‘Brasil não pode fazer mais concessões’, diz diplomata sobre acordo Mercosul-União Europeia


Ex-embaixador em Buenos Aires tem dúvidas sobre a conclusão das negociações, esperada para esta semana

Por Jéssica Petrovna
Entrevista comMarcos AzambujaDiplomata e ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires

Mercosul e União Europeia correram para concluir o acordo de livre comércio entre os blocos esta semana durante a cúpula dos sul-americanos no Rio de Janeiro, mas a perspectiva de um entendimento parece cada vez mais difícil. E quem acompanhou o processo como o diplomata Marcos Azambuja sabe a complexidade da discussão: a Europa indica que não está pronta para dar esse passo e o Brasil não pode fazer mais concessões, diz ele.

“A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente”, afirma o ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

É um otimismo com cautela, que também foi usado pelo diplomata ao falar sobre o futuro da relação entre Brasil e Argentina. Enquanto a incerteza paira sobre Buenos Aires à espera pela posse de Javier Milei, ele vê com bons olhos os sinais de moderação do libertário. E lembra que os maiores problemas argentinos são internos, não com os vizinhos.

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O libertário já chegou a dizer que não se encontraria com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem chamou de corrupto. Depois, baixou o tom e convidou o petista para a posse em 10 de dezembro, três dias depois da Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro.

Lula participa fala ao lado do chanceler da Alemanha Olaf Scholz. Acordo entre Mercosul e União Europeia foi tema do encontro.  Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Leia a entrevista a seguir.

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Tem toda essa expectativa de que o acordo possa eventualmente ser concluído. O senhor acredita que é possível?

Eu não tenho uma expectativa. Não sei se estamos tão próximos de uma solução ou de uma acomodação de interesses. Eu tenho às vezes dúvida que um acordo que está há 20 anos sendo negociado possa ser anunciado nos próximos dias. Eu tenho a humildade de quem acompanhou por muito tempo a marcha do acordo de modo que a minha esperança existe mas é muito modesta que seja concluído nos próximos dias. Eu não estou apostando nisso.

Não foi um namoro fácil, não foi um noivado fácil e, se chegar a um casamento, também não será fácil. O Brasil é um grande país, com imensos interesses agropecuários e nós somos um pouco desconfortáveis como sócios. A resistência europeia vem sobretudo dos países em transição agrícola que temem o Brasil, pelo volume, pela qualidade da sua produção agrícola e pecuária. (...)

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A Europa tem as exigências ambientais enquanto o Brasil pressiona sobre as compras governamentais...

Nada que leva 20 anos para se concluir pode ser considerado fácil, espontâneo. (...) Eu creio que os últimos episódios com aquela carta adicional de intenções me pareceu mostrar que Europa não estava totalmente pronta para dar esse passo decisivo. E o Brasil também não pode fazer mais concessões do que já fez.

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E como o senhor avalia o acordo? Quais são os benefícios e preocupações?

Acesso a mercados, facilitação de trâmites, a participação em cadeias produtivas... É evidente que o jogo se joga melhor em arenas maiores, com torcidas maiores. Logo que há vantagens, mas têm que ser contrabalanceadas às dificuldades. Eu não sou um isolacionista, eu acho que o Brasil se beneficia sempre pelo contato com outros, mas tem que fazer isso com cautela. O Brasil já é um ator muito importante e tem muitos interesses em jogo. A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido o que falta resolver é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente.

O Uruguai já deu sinais de distanciamento do Mercosul. Qual deve ser o papel da Argentina no bloco a partir de agora?

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Javier Milei não tomou posso ainda, portanto, estamos em uma situação de indefinição. A impressão que eu tenho é que ele deve ter cautela (...) porque há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios em moderar a linguagem e procurar uma acomodação.

O Mercosul precisa, como toda a instituição, ser atualizado modernizada aperfeiçoada. Portanto, o Brasil não defende um Mercosul estático, o Brasil quer é um Mercosul que se aperfeiçoe pelo esforço dos seus sócios e Argentina é um grande indispensável sócio.

Futura chanceler argentina Diana Mondino caminha ao lado do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e do embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli.  Foto: Nicolas Moneiro/Embaixada Argentina
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Em meio à tensão entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, o senhor já disse que não há motivos para Brasil e Argentina se afastarem. Qual a perspectiva agora para a posse de Javier Milei?

Eu creio que o Brasil precisa ter esperança que a educação pela realidade, pelo limite do possível funcione. Uma coisa é o discurso eleitoral, é a campanha que tem uma retórica, tem uma veemência que faz parte do jogo eleitoral. As campanhas políticas são estridentes, são veementes. O governar é um ato mais complicado, que requer uma moderação de gestos e palavras. De modo que eu estou vendo com prazer que o discurso do presidente eleito vai se aproximando da linguagem habitual das relações entre sócios e vizinhos. Tenho otimismo e alguma esperança de que esse processo continue.

O problema central da Argentina não é com os vizinhos. A Argentina está desapontada com ela mesma.

Diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires

Apesar dos sinais de moderação agora, Milei já chamou o Mercosul de ‘estorvo’ e ameaçou deixar o bloco. Como fica?

Uma das coisas que permite que a política se faça é não ficar muito preso ao discurso anterior e aceitar a revisão da linguagem, a moderação. O Brasil tem um interesse real que a sua relação com a Argentina seja próspera, crescente, não somos uma invenção de ontem. O Brasil e a Argentina tem 200 anos de vizinhança independente, é uma longa história.

Eu sou contemporâneo do Brasil e Argentina desfazerem programas nucleares, que poderiam causar inquietação um no outro, do Brasil encontrar com a Argentina um aproveitamento das suas grandes hidrelétricas, que a presença militar nas fronteiras diminuiu, que entramos juntos no Mercosul. Vejo muitos sinais de que é uma relação muito vigorosa e muito boa.

Comercialmente, estamos entre os maiores parceiros um do outro. De modo que há uma herança que não pode ser desperdiçada, portanto, eu estou cautelosamente otimista porque também reconheço que a retórica eleitoral leva um pouco mais de tempo para se dissipar, tende a ter uma permanência maior porque gera uma emotividade. E a Argentina tem estado muito traumatizada por problemas econômicos internos, por um desapontamento dela com ela mesma. O problema central da Argentina não é tanto com os vizinhos, a Argentina está desapontada com ela mesma. A Argentina era para ser muito mais do que é hoje, é um grande país que quer encontrar de novo o seu grande destino.

Mercosul e União Europeia correram para concluir o acordo de livre comércio entre os blocos esta semana durante a cúpula dos sul-americanos no Rio de Janeiro, mas a perspectiva de um entendimento parece cada vez mais difícil. E quem acompanhou o processo como o diplomata Marcos Azambuja sabe a complexidade da discussão: a Europa indica que não está pronta para dar esse passo e o Brasil não pode fazer mais concessões, diz ele.

“A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente”, afirma o ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

É um otimismo com cautela, que também foi usado pelo diplomata ao falar sobre o futuro da relação entre Brasil e Argentina. Enquanto a incerteza paira sobre Buenos Aires à espera pela posse de Javier Milei, ele vê com bons olhos os sinais de moderação do libertário. E lembra que os maiores problemas argentinos são internos, não com os vizinhos.

O libertário já chegou a dizer que não se encontraria com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem chamou de corrupto. Depois, baixou o tom e convidou o petista para a posse em 10 de dezembro, três dias depois da Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro.

Lula participa fala ao lado do chanceler da Alemanha Olaf Scholz. Acordo entre Mercosul e União Europeia foi tema do encontro.  Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Leia a entrevista a seguir.

Tem toda essa expectativa de que o acordo possa eventualmente ser concluído. O senhor acredita que é possível?

Eu não tenho uma expectativa. Não sei se estamos tão próximos de uma solução ou de uma acomodação de interesses. Eu tenho às vezes dúvida que um acordo que está há 20 anos sendo negociado possa ser anunciado nos próximos dias. Eu tenho a humildade de quem acompanhou por muito tempo a marcha do acordo de modo que a minha esperança existe mas é muito modesta que seja concluído nos próximos dias. Eu não estou apostando nisso.

Não foi um namoro fácil, não foi um noivado fácil e, se chegar a um casamento, também não será fácil. O Brasil é um grande país, com imensos interesses agropecuários e nós somos um pouco desconfortáveis como sócios. A resistência europeia vem sobretudo dos países em transição agrícola que temem o Brasil, pelo volume, pela qualidade da sua produção agrícola e pecuária. (...)

A Europa tem as exigências ambientais enquanto o Brasil pressiona sobre as compras governamentais...

Nada que leva 20 anos para se concluir pode ser considerado fácil, espontâneo. (...) Eu creio que os últimos episódios com aquela carta adicional de intenções me pareceu mostrar que Europa não estava totalmente pronta para dar esse passo decisivo. E o Brasil também não pode fazer mais concessões do que já fez.

E como o senhor avalia o acordo? Quais são os benefícios e preocupações?

Acesso a mercados, facilitação de trâmites, a participação em cadeias produtivas... É evidente que o jogo se joga melhor em arenas maiores, com torcidas maiores. Logo que há vantagens, mas têm que ser contrabalanceadas às dificuldades. Eu não sou um isolacionista, eu acho que o Brasil se beneficia sempre pelo contato com outros, mas tem que fazer isso com cautela. O Brasil já é um ator muito importante e tem muitos interesses em jogo. A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido o que falta resolver é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente.

O Uruguai já deu sinais de distanciamento do Mercosul. Qual deve ser o papel da Argentina no bloco a partir de agora?

Javier Milei não tomou posso ainda, portanto, estamos em uma situação de indefinição. A impressão que eu tenho é que ele deve ter cautela (...) porque há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios em moderar a linguagem e procurar uma acomodação.

O Mercosul precisa, como toda a instituição, ser atualizado modernizada aperfeiçoada. Portanto, o Brasil não defende um Mercosul estático, o Brasil quer é um Mercosul que se aperfeiçoe pelo esforço dos seus sócios e Argentina é um grande indispensável sócio.

Futura chanceler argentina Diana Mondino caminha ao lado do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e do embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli.  Foto: Nicolas Moneiro/Embaixada Argentina

Em meio à tensão entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, o senhor já disse que não há motivos para Brasil e Argentina se afastarem. Qual a perspectiva agora para a posse de Javier Milei?

Eu creio que o Brasil precisa ter esperança que a educação pela realidade, pelo limite do possível funcione. Uma coisa é o discurso eleitoral, é a campanha que tem uma retórica, tem uma veemência que faz parte do jogo eleitoral. As campanhas políticas são estridentes, são veementes. O governar é um ato mais complicado, que requer uma moderação de gestos e palavras. De modo que eu estou vendo com prazer que o discurso do presidente eleito vai se aproximando da linguagem habitual das relações entre sócios e vizinhos. Tenho otimismo e alguma esperança de que esse processo continue.

O problema central da Argentina não é com os vizinhos. A Argentina está desapontada com ela mesma.

Diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires

Apesar dos sinais de moderação agora, Milei já chamou o Mercosul de ‘estorvo’ e ameaçou deixar o bloco. Como fica?

Uma das coisas que permite que a política se faça é não ficar muito preso ao discurso anterior e aceitar a revisão da linguagem, a moderação. O Brasil tem um interesse real que a sua relação com a Argentina seja próspera, crescente, não somos uma invenção de ontem. O Brasil e a Argentina tem 200 anos de vizinhança independente, é uma longa história.

Eu sou contemporâneo do Brasil e Argentina desfazerem programas nucleares, que poderiam causar inquietação um no outro, do Brasil encontrar com a Argentina um aproveitamento das suas grandes hidrelétricas, que a presença militar nas fronteiras diminuiu, que entramos juntos no Mercosul. Vejo muitos sinais de que é uma relação muito vigorosa e muito boa.

Comercialmente, estamos entre os maiores parceiros um do outro. De modo que há uma herança que não pode ser desperdiçada, portanto, eu estou cautelosamente otimista porque também reconheço que a retórica eleitoral leva um pouco mais de tempo para se dissipar, tende a ter uma permanência maior porque gera uma emotividade. E a Argentina tem estado muito traumatizada por problemas econômicos internos, por um desapontamento dela com ela mesma. O problema central da Argentina não é tanto com os vizinhos, a Argentina está desapontada com ela mesma. A Argentina era para ser muito mais do que é hoje, é um grande país que quer encontrar de novo o seu grande destino.

Mercosul e União Europeia correram para concluir o acordo de livre comércio entre os blocos esta semana durante a cúpula dos sul-americanos no Rio de Janeiro, mas a perspectiva de um entendimento parece cada vez mais difícil. E quem acompanhou o processo como o diplomata Marcos Azambuja sabe a complexidade da discussão: a Europa indica que não está pronta para dar esse passo e o Brasil não pode fazer mais concessões, diz ele.

“A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente”, afirma o ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

É um otimismo com cautela, que também foi usado pelo diplomata ao falar sobre o futuro da relação entre Brasil e Argentina. Enquanto a incerteza paira sobre Buenos Aires à espera pela posse de Javier Milei, ele vê com bons olhos os sinais de moderação do libertário. E lembra que os maiores problemas argentinos são internos, não com os vizinhos.

O libertário já chegou a dizer que não se encontraria com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem chamou de corrupto. Depois, baixou o tom e convidou o petista para a posse em 10 de dezembro, três dias depois da Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro.

Lula participa fala ao lado do chanceler da Alemanha Olaf Scholz. Acordo entre Mercosul e União Europeia foi tema do encontro.  Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Leia a entrevista a seguir.

Tem toda essa expectativa de que o acordo possa eventualmente ser concluído. O senhor acredita que é possível?

Eu não tenho uma expectativa. Não sei se estamos tão próximos de uma solução ou de uma acomodação de interesses. Eu tenho às vezes dúvida que um acordo que está há 20 anos sendo negociado possa ser anunciado nos próximos dias. Eu tenho a humildade de quem acompanhou por muito tempo a marcha do acordo de modo que a minha esperança existe mas é muito modesta que seja concluído nos próximos dias. Eu não estou apostando nisso.

Não foi um namoro fácil, não foi um noivado fácil e, se chegar a um casamento, também não será fácil. O Brasil é um grande país, com imensos interesses agropecuários e nós somos um pouco desconfortáveis como sócios. A resistência europeia vem sobretudo dos países em transição agrícola que temem o Brasil, pelo volume, pela qualidade da sua produção agrícola e pecuária. (...)

A Europa tem as exigências ambientais enquanto o Brasil pressiona sobre as compras governamentais...

Nada que leva 20 anos para se concluir pode ser considerado fácil, espontâneo. (...) Eu creio que os últimos episódios com aquela carta adicional de intenções me pareceu mostrar que Europa não estava totalmente pronta para dar esse passo decisivo. E o Brasil também não pode fazer mais concessões do que já fez.

E como o senhor avalia o acordo? Quais são os benefícios e preocupações?

Acesso a mercados, facilitação de trâmites, a participação em cadeias produtivas... É evidente que o jogo se joga melhor em arenas maiores, com torcidas maiores. Logo que há vantagens, mas têm que ser contrabalanceadas às dificuldades. Eu não sou um isolacionista, eu acho que o Brasil se beneficia sempre pelo contato com outros, mas tem que fazer isso com cautela. O Brasil já é um ator muito importante e tem muitos interesses em jogo. A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido o que falta resolver é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente.

O Uruguai já deu sinais de distanciamento do Mercosul. Qual deve ser o papel da Argentina no bloco a partir de agora?

Javier Milei não tomou posso ainda, portanto, estamos em uma situação de indefinição. A impressão que eu tenho é que ele deve ter cautela (...) porque há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios em moderar a linguagem e procurar uma acomodação.

O Mercosul precisa, como toda a instituição, ser atualizado modernizada aperfeiçoada. Portanto, o Brasil não defende um Mercosul estático, o Brasil quer é um Mercosul que se aperfeiçoe pelo esforço dos seus sócios e Argentina é um grande indispensável sócio.

Futura chanceler argentina Diana Mondino caminha ao lado do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e do embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli.  Foto: Nicolas Moneiro/Embaixada Argentina

Em meio à tensão entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, o senhor já disse que não há motivos para Brasil e Argentina se afastarem. Qual a perspectiva agora para a posse de Javier Milei?

