O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, manteve horas de conversas nos últimos meses com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, e outros líderes estrangeiros que nem sempre apoiaram a coalizão ocidental em apoio à Ucrânia, instando-os a permanecerem firmes contra o presidente russo, Vladimir Putin.
Por isso – seja pelos esforços de Biden ou não – a Casa Branca ficou surpresa quando Modi confrontou Putin em uma cúpula no mês passado, dizendo a ele que “a era de hoje não é de guerra” e que Putin deveria “seguir um caminho de paz”. O comentário foi incomum para um líder que fez um grande esforço para permanecer neutro no conflito entre Rússia Ucrânia, de acordo com um alto funcionário da Casa Branca que falou sob condição de anonimato para discutir conversas privadas.
Como essas discussões mostram, Biden agora está se esforçando para manter o que se tornou uma missão central de sua presidência: manter a coalizão global e doméstica que apoia a Ucrânia. À medida que a guerra entra em seu primeiro inverno (Hemisfério Norte), provavelmente amargo e brutal, alguns aliados dos EUA enfrentam ventos econômicos contrários alimentados pelo conflito, enquanto em casa alguns republicanos expressam ceticismo sobre os bilhões em ajuda que vão para a Ucrânia.
Esses esforços enfrentarão um grande teste na quarta-feira, quando as Nações Unidas votarão um projeto de resolução condenando a anexação de quatro regiões da Ucrânia pela Rússia. Biden e autoridades dos EUA estão trabalhando para convencer países não alinhados na América Latina, Ásia e África a se absterem de tomar uma posição neutra e condenar o Kremlin, um esforço que analistas dizem que pode ser reforçado pela enxurrada de ataques de mísseis da Rússia na segunda-feira contra Kiev e outras grandes cidades ucranianas.
Os líderes dos EUA esperam que pelo menos 100 dos 193 Estados membros da ONU – o número que apoiou uma resolução da ONU de 2014 condenando a anexação da Crimeia pela Rússia – apoiem o projeto de resolução, disseram vários altos funcionários do governo. Em março, quando os Estados Unidos ofereceram pela primeira vez uma resolução da ONU condenando a invasão da Rússia, receberam apoio de 141 Estados membros; sem dúvida, menos votos do que isso significará que o terreno diplomático foi perdido.
Biden e os líderes do Grupo dos Sete (G-7) e da Otan realizaram uma reunião virtual na manhã desta terça-feira, 11, condenando os bombardeios russos e reforçando seu compromisso com a defesa coletiva e de Kiev. O G-7 prometeu agilidade em fornecer o apoio que a Ucrânia precisar para defender sua soberania e integridade territorial, enquanto os EUA afirmaram estar comprometidos em enviar sistemas de defesa aéreos ao país do Leste Europeu. O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, se juntou aos líderes no início da reunião.
Mesmo enquanto Biden luta para manter sua coalizão global, rachaduras estão aparecendo no apoio político doméstico aos bilhões em ajuda que os EUA estão enviando à Ucrânia. Essas fissuras provavelmente aumentarão significativamente se os republicanos reconquistarem a Câmara em 8 de novembro.
Queda no apoio à guerra
Uma pesquisa da Pew Research mostra que a parcela de americanos extremamente ou muito preocupados com uma derrota ucraniana caiu de 55% em maio para 38% em setembro. Entre os republicanos e os independentes de tendência republicana, 32% dizem que os EUA estão dando muito apoio à guerra – acima dos 9% em março.
Algumas autoridades dos EUA admitem em particular que, apesar do confronto surpresa de Modi com Putin, estão céticos de que verão um avanço com a Índia, que tem extensos laços políticos e militares com a Rússia. Mas eles estão esperançosos de que a sequência de mísseis de Putin na segunda-feira ajude a persuadir a África do Sul e outros países.
