Brasil perdeu negócio envolvendo petróleo e soja após a Revolução Islâmica, lembra diplomata


Em 1979, o então encarregado de negócios tornou-se o responsável pela Embaixada do Brasil no período mais turbulento da história recente do Irã

Por Renata Tranches

Em começo de carreira, o diplomata Sergio Florêncio Sobrinho estava em Ottawa quando soube que seu próximo posto, seu segundo, seria Teerã. Com 32 anos, mulher e dois filhos, mudou-se para a capital do Irã em 1977 sem ter ideia do que o aguardava. Quando estourou a revolução, dois anos mais tarde, o então embaixador brasileiro, Aluysio Regis Bittencourt, próximo da família imperial, foi retirado do país pelo Brasil, que decidiu não mandar ninguém até que a situação se acalmasse.

Encarregado de negócios do Brasil no Irã, Sergio Florêncio, em 1979 Foto: Acervo Sergio Florêncio

Assim, o jovem encarregado de negócios tornou-se o responsável pela embaixada do Brasil no período mais turbulento da história recente do Irã. Viveu dias de tensão quando, em dois momentos, teve de retirar do país sua família do país. Sem saber, jantou na embaixada canadense na sala ao lado de onde estavam os americanos que se refugiaram ali para escapar da tomada da embaixada americana pelos estudantes iranianos.  

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Hoje, profundo conhecedor de Oriente Médio e professor do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas brasileiros, Florêncio diz não concordar com a transferência da Embaixada do Brasil para Jerusalém, tema polêmico da nova política externa comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, que foi seu aluno. “Essa decisão é desastrosa”, disse, em entrevista ao Estado

Qual era o clima que o sr. encontrou quando chegou a Teerã, em 1977? 

Naquele ano, o clima era de um país hiperocidentalizado, de um lado. Fomos a uma casa noturna e nunca tinha visto tantos casacos de pele, joias. Mas aí era só dar dois passos para o lado e só se via miséria. Era muito contrastante, uma distância cultural enorme entre ricos e pobres. 

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Havia alguma ideia do que estava para acontecer? 

No meu jantar de despedida (em Ottawa), meu embaixador disse que eu estava indo para o país mais seguro do Oriente Médio. Era o mais seguro mesmo, o xá Reza Pahlevi era o grande aliado dos EUA. Esse embaixador, Heraldo de Carvalho Silva, era conhecido por ser extremamente inteligente, bem informado. Depois, quando aconteceu toda a confusão da revolução, eu pensei: “nossa”. Naquela época, ninguém poderia prever que haveria uma revolução iraniana. 

Essa discrepância social contribuiu para a revolução? 

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Foi um dos motores, entre vários. O primeiro deles é que o Irã era um país com um potencial de crescimento, de industrialização muito maior do que os outros do Oriente Médio. Pelo tamanho, pela população, pela história, por várias razões. O xá nunca teve uma base popular muito grande. Ele decidiu se legitimar pela economia. Ele promoveu um crescimento econômico, uma industrialização, mas essa industrialização acabou beneficiando muito pouco a população. De qualquer forma, havia um crescimento econômico. 

Houve um descontentamento? 

Na metade dos anos 70, esse crescimento desacelerou e começou a gerar desemprego. Houve um fator econômico que contribuiu para isso. Foi um crescimento econômico acelerado, mas socialmente excludente, que deixou de fora os bazaris, que eram os grandes comerciantes dos bazares que tinham muito contato com a população. Indignados com essa industrialização do xá, que só beneficiava um grupo, eles se tornaram uma classe fundamental para alimentar a revolução. Além do mais eram eles quem financiavam as mesquitas, tinham uma ligação muito forte com a hierarquia religiosa, com os aiatolás. 

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O sr. percebeu algo antes da revolução? 

Quando eu cheguei, não havia nenhum sinal de revolução. O que o embaixador tinha dito era verdade. Era um país com um crescimento econômico acelerado, industrialização, modernização, ocidentalização, tudo era exemplo de crescimento. Só que o que eu notava era uma oposição muito grande dos jovens e estudantes a esse rumo que o país seguia, que enriquecia, mas excluía. E, ao mesmo tempo, era muito repressivo. 

Como era essa repressão? 

