MOSCOU - Ao decidir manter sua viagem a Moscou em meio à escalada de tensões entre Rússia, Ucrânia e Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu a seguinte orientação do Itamaraty: não tocar no assunto de dimensão global e fazer apenas comentários superficiais se provocado sobre o tema pelo presidente russo, Vladimir Putin.
A ida de Bolsonaro à Rússia neste momento foi alvo de polêmica dentro do próprio governo e entre especialistas em Relações Exteriores. Na tentativa de demover a impressão de que a visita oficial significa um endosso a Moscou, o Itamaraty emitiu nota oficial na semana passada com afagos às relações diplomáticas “de alto nível” com a Ucrânia.
Bolsonaro e Putin se encontram amanhã no Kremlin. Hoje, o líder russo recebe o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, para novas negociações sobre a crise na Ucrânia.
Apesar do “briefing”, fontes diplomáticas ouvidas pela reportagem relatam preocupação com a possível “falta de tato” do presidente em caso de declarações sobre a possibilidade de uma invasão da Ucrânia por parte da Rússia. Ao comentar o assunto em live no sábado, Bolsonaro pediu a Deus “que reine a paz no mundo”.
Moscou tenta impedir que seu “tampão” mais importante com o Ocidente, a Ucrânia, ingresse na Otan, liderada pelos EUA. O tabuleiro geopolítico da região é complexo e envolve questões identitárias milenares.
Cancelamento
Mas o momento ruim da viagem de Bolsonaro à Rússia, opinião predominante no mundo da política e da diplomacia, não deveria ser motivo de cancelamento da visita oficial, avalia o ex-chanceler Aloysio Nunes (PSDB). “O Brasil não é parte nessa disputa. Cancelar agora significaria desconhecer as preocupações seculares da Rússia com sua segurança, aliar-se acriticamente com os EUA e a Otan. Podemos ser mais úteis para a paz mundial seguindo a linha de equidistância”, diz Nunes.
Ex-embaixador e professor de Relações Internacionais da ESPM-SP, Fausto Godoy tem opinião semelhante sobre a viagem marcada em meados de novembro, antes da eclosão da crise com a Ucrânia. “Esse assunto da Ucrânia não é nosso. Desmarcar às vésperas seria desgastante para o Brasil”, afirma.
A escolha dos destinos da segunda viagem internacional de Bolsonaro neste ano tem pano de fundo eleitoral. Em Moscou, o objetivo é avançar nas negociações sobre a crise de fertilizantes, grande preocupação do agronegócio.
Em meio às restrições russas para a exportação de fertilizantes, o agronegócio brasileiro ampliou a pressão sobre o governo para evitar um eventual aperto na oferta dos insumos, essenciais para as lavouras.
Hungria
Já em Budapeste, parada seguinte, o foco é manter os laços com a extrema direita mundial a partir da agenda do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, considerado um ultranacionalista.
Bolsonaro foi eleito presidente em 2018 com apoio de caciques do agronegócio e de extremistas de direita. Ainda com dificuldades de conquistar o eleitorado lulista, apesar do Auxílio Brasil e da entrega parcial da transposição do Rio São Francisco no Nordeste, o presidente e seus aliados mais radicalizados veem no reforço de alianças passadas a possibilidade de chegar ao segundo turno e reeditar a polarização com o PT.
Há ainda o objetivo velado de emplacar a ideia de que o presidente não estaria isolado internacionalmente. Estremecido com os EUA desde a derrota de Donald Trump, Bolsonaro também tem uma relação conturbada com os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e da França, Emmanuel Macron.