“Isso lembrará a muitos membros da ONU que a Ucrânia é a vítima desta guerra”, disse Richard Gowan, especialista da ONU no International Crisis Group. “Isso, até certo ponto, se perdeu nos recentes debates da ONU, com muitos membros da ONU pedindo paz em termos bastante vagos.” Embora os recentes sucessos militares da Ucrânia possam ter dado a impressão de que ela precisava de menos ajuda, disse ele, “esses ataques podem reequilibrar a leitura dos diplomatas sobre a situação”.
Mas a diplomacia não tem sido fácil. Os países em desenvolvimento na África, América do Sul e Sudeste Asiático foram desproporcionalmente prejudicados pelo aumento dos preços dos combustíveis e pela escassez global de alimentos causada pela guerra. Biden, em conversas com seus colegas, fez um grande esforço para argumentar que a agressão e os bloqueios russos, e não as sanções dos EUA, são responsáveis por suas lutas, disseram autoridades.
Acontecimentos recentes apenas aumentaram a sensação de que a guerra será um longo trabalho árduo. Depois que uma importante ponte estratégica russa foi espetacularmente explodida no sábado, que Putin atribuiu à Ucrânia, Moscou lançou um contra-ataque furioso na segunda-feira contra Kiev e outras cidades ucranianas.
Mesmo antes disso, os combates de ambos os lados aumentaram nas últimas semanas. Autoridades dos EUA esperam que os combates diminuam durante o inverno ucraniano, quando o clima frio e as condições lamacentas prejudicarão as operações militares. Mas com a Ucrânia e a Rússia aparentemente convencidas de que podem e devem vencer, as negociações parecem longe, especialmente com a anexação de Putin e a recente mobilização de até 300 mil reservistas.
Até agora, a Casa Branca conseguiu manter o apoio bipartidário para vários pacotes de ajuda e armas multibilionários para a Ucrânia, mas alguns republicanos alinhados com o ex-presidente Donald Trump começaram a levantar questões sobre por que os EUA estão gastando tanto dinheiro em um guerra distante no exterior. E uma decisão na semana passada de uma coalizão liderada pela Arábia Saudita e pela Rússia de reduzir a produção de petróleo provavelmente fará com que os preços do combustível subam novamente, o que pode azedar ainda mais o público.
“Manter o apoio aqui e no Congresso, e com o público americano em geral, é algo em que pensamos e reconhecemos que, ao longo do tempo, se tornará cada vez mais um desafio, inevitavelmente”, disse um alto funcionário do governo. “Mas provavelmente há pessoas que pensariam mesmo neste momento, sete meses depois do conflito, que teríamos dificuldades com o que continua sendo uma unidade bipartidária.”
Padaria na Ucrânia alimenta civis e soldados durante a guerra
A Europa também está correndo para um inverno de preços altos de combustível, ameaçando o apoio à Ucrânia nesse período, embora os líderes europeus também permaneçam fortemente contrários a Putin e sua agenda no continente.
Biden e Zelenski têm falado regularmente desde o início da guerra, muitas vezes a cada duas ou três semanas, disseram funcionários da Casa Branca. Os dois conversaram novamente na segunda-feira, quando Biden expressou sua condenação aos ataques com mísseis da Rússia e prometeu fornecer à Ucrânia “o apoio necessário para se defender”, de acordo com uma leitura da ligação da Casa Branca.
Mas a relação nem sempre foi tranquila.
No início da guerra, Zelenski pediu repetidamente e publicamente aos EUA e a outros países ocidentais que fizessem mais – enviar armas adicionais e impor sanções mais duras à Rússia – mesmo quando Biden e o Congresso já estavam enviando quantidades sem precedentes de ajuda e armas avançadas para Kiev.
Biden entendeu, como um colega político, que Zelenski tinha de defender com força seu povo, mas também disse ao líder ucraniano em particular que seria difícil para ele continuar pedindo dinheiro ao Congresso se Zelenski parecesse ingrato e continuasse dizendo que não era suficiente, segundo um ex-funcionário da Casa Branca, falando sob condição de anonimato para descrever conversas privadas.