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A polícia secreta do xá, a Savaki, era conhecida, ao lado da israelense, como uma das mais repressoras do mundo. Havia um movimento estudantil muito forte contra o xá. Por acaso, eu tinha feito mestrado em economia no Canadá onde fiz um grande amigo, que era iraniano. Somos grandes amigos até hoje. Ele fazia parte de um grupo de estudantes que, nos EUA e no Canadá contribuíam para um movimento de deposição do xá, fora do Irã. Quando terminamos o mestrado, ele voltou para o Irã, por coincidência eu também fui. Ele foi um dos integrantes do movimento da revolução, no início, e chegou a ser preso pelo xá.

Reprodução de cartazes da Revolução Islâmica que o embaixador Sergio Florêncio guardou da época Foto: Sergio Florêncio

Por quanto tempo?

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Foram quase dois meses e meio. Quando saiu, ele estava mal, porque sofreu tortura e tudo mais. É incrível como, na história, a revolução come seus próprios filhos. Esse é um exemplo bem concreto. Ele lutou pela revolução, foi preso. Depois, um tio dele, que era um grande intelectual iraniano, reconhecido, professor da Souborne, voltou para o Irã na revolução e foi nomeado ministro da Educação (pelos aiatolás). Mas a revolução foi deixando de ser antidéspota, liberal, democrática, como era no começo. Esse tio não só foi afastado do cargo, como também preso e torturado pela revolução. 

Antes da revolução, quem era Khomeini para os iranianos? 

Na pré-revolução, ele era a grande esperança, o líder carismático que tinha o apoio dos liberais. Era visto como uma figura iluminada, o grande líder espiritual, o líder político que ficava acima da estrutura partidária e simbolizava todas as aspirações do país de igualdade, de autonomia com relação às superpotências. Ele era a grande esperança de todos, uma explosão daquela elite que era muito identificada com o xá. Ele dizia que iria fazer uma revolução islâmica, mas quando perguntavam o que era essa revolução, ele falava, falava, e ninguém entendia. Ninguém sabia se era uma revolução democrática, religiosa, uma teocracia. Ele conseguiu não definir com clareza e isso contribuiu muito para a vitória da revolução. 

E depois? 

Ele teve todo o povo com ele e, uma vez vitoriosa, a revolução começou a abandonar aqueles princípios democráticos, de direitos humanos, de liberdade de imprensa, de liberalismo político, isso foi sendo sistematicamente ceifado da agenda política. A revolução foi tomando esse curso mais excludente e dominada por essa hierarquia religiosa que resultou em muitas injustiças, perseguições e num radicalismo político. 

Como eram as relações com o Brasil? 

Na época, o Brasil exportava carne, soja, material bélico para o Iraque, isso antes da guerra (Irã x Iraque). O Brasil importava muito petróleo então tinha uma política inteligente de fazer uma troca em que importava o petróleo e, para compensar, exportava soja, frangos, Passats, tanques de guerra, material bélico. Quando veio a revolução, e depois a guerra, o Brasil era criticado pelo Irã. Eles (regime) me chamavam lá para explicar por que o Brasil estava fornecendo arma para o inimigo. Eu explicava que era uma política comercial. 

​No mesmo ano da revolução, houve a tomada da embaixada americana. O sr. teve medo? 

Houve dois momentos de grande apreensão. Quando a revolução foi vitoriosa, no início de 79, o país se tornou um caos. Era difícil de comprar alimentos, tinha filas para comprar coisas básicas, havia restrição de fornecimento de gasolina, era uma vida bem complicada e ameaçadora. Quando o xá caiu, sem resistência, já que não houve nenhuma facção do Exército que se aliou a ele, a população tomou os quartéis. Houve uma imensa distribuição indiscriminada de armas, que criou um clima de insegurança imenso. Havia várias facções revolucionárias, cada uma seguindo uma linha e todas armadas. Houve muitos assassinatos de representantes de comitês revolucionários por outros grupos. Diante desse clima, os países decidiram retirar os parentes dos diplomatas. Essa foi a primeira grande retirada. Saíram minha mulher e meus filhos, já com o bebê (filho que nasceu em Teerã). Eles saíram pelo aeroporto, que ainda estava aberto, apesar de caótico. Eles ficaram seis meses fora, a revolução se estabilizou um pouco e eles voltaram. 

E quando ocorreu a outra? 

