acordo foi enfraquecido quando Donald Trump retirou os Estados Unidos em 2018 e não há previsão de que Joe Biden retome em breve.

Touval, no entanto, acredita que a narrativa anti-Irã, embora muito presente na diplomacia israelense, não abarca as questões que o país de fato enfrenta no momento, tanto dentro quanto fora de Israel. “A questão do Irã aparece muito na retórica da diplomacia israelense, mas está principalmente na superfície. Isso realmente não afeta as relações de Israel com as nações europeias, a UE, a China e a Índia ou a África. Só afeta, um pouco, as relações com Washington, mas principalmente no nível de segurança.”

Enquanto se preocupa com o inimigo externo, o governo de Netanyahu luta contra os maiores protestos da história do país - que envolve até militares da ativa - e uma insurreição na Cisjordânia que alguns analistas temem ser o princípio de uma terceira intifada. Crises que o governo também coloca nas preocupações com o Irã, já que teme que o regime aproveite da instabilidade para munir ainda mais os grupos terroristas, principalmente durante os feriados da páscoa judaica e o Ramadã.

ENVIADA ÀS COLINAS DE GOLAN, ISRAEL - Apesar da turbulência política e social vivida em Israel nos últimos meses, a grande preocupação de segurança do governo, ao menos em público, continua sendo seu inimigo histórico, o Irã. Relatórios recentes apontam que Teerã pode estar perto de obter uma arma nuclear, enquanto Israel concentra seus esforços de defesa para impedir a todo custo que o regime dos aiatolás alcance esse objetivo. O temor é de uma escalada no médio prazo caso não haja novos acordos nucleares.

Em paralelo, o acordo de Teerã para retomada de relações diplomáticas com a Arábia Saudita, intermediado pela China neste mês, surpreendeu a diplomacia israelense, que busca costurar acordos com outras monarquias sunitas do golfo, como os Emirados Árabes, para isolar a república islâmica.

Desde a Faixa de Gaza até ao norte, nas Colinas de Golan, os sistemas de defesa do país são montados para proteger os israelenses dos foguetes, mísseis e drones iranianos fornecidos aos grupos terroristas Hamas e Jihad Islâmica, além da milícia Hezbollah. Já na frente diplomática, o país age para normalizar relações com os demais vizinhos árabes a fim de isolar ainda mais o Irã.

“O regime do Irã tem uma agenda, que é destruir o Estado de Israel”, afirmou o general Alon Friedman enquanto apontava do alto das Colinas de Golan para as fronteiras da Síria, do Líbano e da Jordânia para mostrar como a região capturada em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias serve de barreira natural para incursões no território israelense. “É por isso que precisamos impedir o regime de construir uma arma nuclear”, completa.

O general israelense Alon Friedman aponta para as fronteiras de Israel com a Síria, Jordânia e Líbano do alto das Colinas de Golan Foto: Carolina Marins/Estadão

Com 22 mil quilômetros de um território estreito - cuja largura entre o Mar Mediterrâneo e a fronteira com a Jordânia pode ser percorrida em menos de 3 horas - e uma grande densidade populacional concentrada no litoral, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) destacam que qualquer ataque com míssil de médio alcance já poderia fazer um grande estrago no país, incluindo na agitada Tel Aviv.

É por isso que o país investe mais de US$ 24 bilhões (R$ 27 bilhões) em defesa todos os anos, cerca de 5,2% de seu PIB, orçamento menor apenas que da Arábia Saudita na região, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês).

Guerra nas sombras

Irã e Israel travam o que analistas chamam de “uma guerra nas sombras” desde 1979 quando os aiatolás chegaram ao poder após a revolução iraniana. Com um Estado de preceitos islâmicos xiitas, Teerã fala abertamente de seu objetivo de lutar contra a existência do Estado israelense. Desde então, os dois países travam batalhas de procuração na Síria, na Faixa de Gaza e na fronteira com o Líbano.

“Ao longo dos anos, o Irã forneceu diretamente aos grupos terroristas Jihad Islâmica e Hamas armas e foguetes prontos para usar ou então todos os componentes necessários de que precisavam para montá-los”, conta Jonathan Conrius, ex-porta-voz do IDF, que acrescenta que as entregas são feitas por meio de túneis através do Egito. “O que o Irã hoje está fornecendo são mísseis antitanque, com alcance de três a cinco quilômetros, e de alto nível militar. Porém, esses grupos estão tentando colocar as mãos em mísseis de médio e longo alcance.”

Um pôster mostra o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, no sul do Líbano, perto da fronteira com Israel, onde a presença de combatentes do grupo é uma constante Foto: Aziz Taher/Reuters - 25 de abril de 2022

A principal estratégia contra esses armamentos é o poderoso sistema antimísseis Domo de Ferro, que é capaz de interceptar foguetes a até 70 quilômetros de distância dentro de qualquer área populosa de Israel. O problema, aponta Conrius, é o custo, já que a cada um foguete identificado, o sistema dispara mais de um interceptador para contê-lo.

“Custa cerca de US$ 300 a US$ 400 para produzir um foguete em Gaza, enquanto nossos interceptadores custam pelo menos US$ 55.000″, destaca. “Sem contar todos os demais custos com o sistema, manutenção, soldados e etc. Então é uma coisa muito cara, mas é um dinheiro que achamos que é o melhor investimento para defender os civis”. Nesse sentido, os Estados Unidos têm um papel crucial, ao financiar o Domo de Ferro com bilhões de dólares.

Segundo, Yonatan Touval, analista sênior de Política Externa no Instituto Israelense de Políticas Externas Regionais (Mitvim), com sede em Tel Aviv, existe o risco de uma escalada para além da guerra de procuração, mas não há indícios de que deva ocorrer nos próximos dois anos no mínimo. “Os riscos são reais e algumas ações beligerantes, como ataques a navios no Golfo Pérsico, já ocorrem, mas é impossível prever como as coisas vão se desenvolver.”

A preocupação é com uma escalada em meio à guerra na Ucrânia, onde o Irã está fornecendo armamentos para a Rússia e Kiev implora a Israel pelo seu sistema antimíssil.

Drone 'kamikaze' produzido no Irã é encontrado após um ataque russo a Kharkiv, na Ucrânia em 6 de outubro de 2022 Foto: Vyacheslav Madiyevskyy/Reuters

Meios diplomáticos

Outro campo que Israel tem apostado é o da normalização das relações diplomáticas com os países vizinhos por meio de acordos econômicos, a fim de isolar ainda mais o regime iraniano, já fortemente sancionado pelo Ocidente. O maior símbolo dessa política foram os Acordos de Abraão, assinados com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. Mais recentemente, Israel também assinou um histórico acordo de fronteiras marítimas com o Líbano para exploração de energia.

Os Acordos de Abraão, que seguiram normalizações anteriores com Egito e Jordânia, foram uma grande vitória do governo anterior de Binyamin Netanyahu, cuja prioridade de política externa é o enfraquecimento do Irã.

“Devemos entender que os Acordos de Abraão vieram para ficar”, afirma Ido Zelkovitz, pesquisador do Centro Ezri para Estudos do Irã e do Golfo Pérsico na Universidade de Haifa. “Os Emirados se aproximaram de Israel e não apenas porque eles se sentiam ameaçados, mas também porque ambos os lados têm muitos benefícios com este acordo no nível econômico e, claro, na arena político-diplomática”.

As Colinas de Golan, no norte de Israel, foram capturadas da Síria em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias e serve como defesa para incursões no território israelense Foto: Carolina Marins/Estadão

A intenção é levar uma proposta semelhante para um outro grande inimigo do Irã: a Arábia Saudita. Por anos, o regime xiita trava várias batalhas de procuração contra o reino saudita, especialmente no Iêmen. No entanto, um movimento recente de ambos os países surpreendeu a chancelaria israelense. Irã e Arábia Saudita concordaram com uma reaproximação diplomática em um acordo econômico intermediado pela China.

Especialistas apontam que o acordo é motivo para ser celebrado por todas as partes, já que traz um alívio nas tensões da região. “A renovação das relações diplomáticas entre o Irã e a Arábia Saudita ajuda a estabilizar a região do Golfo e isso pode levar a um menor nível de ameaças à segurança”, afirma Zelkovitz. “Israel, claro, não está tão feliz com esse desenvolvimento, mas não tem nada que ser feito.”

Uma normalização semelhante entre Irã e Israel, no entanto, é vista como impossível por analistas, ao menos enquanto permanecer o regime fundamentalista de Ali Khamenei. “Israel e Irã, acredito, estão destinados a normalizar suas relações e retomar a estreita amizade e cooperação que caracterizou suas relações até a Revolução Islâmica de 1979. Não vejo isso acontecendo enquanto os aiatolás continuarem a governar o Irã, mas isso, também, é apenas uma questão de tempo”, opina Touval.

Enquanto este tempo não chega, a esperança está em um novo acordo nuclear. Embora Israel fosse, na época, contra o acordo entre as potências ocidentais e o Irã, foi ele que até então manteve limitadas as capacidades do regime de construir uma arma nuclear. No entanto, o acordo foi enfraquecido quando Donald Trump retirou os Estados Unidos em 2018 e não há previsão de que Joe Biden retome em breve.

Touval, no entanto, acredita que a narrativa anti-Irã, embora muito presente na diplomacia israelense, não abarca as questões que o país de fato enfrenta no momento, tanto dentro quanto fora de Israel. “A questão do Irã aparece muito na retórica da diplomacia israelense, mas está principalmente na superfície. Isso realmente não afeta as relações de Israel com as nações europeias, a UE, a China e a Índia ou a África. Só afeta, um pouco, as relações com Washington, mas principalmente no nível de segurança.”

Enquanto se preocupa com o inimigo externo, o governo de Netanyahu luta contra os maiores protestos da história do país - que envolve até militares da ativa - e uma insurreição na Cisjordânia que alguns analistas temem ser o princípio de uma terceira intifada. Crises que o governo também coloca nas preocupações com o Irã, já que teme que o regime aproveite da instabilidade para munir ainda mais os grupos terroristas, principalmente durante os feriados da páscoa judaica e o Ramadã.

ENVIADA ÀS COLINAS DE GOLAN, ISRAEL - Apesar da turbulência política e social vivida em Israel nos últimos meses, a grande preocupação de segurança do governo, ao menos em público, continua sendo seu inimigo histórico, o Irã. Relatórios recentes apontam que Teerã pode estar perto de obter uma arma nuclear, enquanto Israel concentra seus esforços de defesa para impedir a todo custo que o regime dos aiatolás alcance esse objetivo. O temor é de uma escalada no médio prazo caso não haja novos acordos nucleares.

Em paralelo, o acordo de Teerã para retomada de relações diplomáticas com a Arábia Saudita, intermediado pela China neste mês, surpreendeu a diplomacia israelense, que busca costurar acordos com outras monarquias sunitas do golfo, como os Emirados Árabes, para isolar a república islâmica.

Desde a Faixa de Gaza até ao norte, nas Colinas de Golan, os sistemas de defesa do país são montados para proteger os israelenses dos foguetes, mísseis e drones iranianos fornecidos aos grupos terroristas Hamas e Jihad Islâmica, além da milícia Hezbollah. Já na frente diplomática, o país age para normalizar relações com os demais vizinhos árabes a fim de isolar ainda mais o Irã.

“O regime do Irã tem uma agenda, que é destruir o Estado de Israel”, afirmou o general Alon Friedman enquanto apontava do alto das Colinas de Golan para as fronteiras da Síria, do Líbano e da Jordânia para mostrar como a região capturada em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias serve de barreira natural para incursões no território israelense. “É por isso que precisamos impedir o regime de construir uma arma nuclear”, completa.

O general israelense Alon Friedman aponta para as fronteiras de Israel com a Síria, Jordânia e Líbano do alto das Colinas de Golan Foto: Carolina Marins/Estadão

Com 22 mil quilômetros de um território estreito - cuja largura entre o Mar Mediterrâneo e a fronteira com a Jordânia pode ser percorrida em menos de 3 horas - e uma grande densidade populacional concentrada no litoral, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) destacam que qualquer ataque com míssil de médio alcance já poderia fazer um grande estrago no país, incluindo na agitada Tel Aviv.

É por isso que o país investe mais de US$ 24 bilhões (R$ 27 bilhões) em defesa todos os anos, cerca de 5,2% de seu PIB, orçamento menor apenas que da Arábia Saudita na região, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês).

Guerra nas sombras

Irã e Israel travam o que analistas chamam de “uma guerra nas sombras” desde 1979 quando os aiatolás chegaram ao poder após a revolução iraniana. Com um Estado de preceitos islâmicos xiitas, Teerã fala abertamente de seu objetivo de lutar contra a existência do Estado israelense. Desde então, os dois países travam batalhas de procuração na Síria, na Faixa de Gaza e na fronteira com o Líbano.

“Ao longo dos anos, o Irã forneceu diretamente aos grupos terroristas Jihad Islâmica e Hamas armas e foguetes prontos para usar ou então todos os componentes necessários de que precisavam para montá-los”, conta Jonathan Conrius, ex-porta-voz do IDF, que acrescenta que as entregas são feitas por meio de túneis através do Egito. “O que o Irã hoje está fornecendo são mísseis antitanque, com alcance de três a cinco quilômetros, e de alto nível militar. Porém, esses grupos estão tentando colocar as mãos em mísseis de médio e longo alcance.”

Um pôster mostra o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, no sul do Líbano, perto da fronteira com Israel, onde a presença de combatentes do grupo é uma constante Foto: Aziz Taher/Reuters - 25 de abril de 2022

A principal estratégia contra esses armamentos é o poderoso sistema antimísseis Domo de Ferro, que é capaz de interceptar foguetes a até 70 quilômetros de distância dentro de qualquer área populosa de Israel. O problema, aponta Conrius, é o custo, já que a cada um foguete identificado, o sistema dispara mais de um interceptador para contê-lo.

“Custa cerca de US$ 300 a US$ 400 para produzir um foguete em Gaza, enquanto nossos interceptadores custam pelo menos US$ 55.000″, destaca. “Sem contar todos os demais custos com o sistema, manutenção, soldados e etc. Então é uma coisa muito cara, mas é um dinheiro que achamos que é o melhor investimento para defender os civis”. Nesse sentido, os Estados Unidos têm um papel crucial, ao financiar o Domo de Ferro com bilhões de dólares.

Segundo, Yonatan Touval, analista sênior de Política Externa no Instituto Israelense de Políticas Externas Regionais (Mitvim), com sede em Tel Aviv, existe o risco de uma escalada para além da guerra de procuração, mas não há indícios de que deva ocorrer nos próximos dois anos no mínimo. “Os riscos são reais e algumas ações beligerantes, como ataques a navios no Golfo Pérsico, já ocorrem, mas é impossível prever como as coisas vão se desenvolver.”

A preocupação é com uma escalada em meio à guerra na Ucrânia, onde o Irã está fornecendo armamentos para a Rússia e Kiev implora a Israel pelo seu sistema antimíssil.