Ainda assim, quando questionados sobre quanto tempo os EUA devem investir bilhões no esforço de guerra, Biden e seus principais assessores costumam dizer: “O tempo que for necessário”.
Fim da guerra
Em particular, as autoridades dos EUA dizem que nem a Rússia nem a Ucrânia são capazes de vencer a guerra, mas afastaram a ideia de empurrar a Ucrânia para a mesa de negociações. Eles dizem que não sabem como será o fim da guerra, ou como ou quando ela pode terminar, insistindo que isso depende de Kiev.
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“Essa é uma decisão para os ucranianos”, disse um alto funcionário do Departamento de Estado. “Nosso trabalho agora é ajudá-los a estar absolutamente na melhor posição militar no campo de batalha… para o dia em que escolherem ir para a mesa diplomática.”
E as autoridades ucranianas agora dizem que nunca tiveram tão pouco apetite para negociar, dados seus recentes sucessos no campo de batalha e a tentativa de anexação ilegal da Rússia.
As forças ucranianas recapturaram com sucesso territórios e cidades importantes, incluindo a cidade oriental de Liman, e estão fazendo novas incursões nas áreas ocupadas. No sul, o trabalho árduo da Ucrânia resultou em alguns ganhos ao longo do Rio Dnieper em direção à cidade estratégica de Kherson.
Os ganhos territoriais vieram quando Putin cruzou uma linha vermelha para Zelenski com a anexação ilegal de quatro regiões da Ucrânia. Durante semanas, Zelenski havia alertado que tal movimento seria a sentença de morte para futuras negociações de paz, e ele assinou um decreto na semana passada descartando formalmente a possibilidade de negociações.
O presidente ucraniano agora diz que somente se Putin for removido do poder a Ucrânia consideraria voltar à mesa. “Vamos negociar com o novo presidente”, disse Zelenski em um discurso em vídeo.
Moscou respondeu dizendo que não encerraria suas operações militares se Kiev se recusar a negociar.
Tudo isso contribui para uma guerra cujo desfecho parece cada vez mais aberto, já que mesmo aqueles no círculo mais próximo de Zelenski, mais abertos a explorar negociações com a Rússia, disseram que as anexações de Putin sofreram um golpe fatal.
“Putin injetou o vírus da guerra infinita com seu movimento de anexação”, disse David Arakhamia, um dos principais negociadores de Zelenski e líder majoritário do Parlamento ucraniano, em entrevista. “A Ucrânia nunca aceitará isso.”
A ação da Rússia não foi uma surpresa completa para os EUA, uma vez que muitas autoridades viram sinais desde o semestre passado de que a Rússia poderia fazer o movimento descarado de anexar territórios. Biden pediu a seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, e a uma equipe que montassem uma abordagem e um conjunto de opções políticas para quando a Rússia avançasse com esse projeto de anexação, disse um alto funcionário da Casa Branca.
Em 21 de setembro, no mesmo dia em que Putin ordenou uma mobilização militar parcial e expressou apoio aos referendos encenados que foram precursores da anexação de territórios ucranianos, Biden tinha programado um discurso que faria na Assembleia-Geral da ONU. Autoridades dos EUA esperaram para ver o que Putin diria, então reescreveram partes do discurso de Biden naquela manhã para condenar com força a ameaça velada de Putin de usar armas nucleares e realizar os referendos falsos.
A caminho da sede da ONU, Biden ainda estava refazendo partes de seu discurso com Sullivan e o secretário de Estado, Antony Blinken. “Mais uma vez, apenas hoje, o presidente Putin fez ameaças nucleares abertas contra a Europa e um desrespeito imprudente pelas responsabilidades do regime de não proliferação”, disse Biden, acrescentando: “Este mundo deveria ver esses atos ultrajantes pelo que são”.