Depois veio a guerra Irã-Iraque e começou de novo bombardeios, gente dizendo que os americanos iriam invadir o país. Com essa insegurança, as famílias foram retiradas pela segunda vez. Mas dessa vez o aeroporto estava fechado e as únicas opções eram as saídas via terrestre pela Turquia, que era perigosíssimo por ser dominada por bandos armados. Era um risco monumental. A saída pelo sul, passando pelo Iraque, também era super arriscado. A outra via, Paquistão, também tinha muitos grupos guerrilheiros. Eu optei pela saída mais segura, que era via União Soviética. Minha família e a de diplomatas de outros países. Fomos de carro até o Mar Cáspio. Lá, eles pegaram um barco que levou 13 horas até Baku, na União Soviética, que hoje é a capital do Azerbaijão. O Itamaraty não queria que saíssemos via URSS. Mas eu queria o que fosse mais seguro para meus filhos e minha mulher. Eu me despedi no Mar Cáspio e fiquei, como se diz, a ver navios. Acabei desobedecendo, mas foi o mais seguro. A maioria das pessoas foi por essa rota mais segura. Eles ficaram mais seis meses no Brasil e depois voltaram e ficamos juntos até abril de 81 (quando deixou o posto e voltou para Brasília). 

Os cartazes da revolução traziam imagens simbólicas como a do aiatolá Khomeini Foto: Sergio Florencio

Como foi para sua família a tomada da embaixada? 

As embaixadas americanas em geral tem uma espécie dutty free para os americanos, mas permitem que outros diplomatas e suas famílias comprem lá. Uma semana antes da tomada dos reféns, minha mulher e outras amigas de outros países, estiveram lá na embaixada. Por uma semana ela teria sido presa. 

Qual foi o sentimento? 

Agora é história, mas na época ela ficou super nervosa. 

O que houve depois? 

Virou uma espécie de peregrinação político-religiosa, porque a embaixada era um símbolo da 'luta do bem contra o mal'. Eram os religiosos, os aiatolás, contra o grande Satã, os EUA. 

O sr. sabia da fuga dos reféns para a Embaixada do Canadá? 

Como eu tinha servido no Canadá, quando fui para o Irã, fiquei naturalmente amigo dos diplomatas canadenses, tínhamos uma história comum. O embaixador (do Brasil) já tinha saído e eu era o encarregado de negócios. Nesse posto, eu era convidado para as solenidades, eventos, etc. O embaixador do Canadá me convidou para uma reunião. Era um jantar que eu não sabia, ninguém sabia, mas os reféns, que aparecem em (filme) Argo, estavam lá dentro da embaixada. Eu jantei com eles, embora eles estivessem invisíveis. O embaixador estava preocupadíssimo, a empregada desconfiada. 

O embaixador do Canadá no Irã na época da revolução, Ken Taylor, em imagem de fevereiro de 2013, em Nova York Foto: Marcus Yam/The New York Times

Como foi a experiência para o sr.? 

Até o Irã, eu pensava em ir para a universidade dar aula, mudar de profissão, porque eu gostava do trabalho, mas achava o Itamaraty muito político, que não ia dar muito certo. Mas depois que eu passei por essa experiência no Irã, aí eu não tive dúvidas sobre minha profissão. 

O Brasil rompeu relações com Teerã? 

Não. Na verdade, os países mais identificados com a revolução iraniana, naturalmente, substituiriam seus embaixadores. Quando se coloca um encarregado de negócios, o país está reduzindo o prestígio (das relações). Mas isso foi natural, porque havia muita instabilidade. 

​O sr. foi os olhos do Brasil em Teerã durante a revolução. 

É verdade. O pessoal da Petrobras (na época) tinha grande interesse no Irã porque como era o país no Oriente Médio que mais crescia, que tinha maior potencial econômico de exportação, muito dinheiro e se industrializava rapidamente. Houve um acordo entre dos dois países no qual o Brasil aumentaria suas compras de petróleo iraniano de forma bastante acelerada. Em troca, o Irã compraria soja, frango. O Brasil participaria da construção de hidrelétricas no Irã e isso era um grande projeto para a época. O Brasil aumentaria muito as compras de petróleo. 

Aumentaria em quanto? 

Nós comprávamos somente 5% das nossas necessidades do Irã e chegaríamos a comprar até 25% em troca de o Irã importar os produtos brasileiros. A Petrobras, por meio da Braspetro e da Interbras, que era o braço comercial da empresa, era fundamental nesse projeto. A coisa ia bem, só que veio a revolução e o Irã deu um corte substancial nas exportações de petróleo. Essa foi uma medida muito radical e não fazia muito sentido econômico. Mas eles cortaram, e o Brasil ficou desesperado. 

