Boric defende reação conjunta da América Latina em caso de tentativa de golpe no Brasil


Às vésperas do plebiscito pela nova Constituição do Chile, o presidente deu uma entrevista à revista Time na qual elogiou a carta pela democracia no Brasil e criticou líderes de esquerda autoritários

Por Redação
Atualização:

SANTIAGO - O presidente do Chile, Gabriel Boric, concedeu uma longa entrevista à revista americana Time, na qual falou sobre sua relação com os governos da América Latina, inclusive os autoritários da Venezuela e Nicarágua, e chamou para uma reação da região caso haja uma tentativa de golpe nas eleições brasileiras. A poucos dias de um momento crucial de seu governo, o presidente também falou de seus planos após o plebiscito deste domingo.

“Se houver uma tentativa, como houve na Bolívia, por exemplo, em 2020, onde as acusações de fraude acabaram sendo usadas para justificar um golpe de Estado, a América Latina tem que reagir em conjunto para evitar que isso aconteça”, respondeu Boric quando questionado sobre o que faria caso Jair Bolsonaro não aceite o resultado das eleições de outubro.

Mas o presidente também comentou sobre a carta pela democracia organizada pela Faculdade de Direito da USP.

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“Foi muito promissor ver a carta de São Paulo, que reúne um milhão de assinaturas a favor da democracia, de um amplo recorte [da sociedade e da política]. Acho que foi um sinal forte da sociedade brasileira.”

O presidente do Chile. Gabriel Boric, na capa da revista Time Foto: Reprodução/Time
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O manifesto, redigido em julho em reação às investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, teve inicialmente 3 mil signatários de diferentes setores da sociedade civil e viu o número de adesões crescer consideravelmente após ser aberto ao público em geral, em 26 de julho. No começo deste mês a carta ultrapassou a marca de 1 milhão de assinaturas.

Na última segunda-feira, 29, o Chile convocou o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Pacheco, para consultas após as declarações de Bolsonaro contra o líder chileno, a quem acusou de “queimar o metrô” nos protestos de 2019, informou a chanceler Antonia Urrejola. A acusação foi feita no primeiro debate eleitoral entre os presidenciais no último domingo, 28.

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Esquerda na América Latina

Boric também teve de responder sobre outros líderes latino-americanos, especialmente os da esquerda autoritária, que ele busca manter distância política. “Sou uma pessoa de esquerda profundamente democrática. Acho que as derivas autoritárias que os líderes permitiram à esquerda causaram muitos danos não apenas à ideia de esquerda, mas também ao seu próprio povo. É por isso que eu sou um democrata antes de tudo”, disse.

“Não posso ficar indignado quando os direitos são violados na Palestina, mas não na Nicarágua. Quando a defesa dos direitos humanos é parcial, perde legitimidade. Sou muito crítico das derivas autoritárias da esquerda da região, e isso me custou muitas críticas no meu setor político. Às vezes no meu setor não há muita vontade de criticar o seu. E acho que isso é um erro.”

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O presidente de 36 anos citou Lula e Gustavo Petro - novo presidente da Colômbia - como exemplos de esperança para uma esquerda com as quais gostaria de trabalhar. “E no Chile vamos fazer diferente. Também tenho esperança de que com alguns do novos governos – o de Petro, por exemplo, ou potencialmente o de Lula se ele voltar – possamos avançar nessa direção.”

Boric também foi questionado sobre sua crítica à Cúpula das Américas que deixou de fora Nicarágua, Cuba e Venezuela. “A exclusão não funcionou para corrigir as coisas. Veja Cuba. Foi excluída da [Organização dos Estados Americanos] nos anos 70. Isso teve algum impacto? Eu preferiria poder dizer a Daniel Ortega que não concordo com ele e que ele deveria libertar presos políticos – [como] Dora Maria Téllez – para dizer isso na cara dele e confrontá-lo. Se temos eventos multilaterais e só temos aqueles que concordam juntos, não faz mais sentido.”

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A revista também perguntou a opinião de Boric sobre o outro líder jovem da região, Nayib Bukele de El Salvador e se o considerava um autocrata. “Não o conheço pessoalmente e ele não participou de cúpulas multilaterais. E se você escolher livremente não participar, isso é suspeito. Por que não enfrentar o escrutínio de seus pares? Pelo que estudei e pelas minhas conversas com salvadorenhos, há de fato uma tendência autoritária para enfrentar um problema realmente sério: as gangues. Eu sei que é uma situação muito difícil e tem que ser enfrentada de forma muito decisiva, mas isso não pode ser feito minando a democracia. A verdade é que não me identifico com a forma como Bukele está liderando seu governo. Ele provavelmente sente o mesmo por mim.”

Nova Constituição

No próximo domingo, 4 de setembro, os chilenos vão votar em um plebiscito para dizer se aprovam ou rejeitam o texto entregue pela convenção constitucional em 4 de julho. Após um plebiscito de entrada que teve 78% de aprovação para uma nova Carta Magna, as últimas pesquisas de intenções de voto apontam uma possível vitória da rejeição. Um cenário que preocupa o governo Boric.

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Homem segura um exemplar da proposta de nova Constituição para o Chile  Foto: Alberto Valdés/EFE

“Ainda temos consenso sobre a necessidade de uma nova constituição e a necessidade de atualizar os fundamentos de nossa sociedade”, disse à Time caso ganhe a rejeição. “Estou convencido de que vamos chegar lá, independente do resultado de 4 de setembro. Agora, nós, como governo, temos o dever de governar, não importa o que aconteça. Há problemas que vão além da conversa constitucional. Aumento do custo de vida, inflação, segurança, direitos da criança, educação, reforma da saúde, reforma tributária, vamos continuar trabalhando nisso tudo. Se o rechaço vencer, demoraremos um pouco mais, mas chegaremos lá.”

Ele elogiou o texto da nova Constituição e defende que mudanças devem ser feitas depois, no Congresso, após uma vitória do Aprovo no próximo domingo. “Eu acho que é positivo [o texto]. É um avanço. Aborda questões que são realmente importantes não só para o Chile, mas para o mundo. Tem uma visão de harmonia entre desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente, realmente alheia às constituições do século XX. Incorpora uma perspectiva feminista, o que é fundamental. E estabelece algumas coisas tremendamente importantes, para as quais temos que avançar progressivamente: os direitos dos trabalhadores, a difusão de oportunidades e recursos fora de Santiago. Eu tenho uma boa opinião sobre o projeto. Sempre há coisas que podem ser melhoradas, e estamos tendo esse debate. Mas é um grande passo para o Chile.”

SANTIAGO - O presidente do Chile, Gabriel Boric, concedeu uma longa entrevista à revista americana Time, na qual falou sobre sua relação com os governos da América Latina, inclusive os autoritários da Venezuela e Nicarágua, e chamou para uma reação da região caso haja uma tentativa de golpe nas eleições brasileiras. A poucos dias de um momento crucial de seu governo, o presidente também falou de seus planos após o plebiscito deste domingo.

“Se houver uma tentativa, como houve na Bolívia, por exemplo, em 2020, onde as acusações de fraude acabaram sendo usadas para justificar um golpe de Estado, a América Latina tem que reagir em conjunto para evitar que isso aconteça”, respondeu Boric quando questionado sobre o que faria caso Jair Bolsonaro não aceite o resultado das eleições de outubro.

Mas o presidente também comentou sobre a carta pela democracia organizada pela Faculdade de Direito da USP.

“Foi muito promissor ver a carta de São Paulo, que reúne um milhão de assinaturas a favor da democracia, de um amplo recorte [da sociedade e da política]. Acho que foi um sinal forte da sociedade brasileira.”

O presidente do Chile. Gabriel Boric, na capa da revista Time Foto: Reprodução/Time

O manifesto, redigido em julho em reação às investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, teve inicialmente 3 mil signatários de diferentes setores da sociedade civil e viu o número de adesões crescer consideravelmente após ser aberto ao público em geral, em 26 de julho. No começo deste mês a carta ultrapassou a marca de 1 milhão de assinaturas.

Na última segunda-feira, 29, o Chile convocou o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Pacheco, para consultas após as declarações de Bolsonaro contra o líder chileno, a quem acusou de “queimar o metrô” nos protestos de 2019, informou a chanceler Antonia Urrejola. A acusação foi feita no primeiro debate eleitoral entre os presidenciais no último domingo, 28.

Esquerda na América Latina

Boric também teve de responder sobre outros líderes latino-americanos, especialmente os da esquerda autoritária, que ele busca manter distância política. “Sou uma pessoa de esquerda profundamente democrática. Acho que as derivas autoritárias que os líderes permitiram à esquerda causaram muitos danos não apenas à ideia de esquerda, mas também ao seu próprio povo. É por isso que eu sou um democrata antes de tudo”, disse.

“Não posso ficar indignado quando os direitos são violados na Palestina, mas não na Nicarágua. Quando a defesa dos direitos humanos é parcial, perde legitimidade. Sou muito crítico das derivas autoritárias da esquerda da região, e isso me custou muitas críticas no meu setor político. Às vezes no meu setor não há muita vontade de criticar o seu. E acho que isso é um erro.”

O presidente de 36 anos citou Lula e Gustavo Petro - novo presidente da Colômbia - como exemplos de esperança para uma esquerda com as quais gostaria de trabalhar. “E no Chile vamos fazer diferente. Também tenho esperança de que com alguns do novos governos – o de Petro, por exemplo, ou potencialmente o de Lula se ele voltar – possamos avançar nessa direção.”

Boric também foi questionado sobre sua crítica à Cúpula das Américas que deixou de fora Nicarágua, Cuba e Venezuela. “A exclusão não funcionou para corrigir as coisas. Veja Cuba. Foi excluída da [Organização dos Estados Americanos] nos anos 70. Isso teve algum impacto? Eu preferiria poder dizer a Daniel Ortega que não concordo com ele e que ele deveria libertar presos políticos – [como] Dora Maria Téllez – para dizer isso na cara dele e confrontá-lo. Se temos eventos multilaterais e só temos aqueles que concordam juntos, não faz mais sentido.”

A revista também perguntou a opinião de Boric sobre o outro líder jovem da região, Nayib Bukele de El Salvador e se o considerava um autocrata. “Não o conheço pessoalmente e ele não participou de cúpulas multilaterais. E se você escolher livremente não participar, isso é suspeito. Por que não enfrentar o escrutínio de seus pares? Pelo que estudei e pelas minhas conversas com salvadorenhos, há de fato uma tendência autoritária para enfrentar um problema realmente sério: as gangues. Eu sei que é uma situação muito difícil e tem que ser enfrentada de forma muito decisiva, mas isso não pode ser feito minando a democracia. A verdade é que não me identifico com a forma como Bukele está liderando seu governo. Ele provavelmente sente o mesmo por mim.”

Nova Constituição

No próximo domingo, 4 de setembro, os chilenos vão votar em um plebiscito para dizer se aprovam ou rejeitam o texto entregue pela convenção constitucional em 4 de julho. Após um plebiscito de entrada que teve 78% de aprovação para uma nova Carta Magna, as últimas pesquisas de intenções de voto apontam uma possível vitória da rejeição. Um cenário que preocupa o governo Boric.

Homem segura um exemplar da proposta de nova Constituição para o Chile  Foto: Alberto Valdés/EFE

“Ainda temos consenso sobre a necessidade de uma nova constituição e a necessidade de atualizar os fundamentos de nossa sociedade”, disse à Time caso ganhe a rejeição. “Estou convencido de que vamos chegar lá, independente do resultado de 4 de setembro. Agora, nós, como governo, temos o dever de governar, não importa o que aconteça. Há problemas que vão além da conversa constitucional. Aumento do custo de vida, inflação, segurança, direitos da criança, educação, reforma da saúde, reforma tributária, vamos continuar trabalhando nisso tudo. Se o rechaço vencer, demoraremos um pouco mais, mas chegaremos lá.”

Ele elogiou o texto da nova Constituição e defende que mudanças devem ser feitas depois, no Congresso, após uma vitória do Aprovo no próximo domingo. “Eu acho que é positivo [o texto]. É um avanço. Aborda questões que são realmente importantes não só para o Chile, mas para o mundo. Tem uma visão de harmonia entre desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente, realmente alheia às constituições do século XX. Incorpora uma perspectiva feminista, o que é fundamental. E estabelece algumas coisas tremendamente importantes, para as quais temos que avançar progressivamente: os direitos dos trabalhadores, a difusão de oportunidades e recursos fora de Santiago. Eu tenho uma boa opinião sobre o projeto. Sempre há coisas que podem ser melhoradas, e estamos tendo esse debate. Mas é um grande passo para o Chile.”

SANTIAGO - O presidente do Chile, Gabriel Boric, concedeu uma longa entrevista à revista americana Time, na qual falou sobre sua relação com os governos da América Latina, inclusive os autoritários da Venezuela e Nicarágua, e chamou para uma reação da região caso haja uma tentativa de golpe nas eleições brasileiras. A poucos dias de um momento crucial de seu governo, o presidente também falou de seus planos após o plebiscito deste domingo.

“Se houver uma tentativa, como houve na Bolívia, por exemplo, em 2020, onde as acusações de fraude acabaram sendo usadas para justificar um golpe de Estado, a América Latina tem que reagir em conjunto para evitar que isso aconteça”, respondeu Boric quando questionado sobre o que faria caso Jair Bolsonaro não aceite o resultado das eleições de outubro.

Mas o presidente também comentou sobre a carta pela democracia organizada pela Faculdade de Direito da USP.

“Foi muito promissor ver a carta de São Paulo, que reúne um milhão de assinaturas a favor da democracia, de um amplo recorte [da sociedade e da política]. Acho que foi um sinal forte da sociedade brasileira.”

O presidente do Chile. Gabriel Boric, na capa da revista Time Foto: Reprodução/Time

O manifesto, redigido em julho em reação às investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, teve inicialmente 3 mil signatários de diferentes setores da sociedade civil e viu o número de adesões crescer consideravelmente após ser aberto ao público em geral, em 26 de julho. No começo deste mês a carta ultrapassou a marca de 1 milhão de assinaturas.

Na última segunda-feira, 29, o Chile convocou o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Pacheco, para consultas após as declarações de Bolsonaro contra o líder chileno, a quem acusou de “queimar o metrô” nos protestos de 2019, informou a chanceler Antonia Urrejola. A acusação foi feita no primeiro debate eleitoral entre os presidenciais no último domingo, 28.

Esquerda na América Latina

Boric também teve de responder sobre outros líderes latino-americanos, especialmente os da esquerda autoritária, que ele busca manter distância política. “Sou uma pessoa de esquerda profundamente democrática. Acho que as derivas autoritárias que os líderes permitiram à esquerda causaram muitos danos não apenas à ideia de esquerda, mas também ao seu próprio povo. É por isso que eu sou um democrata antes de tudo”, disse.

“Não posso ficar indignado quando os direitos são violados na Palestina, mas não na Nicarágua. Quando a defesa dos direitos humanos é parcial, perde legitimidade. Sou muito crítico das derivas autoritárias da esquerda da região, e isso me custou muitas críticas no meu setor político. Às vezes no meu setor não há muita vontade de criticar o seu. E acho que isso é um erro.”

O presidente de 36 anos citou Lula e Gustavo Petro - novo presidente da Colômbia - como exemplos de esperança para uma esquerda com as quais gostaria de trabalhar. “E no Chile vamos fazer diferente. Também tenho esperança de que com alguns do novos governos – o de Petro, por exemplo, ou potencialmente o de Lula se ele voltar – possamos avançar nessa direção.”

Boric também foi questionado sobre sua crítica à Cúpula das Américas que deixou de fora Nicarágua, Cuba e Venezuela. “A exclusão não funcionou para corrigir as coisas. Veja Cuba. Foi excluída da [Organização dos Estados Americanos] nos anos 70. Isso teve algum impacto? Eu preferiria poder dizer a Daniel Ortega que não concordo com ele e que ele deveria libertar presos políticos – [como] Dora Maria Téllez – para dizer isso na cara dele e confrontá-lo. Se temos eventos multilaterais e só temos aqueles que concordam juntos, não faz mais sentido.”

A revista também perguntou a opinião de Boric sobre o outro líder jovem da região, Nayib Bukele de El Salvador e se o considerava um autocrata. “Não o conheço pessoalmente e ele não participou de cúpulas multilaterais. E se você escolher livremente não participar, isso é suspeito. Por que não enfrentar o escrutínio de seus pares? Pelo que estudei e pelas minhas conversas com salvadorenhos, há de fato uma tendência autoritária para enfrentar um problema realmente sério: as gangues. Eu sei que é uma situação muito difícil e tem que ser enfrentada de forma muito decisiva, mas isso não pode ser feito minando a democracia. A verdade é que não me identifico com a forma como Bukele está liderando seu governo. Ele provavelmente sente o mesmo por mim.”

Nova Constituição

No próximo domingo, 4 de setembro, os chilenos vão votar em um plebiscito para dizer se aprovam ou rejeitam o texto entregue pela convenção constitucional em 4 de julho. Após um plebiscito de entrada que teve 78% de aprovação para uma nova Carta Magna, as últimas pesquisas de intenções de voto apontam uma possível vitória da rejeição. Um cenário que preocupa o governo Boric.

Homem segura um exemplar da proposta de nova Constituição para o Chile  Foto: Alberto Valdés/EFE

“Ainda temos consenso sobre a necessidade de uma nova constituição e a necessidade de atualizar os fundamentos de nossa sociedade”, disse à Time caso ganhe a rejeição. “Estou convencido de que vamos chegar lá, independente do resultado de 4 de setembro. Agora, nós, como governo, temos o dever de governar, não importa o que aconteça. Há problemas que vão além da conversa constitucional. Aumento do custo de vida, inflação, segurança, direitos da criança, educação, reforma da saúde, reforma tributária, vamos continuar trabalhando nisso tudo. Se o rechaço vencer, demoraremos um pouco mais, mas chegaremos lá.”

Ele elogiou o texto da nova Constituição e defende que mudanças devem ser feitas depois, no Congresso, após uma vitória do Aprovo no próximo domingo. “Eu acho que é positivo [o texto]. É um avanço. Aborda questões que são realmente importantes não só para o Chile, mas para o mundo. Tem uma visão de harmonia entre desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente, realmente alheia às constituições do século XX. Incorpora uma perspectiva feminista, o que é fundamental. E estabelece algumas coisas tremendamente importantes, para as quais temos que avançar progressivamente: os direitos dos trabalhadores, a difusão de oportunidades e recursos fora de Santiago. Eu tenho uma boa opinião sobre o projeto. Sempre há coisas que podem ser melhoradas, e estamos tendo esse debate. Mas é um grande passo para o Chile.”

SANTIAGO - O presidente do Chile, Gabriel Boric, concedeu uma longa entrevista à revista americana Time, na qual falou sobre sua relação com os governos da América Latina, inclusive os autoritários da Venezuela e Nicarágua, e chamou para uma reação da região caso haja uma tentativa de golpe nas eleições brasileiras. A poucos dias de um momento crucial de seu governo, o presidente também falou de seus planos após o plebiscito deste domingo.

“Se houver uma tentativa, como houve na Bolívia, por exemplo, em 2020, onde as acusações de fraude acabaram sendo usadas para justificar um golpe de Estado, a América Latina tem que reagir em conjunto para evitar que isso aconteça”, respondeu Boric quando questionado sobre o que faria caso Jair Bolsonaro não aceite o resultado das eleições de outubro.

Mas o presidente também comentou sobre a carta pela democracia organizada pela Faculdade de Direito da USP.

“Foi muito promissor ver a carta de São Paulo, que reúne um milhão de assinaturas a favor da democracia, de um amplo recorte [da sociedade e da política]. Acho que foi um sinal forte da sociedade brasileira.”

O presidente do Chile. Gabriel Boric, na capa da revista Time Foto: Reprodução/Time

O manifesto, redigido em julho em reação às investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, teve inicialmente 3 mil signatários de diferentes setores da sociedade civil e viu o número de adesões crescer consideravelmente após ser aberto ao público em geral, em 26 de julho. No começo deste mês a carta ultrapassou a marca de 1 milhão de assinaturas.

Na última segunda-feira, 29, o Chile convocou o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Pacheco, para consultas após as declarações de Bolsonaro contra o líder chileno, a quem acusou de “queimar o metrô” nos protestos de 2019, informou a chanceler Antonia Urrejola. A acusação foi feita no primeiro debate eleitoral entre os presidenciais no último domingo, 28.

Esquerda na América Latina

Boric também teve de responder sobre outros líderes latino-americanos, especialmente os da esquerda autoritária, que ele busca manter distância política. “Sou uma pessoa de esquerda profundamente democrática. Acho que as derivas autoritárias que os líderes permitiram à esquerda causaram muitos danos não apenas à ideia de esquerda, mas também ao seu próprio povo. É por isso que eu sou um democrata antes de tudo”, disse.

“Não posso ficar indignado quando os direitos são violados na Palestina, mas não na Nicarágua. Quando a defesa dos direitos humanos é parcial, perde legitimidade. Sou muito crítico das derivas autoritárias da esquerda da região, e isso me custou muitas críticas no meu setor político. Às vezes no meu setor não há muita vontade de criticar o seu. E acho que isso é um erro.”

O presidente de 36 anos citou Lula e Gustavo Petro - novo presidente da Colômbia - como exemplos de esperança para uma esquerda com as quais gostaria de trabalhar. “E no Chile vamos fazer diferente. Também tenho esperança de que com alguns do novos governos – o de Petro, por exemplo, ou potencialmente o de Lula se ele voltar – possamos avançar nessa direção.”

Boric também foi questionado sobre sua crítica à Cúpula das Américas que deixou de fora Nicarágua, Cuba e Venezuela. “A exclusão não funcionou para corrigir as coisas. Veja Cuba. Foi excluída da [Organização dos Estados Americanos] nos anos 70. Isso teve algum impacto? Eu preferiria poder dizer a Daniel Ortega que não concordo com ele e que ele deveria libertar presos políticos – [como] Dora Maria Téllez – para dizer isso na cara dele e confrontá-lo. Se temos eventos multilaterais e só temos aqueles que concordam juntos, não faz mais sentido.”

A revista também perguntou a opinião de Boric sobre o outro líder jovem da região, Nayib Bukele de El Salvador e se o considerava um autocrata. “Não o conheço pessoalmente e ele não participou de cúpulas multilaterais. E se você escolher livremente não participar, isso é suspeito. Por que não enfrentar o escrutínio de seus pares? Pelo que estudei e pelas minhas conversas com salvadorenhos, há de fato uma tendência autoritária para enfrentar um problema realmente sério: as gangues. Eu sei que é uma situação muito difícil e tem que ser enfrentada de forma muito decisiva, mas isso não pode ser feito minando a democracia. A verdade é que não me identifico com a forma como Bukele está liderando seu governo. Ele provavelmente sente o mesmo por mim.”

Nova Constituição

No próximo domingo, 4 de setembro, os chilenos vão votar em um plebiscito para dizer se aprovam ou rejeitam o texto entregue pela convenção constitucional em 4 de julho. Após um plebiscito de entrada que teve 78% de aprovação para uma nova Carta Magna, as últimas pesquisas de intenções de voto apontam uma possível vitória da rejeição. Um cenário que preocupa o governo Boric.

Homem segura um exemplar da proposta de nova Constituição para o Chile  Foto: Alberto Valdés/EFE

“Ainda temos consenso sobre a necessidade de uma nova constituição e a necessidade de atualizar os fundamentos de nossa sociedade”, disse à Time caso ganhe a rejeição. “Estou convencido de que vamos chegar lá, independente do resultado de 4 de setembro. Agora, nós, como governo, temos o dever de governar, não importa o que aconteça. Há problemas que vão além da conversa constitucional. Aumento do custo de vida, inflação, segurança, direitos da criança, educação, reforma da saúde, reforma tributária, vamos continuar trabalhando nisso tudo. Se o rechaço vencer, demoraremos um pouco mais, mas chegaremos lá.”

Ele elogiou o texto da nova Constituição e defende que mudanças devem ser feitas depois, no Congresso, após uma vitória do Aprovo no próximo domingo. “Eu acho que é positivo [o texto]. É um avanço. Aborda questões que são realmente importantes não só para o Chile, mas para o mundo. Tem uma visão de harmonia entre desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente, realmente alheia às constituições do século XX. Incorpora uma perspectiva feminista, o que é fundamental. E estabelece algumas coisas tremendamente importantes, para as quais temos que avançar progressivamente: os direitos dos trabalhadores, a difusão de oportunidades e recursos fora de Santiago. Eu tenho uma boa opinião sobre o projeto. Sempre há coisas que podem ser melhoradas, e estamos tendo esse debate. Mas é um grande passo para o Chile.”

SANTIAGO - O presidente do Chile, Gabriel Boric, concedeu uma longa entrevista à revista americana Time, na qual falou sobre sua relação com os governos da América Latina, inclusive os autoritários da Venezuela e Nicarágua, e chamou para uma reação da região caso haja uma tentativa de golpe nas eleições brasileiras. A poucos dias de um momento crucial de seu governo, o presidente também falou de seus planos após o plebiscito deste domingo.

“Se houver uma tentativa, como houve na Bolívia, por exemplo, em 2020, onde as acusações de fraude acabaram sendo usadas para justificar um golpe de Estado, a América Latina tem que reagir em conjunto para evitar que isso aconteça”, respondeu Boric quando questionado sobre o que faria caso Jair Bolsonaro não aceite o resultado das eleições de outubro.

Mas o presidente também comentou sobre a carta pela democracia organizada pela Faculdade de Direito da USP.

“Foi muito promissor ver a carta de São Paulo, que reúne um milhão de assinaturas a favor da democracia, de um amplo recorte [da sociedade e da política]. Acho que foi um sinal forte da sociedade brasileira.”

O presidente do Chile. Gabriel Boric, na capa da revista Time Foto: Reprodução/Time

O manifesto, redigido em julho em reação às investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, teve inicialmente 3 mil signatários de diferentes setores da sociedade civil e viu o número de adesões crescer consideravelmente após ser aberto ao público em geral, em 26 de julho. No começo deste mês a carta ultrapassou a marca de 1 milhão de assinaturas.

Na última segunda-feira, 29, o Chile convocou o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Pacheco, para consultas após as declarações de Bolsonaro contra o líder chileno, a quem acusou de “queimar o metrô” nos protestos de 2019, informou a chanceler Antonia Urrejola. A acusação foi feita no primeiro debate eleitoral entre os presidenciais no último domingo, 28.

Esquerda na América Latina

Boric também teve de responder sobre outros líderes latino-americanos, especialmente os da esquerda autoritária, que ele busca manter distância política. “Sou uma pessoa de esquerda profundamente democrática. Acho que as derivas autoritárias que os líderes permitiram à esquerda causaram muitos danos não apenas à ideia de esquerda, mas também ao seu próprio povo. É por isso que eu sou um democrata antes de tudo”, disse.

“Não posso ficar indignado quando os direitos são violados na Palestina, mas não na Nicarágua. Quando a defesa dos direitos humanos é parcial, perde legitimidade. Sou muito crítico das derivas autoritárias da esquerda da região, e isso me custou muitas críticas no meu setor político. Às vezes no meu setor não há muita vontade de criticar o seu. E acho que isso é um erro.”

O presidente de 36 anos citou Lula e Gustavo Petro - novo presidente da Colômbia - como exemplos de esperança para uma esquerda com as quais gostaria de trabalhar. “E no Chile vamos fazer diferente. Também tenho esperança de que com alguns do novos governos – o de Petro, por exemplo, ou potencialmente o de Lula se ele voltar – possamos avançar nessa direção.”

Boric também foi questionado sobre sua crítica à Cúpula das Américas que deixou de fora Nicarágua, Cuba e Venezuela. “A exclusão não funcionou para corrigir as coisas. Veja Cuba. Foi excluída da [Organização dos Estados Americanos] nos anos 70. Isso teve algum impacto? Eu preferiria poder dizer a Daniel Ortega que não concordo com ele e que ele deveria libertar presos políticos – [como] Dora Maria Téllez – para dizer isso na cara dele e confrontá-lo. Se temos eventos multilaterais e só temos aqueles que concordam juntos, não faz mais sentido.”

A revista também perguntou a opinião de Boric sobre o outro líder jovem da região, Nayib Bukele de El Salvador e se o considerava um autocrata. “Não o conheço pessoalmente e ele não participou de cúpulas multilaterais. E se você escolher livremente não participar, isso é suspeito. Por que não enfrentar o escrutínio de seus pares? Pelo que estudei e pelas minhas conversas com salvadorenhos, há de fato uma tendência autoritária para enfrentar um problema realmente sério: as gangues. Eu sei que é uma situação muito difícil e tem que ser enfrentada de forma muito decisiva, mas isso não pode ser feito minando a democracia. A verdade é que não me identifico com a forma como Bukele está liderando seu governo. Ele provavelmente sente o mesmo por mim.”

Nova Constituição

No próximo domingo, 4 de setembro, os chilenos vão votar em um plebiscito para dizer se aprovam ou rejeitam o texto entregue pela convenção constitucional em 4 de julho. Após um plebiscito de entrada que teve 78% de aprovação para uma nova Carta Magna, as últimas pesquisas de intenções de voto apontam uma possível vitória da rejeição. Um cenário que preocupa o governo Boric.

Homem segura um exemplar da proposta de nova Constituição para o Chile  Foto: Alberto Valdés/EFE

“Ainda temos consenso sobre a necessidade de uma nova constituição e a necessidade de atualizar os fundamentos de nossa sociedade”, disse à Time caso ganhe a rejeição. “Estou convencido de que vamos chegar lá, independente do resultado de 4 de setembro. Agora, nós, como governo, temos o dever de governar, não importa o que aconteça. Há problemas que vão além da conversa constitucional. Aumento do custo de vida, inflação, segurança, direitos da criança, educação, reforma da saúde, reforma tributária, vamos continuar trabalhando nisso tudo. Se o rechaço vencer, demoraremos um pouco mais, mas chegaremos lá.”

Ele elogiou o texto da nova Constituição e defende que mudanças devem ser feitas depois, no Congresso, após uma vitória do Aprovo no próximo domingo. “Eu acho que é positivo [o texto]. É um avanço. Aborda questões que são realmente importantes não só para o Chile, mas para o mundo. Tem uma visão de harmonia entre desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente, realmente alheia às constituições do século XX. Incorpora uma perspectiva feminista, o que é fundamental. E estabelece algumas coisas tremendamente importantes, para as quais temos que avançar progressivamente: os direitos dos trabalhadores, a difusão de oportunidades e recursos fora de Santiago. Eu tenho uma boa opinião sobre o projeto. Sempre há coisas que podem ser melhoradas, e estamos tendo esse debate. Mas é um grande passo para o Chile.”

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