O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, consumou uma reeleição denunciada como farsa ao tomar posse nesta sexta-feira. Esta etapa mais recente do regime chavista foi marcada pela guinada dada por EUA e o Brasil em suas políticas para Venezuela.
Com Joe Biden, a Casa Branca relaxou as sanções em acordo que deveria garantir eleições livres e transparentes. As negociações foram apoiadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, que tentava reabilitar o antigo aliado Nicolás Maduro, mas se mostraram infrutíferas.
Analistas ouvidos pelo Estadão acreditam que a estratégia usada pelo governo Lula 3 para lidar com Maduro, que misturou reabilitação política e apoio para a realização de eleições, foi equivocada e repleta de contradições.
O retorno de Trump à Casa Branca, em exatos dez dias, representará mais um desafio para a diplomacia brasileira. O republicano sinaliza uma política externa agressiva, mas ainda não está clara qual será a sua abordagem para lidar com o regime chavista.
O histórico de Trump é de pressão máxima sobre Maduro, com pesadas sanções ao petróleo venezuelano, a principal fonte de renda do regime, e até ameaça de intervenção militar. No primeiro governo, ele ainda reconheceu Juan Guaidó como presidente da Venezuela, movimento seguido pelo Brasil que rompeu relações com o país vizinho sob Jair Bolsonaro.
Com Biden, os EUA concordaram em relaxar as sanções em troca pela realização de eleições competitivas na Venezuela. Mas a ditadura chavista descumpriu suas promessas: inabilitou opositores, proclamou vitória sem apresentar as atas de votação que comprovariam os resultados e reprimiu as manifestações contra a reeleição de Nicolás Maduro. A tensão na Venezuela escalou na véspera da posse com a denúncia de sequestro da líder opositora María Corina Machada, liberada logo depois de afirmar ter sido interceptada na saída de protesto em Caracas. O regime nega.
Equívoco e dor de cabeça
A escalada autoritária virou uma dor de cabeça, especialmente para Lula, que chegou a estender tapete vermelho para Maduro em Brasília, atribuir a crise venezuelana a uma “narrativa” e relativizar a democracia ao defender o ditador. Mais recentemente, o Brasil deu sinais de afastamento da Venezuela, mas busca manter as relações diplomáticas.
“Eu entendo que a estratégia para a Venezuela foi equivocada ela desde o início”, afirma Hussein Kalout, professor de Relações Internacionais, pesquisador da Universidade de Harvard e ex-secretário especial de assuntos estratégicos do Brasil.
“O Brasil acreditou que poderia influenciar no processo eleitoral positivamente, que poderia moderar Nicolás Maduro, que ele poderia dialogar e negociar com a oposição o que não aconteceu. Houve, na minha visão, uma leitura errônea. O Brasil, aparentemente, tinha intenções legítimas de contribuir, mas subestimou Maduro. Desde o início, ele não cumpriu as proposições brasileiras para estabilização da Venezuela”, avalia. “Maduro usou o Brasil e expôs o país a uma situação delicada do ponto de vista da política externa”.
Ele pondera, contudo, que o governo deve manter as relações diplomáticas. O Brasil compartilha mais de 2 mil quilômetros de fronteira com a Venezuela e recebeu mais de um milhão de imigrantes, embora quase metade já tenha deixado o País. Além disso, assumiu a embaixada argentina em Caracas, onde cinco opositores venezuelanos permanecem asilados, sob cerco constante do regime.
“A ruptura não é uma opção interessante para o Brasil do ponto de vista estratégico”, afirmou Kalout. “Isso não quer dizer que há de haver concordância com a continuidade de Maduro no governo. Obviamente, existem várias formas de protestar”.
Contradições lulistas
Alvo de ataques do antigo aliado, Lula deu sinais de irritação com Maduro, vetou a entrada da Venezuela no Brics e não compareceu à posse. O Brasil foi representado pela embaixadora em Caracas Glivânia Oliveira, uma solução vista como contraditória porque o País não reconhece o resultado da contestada eleição.