Eu creio que o Brasil precisa ter esperança que a educação pela realidade, pelo limite do possível funcione. Uma coisa é o discurso eleitoral, é a campanha que tem uma retórica, tem uma veemência que faz parte do jogo eleitoral. As campanhas políticas são estridentes, são veementes. O governar é um ato mais complicado, que requer uma moderação de gestos e palavras. De modo que eu estou vendo com prazer que o discurso do presidente eleito vai se aproximando da linguagem habitual das relações entre sócios e vizinhos. Tenho otimismo e alguma esperança de que esse processo continue.

O problema central da Argentina não é com os vizinhos. A Argentina está desapontada com ela mesma.

Diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires

Apesar dos sinais de moderação agora, Milei já chamou o Mercosul de ‘estorvo’ e ameaçou deixar o bloco. Como fica?

Uma das coisas que permite que a política se faça é não ficar muito preso ao discurso anterior e aceitar a revisão da linguagem, a moderação. O Brasil tem um interesse real que a sua relação com a Argentina seja próspera, crescente, não somos uma invenção de ontem. O Brasil e a Argentina tem 200 anos de vizinhança independente, é uma longa história.

Eu sou contemporâneo do Brasil e Argentina desfazerem programas nucleares, que poderiam causar inquietação um no outro, do Brasil encontrar com a Argentina um aproveitamento das suas grandes hidrelétricas, que a presença militar nas fronteiras diminuiu, que entramos juntos no Mercosul. Vejo muitos sinais de que é uma relação muito vigorosa e muito boa.

Comercialmente, estamos entre os maiores parceiros um do outro. De modo que há uma herança que não pode ser desperdiçada, portanto, eu estou cautelosamente otimista porque também reconheço que a retórica eleitoral leva um pouco mais de tempo para se dissipar, tende a ter uma permanência maior porque gera uma emotividade. E a Argentina tem estado muito traumatizada por problemas econômicos internos, por um desapontamento dela com ela mesma. O problema central da Argentina não é tanto com os vizinhos, a Argentina está desapontada com ela mesma. A Argentina era para ser muito mais do que é hoje, é um grande país que quer encontrar de novo o seu grande destino.

Mercosul e União Europeia correram para concluir o acordo de livre comércio entre os blocos esta semana durante a cúpula dos sul-americanos no Rio de Janeiro, mas a perspectiva de um entendimento parece cada vez mais difícil. E quem acompanhou o processo como o diplomata Marcos Azambuja sabe a complexidade da discussão: a Europa indica que não está pronta para dar esse passo e o Brasil não pode fazer mais concessões, diz ele.

“A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente”, afirma o ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

É um otimismo com cautela, que também foi usado pelo diplomata ao falar sobre o futuro da relação entre Brasil e Argentina. Enquanto a incerteza paira sobre Buenos Aires à espera pela posse de Javier Milei, ele vê com bons olhos os sinais de moderação do libertário. E lembra que os maiores problemas argentinos são internos, não com os vizinhos.

O libertário já chegou a dizer que não se encontraria com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem chamou de corrupto. Depois, baixou o tom e convidou o petista para a posse em 10 de dezembro, três dias depois da Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro.

Lula participa fala ao lado do chanceler da Alemanha Olaf Scholz. Acordo entre Mercosul e União Europeia foi tema do encontro.  Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Leia a entrevista a seguir.

Tem toda essa expectativa de que o acordo possa eventualmente ser concluído. O senhor acredita que é possível?

Eu não tenho uma expectativa. Não sei se estamos tão próximos de uma solução ou de uma acomodação de interesses. Eu tenho às vezes dúvida que um acordo que está há 20 anos sendo negociado possa ser anunciado nos próximos dias. Eu tenho a humildade de quem acompanhou por muito tempo a marcha do acordo de modo que a minha esperança existe mas é muito modesta que seja concluído nos próximos dias. Eu não estou apostando nisso.

Não foi um namoro fácil, não foi um noivado fácil e, se chegar a um casamento, também não será fácil. O Brasil é um grande país, com imensos interesses agropecuários e nós somos um pouco desconfortáveis como sócios. A resistência europeia vem sobretudo dos países em transição agrícola que temem o Brasil, pelo volume, pela qualidade da sua produção agrícola e pecuária. (...)

