Por que a batalha pela supremacia na Ásia começa com a Guarda Costeira da China


Barcos-patrulha chineses com frequência lembram navios de guerra; agora, outras nações tentam competir reforçando suas próprias Guardas Costeiras

Por Damien Cave*

THE NEW YORK TIMES - Em busca do domínio das vias marítimas da Ásia, a China acionou uma frota de embarcações equipadas com canhões calibre 76 milímetros e mísseis antinavio — e maiores do que destróieres da Marinha dos Estados Unidos. Mas esses navios não pertencem à Marinha chinesa. Seus cascos são pintados de branco. “Guarda Costeira da China”, informam palavras grafadas em letras maiúsculas nas laterais.

Em apenas uma década, a China formou a maior esquadra de guarda costeira no planeta, que é diferente de todas as outras. Mais militarizada, mais agressiva em disputas internacionais e menos preocupada com as missões costumeiras de coibir contrabando ou busca e resgate, a força marítima chinesa tem subvertido 200 anos de tradição das Guardas Costeiras de todo o mundo.

E também disparou uma corrida armamentista. Investindo poder em uma área cinzenta, entre policiamento e poderio naval, Pequim tem mirado rivais com navios capazes de afundar facilmente as embarcações que a maioria das Guardas Costeiras tem usado há décadas. E em resposta, outros países que temem a ingerência chinesa se apressam para acionar embarcações maiores e mais fortemente armadas para patrulhar suas costas.

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As águas em volta de Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como sua, são um dos possíveis cenários dessa batalha. Mas com impasses entre Guardas Costeiras escalando furtivamente por toda a região, autoridades e analistas preocupam-se cada vez mais com uma ameaça crescente: algum acidente ou confronto em qualquer ponto da vasta área que a Guarda Costeira chinesa patrulha, capaz de ocasionar um conflito mais amplo ou até uma guerra entre grandes potências.

De 30 de março a 2 de abril, uma esquadra da Guarda Costeira chinesa circulou as ilhas contestadas que o Japão chama de Senkaku por 80 horas e 36 minutos — a maior permanência da China na região já registrada, de acordo com dados marítimos.

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Posteriormente, o Japão anunciou um plano para reformar sua Guarda Costeira e colocá-la sob a batuta do Ministério da Defesa.

Dois outros incidentes recentes também apontam para novos níveis de assertividade chinesa e risco regional:

  • A partir de 8 de abril, barcos-patrulha chineses se concentraram nas proximidades de Taiwan, ameaçando pela primeira vez impedir a navegação de embarcações taiwanesas e vasculhá-las durante exercícios militares ocasionados por uma reunião entre a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Kevin McCarthy. Taiwan está agora desenvolvendo planos para romper qualquer bloqueio futuro ao mesmo tempo que fortalece sua Guarda Costeira.
  • Em 23 de abril, nas proximidades de um atol em disputa no Mar do Sul da China, um dos maiores navios da Guarda Costeira chinesa atravessou o caminho de um barco-patrulha filipino muito menor, forçando seu capitão a acionar os motores em marcha reversa para evitar uma colisão. Alguns dias depois, os EUA prometeram dar à Filipinas seis barcos-patrulha novos e modernizados.
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Essas altercações — juntamente com outras incursões chinesas nas proximidades do Vietnã e da nação-arquipélago de Palau, no Pacífico, em maio e junho — atendem a um padrão de intensificação nas tensões, marcando uma grande mudança na maneira que os países reivindicam território e protegem interesses nos oceanos. Guardas Costeiras que no passado agiam como vigias atentos e auxiliares têm se transformado cada vez mais em forças navais, emaranhadas pela geopolítica da Ásia e acionadas como poderio militar em vias marítimas vitais para o transporte de mercadorias e como recursos naturais.

Dos portos no sul da China e em Taiwan às bases americanas em Guam, as embarcações de casco branco das Guardas Costeiras ficam cada vez mais compridas e pesadas — ou mais compactas e mais velozes. Suas armas também estão cada vez mais potentes, e barcos estão sendo construídos para comportar sistemas de armamentos complexos para serem acionados prontamente. E as Guardas Costeiras da região têm trabalhado mais proximamente com estrategistas de defesa, colocando-se na vanguarda de disputas mais amplas no Indo-Pacífico sobre poderio econômico e militar.

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“A coisa não é mais como era 10 anos atrás”, afirmou o oficial aposentado da Marinha americana John Bradford, pesquisador sênior do Programa de Segurança Marítima na Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Cingapura. “Muitos países de toda a região têm começado a usar suas Guardas Costeiras para afirmar soberania.”

“A ideia”, acrescentou ele, “é que isso seja mais eficaz porque você fica menos propenso a subir os degraus da escalada porque essas forças são mais levemente armadas. Mas como ficará a coisa quando um navio de guarda costeira for atacado com mísseis? De que maneira esse barco seria diferente de uma embarcação naval, a não ser pela cor da tinta em seu casco?”

Barco da Guarda Costeira Filipina e navio da Guarda Costeira dos EUA, durante exercício trilateral de Filipinas, Japão e EUA no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters
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A competição entre Guardas Costeiras que emerge atualmente na Ásia começou com um esforço da China em se tornar o que seu governo classificou como “uma grande potência marítima”.

Essa expressão, que estabeleceu uma prioridade nacional, aparece nos documentos do governo chinês desde 2000, sob uma definição que inclui poder naval, pesca, proteção ambiental e avanço de reivindicações territoriais. O papel principal da Guarda Costeira chinesa foi solidificado sob Xi Jinping em 2013, primeiro ano do líder chinês na função, com a criação da força marítima por meio da consolidação de cinco agências.

A Guarda Costeira, ao olhos da China, seria um pilar de seu rejuvenescimento enquanto potência mundial, porque ajudaria Pequim a controlar importantes vias marítimas (e suas riquezas pesqueiras e minerais) sem detonar respostas militares de países atordoados pelo volume dessa frota não tão militarizada.

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O que se seguiu foram dúzias de afrontas confirmando que os navios da Guarda Costeira da China — com frequência operando ao lado de embarcações de pesca e outros tipos — são capazes tanto de patrulhar quanto de provocar e intimidar rivais quase impunemente.

Em 2013, houve vários impasses tensos no Mar do Sul da China entre embarcações da Guarda Costeira chinesa e forças navais filipinas que ocupavam um navio da 2.ª Guerra chamado Sierra Madre.

Em 2014, no mar da costa do Vietnã, um barco da Guarda Costeira chinesa abalroou uma embarcação da Guarda Costeira vietnamita após o Vietnã tentar impedir a China de construir uma plataforma de petróleo em águas contestadas.

Em 2016, a Guarda Costeira chinesa libertou um barco de pesca que tinha sido apreendido por autoridades da Indonésia.

Mais recentemente, a China expandiu tanto a missão quanto a capacidade de combate de sua frota. Uma lei de 2021 concede à sua Guarda Costeira — sob controle militar — direito de usar força letal contra embarcações estrangeiras em águas reivindicadas por Pequim, incluindo o Mar do Sul da China, onde o governo chinês instalou bases operacionais avançadas sobre ilhas artificiais.

Embarcação da Guarda Costeira da China, em foto de 2017.  Foto: Erik de Castro/Reuters

Especialistas na região afirmam que essas provisões violam o direito internacional por permitir que a Guarda Costeira da China, sem nenhuma declaração de guerra, envolva-se em comportamentos bélicos fora de sua jurisdição nacional.

E suas embarcações têm cada vez mais poder de fazê-lo. A China possui agora 150 barcos de patrulha grandes, de pelo menos 1 mil toneladas, contra 70 do Japão, 60 dos EUA e apenas uma poucas unidades da maioria dos países da Ásia. As Filipinas possuem 25 embarcações de patrulha para acionamento no Mar do Sul da China. A Guarda Costeira de Taiwan conta com 23 navios, de acordo com autoridades americanas.

Muitas das embarcações chinesas são antigas corvetas da Marinha, capazes de operações de longas duração e equipadas com helipontos, canhões d’água poderosos e armas do mesmo calibre das usadas em tanques M1 Abrams. De acordo com o relatório mais recente do Departamento de Defesa sobre forças militares da China, 85 das embarcações da Guarda Costeira chinesas carregam mísseis de cruzeiro antinavio.

Esta nova frota de navios de guerra disfarçados de barcos policiais é o que muitos países na Ásia são forçados a confrontar quase diariamente à medida que a China avança sobre territórios em disputa por períodos cada vez mais longos. E não apenas no Mar do Sul da China.

Em 11 de maio, no Mar do Leste da China, duas embarcações da Guarda Costeira chinesa romperam o limite territorial de 22 quilômetros em torno das Ilhas Senkaku pela 13.ª vez este ano. Em 2022, equipes alternadas de embarcações de 1,5 mil toneladas da Guarda Costeira chinesa passaram 336 dias circulando as ilhas em disputa, contra 171 dias em 2017, de acordo com dados de rastreamento do Japão.

Barco da Guarda Costeira Filipina próximo a embarcação da Guarda Costeira Japonesa durante exercício no Mar do Sul da China.  Foto: Aaron Favila/AP

“Nós confirmamos que alguns navios acionaram armas”, afirmou em entrevista o porta-voz da Guarda Costeira japonesa, Hiromune Kikuchi. “Nossa preocupação é eles terem quantidades maiores de navios grandes com capacidades militares.” E cada vez mais, Guardas Costeiras de outros países também adquirem esse tipo de embarcação.

O Vietnã encomendou ao Japão seis navios grandes para sua Guarda Costeira, a serem entregues até 2025.

A Coreia do Sul anunciou no ano passado que construirá nove barcos-patrulha de 3 mil toneladas para acionamento na costa ocidental do país, onde a fronteira marítima com a China não é clara.

O Japão aprovou uma nova lei em dezembro que elevará seu orçamento para a Guarda Costeira em aproximadamente US$ 1 bilhão — um aumento de 40% — e colocará a frota sob comando de suas forças de defesa nacional.

EUA e Austrália também têm se tornado mais ativos no Pacífico, com presentes de barcos-patrulha, novos centros de vigilância marítima e, para os americanos, uma nova geração de cutters (embarcações comissionadas, capazes de manter tripulações a bordo por longos períodos) maiores para sua Guarda Costeira e acordos de patrulha com vários países — acrescentando Papua-Nova Guiné a esta lista nas semanas recentes.

Os EUA passaram a trabalhar mais proximamente com Japão e Filipinas no Mar do Sul da China, conduzindo exercícios conjuntos de treinamento entre suas Guardas Costeiras em águas filipinas no ano passado e novamente este mês, ocasionando reclamações de Pequim.

Embarcação da Guarda Costeira Filipina em exercício trilateral das Filipinas com Japão e EUA, no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

“Guardas Costeiras e diferentes nações na região estão amadurecendo”, afirmou o vice-almirante Andrew Tiongson, comandante da Guarda Costeira dos EUA no Pacífico. “Acho que amadurecem por necessidade.”

Em nenhum outro local essa dinâmica é mais óbvia do que no Estreito de Taiwan e nos estaleiros no sul da ilha. Atuando em um território que concentra ansiedades regionais, a Guarda Costeira de Taiwan está se expandindo muito mais rapidamente do que sua Marinha ao mesmo tempo que confronta quase diariamente desafios da China.

Durante uma visita recente da reportagem a uma área industrial imediatamente ao lado do Porto de Kaohsiung, trabalhadores davam os últimos toques nos reparos de um barco-patrulha da Guarda Costeira cuja proa tinha se partido no mar.

“Uma embarcação chinesa atingiu este barco e arrancou o nariz completamente”, afirmou Hu Yenlu, ex-oficial da Marinha taiwanesa que dirige a Karmin International, empresa que constrói e conserta navios da Guarda Costeira de Taiwan.

Algumas semanas antes, afirmou ele, o barco-patrulha — um inflável rígido, de 11 metros de comprimento, do mesmo modelo usado pelos Navy Seals — tinha ajudado a estabelecer um perímetro com outras embarcações em torno de uma lancha de aparência suspeita, próximo às ilhas taiwanesas mais remotas. A lancha tinha seis motores, um projeto comum na milícia marítima chinesa. Quando a Guarda Costeira taiwanesa perguntou sua missão, o piloto acionou o acelerador e avançou com tudo.

Trabalhadores em Pingtung City, Taiwan, consertam um barco-patrulha da Guarda Costeira que teve o nariz arrancado por uma embarcação chinesa.  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

“Aquele barco não tinha nome, mas nós sabermos que era chinês”, afirmou Hu, contando a história que ouviu das autoridades. “Quando não vemos nenhum nome, nós sabemos que a embarcação é suspeita.” Tratou-se uma das muitas colisões ou quase colisões causadas pelas táticas agressivas da China nas proximidades de Taiwan, de acordo com autoridades marítimas e construtores de embarcações.

Em 3 de junho, as Forças Armadas dos EUA afirmaram que um destróier de sua Marinha, o USS Chung-Hoon, teve de diminuir a velocidade para evitar uma possível colisão contra um navio da Marinha chinesa que atravessou sua rota no estreito entre China e Taiwan.

A ameaça da China, de abril, de inspecionar embarcações taiwanesas representou outro tipo de subida de degrau na escalada bélica. A resposta aos chineses revelou o quão enevoados são os limites da agressão no mar.

O Conselho de Assuntos Oceânicos de Taiwan afirmou que respondeu à ameaça da China acionando uma embarcação de guarda costeira sob seu comando, como uma força furtiva para “evitar que a China continental coloque em perigo a liberdade de navegação e a segurança dos nossos cidadãos”. Um porta-voz da agência taiwanesa que coordena as relações com Pequim afirmou: “Se vocês interferirem, nós responderemos”.

Um segundo estaleiro próximo ao Porto de Kaohsiung deu pistas sobre o que isso pode significar. Um novo barco-patrulha de 100 toneladas boiava na água exibindo seu casco fortificado, de aço, em vez de materiais mais leves usados anteriormente, para proteção em caso de batidas. Em um dos píeres, uma embarcação de guarda costeira de 600 toneladas, com uma demão recém-aplicada de tinta branca aguardava engenheiros instalarem o mesmo dispositivo de rádio e radar usado pela Marinha taiwanesa. Na lateral do casco, uma grande abertura — para lançadores de mísseis, caso necessário. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Damien Cave produziu esta reportagem em Taiwan, Cingapura, Guam e outras partes da Ásia

THE NEW YORK TIMES - Em busca do domínio das vias marítimas da Ásia, a China acionou uma frota de embarcações equipadas com canhões calibre 76 milímetros e mísseis antinavio — e maiores do que destróieres da Marinha dos Estados Unidos. Mas esses navios não pertencem à Marinha chinesa. Seus cascos são pintados de branco. “Guarda Costeira da China”, informam palavras grafadas em letras maiúsculas nas laterais.

Em apenas uma década, a China formou a maior esquadra de guarda costeira no planeta, que é diferente de todas as outras. Mais militarizada, mais agressiva em disputas internacionais e menos preocupada com as missões costumeiras de coibir contrabando ou busca e resgate, a força marítima chinesa tem subvertido 200 anos de tradição das Guardas Costeiras de todo o mundo.

E também disparou uma corrida armamentista. Investindo poder em uma área cinzenta, entre policiamento e poderio naval, Pequim tem mirado rivais com navios capazes de afundar facilmente as embarcações que a maioria das Guardas Costeiras tem usado há décadas. E em resposta, outros países que temem a ingerência chinesa se apressam para acionar embarcações maiores e mais fortemente armadas para patrulhar suas costas.

As águas em volta de Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como sua, são um dos possíveis cenários dessa batalha. Mas com impasses entre Guardas Costeiras escalando furtivamente por toda a região, autoridades e analistas preocupam-se cada vez mais com uma ameaça crescente: algum acidente ou confronto em qualquer ponto da vasta área que a Guarda Costeira chinesa patrulha, capaz de ocasionar um conflito mais amplo ou até uma guerra entre grandes potências.

De 30 de março a 2 de abril, uma esquadra da Guarda Costeira chinesa circulou as ilhas contestadas que o Japão chama de Senkaku por 80 horas e 36 minutos — a maior permanência da China na região já registrada, de acordo com dados marítimos.

Posteriormente, o Japão anunciou um plano para reformar sua Guarda Costeira e colocá-la sob a batuta do Ministério da Defesa.

Dois outros incidentes recentes também apontam para novos níveis de assertividade chinesa e risco regional:

  • A partir de 8 de abril, barcos-patrulha chineses se concentraram nas proximidades de Taiwan, ameaçando pela primeira vez impedir a navegação de embarcações taiwanesas e vasculhá-las durante exercícios militares ocasionados por uma reunião entre a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Kevin McCarthy. Taiwan está agora desenvolvendo planos para romper qualquer bloqueio futuro ao mesmo tempo que fortalece sua Guarda Costeira.
  • Em 23 de abril, nas proximidades de um atol em disputa no Mar do Sul da China, um dos maiores navios da Guarda Costeira chinesa atravessou o caminho de um barco-patrulha filipino muito menor, forçando seu capitão a acionar os motores em marcha reversa para evitar uma colisão. Alguns dias depois, os EUA prometeram dar à Filipinas seis barcos-patrulha novos e modernizados.

Essas altercações — juntamente com outras incursões chinesas nas proximidades do Vietnã e da nação-arquipélago de Palau, no Pacífico, em maio e junho — atendem a um padrão de intensificação nas tensões, marcando uma grande mudança na maneira que os países reivindicam território e protegem interesses nos oceanos. Guardas Costeiras que no passado agiam como vigias atentos e auxiliares têm se transformado cada vez mais em forças navais, emaranhadas pela geopolítica da Ásia e acionadas como poderio militar em vias marítimas vitais para o transporte de mercadorias e como recursos naturais.

Dos portos no sul da China e em Taiwan às bases americanas em Guam, as embarcações de casco branco das Guardas Costeiras ficam cada vez mais compridas e pesadas — ou mais compactas e mais velozes. Suas armas também estão cada vez mais potentes, e barcos estão sendo construídos para comportar sistemas de armamentos complexos para serem acionados prontamente. E as Guardas Costeiras da região têm trabalhado mais proximamente com estrategistas de defesa, colocando-se na vanguarda de disputas mais amplas no Indo-Pacífico sobre poderio econômico e militar.

“A coisa não é mais como era 10 anos atrás”, afirmou o oficial aposentado da Marinha americana John Bradford, pesquisador sênior do Programa de Segurança Marítima na Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Cingapura. “Muitos países de toda a região têm começado a usar suas Guardas Costeiras para afirmar soberania.”

“A ideia”, acrescentou ele, “é que isso seja mais eficaz porque você fica menos propenso a subir os degraus da escalada porque essas forças são mais levemente armadas. Mas como ficará a coisa quando um navio de guarda costeira for atacado com mísseis? De que maneira esse barco seria diferente de uma embarcação naval, a não ser pela cor da tinta em seu casco?”

Barco da Guarda Costeira Filipina e navio da Guarda Costeira dos EUA, durante exercício trilateral de Filipinas, Japão e EUA no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

A competição entre Guardas Costeiras que emerge atualmente na Ásia começou com um esforço da China em se tornar o que seu governo classificou como “uma grande potência marítima”.

Essa expressão, que estabeleceu uma prioridade nacional, aparece nos documentos do governo chinês desde 2000, sob uma definição que inclui poder naval, pesca, proteção ambiental e avanço de reivindicações territoriais. O papel principal da Guarda Costeira chinesa foi solidificado sob Xi Jinping em 2013, primeiro ano do líder chinês na função, com a criação da força marítima por meio da consolidação de cinco agências.

A Guarda Costeira, ao olhos da China, seria um pilar de seu rejuvenescimento enquanto potência mundial, porque ajudaria Pequim a controlar importantes vias marítimas (e suas riquezas pesqueiras e minerais) sem detonar respostas militares de países atordoados pelo volume dessa frota não tão militarizada.

O que se seguiu foram dúzias de afrontas confirmando que os navios da Guarda Costeira da China — com frequência operando ao lado de embarcações de pesca e outros tipos — são capazes tanto de patrulhar quanto de provocar e intimidar rivais quase impunemente.

Em 2013, houve vários impasses tensos no Mar do Sul da China entre embarcações da Guarda Costeira chinesa e forças navais filipinas que ocupavam um navio da 2.ª Guerra chamado Sierra Madre.

Em 2014, no mar da costa do Vietnã, um barco da Guarda Costeira chinesa abalroou uma embarcação da Guarda Costeira vietnamita após o Vietnã tentar impedir a China de construir uma plataforma de petróleo em águas contestadas.

Em 2016, a Guarda Costeira chinesa libertou um barco de pesca que tinha sido apreendido por autoridades da Indonésia.

Mais recentemente, a China expandiu tanto a missão quanto a capacidade de combate de sua frota. Uma lei de 2021 concede à sua Guarda Costeira — sob controle militar — direito de usar força letal contra embarcações estrangeiras em águas reivindicadas por Pequim, incluindo o Mar do Sul da China, onde o governo chinês instalou bases operacionais avançadas sobre ilhas artificiais.

Embarcação da Guarda Costeira da China, em foto de 2017.  Foto: Erik de Castro/Reuters

Especialistas na região afirmam que essas provisões violam o direito internacional por permitir que a Guarda Costeira da China, sem nenhuma declaração de guerra, envolva-se em comportamentos bélicos fora de sua jurisdição nacional.

E suas embarcações têm cada vez mais poder de fazê-lo. A China possui agora 150 barcos de patrulha grandes, de pelo menos 1 mil toneladas, contra 70 do Japão, 60 dos EUA e apenas uma poucas unidades da maioria dos países da Ásia. As Filipinas possuem 25 embarcações de patrulha para acionamento no Mar do Sul da China. A Guarda Costeira de Taiwan conta com 23 navios, de acordo com autoridades americanas.

Muitas das embarcações chinesas são antigas corvetas da Marinha, capazes de operações de longas duração e equipadas com helipontos, canhões d’água poderosos e armas do mesmo calibre das usadas em tanques M1 Abrams. De acordo com o relatório mais recente do Departamento de Defesa sobre forças militares da China, 85 das embarcações da Guarda Costeira chinesas carregam mísseis de cruzeiro antinavio.

Esta nova frota de navios de guerra disfarçados de barcos policiais é o que muitos países na Ásia são forçados a confrontar quase diariamente à medida que a China avança sobre territórios em disputa por períodos cada vez mais longos. E não apenas no Mar do Sul da China.

Em 11 de maio, no Mar do Leste da China, duas embarcações da Guarda Costeira chinesa romperam o limite territorial de 22 quilômetros em torno das Ilhas Senkaku pela 13.ª vez este ano. Em 2022, equipes alternadas de embarcações de 1,5 mil toneladas da Guarda Costeira chinesa passaram 336 dias circulando as ilhas em disputa, contra 171 dias em 2017, de acordo com dados de rastreamento do Japão.

Barco da Guarda Costeira Filipina próximo a embarcação da Guarda Costeira Japonesa durante exercício no Mar do Sul da China.  Foto: Aaron Favila/AP

“Nós confirmamos que alguns navios acionaram armas”, afirmou em entrevista o porta-voz da Guarda Costeira japonesa, Hiromune Kikuchi. “Nossa preocupação é eles terem quantidades maiores de navios grandes com capacidades militares.” E cada vez mais, Guardas Costeiras de outros países também adquirem esse tipo de embarcação.

O Vietnã encomendou ao Japão seis navios grandes para sua Guarda Costeira, a serem entregues até 2025.

A Coreia do Sul anunciou no ano passado que construirá nove barcos-patrulha de 3 mil toneladas para acionamento na costa ocidental do país, onde a fronteira marítima com a China não é clara.

O Japão aprovou uma nova lei em dezembro que elevará seu orçamento para a Guarda Costeira em aproximadamente US$ 1 bilhão — um aumento de 40% — e colocará a frota sob comando de suas forças de defesa nacional.

EUA e Austrália também têm se tornado mais ativos no Pacífico, com presentes de barcos-patrulha, novos centros de vigilância marítima e, para os americanos, uma nova geração de cutters (embarcações comissionadas, capazes de manter tripulações a bordo por longos períodos) maiores para sua Guarda Costeira e acordos de patrulha com vários países — acrescentando Papua-Nova Guiné a esta lista nas semanas recentes.

Os EUA passaram a trabalhar mais proximamente com Japão e Filipinas no Mar do Sul da China, conduzindo exercícios conjuntos de treinamento entre suas Guardas Costeiras em águas filipinas no ano passado e novamente este mês, ocasionando reclamações de Pequim.

Embarcação da Guarda Costeira Filipina em exercício trilateral das Filipinas com Japão e EUA, no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

“Guardas Costeiras e diferentes nações na região estão amadurecendo”, afirmou o vice-almirante Andrew Tiongson, comandante da Guarda Costeira dos EUA no Pacífico. “Acho que amadurecem por necessidade.”

Em nenhum outro local essa dinâmica é mais óbvia do que no Estreito de Taiwan e nos estaleiros no sul da ilha. Atuando em um território que concentra ansiedades regionais, a Guarda Costeira de Taiwan está se expandindo muito mais rapidamente do que sua Marinha ao mesmo tempo que confronta quase diariamente desafios da China.

Durante uma visita recente da reportagem a uma área industrial imediatamente ao lado do Porto de Kaohsiung, trabalhadores davam os últimos toques nos reparos de um barco-patrulha da Guarda Costeira cuja proa tinha se partido no mar.

“Uma embarcação chinesa atingiu este barco e arrancou o nariz completamente”, afirmou Hu Yenlu, ex-oficial da Marinha taiwanesa que dirige a Karmin International, empresa que constrói e conserta navios da Guarda Costeira de Taiwan.

Algumas semanas antes, afirmou ele, o barco-patrulha — um inflável rígido, de 11 metros de comprimento, do mesmo modelo usado pelos Navy Seals — tinha ajudado a estabelecer um perímetro com outras embarcações em torno de uma lancha de aparência suspeita, próximo às ilhas taiwanesas mais remotas. A lancha tinha seis motores, um projeto comum na milícia marítima chinesa. Quando a Guarda Costeira taiwanesa perguntou sua missão, o piloto acionou o acelerador e avançou com tudo.