Drone 'kamikaze' produzido no Irã é encontrado após um ataque russo a Kharkiv, na Ucrânia em 6 de outubro de 2022 Foto: Vyacheslav Madiyevskyy/Reuters

Meios diplomáticos

Outro campo que Israel tem apostado é o da normalização das relações diplomáticas com os países vizinhos por meio de acordos econômicos, a fim de isolar ainda mais o regime iraniano, já fortemente sancionado pelo Ocidente. O maior símbolo dessa política foram os Acordos de Abraão, assinados com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. Mais recentemente, Israel também assinou um histórico acordo de fronteiras marítimas com o Líbano para exploração de energia.

Os Acordos de Abraão, que seguiram normalizações anteriores com Egito e Jordânia, foram uma grande vitória do governo anterior de Binyamin Netanyahu, cuja prioridade de política externa é o enfraquecimento do Irã.

“Devemos entender que os Acordos de Abraão vieram para ficar”, afirma Ido Zelkovitz, pesquisador do Centro Ezri para Estudos do Irã e do Golfo Pérsico na Universidade de Haifa. “Os Emirados se aproximaram de Israel e não apenas porque eles se sentiam ameaçados, mas também porque ambos os lados têm muitos benefícios com este acordo no nível econômico e, claro, na arena político-diplomática”.

As Colinas de Golan, no norte de Israel, foram capturadas da Síria em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias e serve como defesa para incursões no território israelense Foto: Carolina Marins/Estadão

A intenção é levar uma proposta semelhante para um outro grande inimigo do Irã: a Arábia Saudita. Por anos, o regime xiita trava várias batalhas de procuração contra o reino saudita, especialmente no Iêmen. No entanto, um movimento recente de ambos os países surpreendeu a chancelaria israelense. Irã e Arábia Saudita concordaram com uma reaproximação diplomática em um acordo econômico intermediado pela China.

Especialistas apontam que o acordo é motivo para ser celebrado por todas as partes, já que traz um alívio nas tensões da região. “A renovação das relações diplomáticas entre o Irã e a Arábia Saudita ajuda a estabilizar a região do Golfo e isso pode levar a um menor nível de ameaças à segurança”, afirma Zelkovitz. “Israel, claro, não está tão feliz com esse desenvolvimento, mas não tem nada que ser feito.”

Uma normalização semelhante entre Irã e Israel, no entanto, é vista como impossível por analistas, ao menos enquanto permanecer o regime fundamentalista de Ali Khamenei. “Israel e Irã, acredito, estão destinados a normalizar suas relações e retomar a estreita amizade e cooperação que caracterizou suas relações até a Revolução Islâmica de 1979. Não vejo isso acontecendo enquanto os aiatolás continuarem a governar o Irã, mas isso, também, é apenas uma questão de tempo”, opina Touval.

Enquanto este tempo não chega, a esperança está em um novo acordo nuclear. Embora Israel fosse, na época, contra o acordo entre as potências ocidentais e o Irã, foi ele que até então manteve limitadas as capacidades do regime de construir uma arma nuclear. No entanto, o acordo foi enfraquecido quando Donald Trump retirou os Estados Unidos em 2018 e não há previsão de que Joe Biden retome em breve.

Touval, no entanto, acredita que a narrativa anti-Irã, embora muito presente na diplomacia israelense, não abarca as questões que o país de fato enfrenta no momento, tanto dentro quanto fora de Israel. “A questão do Irã aparece muito na retórica da diplomacia israelense, mas está principalmente na superfície. Isso realmente não afeta as relações de Israel com as nações europeias, a UE, a China e a Índia ou a África. Só afeta, um pouco, as relações com Washington, mas principalmente no nível de segurança.”

Enquanto se preocupa com o inimigo externo, o governo de Netanyahu luta contra os maiores protestos da história do país - que envolve até militares da ativa - e uma insurreição na Cisjordânia que alguns analistas temem ser o princípio de uma terceira intifada. Crises que o governo também coloca nas preocupações com o Irã, já que teme que o regime aproveite da instabilidade para munir ainda mais os grupos terroristas, principalmente durante os feriados da páscoa judaica e o Ramadã.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.