A Europa tem as exigências ambientais enquanto o Brasil pressiona sobre as compras governamentais...

Nada que leva 20 anos para se concluir pode ser considerado fácil, espontâneo. (...) Eu creio que os últimos episódios com aquela carta adicional de intenções me pareceu mostrar que Europa não estava totalmente pronta para dar esse passo decisivo. E o Brasil também não pode fazer mais concessões do que já fez.

E como o senhor avalia o acordo? Quais são os benefícios e preocupações?

Acesso a mercados, facilitação de trâmites, a participação em cadeias produtivas... É evidente que o jogo se joga melhor em arenas maiores, com torcidas maiores. Logo que há vantagens, mas têm que ser contrabalanceadas às dificuldades. Eu não sou um isolacionista, eu acho que o Brasil se beneficia sempre pelo contato com outros, mas tem que fazer isso com cautela. O Brasil já é um ator muito importante e tem muitos interesses em jogo. A ideia de que em poucos dias possa ser resolvido o que falta resolver é um bom desejo e que eu compartilho, mas não acredito totalmente.

O Uruguai já deu sinais de distanciamento do Mercosul. Qual deve ser o papel da Argentina no bloco a partir de agora?

Javier Milei não tomou posso ainda, portanto, estamos em uma situação de indefinição. A impressão que eu tenho é que ele deve ter cautela (...) porque há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios em moderar a linguagem e procurar uma acomodação.

O Mercosul precisa, como toda a instituição, ser atualizado modernizada aperfeiçoada. Portanto, o Brasil não defende um Mercosul estático, o Brasil quer é um Mercosul que se aperfeiçoe pelo esforço dos seus sócios e Argentina é um grande indispensável sócio.

Futura chanceler argentina Diana Mondino caminha ao lado do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e do embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli.  Foto: Nicolas Moneiro/Embaixada Argentina

Em meio à tensão entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, o senhor já disse que não há motivos para Brasil e Argentina se afastarem. Qual a perspectiva agora para a posse de Javier Milei?

Eu creio que o Brasil precisa ter esperança que a educação pela realidade, pelo limite do possível funcione. Uma coisa é o discurso eleitoral, é a campanha que tem uma retórica, tem uma veemência que faz parte do jogo eleitoral. As campanhas políticas são estridentes, são veementes. O governar é um ato mais complicado, que requer uma moderação de gestos e palavras. De modo que eu estou vendo com prazer que o discurso do presidente eleito vai se aproximando da linguagem habitual das relações entre sócios e vizinhos. Tenho otimismo e alguma esperança de que esse processo continue.

O problema central da Argentina não é com os vizinhos. A Argentina está desapontada com ela mesma.

Diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires

Apesar dos sinais de moderação agora, Milei já chamou o Mercosul de ‘estorvo’ e ameaçou deixar o bloco. Como fica?

Uma das coisas que permite que a política se faça é não ficar muito preso ao discurso anterior e aceitar a revisão da linguagem, a moderação. O Brasil tem um interesse real que a sua relação com a Argentina seja próspera, crescente, não somos uma invenção de ontem. O Brasil e a Argentina tem 200 anos de vizinhança independente, é uma longa história.

Eu sou contemporâneo do Brasil e Argentina desfazerem programas nucleares, que poderiam causar inquietação um no outro, do Brasil encontrar com a Argentina um aproveitamento das suas grandes hidrelétricas, que a presença militar nas fronteiras diminuiu, que entramos juntos no Mercosul. Vejo muitos sinais de que é uma relação muito vigorosa e muito boa.

Comercialmente, estamos entre os maiores parceiros um do outro. De modo que há uma herança que não pode ser desperdiçada, portanto, eu estou cautelosamente otimista porque também reconheço que a retórica eleitoral leva um pouco mais de tempo para se dissipar, tende a ter uma permanência maior porque gera uma emotividade. E a Argentina tem estado muito traumatizada por problemas econômicos internos, por um desapontamento dela com ela mesma. O problema central da Argentina não é tanto com os vizinhos, a Argentina está desapontada com ela mesma. A Argentina era para ser muito mais do que é hoje, é um grande país que quer encontrar de novo o seu grande destino.

Entrevista por Jéssica Petrovna

Repórter da editoria de Internacional.

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