Trabalhadores em Pingtung City, Taiwan, consertam um barco-patrulha da Guarda Costeira que teve o nariz arrancado por uma embarcação chinesa.  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

“Aquele barco não tinha nome, mas nós sabermos que era chinês”, afirmou Hu, contando a história que ouviu das autoridades. “Quando não vemos nenhum nome, nós sabemos que a embarcação é suspeita.” Tratou-se uma das muitas colisões ou quase colisões causadas pelas táticas agressivas da China nas proximidades de Taiwan, de acordo com autoridades marítimas e construtores de embarcações.

Em 3 de junho, as Forças Armadas dos EUA afirmaram que um destróier de sua Marinha, o USS Chung-Hoon, teve de diminuir a velocidade para evitar uma possível colisão contra um navio da Marinha chinesa que atravessou sua rota no estreito entre China e Taiwan.

A ameaça da China, de abril, de inspecionar embarcações taiwanesas representou outro tipo de subida de degrau na escalada bélica. A resposta aos chineses revelou o quão enevoados são os limites da agressão no mar.

O Conselho de Assuntos Oceânicos de Taiwan afirmou que respondeu à ameaça da China acionando uma embarcação de guarda costeira sob seu comando, como uma força furtiva para “evitar que a China continental coloque em perigo a liberdade de navegação e a segurança dos nossos cidadãos”. Um porta-voz da agência taiwanesa que coordena as relações com Pequim afirmou: “Se vocês interferirem, nós responderemos”.

Um segundo estaleiro próximo ao Porto de Kaohsiung deu pistas sobre o que isso pode significar. Um novo barco-patrulha de 100 toneladas boiava na água exibindo seu casco fortificado, de aço, em vez de materiais mais leves usados anteriormente, para proteção em caso de batidas. Em um dos píeres, uma embarcação de guarda costeira de 600 toneladas, com uma demão recém-aplicada de tinta branca aguardava engenheiros instalarem o mesmo dispositivo de rádio e radar usado pela Marinha taiwanesa. Na lateral do casco, uma grande abertura — para lançadores de mísseis, caso necessário. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Damien Cave produziu esta reportagem em Taiwan, Cingapura, Guam e outras partes da Ásia

THE NEW YORK TIMES - Em busca do domínio das vias marítimas da Ásia, a China acionou uma frota de embarcações equipadas com canhões calibre 76 milímetros e mísseis antinavio — e maiores do que destróieres da Marinha dos Estados Unidos. Mas esses navios não pertencem à Marinha chinesa. Seus cascos são pintados de branco. “Guarda Costeira da China”, informam palavras grafadas em letras maiúsculas nas laterais.

Em apenas uma década, a China formou a maior esquadra de guarda costeira no planeta, que é diferente de todas as outras. Mais militarizada, mais agressiva em disputas internacionais e menos preocupada com as missões costumeiras de coibir contrabando ou busca e resgate, a força marítima chinesa tem subvertido 200 anos de tradição das Guardas Costeiras de todo o mundo.

E também disparou uma corrida armamentista. Investindo poder em uma área cinzenta, entre policiamento e poderio naval, Pequim tem mirado rivais com navios capazes de afundar facilmente as embarcações que a maioria das Guardas Costeiras tem usado há décadas. E em resposta, outros países que temem a ingerência chinesa se apressam para acionar embarcações maiores e mais fortemente armadas para patrulhar suas costas.

As águas em volta de Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como sua, são um dos possíveis cenários dessa batalha. Mas com impasses entre Guardas Costeiras escalando furtivamente por toda a região, autoridades e analistas preocupam-se cada vez mais com uma ameaça crescente: algum acidente ou confronto em qualquer ponto da vasta área que a Guarda Costeira chinesa patrulha, capaz de ocasionar um conflito mais amplo ou até uma guerra entre grandes potências.

De 30 de março a 2 de abril, uma esquadra da Guarda Costeira chinesa circulou as ilhas contestadas que o Japão chama de Senkaku por 80 horas e 36 minutos — a maior permanência da China na região já registrada, de acordo com dados marítimos.

Posteriormente, o Japão anunciou um plano para reformar sua Guarda Costeira e colocá-la sob a batuta do Ministério da Defesa.

Dois outros incidentes recentes também apontam para novos níveis de assertividade chinesa e risco regional:

  • A partir de 8 de abril, barcos-patrulha chineses se concentraram nas proximidades de Taiwan, ameaçando pela primeira vez impedir a navegação de embarcações taiwanesas e vasculhá-las durante exercícios militares ocasionados por uma reunião entre a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Kevin McCarthy. Taiwan está agora desenvolvendo planos para romper qualquer bloqueio futuro ao mesmo tempo que fortalece sua Guarda Costeira.
  • Em 23 de abril, nas proximidades de um atol em disputa no Mar do Sul da China, um dos maiores navios da Guarda Costeira chinesa atravessou o caminho de um barco-patrulha filipino muito menor, forçando seu capitão a acionar os motores em marcha reversa para evitar uma colisão. Alguns dias depois, os EUA prometeram dar à Filipinas seis barcos-patrulha novos e modernizados.

Essas altercações — juntamente com outras incursões chinesas nas proximidades do Vietnã e da nação-arquipélago de Palau, no Pacífico, em maio e junho — atendem a um padrão de intensificação nas tensões, marcando uma grande mudança na maneira que os países reivindicam território e protegem interesses nos oceanos. Guardas Costeiras que no passado agiam como vigias atentos e auxiliares têm se transformado cada vez mais em forças navais, emaranhadas pela geopolítica da Ásia e acionadas como poderio militar em vias marítimas vitais para o transporte de mercadorias e como recursos naturais.

Dos portos no sul da China e em Taiwan às bases americanas em Guam, as embarcações de casco branco das Guardas Costeiras ficam cada vez mais compridas e pesadas — ou mais compactas e mais velozes. Suas armas também estão cada vez mais potentes, e barcos estão sendo construídos para comportar sistemas de armamentos complexos para serem acionados prontamente. E as Guardas Costeiras da região têm trabalhado mais proximamente com estrategistas de defesa, colocando-se na vanguarda de disputas mais amplas no Indo-Pacífico sobre poderio econômico e militar.

“A coisa não é mais como era 10 anos atrás”, afirmou o oficial aposentado da Marinha americana John Bradford, pesquisador sênior do Programa de Segurança Marítima na Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Cingapura. “Muitos países de toda a região têm começado a usar suas Guardas Costeiras para afirmar soberania.”

“A ideia”, acrescentou ele, “é que isso seja mais eficaz porque você fica menos propenso a subir os degraus da escalada porque essas forças são mais levemente armadas. Mas como ficará a coisa quando um navio de guarda costeira for atacado com mísseis? De que maneira esse barco seria diferente de uma embarcação naval, a não ser pela cor da tinta em seu casco?”

Barco da Guarda Costeira Filipina e navio da Guarda Costeira dos EUA, durante exercício trilateral de Filipinas, Japão e EUA no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

A competição entre Guardas Costeiras que emerge atualmente na Ásia começou com um esforço da China em se tornar o que seu governo classificou como “uma grande potência marítima”.

Essa expressão, que estabeleceu uma prioridade nacional, aparece nos documentos do governo chinês desde 2000, sob uma definição que inclui poder naval, pesca, proteção ambiental e avanço de reivindicações territoriais. O papel principal da Guarda Costeira chinesa foi solidificado sob Xi Jinping em 2013, primeiro ano do líder chinês na função, com a criação da força marítima por meio da consolidação de cinco agências.

A Guarda Costeira, ao olhos da China, seria um pilar de seu rejuvenescimento enquanto potência mundial, porque ajudaria Pequim a controlar importantes vias marítimas (e suas riquezas pesqueiras e minerais) sem detonar respostas militares de países atordoados pelo volume dessa frota não tão militarizada.

O que se seguiu foram dúzias de afrontas confirmando que os navios da Guarda Costeira da China — com frequência operando ao lado de embarcações de pesca e outros tipos — são capazes tanto de patrulhar quanto de provocar e intimidar rivais quase impunemente.

Em 2013, houve vários impasses tensos no Mar do Sul da China entre embarcações da Guarda Costeira chinesa e forças navais filipinas que ocupavam um navio da 2.ª Guerra chamado Sierra Madre.

Em 2014, no mar da costa do Vietnã, um barco da Guarda Costeira chinesa abalroou uma embarcação da Guarda Costeira vietnamita após o Vietnã tentar impedir a China de construir uma plataforma de petróleo em águas contestadas.

Em 2016, a Guarda Costeira chinesa libertou um barco de pesca que tinha sido apreendido por autoridades da Indonésia.

Mais recentemente, a China expandiu tanto a missão quanto a capacidade de combate de sua frota. Uma lei de 2021 concede à sua Guarda Costeira — sob controle militar — direito de usar força letal contra embarcações estrangeiras em águas reivindicadas por Pequim, incluindo o Mar do Sul da China, onde o governo chinês instalou bases operacionais avançadas sobre ilhas artificiais.

Embarcação da Guarda Costeira da China, em foto de 2017.  Foto: Erik de Castro/Reuters

Especialistas na região afirmam que essas provisões violam o direito internacional por permitir que a Guarda Costeira da China, sem nenhuma declaração de guerra, envolva-se em comportamentos bélicos fora de sua jurisdição nacional.

E suas embarcações têm cada vez mais poder de fazê-lo. A China possui agora 150 barcos de patrulha grandes, de pelo menos 1 mil toneladas, contra 70 do Japão, 60 dos EUA e apenas uma poucas unidades da maioria dos países da Ásia. As Filipinas possuem 25 embarcações de patrulha para acionamento no Mar do Sul da China. A Guarda Costeira de Taiwan conta com 23 navios, de acordo com autoridades americanas.

Muitas das embarcações chinesas são antigas corvetas da Marinha, capazes de operações de longas duração e equipadas com helipontos, canhões d’água poderosos e armas do mesmo calibre das usadas em tanques M1 Abrams. De acordo com o relatório mais recente do Departamento de Defesa sobre forças militares da China, 85 das embarcações da Guarda Costeira chinesas carregam mísseis de cruzeiro antinavio.

Esta nova frota de navios de guerra disfarçados de barcos policiais é o que muitos países na Ásia são forçados a confrontar quase diariamente à medida que a China avança sobre territórios em disputa por períodos cada vez mais longos. E não apenas no Mar do Sul da China.

Em 11 de maio, no Mar do Leste da China, duas embarcações da Guarda Costeira chinesa romperam o limite territorial de 22 quilômetros em torno das Ilhas Senkaku pela 13.ª vez este ano. Em 2022, equipes alternadas de embarcações de 1,5 mil toneladas da Guarda Costeira chinesa passaram 336 dias circulando as ilhas em disputa, contra 171 dias em 2017, de acordo com dados de rastreamento do Japão.

Barco da Guarda Costeira Filipina próximo a embarcação da Guarda Costeira Japonesa durante exercício no Mar do Sul da China.  Foto: Aaron Favila/AP

“Nós confirmamos que alguns navios acionaram armas”, afirmou em entrevista o porta-voz da Guarda Costeira japonesa, Hiromune Kikuchi. “Nossa preocupação é eles terem quantidades maiores de navios grandes com capacidades militares.” E cada vez mais, Guardas Costeiras de outros países também adquirem esse tipo de embarcação.

O Vietnã encomendou ao Japão seis navios grandes para sua Guarda Costeira, a serem entregues até 2025.

A Coreia do Sul anunciou no ano passado que construirá nove barcos-patrulha de 3 mil toneladas para acionamento na costa ocidental do país, onde a fronteira marítima com a China não é clara.

O Japão aprovou uma nova lei em dezembro que elevará seu orçamento para a Guarda Costeira em aproximadamente US$ 1 bilhão — um aumento de 40% — e colocará a frota sob comando de suas forças de defesa nacional.

EUA e Austrália também têm se tornado mais ativos no Pacífico, com presentes de barcos-patrulha, novos centros de vigilância marítima e, para os americanos, uma nova geração de cutters (embarcações comissionadas, capazes de manter tripulações a bordo por longos períodos) maiores para sua Guarda Costeira e acordos de patrulha com vários países — acrescentando Papua-Nova Guiné a esta lista nas semanas recentes.

Os EUA passaram a trabalhar mais proximamente com Japão e Filipinas no Mar do Sul da China, conduzindo exercícios conjuntos de treinamento entre suas Guardas Costeiras em águas filipinas no ano passado e novamente este mês, ocasionando reclamações de Pequim.

Embarcação da Guarda Costeira Filipina em exercício trilateral das Filipinas com Japão e EUA, no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

“Guardas Costeiras e diferentes nações na região estão amadurecendo”, afirmou o vice-almirante Andrew Tiongson, comandante da Guarda Costeira dos EUA no Pacífico. “Acho que amadurecem por necessidade.”

Em nenhum outro local essa dinâmica é mais óbvia do que no Estreito de Taiwan e nos estaleiros no sul da ilha. Atuando em um território que concentra ansiedades regionais, a Guarda Costeira de Taiwan está se expandindo muito mais rapidamente do que sua Marinha ao mesmo tempo que confronta quase diariamente desafios da China.

Durante uma visita recente da reportagem a uma área industrial imediatamente ao lado do Porto de Kaohsiung, trabalhadores davam os últimos toques nos reparos de um barco-patrulha da Guarda Costeira cuja proa tinha se partido no mar.

“Uma embarcação chinesa atingiu este barco e arrancou o nariz completamente”, afirmou Hu Yenlu, ex-oficial da Marinha taiwanesa que dirige a Karmin International, empresa que constrói e conserta navios da Guarda Costeira de Taiwan.

Algumas semanas antes, afirmou ele, o barco-patrulha — um inflável rígido, de 11 metros de comprimento, do mesmo modelo usado pelos Navy Seals — tinha ajudado a estabelecer um perímetro com outras embarcações em torno de uma lancha de aparência suspeita, próximo às ilhas taiwanesas mais remotas. A lancha tinha seis motores, um projeto comum na milícia marítima chinesa. Quando a Guarda Costeira taiwanesa perguntou sua missão, o piloto acionou o acelerador e avançou com tudo.

Trabalhadores em Pingtung City, Taiwan, consertam um barco-patrulha da Guarda Costeira que teve o nariz arrancado por uma embarcação chinesa.  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

“Aquele barco não tinha nome, mas nós sabermos que era chinês”, afirmou Hu, contando a história que ouviu das autoridades. “Quando não vemos nenhum nome, nós sabemos que a embarcação é suspeita.” Tratou-se uma das muitas colisões ou quase colisões causadas pelas táticas agressivas da China nas proximidades de Taiwan, de acordo com autoridades marítimas e construtores de embarcações.

Em 3 de junho, as Forças Armadas dos EUA afirmaram que um destróier de sua Marinha, o USS Chung-Hoon, teve de diminuir a velocidade para evitar uma possível colisão contra um navio da Marinha chinesa que atravessou sua rota no estreito entre China e Taiwan.

A ameaça da China, de abril, de inspecionar embarcações taiwanesas representou outro tipo de subida de degrau na escalada bélica. A resposta aos chineses revelou o quão enevoados são os limites da agressão no mar.

O Conselho de Assuntos Oceânicos de Taiwan afirmou que respondeu à ameaça da China acionando uma embarcação de guarda costeira sob seu comando, como uma força furtiva para “evitar que a China continental coloque em perigo a liberdade de navegação e a segurança dos nossos cidadãos”. Um porta-voz da agência taiwanesa que coordena as relações com Pequim afirmou: “Se vocês interferirem, nós responderemos”.

Um segundo estaleiro próximo ao Porto de Kaohsiung deu pistas sobre o que isso pode significar. Um novo barco-patrulha de 100 toneladas boiava na água exibindo seu casco fortificado, de aço, em vez de materiais mais leves usados anteriormente, para proteção em caso de batidas. Em um dos píeres, uma embarcação de guarda costeira de 600 toneladas, com uma demão recém-aplicada de tinta branca aguardava engenheiros instalarem o mesmo dispositivo de rádio e radar usado pela Marinha taiwanesa. Na lateral do casco, uma grande abertura — para lançadores de mísseis, caso necessário. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Damien Cave produziu esta reportagem em Taiwan, Cingapura, Guam e outras partes da Ásia

THE NEW YORK TIMES - Em busca do domínio das vias marítimas da Ásia, a China acionou uma frota de embarcações equipadas com canhões calibre 76 milímetros e mísseis antinavio — e maiores do que destróieres da Marinha dos Estados Unidos. Mas esses navios não pertencem à Marinha chinesa. Seus cascos são pintados de branco. “Guarda Costeira da China”, informam palavras grafadas em letras maiúsculas nas laterais.

Em apenas uma década, a China formou a maior esquadra de guarda costeira no planeta, que é diferente de todas as outras. Mais militarizada, mais agressiva em disputas internacionais e menos preocupada com as missões costumeiras de coibir contrabando ou busca e resgate, a força marítima chinesa tem subvertido 200 anos de tradição das Guardas Costeiras de todo o mundo.

E também disparou uma corrida armamentista. Investindo poder em uma área cinzenta, entre policiamento e poderio naval, Pequim tem mirado rivais com navios capazes de afundar facilmente as embarcações que a maioria das Guardas Costeiras tem usado há décadas. E em resposta, outros países que temem a ingerência chinesa se apressam para acionar embarcações maiores e mais fortemente armadas para patrulhar suas costas.

As águas em volta de Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como sua, são um dos possíveis cenários dessa batalha. Mas com impasses entre Guardas Costeiras escalando furtivamente por toda a região, autoridades e analistas preocupam-se cada vez mais com uma ameaça crescente: algum acidente ou confronto em qualquer ponto da vasta área que a Guarda Costeira chinesa patrulha, capaz de ocasionar um conflito mais amplo ou até uma guerra entre grandes potências.

De 30 de março a 2 de abril, uma esquadra da Guarda Costeira chinesa circulou as ilhas contestadas que o Japão chama de Senkaku por 80 horas e 36 minutos — a maior permanência da China na região já registrada, de acordo com dados marítimos.

Posteriormente, o Japão anunciou um plano para reformar sua Guarda Costeira e colocá-la sob a batuta do Ministério da Defesa.

Dois outros incidentes recentes também apontam para novos níveis de assertividade chinesa e risco regional:

  • A partir de 8 de abril, barcos-patrulha chineses se concentraram nas proximidades de Taiwan, ameaçando pela primeira vez impedir a navegação de embarcações taiwanesas e vasculhá-las durante exercícios militares ocasionados por uma reunião entre a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Kevin McCarthy. Taiwan está agora desenvolvendo planos para romper qualquer bloqueio futuro ao mesmo tempo que fortalece sua Guarda Costeira.
  • Em 23 de abril, nas proximidades de um atol em disputa no Mar do Sul da China, um dos maiores navios da Guarda Costeira chinesa atravessou o caminho de um barco-patrulha filipino muito menor, forçando seu capitão a acionar os motores em marcha reversa para evitar uma colisão. Alguns dias depois, os EUA prometeram dar à Filipinas seis barcos-patrulha novos e modernizados.

Essas altercações — juntamente com outras incursões chinesas nas proximidades do Vietnã e da nação-arquipélago de Palau, no Pacífico, em maio e junho — atendem a um padrão de intensificação nas tensões, marcando uma grande mudança na maneira que os países reivindicam território e protegem interesses nos oceanos. Guardas Costeiras que no passado agiam como vigias atentos e auxiliares têm se transformado cada vez mais em forças navais, emaranhadas pela geopolítica da Ásia e acionadas como poderio militar em vias marítimas vitais para o transporte de mercadorias e como recursos naturais.

Dos portos no sul da China e em Taiwan às bases americanas em Guam, as embarcações de casco branco das Guardas Costeiras ficam cada vez mais compridas e pesadas — ou mais compactas e mais velozes. Suas armas também estão cada vez mais potentes, e barcos estão sendo construídos para comportar sistemas de armamentos complexos para serem acionados prontamente. E as Guardas Costeiras da região têm trabalhado mais proximamente com estrategistas de defesa, colocando-se na vanguarda de disputas mais amplas no Indo-Pacífico sobre poderio econômico e militar.

“A coisa não é mais como era 10 anos atrás”, afirmou o oficial aposentado da Marinha americana John Bradford, pesquisador sênior do Programa de Segurança Marítima na Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Cingapura. “Muitos países de toda a região têm começado a usar suas Guardas Costeiras para afirmar soberania.”

“A ideia”, acrescentou ele, “é que isso seja mais eficaz porque você fica menos propenso a subir os degraus da escalada porque essas forças são mais levemente armadas. Mas como ficará a coisa quando um navio de guarda costeira for atacado com mísseis? De que maneira esse barco seria diferente de uma embarcação naval, a não ser pela cor da tinta em seu casco?”

Barco da Guarda Costeira Filipina e navio da Guarda Costeira dos EUA, durante exercício trilateral de Filipinas, Japão e EUA no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

A competição entre Guardas Costeiras que emerge atualmente na Ásia começou com um esforço da China em se tornar o que seu governo classificou como “uma grande potência marítima”.

Essa expressão, que estabeleceu uma prioridade nacional, aparece nos documentos do governo chinês desde 2000, sob uma definição que inclui poder naval, pesca, proteção ambiental e avanço de reivindicações territoriais. O papel principal da Guarda Costeira chinesa foi solidificado sob Xi Jinping em 2013, primeiro ano do líder chinês na função, com a criação da força marítima por meio da consolidação de cinco agências.

A Guarda Costeira, ao olhos da China, seria um pilar de seu rejuvenescimento enquanto potência mundial, porque ajudaria Pequim a controlar importantes vias marítimas (e suas riquezas pesqueiras e minerais) sem detonar respostas militares de países atordoados pelo volume dessa frota não tão militarizada.

O que se seguiu foram dúzias de afrontas confirmando que os navios da Guarda Costeira da China — com frequência operando ao lado de embarcações de pesca e outros tipos — são capazes tanto de patrulhar quanto de provocar e intimidar rivais quase impunemente.

Em 2013, houve vários impasses tensos no Mar do Sul da China entre embarcações da Guarda Costeira chinesa e forças navais filipinas que ocupavam um navio da 2.ª Guerra chamado Sierra Madre.

Em 2014, no mar da costa do Vietnã, um barco da Guarda Costeira chinesa abalroou uma embarcação da Guarda Costeira vietnamita após o Vietnã tentar impedir a China de construir uma plataforma de petróleo em águas contestadas.

Em 2016, a Guarda Costeira chinesa libertou um barco de pesca que tinha sido apreendido por autoridades da Indonésia.

Mais recentemente, a China expandiu tanto a missão quanto a capacidade de combate de sua frota. Uma lei de 2021 concede à sua Guarda Costeira — sob controle militar — direito de usar força letal contra embarcações estrangeiras em águas reivindicadas por Pequim, incluindo o Mar do Sul da China, onde o governo chinês instalou bases operacionais avançadas sobre ilhas artificiais.

Embarcação da Guarda Costeira da China, em foto de 2017.  Foto: Erik de Castro/Reuters

Especialistas na região afirmam que essas provisões violam o direito internacional por permitir que a Guarda Costeira da China, sem nenhuma declaração de guerra, envolva-se em comportamentos bélicos fora de sua jurisdição nacional.

E suas embarcações têm cada vez mais poder de fazê-lo. A China possui agora 150 barcos de patrulha grandes, de pelo menos 1 mil toneladas, contra 70 do Japão, 60 dos EUA e apenas uma poucas unidades da maioria dos países da Ásia. As Filipinas possuem 25 embarcações de patrulha para acionamento no Mar do Sul da China. A Guarda Costeira de Taiwan conta com 23 navios, de acordo com autoridades americanas.

Muitas das embarcações chinesas são antigas corvetas da Marinha, capazes de operações de longas duração e equipadas com helipontos, canhões d’água poderosos e armas do mesmo calibre das usadas em tanques M1 Abrams. De acordo com o relatório mais recente do Departamento de Defesa sobre forças militares da China, 85 das embarcações da Guarda Costeira chinesas carregam mísseis de cruzeiro antinavio.

Esta nova frota de navios de guerra disfarçados de barcos policiais é o que muitos países na Ásia são forçados a confrontar quase diariamente à medida que a China avança sobre territórios em disputa por períodos cada vez mais longos. E não apenas no Mar do Sul da China.

Em 11 de maio, no Mar do Leste da China, duas embarcações da Guarda Costeira chinesa romperam o limite territorial de 22 quilômetros em torno das Ilhas Senkaku pela 13.ª vez este ano. Em 2022, equipes alternadas de embarcações de 1,5 mil toneladas da Guarda Costeira chinesa passaram 336 dias circulando as ilhas em disputa, contra 171 dias em 2017, de acordo com dados de rastreamento do Japão.

Barco da Guarda Costeira Filipina próximo a embarcação da Guarda Costeira Japonesa durante exercício no Mar do Sul da China.  Foto: Aaron Favila/AP

“Nós confirmamos que alguns navios acionaram armas”, afirmou em entrevista o porta-voz da Guarda Costeira japonesa, Hiromune Kikuchi. “Nossa preocupação é eles terem quantidades maiores de navios grandes com capacidades militares.” E cada vez mais, Guardas Costeiras de outros países também adquirem esse tipo de embarcação.

O Vietnã encomendou ao Japão seis navios grandes para sua Guarda Costeira, a serem entregues até 2025.

A Coreia do Sul anunciou no ano passado que construirá nove barcos-patrulha de 3 mil toneladas para acionamento na costa ocidental do país, onde a fronteira marítima com a China não é clara.

O Japão aprovou uma nova lei em dezembro que elevará seu orçamento para a Guarda Costeira em aproximadamente US$ 1 bilhão — um aumento de 40% — e colocará a frota sob comando de suas forças de defesa nacional.

EUA e Austrália também têm se tornado mais ativos no Pacífico, com presentes de barcos-patrulha, novos centros de vigilância marítima e, para os americanos, uma nova geração de cutters (embarcações comissionadas, capazes de manter tripulações a bordo por longos períodos) maiores para sua Guarda Costeira e acordos de patrulha com vários países — acrescentando Papua-Nova Guiné a esta lista nas semanas recentes.

Os EUA passaram a trabalhar mais proximamente com Japão e Filipinas no Mar do Sul da China, conduzindo exercícios conjuntos de treinamento entre suas Guardas Costeiras em águas filipinas no ano passado e novamente este mês, ocasionando reclamações de Pequim.

Embarcação da Guarda Costeira Filipina em exercício trilateral das Filipinas com Japão e EUA, no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

“Guardas Costeiras e diferentes nações na região estão amadurecendo”, afirmou o vice-almirante Andrew Tiongson, comandante da Guarda Costeira dos EUA no Pacífico. “Acho que amadurecem por necessidade.”

