LONDRES - O premiê do Reino Unido, Boris Johnson, enfrenta nesta segunda, 6, o voto de desconfiança de sua própria legenda, o Partido Conservador. Ele precisa dos votos de 180 dos 359 parlamentares da sigla para permanecer no cargo.
Se Johnson perder a votação entre os 359 parlamentares conservadores, o partido escolherá um novo líder, que também se tornará primeiro-ministro. Se ele vencer, como parece mais provável, ele não poderá enfrentar outro desafio por um ano sob as regras atuais do partido – embora uma vitória apertada o deixe com problemas para governar.
Segundo analistas, independentemente do resultado, o fato de legisladores suficientes exigirem tal votação representa um momento decisivo para Johnson. É também um sinal de profundas divisões dentro dos conservadores, menos de três anos depois que Johnson levou o partido à sua maior vitória eleitoral em décadas.
A fama de Johnson como vencedor de eleições já o isolou das consequências de um número crescente de escândalos. Mas recentemente ele tem se esforçado para virar a página das revelações de que ele e sua equipe realizaram repetidamente festas regadas à bebida alcóolica que desrespeitaram as restrições impostas pela covid-19 entre 2020 e 2021.
Para que a votação fosse aberta, ao menos 54 correligionários —15% da bancada conservadora— tinham de enviar cartas solicitando o processo. A última necessária para completar a lista chegou na noite de domingo, 5, quando Boris foi notificado, disse Graham Brady, que preside o chamado Comitê 1922, representação dos conservadores no Parlamento.
Ao menos 40 parlamentares já haviam pedido publicamente a saída de Boris nas últimas semanas, mas os últimos solicitantes, explicou Brady, enviaram suas cartas apenas nos últimos dias, porque insistiam que a votação fosse realizada somente após as celebrações do Jubileu de Platina da rainha Elizabeth 2ª, organizadas de quinta, 2, a domingo.
A votação será realizada das 18h às 20h (14h às 16h em Brasília), fazendo ruir os pedidos de Elizabeth, que, no discurso de encerramento das celebrações, pediu que o sentimento de união prevalecesse no país.
O gabinete do premiê, por meio de um porta-voz, disse ver a votação como uma oportunidade para Boris apresentar seus argumentos aos parlamentares e uma chance de “encerrar meses de especulação”.
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Milhares de pessoas estavam reunidas nos arredores do Palácio de Buckingham, onde a rainha Elizabeth II abriu as celebrações dos 70 anos de reinado.
A antecessora de Boris no cargo, a também conservadora Theresa May, foi levada a um voto de confiança em dezembro de 2018, em uma reviravolta que girava em torno da separação britânica da União Europeia (UE), o brexit. Ela venceu a votação por 200 votos a 117.
O desgaste, no entanto, foi inevitável, e a primeira-ministra viu ruir sua base de apoio. Poucos meses depois, em maio do ano seguinte, May renunciou ao cargo.
‘Partygate’
Conhecido como Partygate - em referência ao caso Watergate que derrubou o presidente americano Richard Nixon em 1974 -, o escândalo enfurece os britânicos a tal ponto que apenas 27% defendem a permanência premiê no cargo, de acordo com uma pesquisa feita pela YouGov para a Sky News.
Principal assessor de Johnson, Martin Reynolds mandou em maio de 2020 um e-mail para 100 funcionários de Downing Street, convidando-os a aproveitar o clima bom em uma reunião no jardim da residência oficial do governo.
“Por favor, junte-se a nós a partir das 18h e traga sua própria bebida”, dizia Reynolds em sua mensagem, divulgada pela ITV News. Na época, as visitas eram proibidas e a maior aglomeração limitava-se a duas pessoas ao ar livre, ainda que a uma distância de dois metros.
Cinco dias antes, o casal participou de outra reunião, com queijos e vinhos, no jardim da residência e na companhia de outros funcionários, conforme mostrou uma foto publicada recentemente pelo jornal “The Guardian”.
Diante do Parlamento, Boris Johnson lamentou o ocorrido: “Quero pedir desculpas. Sei da raiva do povo britânico quando pensam que as regras não são seguidas por aqueles que as estabelecem”.
De acordo com sua versão, ele planejava participar de uma reunião de trabalho no final do dia 20 de maio de 2020, mas descobriu que havia uma centena de funcionários convidados para o evento no jardim de Downing Street, em que cada pessoa podia levar sua própria bebida alcoólica.
O discurso de Johnson não foi convincente o suficiente, ainda mais por este ter sido apenas mais um entre os eventos que ele é suspeito de ter organizado em momentos de proibição.
No total, há a suspeita de que 12 festas tenham sido organizadas em Downing Street burlando as regras de restrição sanitária por conta da Covid-19, de acordo com o jornal conservador Evening Standard. / AFP, AP e REUTERS