“O gesto de enviar representante é um reconhecimento desse regime. É uma contradição. Porque o governo da Venezuela não respondeu ao Brasil com a publicação das atas — que é o que a lei venezuelana exige. Então como esse governo pode ser reconhecido?”, questiona a analista política venezuelana María Puerta Riera. “É uma demonstração de apoio tácito”.
Mesmo sem reconhecer a vitória de Maduro, o Brasil evita a ruptura com a Venezuela. Também não reconhece o opositor Edmundo González como presidente eleito e hesita em subir o tom com o regime chavista.
“Lula fica numa situação muito delicada”, avalia Regiane Bressan, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Se por um lado o governo brasileiro busca manter esse canal de diálogo aberto por outro, existe uma pressão da população em condenar a Venezuela, justamente pela defesa da democracia que Lula faz. O governo relembrou esta semana dois anos de uma tentativa de golpe”.
A posição do Brasil contrasta com outros países da região, mais enfáticos ao denunciar fraude nas eleições e expressar apoio à oposição.
O regime declarou Nicolás Maduro eleito para o terceiro mandato consecutivo, mas nunca divulgou os dados da votação. A oposição, por outro lado, publicou as cópias das atas que atestam vitória expressiva do seu candidato Edmundo González, reconhecido como presidente eleito pelos Estados Unidos.
O opositor passou por Washington no tour em busca de apoio internacional antes da posse. Ele se encontrou com o presidente Joe Biden, mas não com o presidente eleito Donald Trump, que assume a presidência em dez dias.
A nomeação de Marco Rubio como secretário de Estado sugere que o novo governo deve dar mais atenção para América Latina, especialmente no controle da imigração e da influência da China. Filho de imigrantes cubados, ele defensor de uma posição mais firme contra ditaduras que controlam Havana, Caracas e Manágua.
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O que vem pela frente
De volta à Casa Branca, Trump poderia repetir a política de sanções contra a Venezuela, revertida em meio à guerra na Ucrânia, que obrigou os Estados Unidos a buscar alternativas ao petróleo russo. Os embargos foram retomados depois que Maduro violou os acordos de Barbados, que deveriam garantir a lisura das eleições, mas apenas parcialmente.
As sanções, contudo, podem levar mais venezuelanos desesperados a deixar o país. Cada vez mais, eles seguem rumo aos Estados Unidos, atraídos pela esperança de uma vida melhor e a força do dólar. O controle da imigração é uma das principais bandeiras políticas de Trump, que vai precisar da colaboração de Maduro se quiser colocar em prática os seus planos de deportação em massa.
O republicano é pressionado ainda por executivos da indústria petrolífera dos Estados Unidos. Eles pedem que Trump abandone a política de “pressão máxima” sobre a Venezuela — país com a maior reserva de petróleo no mundo. O argumento é que um acordo com Maduro poderia reduzir a imigração, segurar os preços dos combustíveis para os americanos e conter a influência de China e Rússia.
O próprio Nicolás Maduro sinalizou que estaria disposto a dialogar com os Estados Unidos. “Em seu primeiro governo, as coisas não correram bem para nós com o presidente eleito Donald Trump”, disse recentemente. “Este é um novo começo, então vamos apostar em uma situação em que todos ganhem”.
Apesar da pressão do setor petrolífero, contudo, especialistas afirmam que Donald Trump deve retomar sanções contra Venezuela. Pelo menos no discurso, ele se mantém firme a sua posição contrária à ditadura venezuelana e se solidarizou com a oposição logo após a denúncia de que María Corina Machado havia sido detida.
“O que Trump pode fazer é aplicar sanções e costurar o isolamento total da Venezuela no Ocidente, mas isso em certo sentido já está acontecendo”, afirma Hussein Kalout. “Agora, se precisar de petróleo venezuelano ele pode discursar numa direção e manter um nível de sanções que não atinja os interesses dos Estados Unidos naquilo que diz respeito à importação de petróleo venezuelano barato”.