THE NEW YORK TIMES — Na esteira da guerra na Ucrânia, o Porto de Wilhelmshaven emerge como um entreposto crítico para os esforços da Alemanha de pôr fim à dependência do país em relação à energia produzida na Rússia. É lá, na costa do Mar do Norte, que as autoridades alemãs desejam construir um novo terminal gigantesco para importar gás natural liquefeito (GNL) de outros fornecedores. Mas um problema tem atrapalhado esses planos: o campo de construção está repleto de bombas de guerras passadas.
Não é preciso cavar muito para esbarrar na história na Alemanha. Moradores do país com frequência são retirados de áreas — certas vezes aos milhares — quando munições não detonadas são descobertas em terrenos de obras e precisam ser neutralizadas. Conforme a Alemanha busca garantir independência energética, explosivos de guerra não detonados têm atrasado a construção de novas fazendas eólicas e terminais de GNL.
Mas a situação em Wilhelmshaven é particularmente severa e serve como um lembrete dispendioso a respeito da maneira que resquícios de conflitos passados podem complicar os esforços para responder à guerra atual.
Wilhelmshaven desempenhou um papel importante durante a 2.ª Guerra, abrigando as maiores bases da Marinha alemã. E após bombardeios consecutivos das Forças Aéreas americana e britânica, no fim do conflito os Aliados usaram o porto como área de descarte de munições não utilizadas.
“Nós encontramos todo tipo de munição: alemã, britânica, holandesa, francesa, de todas as diferentes procedências”, afirmou Dieter Guldin, diretor-executivo de operações da SeaTerra, uma empresa especializada em localizar e desativar explosivos não detonados. “Nós encontramos uma bomba da 2.ª Guerra, depois uma da 1.ª Guerra e então uma granada francesa… Está tudo misturado. Qualquer artefato do amplo espectro das guerras mundiais pode ser encontrado por lá.”
Guldin afirmou em entrevista que nunca tinha visto tantas munições não detonadas depositadas sobre uma mesma faixa de leito marinho. Isso se deve, afirmou ele, a pescadores e marinheiros que descartaram armamentos indiscriminadamente nas águas do porto e no mar das proximidades, num esforço para ganhar dinheiro das forças aliadas, que lhes pagavam pelo serviço.
Antes da construção do novo terminal poder começar, especialistas esquadrinharam o leito marinho e encontraram de 150 a 200 bombas, granadas e minas.
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A quantidade de material bélico tornou a cuidadosa coreografia necessária para encontrar e retirar essa munição particularmente desafiadora. O processo iniciou-se meses atrás, com especialistas vasculhando o campo de construção com magnetômetros. Após identificar os explosivos e determinar se eles precisam ser removidos, mergulhadores treinados foram acionados para erguê-los do leito marinho.
Quando é considerado seguro transportar os armamentos, eles são suspensos do mar, colocados em um grande caminhão e levados embora, para serem destruídos por esquadrões antibombas das forças de segurança locais. Mas se são considerados grandes demais para ser transportados, os explosivos são levados até um banco de areia próximo e detonados.
Pelo menos 30 bombas terão de ser destruídas em Wilhelmshaven, num processo que envolve fixar TNT na munição e usar um sistema remoto para a detonação.
Estima-se que, somente no leito do Mar do Norte, haja 1,3 milhão de toneladas de explosivos não detonados, de acordo com a agência do governo local responsável por identificar e dar fim aos armamentos.
Trata-se de uma combinação entre armas usadas em batalhas navais, bombas aéreas lançadas por pilotos aliados a caminho da Inglaterra e munições alemãs descartadas pelos comandantes aliados após a guerra.
“Bombas, granadas, munições de metralhadora — tem de tudo”, afirmou o cientista Matthias Brenner, do Instituto Alfred Wegener para Pesquisa Polar e Marinha.
Brenner, que estuda o impacto ambiental causado pelas munições da 2.ª Guerra descartada nos Mares do Norte e Báltico, afirmou que as forças aliadas também carregaram agentes de guerra química em navios e afundaram as embarcações nas águas da costa norte da Alemanha. Os elementos tóxicos têm sido encontrados, desde então, nos tecidos da vida marinha dessas regiões, incluindo em moluscos e peixes.
A presença de armas no fundo do mar mostrou-se um grande desafio para a construção pela primeira vez em 2013, quando os planos de uma empresa de energia alemã de instalar uma fazenda eólica no Mar do Norte foram adiados por meses. A diária do navio especial usado para retirar as munições, noticiou na época o jornal Der Spiegel, custava à empresa até € 200 mil, cerca de US$ 220 mil (R$ 1 milhão)
Antes da guerra, a Alemanha confiava tanto nos gasodutos que lhe traziam energia da Rússia que nem sequer se preocupou em construir a infraestrutura necessária para importar GNL. Quando os russos invadiram a Ucrânia, as autoridades alemãs se movimentaram rapidamente para construir terminais de GNL e tanques de armazenamento flutuantes em Wilhelmshaven, deixando de lado o comum apetite por deliberações de diferentes instâncias e processos burocráticos.
Quando o primeiro terminal de GNL do porto entrou em atividade, em dezembro, depois de apenas cinco meses de construção, o chanceler Olaf Scholz gabou-se do que qualificou como “um novo recorde mundial”. Mas o início da construção do novo terminal terá de esperar até que o restante da munição seja retirado das águas do porto, o que poderá resultar em semanas de adiamento.
E Guldin nota uma trágica ironia: ao mesmo tempo que ele retira do mar toneladas de bombas depositadas há décadas para abrir caminho para um novo projeto acelerado pela guerra, outro país está sendo coberto de explosivos. “Nós temos tentado retirar munição não detonada há 80 anos”, afirmou Guldin, “o tempo que será necessário para limpar a Ucrânia depois que a guerra acabar — é um desastre”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO