Um clima de disputa esportiva entre independentistas e unionistas ronda o plebiscito de hoje na Catalunha. Na região, o radicalismo se espalhou. Há pichações pelas ruas e cartas de ameaças a prefeitos que decidiram não abrir escolas e prédios públicos para a votação, considerada ilegal pela Justiça. Em meio à polarização, poucas vozes se levantam para pregar o diálogo e novas negociações entre Barcelona e Madri.
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Nas aparências, a rivalidade é invisível. Isso porque apenas um dos lados, o do independentismo, fez campanha. Em todo o território, bandeiras da Catalunha e faixas por democracia ornam sacadas e janelas e expõem a preferência de seus moradores pela independência.
Os unionistas não só não fizeram campanha, como se tornaram invisíveis. Poucos assumem em público suas preferências. A maioria não aceita informar o nome completo a jornalistas, tampouco se deixa fotografar. A razão do temor de quem reprova a independência é a quase inevitável associação com o franquismo, a doutrina do ditador Francisco Franco.
Nos últimos dez dias de campanha, quando a disputa se acirrou em razão da determinação do governo de Mariano Rajoy de impedir a votação, a animosidade também cresceu. Na periferia industrial, como L’Hospitalet, cidade-dormitório de Barcelona, habitada por ex-operários e assalariados, a causa independentista é associada ao desejo da elite barcelonesa – quase um luxo de ricos sem outros motivos para se preocupar. Formada por espanhóis vindos da Andaluzia e da Estremadura, nos anos 50 e 60, a cidade é hoje uma das escolhidas como lar por imigrantes sul-americanos, marroquinos e paquistaneses.
Para esse público de perfil assalariado de baixa renda ou de desempregados, falar em independência é bobagem. “A maioria de nós vem do sul da Espanha ou de outros países. A maioria aqui não é de Barcelona, mas multinacional, e não têm interesse em independência”, explica o cigano Antonio Mansano, de 40 anos, desempregado há 11 anos e partidário do “não” à secessão. “Não queremos ser racistas, mas tudo o que queremos é uma Espanha para os espanhóis.”
Catalães se preparam para plebiscito de independência
L’Hospitalet também exemplifica o choque geracional em torno do plebiscito. Em periferias ou no interior, pessoas mais velhas que vêm de outros pontos da Espanha são em sua maioria contrários à independência. Mas as novas gerações, filhos e netos dos espanhóis que se instalaram na Catalunha, são favoráveis.
“Esse governo tenta nos cassar a liberdade de expressão. Sou espanhol, nascido na Catalunha e tenho a ‘dupla nacionalidade’. Mas me sinto catalão”, diz Jordí Francas, estudante de 17 anos. “No domingo, irei à porta da escola para fazer campanha. Se a polícia me interpelar, pouco importa.”
Em parte, o nacionalismo catalão se explica por um fator simples: depois de décadas proibida pelo regime de Franco, a língua catalã hoje é hegemônica nas escolas da maior parte das cidades do interior. De cada 12 disciplinas de ensino fundamental ou médio, 10 são ministradas em catalão, e apenas duas em espanhol ou inglês.
Some-se a isso a insatisfação dos estudantes com as medidas de Rajoy para impedir o plebiscito e o coquetel de radicalismo está pronto. “Eu me tornei independentista há seis meses. Não acredito mais na Espanha”, explica Jordi Lopez, de 16 anos, também estudante.
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A poucos dias do referendo de domingo, a Catalunha se mostra dividida entre os que são a favor e contra a independência. Os organizadores da consulta continuam trabalhando, embora as autoridades tenham adotado medidas para impedi-la.
Em Terrassa, município da região do Vale Ocidental da Catalunha, a uma hora e meia de Barcelona, o prefeito socialista Jordi Ballart foi acusado de ser franquista por ter decidido não abrir as escolas à votação. “Disseram que eu sou um vendido, um covarde, um traidor, me chamaram de socialista de araque, de mau catalão, de lata de lixo. Sugeriram que eu deixasse Terrassa, advertiram que eu não me levantaria nunca mais”, contou em seu Facebook o prefeito, que não quis dar entrevista.
Para Olga Reyes, de 47 anos, educadora social da rede pública, o clima de tensão e de enfrentamento se instalou pela incapacidade das partes de dialogar. “É importante votar, mas não é legal. Seria como legitimar coisas que não estão na lei. Mas tenho um sentimento ambivalente”, disse. “Deveríamos ser capazes de discutir uma solução econômica para a Catalunha. Mas não somos.”