Em nenhum outro local essa dinâmica é mais óbvia do que no Estreito de Taiwan e nos estaleiros no sul da ilha. Atuando em um território que concentra ansiedades regionais, a Guarda Costeira de Taiwan está se expandindo muito mais rapidamente do que sua Marinha ao mesmo tempo que confronta quase diariamente desafios da China.

Durante uma visita recente da reportagem a uma área industrial imediatamente ao lado do Porto de Kaohsiung, trabalhadores davam os últimos toques nos reparos de um barco-patrulha da Guarda Costeira cuja proa tinha se partido no mar.

“Uma embarcação chinesa atingiu este barco e arrancou o nariz completamente”, afirmou Hu Yenlu, ex-oficial da Marinha taiwanesa que dirige a Karmin International, empresa que constrói e conserta navios da Guarda Costeira de Taiwan.

Algumas semanas antes, afirmou ele, o barco-patrulha — um inflável rígido, de 11 metros de comprimento, do mesmo modelo usado pelos Navy Seals — tinha ajudado a estabelecer um perímetro com outras embarcações em torno de uma lancha de aparência suspeita, próximo às ilhas taiwanesas mais remotas. A lancha tinha seis motores, um projeto comum na milícia marítima chinesa. Quando a Guarda Costeira taiwanesa perguntou sua missão, o piloto acionou o acelerador e avançou com tudo.

Trabalhadores em Pingtung City, Taiwan, consertam um barco-patrulha da Guarda Costeira que teve o nariz arrancado por uma embarcação chinesa.  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

“Aquele barco não tinha nome, mas nós sabermos que era chinês”, afirmou Hu, contando a história que ouviu das autoridades. “Quando não vemos nenhum nome, nós sabemos que a embarcação é suspeita.” Tratou-se uma das muitas colisões ou quase colisões causadas pelas táticas agressivas da China nas proximidades de Taiwan, de acordo com autoridades marítimas e construtores de embarcações.

Em 3 de junho, as Forças Armadas dos EUA afirmaram que um destróier de sua Marinha, o USS Chung-Hoon, teve de diminuir a velocidade para evitar uma possível colisão contra um navio da Marinha chinesa que atravessou sua rota no estreito entre China e Taiwan.

A ameaça da China, de abril, de inspecionar embarcações taiwanesas representou outro tipo de subida de degrau na escalada bélica. A resposta aos chineses revelou o quão enevoados são os limites da agressão no mar.

O Conselho de Assuntos Oceânicos de Taiwan afirmou que respondeu à ameaça da China acionando uma embarcação de guarda costeira sob seu comando, como uma força furtiva para “evitar que a China continental coloque em perigo a liberdade de navegação e a segurança dos nossos cidadãos”. Um porta-voz da agência taiwanesa que coordena as relações com Pequim afirmou: “Se vocês interferirem, nós responderemos”.

Um segundo estaleiro próximo ao Porto de Kaohsiung deu pistas sobre o que isso pode significar. Um novo barco-patrulha de 100 toneladas boiava na água exibindo seu casco fortificado, de aço, em vez de materiais mais leves usados anteriormente, para proteção em caso de batidas. Em um dos píeres, uma embarcação de guarda costeira de 600 toneladas, com uma demão recém-aplicada de tinta branca aguardava engenheiros instalarem o mesmo dispositivo de rádio e radar usado pela Marinha taiwanesa. Na lateral do casco, uma grande abertura — para lançadores de mísseis, caso necessário. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Damien Cave produziu esta reportagem em Taiwan, Cingapura, Guam e outras partes da Ásia

THE NEW YORK TIMES - Em busca do domínio das vias marítimas da Ásia, a China acionou uma frota de embarcações equipadas com canhões calibre 76 milímetros e mísseis antinavio — e maiores do que destróieres da Marinha dos Estados Unidos. Mas esses navios não pertencem à Marinha chinesa. Seus cascos são pintados de branco. “Guarda Costeira da China”, informam palavras grafadas em letras maiúsculas nas laterais.

Em apenas uma década, a China formou a maior esquadra de guarda costeira no planeta, que é diferente de todas as outras. Mais militarizada, mais agressiva em disputas internacionais e menos preocupada com as missões costumeiras de coibir contrabando ou busca e resgate, a força marítima chinesa tem subvertido 200 anos de tradição das Guardas Costeiras de todo o mundo.

E também disparou uma corrida armamentista. Investindo poder em uma área cinzenta, entre policiamento e poderio naval, Pequim tem mirado rivais com navios capazes de afundar facilmente as embarcações que a maioria das Guardas Costeiras tem usado há décadas. E em resposta, outros países que temem a ingerência chinesa se apressam para acionar embarcações maiores e mais fortemente armadas para patrulhar suas costas.

As águas em volta de Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como sua, são um dos possíveis cenários dessa batalha. Mas com impasses entre Guardas Costeiras escalando furtivamente por toda a região, autoridades e analistas preocupam-se cada vez mais com uma ameaça crescente: algum acidente ou confronto em qualquer ponto da vasta área que a Guarda Costeira chinesa patrulha, capaz de ocasionar um conflito mais amplo ou até uma guerra entre grandes potências.

De 30 de março a 2 de abril, uma esquadra da Guarda Costeira chinesa circulou as ilhas contestadas que o Japão chama de Senkaku por 80 horas e 36 minutos — a maior permanência da China na região já registrada, de acordo com dados marítimos.

Posteriormente, o Japão anunciou um plano para reformar sua Guarda Costeira e colocá-la sob a batuta do Ministério da Defesa.

Dois outros incidentes recentes também apontam para novos níveis de assertividade chinesa e risco regional:

  • A partir de 8 de abril, barcos-patrulha chineses se concentraram nas proximidades de Taiwan, ameaçando pela primeira vez impedir a navegação de embarcações taiwanesas e vasculhá-las durante exercícios militares ocasionados por uma reunião entre a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Kevin McCarthy. Taiwan está agora desenvolvendo planos para romper qualquer bloqueio futuro ao mesmo tempo que fortalece sua Guarda Costeira.
  • Em 23 de abril, nas proximidades de um atol em disputa no Mar do Sul da China, um dos maiores navios da Guarda Costeira chinesa atravessou o caminho de um barco-patrulha filipino muito menor, forçando seu capitão a acionar os motores em marcha reversa para evitar uma colisão. Alguns dias depois, os EUA prometeram dar à Filipinas seis barcos-patrulha novos e modernizados.

Essas altercações — juntamente com outras incursões chinesas nas proximidades do Vietnã e da nação-arquipélago de Palau, no Pacífico, em maio e junho — atendem a um padrão de intensificação nas tensões, marcando uma grande mudança na maneira que os países reivindicam território e protegem interesses nos oceanos. Guardas Costeiras que no passado agiam como vigias atentos e auxiliares têm se transformado cada vez mais em forças navais, emaranhadas pela geopolítica da Ásia e acionadas como poderio militar em vias marítimas vitais para o transporte de mercadorias e como recursos naturais.

Dos portos no sul da China e em Taiwan às bases americanas em Guam, as embarcações de casco branco das Guardas Costeiras ficam cada vez mais compridas e pesadas — ou mais compactas e mais velozes. Suas armas também estão cada vez mais potentes, e barcos estão sendo construídos para comportar sistemas de armamentos complexos para serem acionados prontamente. E as Guardas Costeiras da região têm trabalhado mais proximamente com estrategistas de defesa, colocando-se na vanguarda de disputas mais amplas no Indo-Pacífico sobre poderio econômico e militar.

“A coisa não é mais como era 10 anos atrás”, afirmou o oficial aposentado da Marinha americana John Bradford, pesquisador sênior do Programa de Segurança Marítima na Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Cingapura. “Muitos países de toda a região têm começado a usar suas Guardas Costeiras para afirmar soberania.”

“A ideia”, acrescentou ele, “é que isso seja mais eficaz porque você fica menos propenso a subir os degraus da escalada porque essas forças são mais levemente armadas. Mas como ficará a coisa quando um navio de guarda costeira for atacado com mísseis? De que maneira esse barco seria diferente de uma embarcação naval, a não ser pela cor da tinta em seu casco?”

Barco da Guarda Costeira Filipina e navio da Guarda Costeira dos EUA, durante exercício trilateral de Filipinas, Japão e EUA no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

A competição entre Guardas Costeiras que emerge atualmente na Ásia começou com um esforço da China em se tornar o que seu governo classificou como “uma grande potência marítima”.

Essa expressão, que estabeleceu uma prioridade nacional, aparece nos documentos do governo chinês desde 2000, sob uma definição que inclui poder naval, pesca, proteção ambiental e avanço de reivindicações territoriais. O papel principal da Guarda Costeira chinesa foi solidificado sob Xi Jinping em 2013, primeiro ano do líder chinês na função, com a criação da força marítima por meio da consolidação de cinco agências.

