THE NEW YORK TIMES — O presidente Joe Biden tem tido uma semana intensa lidando com a batalha em Israel sobre o futuro do Judiciário do país, falando com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu por telefone na segunda-feira, 17, e com o presidente Isaac Herzog, que visitou a Casa Branca, na terça.
Para garantir que sua posição fique absolutamente clara para todos os israelenses, Biden convidou-me para uma reunião no Salão Oval, na tarde da terça, e pronunciou uma mensagem — sem precedentes sobre este assunto — expressando seu respeito pela maneira que os “duradouros” protestos em Israel têm demonstrado a “vitalidade” da democracia de Israel”, assim como seu desejo de que a coalizão de Netanyahu pare de se apressar para empurrar uma reforma constitucional sem nenhum indício de consenso nacional, que pretende diminuir acentuadamente a capacidade da Suprema Corte de Israel de supervisionar decisões do Executivo e nomeações de autoridades do governo do país.
Netanyahu tentou confundir os amigos de Israel nos EUA minimizando a importância da mudança fundamental que seu governo tenta empreender, qualificando-a como uma pequena reforma judicial.
Mas a disposição que seu governo tem mostrado em pagar um preço altíssimo pelo ataque que iniciou contra o Judiciário no começo deste ano — reservistas da Força Aérea israelense recusando-se a apresentar-se para o serviço de defender uma “ditadura”, investidores do setor da alta tecnologia retirando fundos do país, redução acentuada na imigração de judeus para Israel e protestos imensos e turbulentos — demonstra o que realmente está em jogo: a totalidade do equilíbrio de poder entre o Judiciário e o Executivo na democracia de Israel, que não possui Constituição.
Biden está neste momento profundamente preocupado com a estabilidade e o futuro de Israel, o aliado mais importante dos EUA no Oriente Médio, pelo qual o presidente americano nutre e expressa afeição notoriamente. Sua mensagem para o primeiro-ministro e o presidente de Israel não poderia ser mais clara: por favor, parem com isso agora; não aprovem nada de tamanha importância sem um amplo consenso, senão vocês romperão com a democracia israelense e sua relação com a democracia americana — e poderão jamais recuperá-las.
“É obviamente uma área a respeito da qual os israelenses possuem posicionamentos fortes, incluindo um duradouro movimento de protestos que tem demonstrado a vitalidade da democracia de Israel”, disse-me Biden. “Buscar consenso em áreas controvertidas da política significa tomar o tempo necessário. Para mudanças significativas, isso é essencial. Portanto minha recomendação aos líderes israelenses é não apressar as coisas. Eu acredito que o melhor desfecho aqui é continuar a buscar o consenso mais amplo possível.”
Reconhecimento dos protestos por Biden
O movimento de protestos em Israel tem levado às ruas dezenas de milhares de israelenses em manifestações massivas há 28 semanas consecutivas — o que equivale numericamente a entre 3 e 4 milhões de americanos protestando diante do National Mall, em Washington, DC, todos os fins de semana.
Mas esses protestos também são constituídos por centenas de iniciativas locais, com bases comunitárias, espalhadas por todos os setores da sociedade israelense, o que torna seu impulso um verdadeiro movimento democrático. O reconhecimento altamente incomum de Biden em relação a essa campanha significa que o governo americano compreende que os acontecimentos em Israel envolvem muito mais do que um debate político entre governo e oposição.
A batalha é pela alma do país.
Nesta batalha, Netanyahu parece estar avançando decisivamente em sua tomada de poder para livrar a si mesmo e seu governo dos controles da Suprema Corte antes do início do recesso de verão (Hemisfério Norte) da Knesset, no fim de julho. Decisões da Suprema Corte estão em jogo — como o bloqueio da tentativa de Netanyahu de nomear para um aliado condenado três vezes pela Justiça, Aryeh Deri, ministro da Saúde, do Interior e posteriormente das Finanças.
É por este motivo que os protestos crescem novamente em intensidade. A principal reportagem do jornal israelense Haaretz na noite da terça-feira demonstrou a magnitude do perigo que a situação está produzindo: “Por mais de sete meses, os israelenses têm protestado contra o esforço do governo Netanyahu de reformar o Judiciário do país e enfraquecer seus guardadores.
Nesta semana, os manifestantes estão intensificando a resistência, à medida que mais reservistas ameaçam não se apresentar ao serviço, trabalhadores de saúde anunciam um ‘aviso de greve’ com uma paralisação de duas horas e dezenas de milhares de cidadãos tomam as ruas interrompendo o tráfego em todo o país”. Israel aproxima-se da hora da verdade.
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Biden claramente caminha numa corda-bamba. Ele tenta mostrar respeito em relação ao direito de Israel de escolher seu próprio rumo sem seu aliado americano interferindo num assunto interno (respeito que Netanyahu negligenciou com frequência ao longo dos anos, interferindo como pôde na política americana) ao mesmo tempo que deixa sua clara preocupação — compartilhada por importantes aliados de Israel no Congresso americano e pela comunidade judaica dos EUA — de que este momento poderá ser fatídico na história de Israel a respeito de sua coesão interna, assim como para suas futuras relações com Washington. Biden, como é amigo de Israel, sentiu que não poderia se calar.
Não se iludam: muitos israelenses apoiam o esforço de Netanyahu, mas pesquisas — e o tamanho relativo das manifestações — indicam que uma maioria clara se opõe. Toda a coalizão de governo de Netanyahu tem perdido apoio do público nas pesquisas mais recentes.
Mas a questão é a seguinte: a magnitude e a tenacidade do movimento de protesto em Israel enviaram um sinal claro de que a reforma empreendida pelo governo dificilmente terá legitimidade interna algum dia e, portanto, lhe faltará também legitimidade externa. Esse trem já partiu.
Democracia pode ser comprometida
Se Netanyahu empurrar sua reforma goela abaixo de Israel, isso inevitavelmente comprometerá a estatura doméstica e internacional da Suprema Corte israelense e, consequentemente, a democracia do país. Nós estamos falando das fundações dos valores comuns que sustentam a aliança EUA-Israel.
De fato, todo líder israelense deve meditar sobre o este argumento de Biden: o movimento de protesto demonstra “a vitalidade da democracia de Israel, que deve continuar a ser o fundamento da nossa relação bilateral”.
Enquanto Biden me dizia isso, eu não consegui distinguir se as palavras saiam de sua mente ou de seu coração. Biden está basicamente implorando para que Netanyahu e seus apoiadores entendam o seguinte: se nós não compartilharmos esse valor democrático, será difícil sustentar por mais 75 anos a relação especial da qual Israel e EUA desfrutam há 75 anos.
Nossa conversa de 1 hora e 15 minutos sobre o assunto serviu-me como um lembrete de que Biden é um democrata tradicional quando se trata de Israel, um país cujas conquistas na ciência, na tecnologia e nas artes — e cuja duradoura democracia, apesar de corroída pela persistente ocupação dos territórios palestinos — ressoam nele autenticamente.
Isto é, do meu ponto de vista, o oposto diametral em relação a cínicos como Ted Cruz, Ron DeSantis e o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, que ficam perfeitamente à vontade em explorar os esforços de Biden de evitar que Israel se atire num precipício retratando-os como um posicionamento anti-Israel e, mais ridiculamente ainda, antissemita.
Uma mensagem para os israelenses de direita, esquerda e centro: Joe Biden poderá ser o último presidente democrata pró-Israel. Se ignorarem suas sinceras preocupações, vocês arriscam ficar sozinhos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO