Boris Johnson busca liderar antagonismo à Rússia no impasse com a Ucrânia para aplacar crise interna


Sob risco de demissão, primeiro-ministro atrai holofotes para situação externa; estratégia reflete ambição britânica de protagonismo pós-Brexit

Por Mark Landler

LONDRES — O Reino Unido atraiu atenção mundial no sábado, após acusar o presidente russo, Vladimir Putin, de armar uma conspiração para  levar um líder pró-Rússia ao poder na Ucrânia. O anúncio dramático, feito à noite, pôs o primeiro-ministro Boris Johnson na linha de frente da mais perigosa crise de segurança da Europa em décadas.

Autoridades britânicas dizem que a divulgação de informações confidenciais foi calculada para frustrar um possível complô e enviar uma mensagem a Putin. Eles descrevem a denúncia como parte de uma estratégia para fazer do Reino Unido um ator poderoso no confronto entre a Europa e a Rússia.

As ações do Reino Unido também deixam claro que o país está ansioso por se diferenciar dos demais europeus, dois anos depois de deixar a União Europeia. Quando o secretário de Estado americano, Antony Blinken, desembarcou em Kiev na semana passada para conversar sobre os militares russos concentrados na fronteira com a Ucrânia, seu avião passou por um cargueiro C-17 da Força Aérea britânica que acabara de descarregar armamento antitanque para os militares ucranianos.

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O premiê britânico, Boris Johnson, deixa a residência oficial em Londres, em 12 de janeiro Foto: Paul Childs/Reuters

“O Reino Unido está se diferenciando da Alemanha e da França e, até certo ponto, inclusive dos EUA”, disse Malcolm Chalmers, vice-diretor geral do Royal United Services Institute, um centro de estudos em Londres. “Isso decorre do Brexit e da sensação de que temos que nos definir como uma potência intermediária independente.”

O tom teatral do anúncio, que ocorreu em meio a um escândalo político interno, fez alguns fazerem uma pergunta mais cínica: se o governo britânico estava simplesmente ansioso para desviar a atenção dos problemas que ameaçam derrubar Boris Johnson.

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De qualquer forma, o Reino Unido está se movendo em várias frentes. Prepara um projeto de lei que permitirá ao país impor sanções se Putin invadir a Ucrânia. Enviou ministros de alto escalão para outros países da Otan ameaçados pela Rússia. 

E começou a se envolver diretamente com Moscou, com relatos de que os ministros das Relações Exteriores e da Defesa planejam se encontrar com seus colegas russos nas próximas semanas.

A posição do Reino Unido ficou evidente em um artigo do ministro da Defesa, Ben Wallace. Escrevendo no jornal The Times, Wallace rejeitou as alegações de Putin de que a Otan busca cercar a Rússia e acusou o líder russo de um “etnonacionalismo” grosseiro, baseado numa falsa concepção de que russos e ucranianos formam um só povo. O artigo causou furor em Washington e nas capitais europeias.

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“Quer o Reino Unido esteja na UE ou fora dela, o país sempre vai reprimir o mau comportamento russo”, disse Karen Pierce, embaixadora britânica nos Estados Unidos, em entrevista ao New York Times.

Mas Wallace não é o líder do governo britânico - Boris Johnson é. E o primeiro-ministro está envolvido em uma ofensiva cada vez mais desesperada para salvar seu emprego, em meio a um escândalo sobre festas na residência oficial, na Downing Street nº 10, que violaram as quarentenas rígidas impostas para o combate ao coronavírus.

O circo político em andamento no país não apenas abafou o debate público sobre o papel britânico na Ucrânia, mas também alimentou a suspeita de que Boris gostaria de arrumar uma distração externa para a enxurrada de perguntas incômodas sobre as as festas no jardim da residência oficial.

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Alguns parlamentares do Partido Conservador já advertem que o Reino Unido não pode se dar ao luxo de viver uma disputa pela liderança nacional num momento como este. Uma abordagem dura contra a Rússia mobiliza a direita conservadora, e críticos do governo dizem que algumas autoridades ambiciosas estão tirando proveito das tensões.

Durante uma visita às tropas britânicas na Estônia em novembro, a ministra de Relações Exteriores, Liz Truss, fez fotos usando capacete e trajes militares em cima de um tanque. Os comentaristas disseram que ela parecia estar interpretando o papel de Margaret Thatcher, uma estratégia boa para alguém que poderia vir a substituir Boris.

Ao mesmo tempo, há muitas razões históricas e estratégicas para o Reino Unido adotar uma linha dura com a Rússia. Autoridades britânicas estão furiosas com o Kremlin desde o envenenamento de um ex-agente duplo e sua filha em Salisbury, na Inglaterra, em 2018, em uma operação que o Reino Unido atribuiu à Inteligência militar da Rússia e que levou os britânicos a expulsarem cerca de 150 diplomatas russos.

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Moscou devolveu a antipatia do Reino Unido na mesma moeda e a entendeu como sendo a vanguarda dos esforços dos EUA para conter as suas ambições. O Kremlin descartou as críticas de autoridades britânicas com referência ao passado imperial do país. O Reino Unido pouco fez para impedir os bilionários russos de usarem Londres como pouso seguro, onde compram imóveis em Mayfair e influenciam a Câmara dos Lordes.

Embora Boris não tenha sido tão enérgico quanto seu secretário de Defesa, ele disse na quinta-feira que “qualquer tipo de incursão” da Rússia “seria um desastre — não apenas para a Ucrânia, mas para a Rússia, um desastre para o mundo”.

O primeiro-ministro, preocupado com seus problemas políticos, cedeu em grande parte o protagonismo da política para a Ucrânia para Wallace, um veterano do Exército britânico que era ministro da Segurança na época dos ataques de Salisbury. Em junho, Wallace enviou um destróier da Marinha, o HMS Defender, para navegar perto da costa da Crimeia, sede das bases navais russas no Mar Negro. Aviões russos sobrevoaram o navio em protesto.

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A embaixadora Pierce apontou que o Reino Unido conduzia uma política externa independente mesmo quando era membro da União Europeia. Quando fazia parte do bloco, o país seguia as sanções da UE, algo que não fará mais após o Brexit. Autoridades disseram que era por isso que o governo precisava elaborar uma nova lei para atingir indivíduos russos e seu setor de serviços financeiros.

Além disso, analistas dizem que a determinação do Reino Unido em ser assertivo também reflete a identidade do país pós-Brexit. Kim Darroch, que foi conselheiro de Segurança Nacional do primeiro-ministro David Cameron, disse que o Reino Unido já se recusou a fornecer armas para a Ucrânia porque temia que elas acabassem em mãos erradas. Agora, essas preocupações são superadas pelas vantagens de agir de forma independente.

“Suspeito que isso seja para mostrar que não estamos ligados à União Européia, que é guiada por uma visão alemã muito mais ambígua sobre a Rússia”, disse Darroch, que depois atuou como embaixador nos Estados Unidos.

A ambivalência da Alemanha ajuda a explicar por que os aviões da Força Aérea britânica que transportavam armamentos antitanque para a Ucrânia fizeram uma rota tortuosa pela Dinamarca, evitando o espaço aéreo alemão. Um alto funcionário britânico disse que isso reflete um diálogo próximo do Reino Unido com a Dinamarca e a Suécia, e que Londres não pediu permissão aos alemães porque atrasaria uma missão que precisava ser rápida.

“O mais interessante é o que isso diz sobre o quão desgastado está o relacionamento Reino Unido-Alemanha”, disse Jeremy Shapiro, diretor de pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores. “A desunião ficou clara.”

Um perigo, entre outros, é a percepção de que o Reino Unido é indevidamente subserviente aos Estados Unidos.

“Eles precisam trabalhar com cuidado para não serem vistos como um poodle”, disse Shapiro, referindo-se ao apelido recebido pelo então premier britânico Tony Blair ao apoiar a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, à qual França e Alemanha se opuseram.

LONDRES — O Reino Unido atraiu atenção mundial no sábado, após acusar o presidente russo, Vladimir Putin, de armar uma conspiração para  levar um líder pró-Rússia ao poder na Ucrânia. O anúncio dramático, feito à noite, pôs o primeiro-ministro Boris Johnson na linha de frente da mais perigosa crise de segurança da Europa em décadas.

Autoridades britânicas dizem que a divulgação de informações confidenciais foi calculada para frustrar um possível complô e enviar uma mensagem a Putin. Eles descrevem a denúncia como parte de uma estratégia para fazer do Reino Unido um ator poderoso no confronto entre a Europa e a Rússia.

As ações do Reino Unido também deixam claro que o país está ansioso por se diferenciar dos demais europeus, dois anos depois de deixar a União Europeia. Quando o secretário de Estado americano, Antony Blinken, desembarcou em Kiev na semana passada para conversar sobre os militares russos concentrados na fronteira com a Ucrânia, seu avião passou por um cargueiro C-17 da Força Aérea britânica que acabara de descarregar armamento antitanque para os militares ucranianos.

O premiê britânico, Boris Johnson, deixa a residência oficial em Londres, em 12 de janeiro Foto: Paul Childs/Reuters

“O Reino Unido está se diferenciando da Alemanha e da França e, até certo ponto, inclusive dos EUA”, disse Malcolm Chalmers, vice-diretor geral do Royal United Services Institute, um centro de estudos em Londres. “Isso decorre do Brexit e da sensação de que temos que nos definir como uma potência intermediária independente.”

O tom teatral do anúncio, que ocorreu em meio a um escândalo político interno, fez alguns fazerem uma pergunta mais cínica: se o governo britânico estava simplesmente ansioso para desviar a atenção dos problemas que ameaçam derrubar Boris Johnson.

De qualquer forma, o Reino Unido está se movendo em várias frentes. Prepara um projeto de lei que permitirá ao país impor sanções se Putin invadir a Ucrânia. Enviou ministros de alto escalão para outros países da Otan ameaçados pela Rússia. 

E começou a se envolver diretamente com Moscou, com relatos de que os ministros das Relações Exteriores e da Defesa planejam se encontrar com seus colegas russos nas próximas semanas.

A posição do Reino Unido ficou evidente em um artigo do ministro da Defesa, Ben Wallace. Escrevendo no jornal The Times, Wallace rejeitou as alegações de Putin de que a Otan busca cercar a Rússia e acusou o líder russo de um “etnonacionalismo” grosseiro, baseado numa falsa concepção de que russos e ucranianos formam um só povo. O artigo causou furor em Washington e nas capitais europeias.

“Quer o Reino Unido esteja na UE ou fora dela, o país sempre vai reprimir o mau comportamento russo”, disse Karen Pierce, embaixadora britânica nos Estados Unidos, em entrevista ao New York Times.

Mas Wallace não é o líder do governo britânico - Boris Johnson é. E o primeiro-ministro está envolvido em uma ofensiva cada vez mais desesperada para salvar seu emprego, em meio a um escândalo sobre festas na residência oficial, na Downing Street nº 10, que violaram as quarentenas rígidas impostas para o combate ao coronavírus.

O circo político em andamento no país não apenas abafou o debate público sobre o papel britânico na Ucrânia, mas também alimentou a suspeita de que Boris gostaria de arrumar uma distração externa para a enxurrada de perguntas incômodas sobre as as festas no jardim da residência oficial.

Alguns parlamentares do Partido Conservador já advertem que o Reino Unido não pode se dar ao luxo de viver uma disputa pela liderança nacional num momento como este. Uma abordagem dura contra a Rússia mobiliza a direita conservadora, e críticos do governo dizem que algumas autoridades ambiciosas estão tirando proveito das tensões.

Durante uma visita às tropas britânicas na Estônia em novembro, a ministra de Relações Exteriores, Liz Truss, fez fotos usando capacete e trajes militares em cima de um tanque. Os comentaristas disseram que ela parecia estar interpretando o papel de Margaret Thatcher, uma estratégia boa para alguém que poderia vir a substituir Boris.

Ao mesmo tempo, há muitas razões históricas e estratégicas para o Reino Unido adotar uma linha dura com a Rússia. Autoridades britânicas estão furiosas com o Kremlin desde o envenenamento de um ex-agente duplo e sua filha em Salisbury, na Inglaterra, em 2018, em uma operação que o Reino Unido atribuiu à Inteligência militar da Rússia e que levou os britânicos a expulsarem cerca de 150 diplomatas russos.

Moscou devolveu a antipatia do Reino Unido na mesma moeda e a entendeu como sendo a vanguarda dos esforços dos EUA para conter as suas ambições. O Kremlin descartou as críticas de autoridades britânicas com referência ao passado imperial do país. O Reino Unido pouco fez para impedir os bilionários russos de usarem Londres como pouso seguro, onde compram imóveis em Mayfair e influenciam a Câmara dos Lordes.

Embora Boris não tenha sido tão enérgico quanto seu secretário de Defesa, ele disse na quinta-feira que “qualquer tipo de incursão” da Rússia “seria um desastre — não apenas para a Ucrânia, mas para a Rússia, um desastre para o mundo”.

O primeiro-ministro, preocupado com seus problemas políticos, cedeu em grande parte o protagonismo da política para a Ucrânia para Wallace, um veterano do Exército britânico que era ministro da Segurança na época dos ataques de Salisbury. Em junho, Wallace enviou um destróier da Marinha, o HMS Defender, para navegar perto da costa da Crimeia, sede das bases navais russas no Mar Negro. Aviões russos sobrevoaram o navio em protesto.

A embaixadora Pierce apontou que o Reino Unido conduzia uma política externa independente mesmo quando era membro da União Europeia. Quando fazia parte do bloco, o país seguia as sanções da UE, algo que não fará mais após o Brexit. Autoridades disseram que era por isso que o governo precisava elaborar uma nova lei para atingir indivíduos russos e seu setor de serviços financeiros.

Além disso, analistas dizem que a determinação do Reino Unido em ser assertivo também reflete a identidade do país pós-Brexit. Kim Darroch, que foi conselheiro de Segurança Nacional do primeiro-ministro David Cameron, disse que o Reino Unido já se recusou a fornecer armas para a Ucrânia porque temia que elas acabassem em mãos erradas. Agora, essas preocupações são superadas pelas vantagens de agir de forma independente.

“Suspeito que isso seja para mostrar que não estamos ligados à União Européia, que é guiada por uma visão alemã muito mais ambígua sobre a Rússia”, disse Darroch, que depois atuou como embaixador nos Estados Unidos.

A ambivalência da Alemanha ajuda a explicar por que os aviões da Força Aérea britânica que transportavam armamentos antitanque para a Ucrânia fizeram uma rota tortuosa pela Dinamarca, evitando o espaço aéreo alemão. Um alto funcionário britânico disse que isso reflete um diálogo próximo do Reino Unido com a Dinamarca e a Suécia, e que Londres não pediu permissão aos alemães porque atrasaria uma missão que precisava ser rápida.

“O mais interessante é o que isso diz sobre o quão desgastado está o relacionamento Reino Unido-Alemanha”, disse Jeremy Shapiro, diretor de pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores. “A desunião ficou clara.”

Um perigo, entre outros, é a percepção de que o Reino Unido é indevidamente subserviente aos Estados Unidos.

“Eles precisam trabalhar com cuidado para não serem vistos como um poodle”, disse Shapiro, referindo-se ao apelido recebido pelo então premier britânico Tony Blair ao apoiar a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, à qual França e Alemanha se opuseram.

LONDRES — O Reino Unido atraiu atenção mundial no sábado, após acusar o presidente russo, Vladimir Putin, de armar uma conspiração para  levar um líder pró-Rússia ao poder na Ucrânia. O anúncio dramático, feito à noite, pôs o primeiro-ministro Boris Johnson na linha de frente da mais perigosa crise de segurança da Europa em décadas.

Autoridades britânicas dizem que a divulgação de informações confidenciais foi calculada para frustrar um possível complô e enviar uma mensagem a Putin. Eles descrevem a denúncia como parte de uma estratégia para fazer do Reino Unido um ator poderoso no confronto entre a Europa e a Rússia.

As ações do Reino Unido também deixam claro que o país está ansioso por se diferenciar dos demais europeus, dois anos depois de deixar a União Europeia. Quando o secretário de Estado americano, Antony Blinken, desembarcou em Kiev na semana passada para conversar sobre os militares russos concentrados na fronteira com a Ucrânia, seu avião passou por um cargueiro C-17 da Força Aérea britânica que acabara de descarregar armamento antitanque para os militares ucranianos.

O premiê britânico, Boris Johnson, deixa a residência oficial em Londres, em 12 de janeiro Foto: Paul Childs/Reuters

“O Reino Unido está se diferenciando da Alemanha e da França e, até certo ponto, inclusive dos EUA”, disse Malcolm Chalmers, vice-diretor geral do Royal United Services Institute, um centro de estudos em Londres. “Isso decorre do Brexit e da sensação de que temos que nos definir como uma potência intermediária independente.”

O tom teatral do anúncio, que ocorreu em meio a um escândalo político interno, fez alguns fazerem uma pergunta mais cínica: se o governo britânico estava simplesmente ansioso para desviar a atenção dos problemas que ameaçam derrubar Boris Johnson.

De qualquer forma, o Reino Unido está se movendo em várias frentes. Prepara um projeto de lei que permitirá ao país impor sanções se Putin invadir a Ucrânia. Enviou ministros de alto escalão para outros países da Otan ameaçados pela Rússia. 

E começou a se envolver diretamente com Moscou, com relatos de que os ministros das Relações Exteriores e da Defesa planejam se encontrar com seus colegas russos nas próximas semanas.

A posição do Reino Unido ficou evidente em um artigo do ministro da Defesa, Ben Wallace. Escrevendo no jornal The Times, Wallace rejeitou as alegações de Putin de que a Otan busca cercar a Rússia e acusou o líder russo de um “etnonacionalismo” grosseiro, baseado numa falsa concepção de que russos e ucranianos formam um só povo. O artigo causou furor em Washington e nas capitais europeias.

“Quer o Reino Unido esteja na UE ou fora dela, o país sempre vai reprimir o mau comportamento russo”, disse Karen Pierce, embaixadora britânica nos Estados Unidos, em entrevista ao New York Times.

Mas Wallace não é o líder do governo britânico - Boris Johnson é. E o primeiro-ministro está envolvido em uma ofensiva cada vez mais desesperada para salvar seu emprego, em meio a um escândalo sobre festas na residência oficial, na Downing Street nº 10, que violaram as quarentenas rígidas impostas para o combate ao coronavírus.

O circo político em andamento no país não apenas abafou o debate público sobre o papel britânico na Ucrânia, mas também alimentou a suspeita de que Boris gostaria de arrumar uma distração externa para a enxurrada de perguntas incômodas sobre as as festas no jardim da residência oficial.

Alguns parlamentares do Partido Conservador já advertem que o Reino Unido não pode se dar ao luxo de viver uma disputa pela liderança nacional num momento como este. Uma abordagem dura contra a Rússia mobiliza a direita conservadora, e críticos do governo dizem que algumas autoridades ambiciosas estão tirando proveito das tensões.

Durante uma visita às tropas britânicas na Estônia em novembro, a ministra de Relações Exteriores, Liz Truss, fez fotos usando capacete e trajes militares em cima de um tanque. Os comentaristas disseram que ela parecia estar interpretando o papel de Margaret Thatcher, uma estratégia boa para alguém que poderia vir a substituir Boris.

Ao mesmo tempo, há muitas razões históricas e estratégicas para o Reino Unido adotar uma linha dura com a Rússia. Autoridades britânicas estão furiosas com o Kremlin desde o envenenamento de um ex-agente duplo e sua filha em Salisbury, na Inglaterra, em 2018, em uma operação que o Reino Unido atribuiu à Inteligência militar da Rússia e que levou os britânicos a expulsarem cerca de 150 diplomatas russos.

Moscou devolveu a antipatia do Reino Unido na mesma moeda e a entendeu como sendo a vanguarda dos esforços dos EUA para conter as suas ambições. O Kremlin descartou as críticas de autoridades britânicas com referência ao passado imperial do país. O Reino Unido pouco fez para impedir os bilionários russos de usarem Londres como pouso seguro, onde compram imóveis em Mayfair e influenciam a Câmara dos Lordes.

Embora Boris não tenha sido tão enérgico quanto seu secretário de Defesa, ele disse na quinta-feira que “qualquer tipo de incursão” da Rússia “seria um desastre — não apenas para a Ucrânia, mas para a Rússia, um desastre para o mundo”.

O primeiro-ministro, preocupado com seus problemas políticos, cedeu em grande parte o protagonismo da política para a Ucrânia para Wallace, um veterano do Exército britânico que era ministro da Segurança na época dos ataques de Salisbury. Em junho, Wallace enviou um destróier da Marinha, o HMS Defender, para navegar perto da costa da Crimeia, sede das bases navais russas no Mar Negro. Aviões russos sobrevoaram o navio em protesto.

A embaixadora Pierce apontou que o Reino Unido conduzia uma política externa independente mesmo quando era membro da União Europeia. Quando fazia parte do bloco, o país seguia as sanções da UE, algo que não fará mais após o Brexit. Autoridades disseram que era por isso que o governo precisava elaborar uma nova lei para atingir indivíduos russos e seu setor de serviços financeiros.

Além disso, analistas dizem que a determinação do Reino Unido em ser assertivo também reflete a identidade do país pós-Brexit. Kim Darroch, que foi conselheiro de Segurança Nacional do primeiro-ministro David Cameron, disse que o Reino Unido já se recusou a fornecer armas para a Ucrânia porque temia que elas acabassem em mãos erradas. Agora, essas preocupações são superadas pelas vantagens de agir de forma independente.

“Suspeito que isso seja para mostrar que não estamos ligados à União Européia, que é guiada por uma visão alemã muito mais ambígua sobre a Rússia”, disse Darroch, que depois atuou como embaixador nos Estados Unidos.

A ambivalência da Alemanha ajuda a explicar por que os aviões da Força Aérea britânica que transportavam armamentos antitanque para a Ucrânia fizeram uma rota tortuosa pela Dinamarca, evitando o espaço aéreo alemão. Um alto funcionário britânico disse que isso reflete um diálogo próximo do Reino Unido com a Dinamarca e a Suécia, e que Londres não pediu permissão aos alemães porque atrasaria uma missão que precisava ser rápida.

“O mais interessante é o que isso diz sobre o quão desgastado está o relacionamento Reino Unido-Alemanha”, disse Jeremy Shapiro, diretor de pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores. “A desunião ficou clara.”

Um perigo, entre outros, é a percepção de que o Reino Unido é indevidamente subserviente aos Estados Unidos.

“Eles precisam trabalhar com cuidado para não serem vistos como um poodle”, disse Shapiro, referindo-se ao apelido recebido pelo então premier britânico Tony Blair ao apoiar a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, à qual França e Alemanha se opuseram.

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