A Guarda Costeira, ao olhos da China, seria um pilar de seu rejuvenescimento enquanto potência mundial, porque ajudaria Pequim a controlar importantes vias marítimas (e suas riquezas pesqueiras e minerais) sem detonar respostas militares de países atordoados pelo volume dessa frota não tão militarizada.

O que se seguiu foram dúzias de afrontas confirmando que os navios da Guarda Costeira da China — com frequência operando ao lado de embarcações de pesca e outros tipos — são capazes tanto de patrulhar quanto de provocar e intimidar rivais quase impunemente.

Em 2013, houve vários impasses tensos no Mar do Sul da China entre embarcações da Guarda Costeira chinesa e forças navais filipinas que ocupavam um navio da 2.ª Guerra chamado Sierra Madre.

Em 2014, no mar da costa do Vietnã, um barco da Guarda Costeira chinesa abalroou uma embarcação da Guarda Costeira vietnamita após o Vietnã tentar impedir a China de construir uma plataforma de petróleo em águas contestadas.

Em 2016, a Guarda Costeira chinesa libertou um barco de pesca que tinha sido apreendido por autoridades da Indonésia.

Mais recentemente, a China expandiu tanto a missão quanto a capacidade de combate de sua frota. Uma lei de 2021 concede à sua Guarda Costeira — sob controle militar — direito de usar força letal contra embarcações estrangeiras em águas reivindicadas por Pequim, incluindo o Mar do Sul da China, onde o governo chinês instalou bases operacionais avançadas sobre ilhas artificiais.

Embarcação da Guarda Costeira da China, em foto de 2017.  Foto: Erik de Castro/Reuters

Especialistas na região afirmam que essas provisões violam o direito internacional por permitir que a Guarda Costeira da China, sem nenhuma declaração de guerra, envolva-se em comportamentos bélicos fora de sua jurisdição nacional.

E suas embarcações têm cada vez mais poder de fazê-lo. A China possui agora 150 barcos de patrulha grandes, de pelo menos 1 mil toneladas, contra 70 do Japão, 60 dos EUA e apenas uma poucas unidades da maioria dos países da Ásia. As Filipinas possuem 25 embarcações de patrulha para acionamento no Mar do Sul da China. A Guarda Costeira de Taiwan conta com 23 navios, de acordo com autoridades americanas.

Muitas das embarcações chinesas são antigas corvetas da Marinha, capazes de operações de longas duração e equipadas com helipontos, canhões d’água poderosos e armas do mesmo calibre das usadas em tanques M1 Abrams. De acordo com o relatório mais recente do Departamento de Defesa sobre forças militares da China, 85 das embarcações da Guarda Costeira chinesas carregam mísseis de cruzeiro antinavio.

Esta nova frota de navios de guerra disfarçados de barcos policiais é o que muitos países na Ásia são forçados a confrontar quase diariamente à medida que a China avança sobre territórios em disputa por períodos cada vez mais longos. E não apenas no Mar do Sul da China.

Em 11 de maio, no Mar do Leste da China, duas embarcações da Guarda Costeira chinesa romperam o limite territorial de 22 quilômetros em torno das Ilhas Senkaku pela 13.ª vez este ano. Em 2022, equipes alternadas de embarcações de 1,5 mil toneladas da Guarda Costeira chinesa passaram 336 dias circulando as ilhas em disputa, contra 171 dias em 2017, de acordo com dados de rastreamento do Japão.

Barco da Guarda Costeira Filipina próximo a embarcação da Guarda Costeira Japonesa durante exercício no Mar do Sul da China.  Foto: Aaron Favila/AP

“Nós confirmamos que alguns navios acionaram armas”, afirmou em entrevista o porta-voz da Guarda Costeira japonesa, Hiromune Kikuchi. “Nossa preocupação é eles terem quantidades maiores de navios grandes com capacidades militares.” E cada vez mais, Guardas Costeiras de outros países também adquirem esse tipo de embarcação.

O Vietnã encomendou ao Japão seis navios grandes para sua Guarda Costeira, a serem entregues até 2025.

A Coreia do Sul anunciou no ano passado que construirá nove barcos-patrulha de 3 mil toneladas para acionamento na costa ocidental do país, onde a fronteira marítima com a China não é clara.

O Japão aprovou uma nova lei em dezembro que elevará seu orçamento para a Guarda Costeira em aproximadamente US$ 1 bilhão — um aumento de 40% — e colocará a frota sob comando de suas forças de defesa nacional.

EUA e Austrália também têm se tornado mais ativos no Pacífico, com presentes de barcos-patrulha, novos centros de vigilância marítima e, para os americanos, uma nova geração de cutters (embarcações comissionadas, capazes de manter tripulações a bordo por longos períodos) maiores para sua Guarda Costeira e acordos de patrulha com vários países — acrescentando Papua-Nova Guiné a esta lista nas semanas recentes.

Os EUA passaram a trabalhar mais proximamente com Japão e Filipinas no Mar do Sul da China, conduzindo exercícios conjuntos de treinamento entre suas Guardas Costeiras em águas filipinas no ano passado e novamente este mês, ocasionando reclamações de Pequim.

Embarcação da Guarda Costeira Filipina em exercício trilateral das Filipinas com Japão e EUA, no Mar do Sul da China.  Foto: Eloisa Lopez/Reuters

“Guardas Costeiras e diferentes nações na região estão amadurecendo”, afirmou o vice-almirante Andrew Tiongson, comandante da Guarda Costeira dos EUA no Pacífico. “Acho que amadurecem por necessidade.”

Em nenhum outro local essa dinâmica é mais óbvia do que no Estreito de Taiwan e nos estaleiros no sul da ilha. Atuando em um território que concentra ansiedades regionais, a Guarda Costeira de Taiwan está se expandindo muito mais rapidamente do que sua Marinha ao mesmo tempo que confronta quase diariamente desafios da China.

Durante uma visita recente da reportagem a uma área industrial imediatamente ao lado do Porto de Kaohsiung, trabalhadores davam os últimos toques nos reparos de um barco-patrulha da Guarda Costeira cuja proa tinha se partido no mar.

“Uma embarcação chinesa atingiu este barco e arrancou o nariz completamente”, afirmou Hu Yenlu, ex-oficial da Marinha taiwanesa que dirige a Karmin International, empresa que constrói e conserta navios da Guarda Costeira de Taiwan.

Algumas semanas antes, afirmou ele, o barco-patrulha — um inflável rígido, de 11 metros de comprimento, do mesmo modelo usado pelos Navy Seals — tinha ajudado a estabelecer um perímetro com outras embarcações em torno de uma lancha de aparência suspeita, próximo às ilhas taiwanesas mais remotas. A lancha tinha seis motores, um projeto comum na milícia marítima chinesa. Quando a Guarda Costeira taiwanesa perguntou sua missão, o piloto acionou o acelerador e avançou com tudo.

Trabalhadores em Pingtung City, Taiwan, consertam um barco-patrulha da Guarda Costeira que teve o nariz arrancado por uma embarcação chinesa.  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

“Aquele barco não tinha nome, mas nós sabermos que era chinês”, afirmou Hu, contando a história que ouviu das autoridades. “Quando não vemos nenhum nome, nós sabemos que a embarcação é suspeita.” Tratou-se uma das muitas colisões ou quase colisões causadas pelas táticas agressivas da China nas proximidades de Taiwan, de acordo com autoridades marítimas e construtores de embarcações.

Em 3 de junho, as Forças Armadas dos EUA afirmaram que um destróier de sua Marinha, o USS Chung-Hoon, teve de diminuir a velocidade para evitar uma possível colisão contra um navio da Marinha chinesa que atravessou sua rota no estreito entre China e Taiwan.

A ameaça da China, de abril, de inspecionar embarcações taiwanesas representou outro tipo de subida de degrau na escalada bélica. A resposta aos chineses revelou o quão enevoados são os limites da agressão no mar.

O Conselho de Assuntos Oceânicos de Taiwan afirmou que respondeu à ameaça da China acionando uma embarcação de guarda costeira sob seu comando, como uma força furtiva para “evitar que a China continental coloque em perigo a liberdade de navegação e a segurança dos nossos cidadãos”. Um porta-voz da agência taiwanesa que coordena as relações com Pequim afirmou: “Se vocês interferirem, nós responderemos”.

Um segundo estaleiro próximo ao Porto de Kaohsiung deu pistas sobre o que isso pode significar. Um novo barco-patrulha de 100 toneladas boiava na água exibindo seu casco fortificado, de aço, em vez de materiais mais leves usados anteriormente, para proteção em caso de batidas. Em um dos píeres, uma embarcação de guarda costeira de 600 toneladas, com uma demão recém-aplicada de tinta branca aguardava engenheiros instalarem o mesmo dispositivo de rádio e radar usado pela Marinha taiwanesa. Na lateral do casco, uma grande abertura — para lançadores de mísseis, caso necessário. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Damien Cave produziu esta reportagem em Taiwan, Cingapura, Guam e outras partes da Ásia

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