No momento da tomada da embaixada, alguns dos funcionários da embaixada conseguiram escapar do prédio e buscar abrigo na casa do embaixador canadense em Teerã. Temendo pela vida dos diplomatas, a CIA organizou uma operação secreta para retirá-los usando como disfarce a gravação de um filme. O episódio foi contado no filmeArgo.Veja o trailer Foto: AP

O que aconteceu em seguida? 

Esses contratos de petróleo de longo prazo têm um preço baixo. Quando não se tem esses contratos, é preciso ir aos chamados mercados spot, um mercado livre, nos quais o preço do petróleo é muito maior. A Petrobras estava desesperada porque naquela época, um pouco antes, tinha havido o primeiro choque do petróleo, que fez quadruplicar o preço do barril. 

A Petrobras perdeu todos os contratos? 

Na verdade, o Irã cortou muitos desses acordos e mesmo aqueles que ficaram foram muito reduzidos.

Esse rompimento foi a maior consequência para o Basil da revolução? 

Foi sim, em termos comerciais, porque tínhamos um potencial de desenvolvimento, de exportação de produtos agrícolas e de veículos. O Brasil começou a exportar alguns produtos industrializados naquela época. Certamente teve um impacto sim. 

Em algum momento chegamos perto do que foi?

O Irã retraiu muito, andou muito para trás, se pensarmos em termos econômicos, com retrocesso político. Mas passamos a ter uma relação muito correta com o Irã, embora nesse começo, até em função da guerra Irã-Iraque, o Brasil não fosse bem visto. 

Como o sr. definiria hoje as relações entre Brasil e Irã? 

No começo, inevitavelmente, as relações ficaram tensas, mas o Brasil até recentemente sempre teve uma política de aproximação com os países em desenvolvimento, no Oriente Médio. O país sempre foi muito respeitado entre os países árabes e islâmicos, com uma presença comercial de peso na região. A relação com o Irã foi ganhando peso e o Brasil se projetava cada vez mais em termos de presença internacional. Depois da revolução, o Irã precisava melhorar sua imagem e recuperar um pouco mais de credibilidade. O Brasil, com exceção desse começo, sempre foi considerado um país importante para o Irã se projetar na América Latina, na diplomacia multilateral, foi uma relação que evoluiu muito positivamente, na medida em que o país se desenvolvia. Com todos os problemas que a revolução gerou, o Brasil nunca foi um antagonista da revolução. Comercialmente, nós expandimos muito nosso comércio com o Irã.

O sr. acha que mudar a embaixada do Brasil para Jerusalém pode afetar essa relação? 

Essa decisão é desastrosa. Eu tenho certeza de que não vai ser implementada. Isso não faz sentido, não chegaremos a esse ponto, se Deus quiser. É um ponto de inflexão exatamente negativo em todos os sentidos. Vamos perder muito e não vamos ganhar nada. 

Em começo de carreira, o diplomata Sergio Florêncio Sobrinho estava em Ottawa quando soube que seu próximo posto, seu segundo, seria Teerã. Com 32 anos, mulher e dois filhos, mudou-se para a capital do Irã em 1977 sem ter ideia do que o aguardava. Quando estourou a revolução, dois anos mais tarde, o então embaixador brasileiro, Aluysio Regis Bittencourt, próximo da família imperial, foi retirado do país pelo Brasil, que decidiu não mandar ninguém até que a situação se acalmasse.

Encarregado de negócios do Brasil no Irã, Sergio Florêncio, em 1979 Foto: Acervo Sergio Florêncio

Assim, o jovem encarregado de negócios tornou-se o responsável pela embaixada do Brasil no período mais turbulento da história recente do Irã. Viveu dias de tensão quando, em dois momentos, teve de retirar do país sua família do país. Sem saber, jantou na embaixada canadense na sala ao lado de onde estavam os americanos que se refugiaram ali para escapar da tomada da embaixada americana pelos estudantes iranianos.  

Hoje, profundo conhecedor de Oriente Médio e professor do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas brasileiros, Florêncio diz não concordar com a transferência da Embaixada do Brasil para Jerusalém, tema polêmico da nova política externa comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, que foi seu aluno. “Essa decisão é desastrosa”, disse, em entrevista ao Estado

Qual era o clima que o sr. encontrou quando chegou a Teerã, em 1977? 

Naquele ano, o clima era de um país hiperocidentalizado, de um lado. Fomos a uma casa noturna e nunca tinha visto tantos casacos de pele, joias. Mas aí era só dar dois passos para o lado e só se via miséria. Era muito contrastante, uma distância cultural enorme entre ricos e pobres. 

Havia alguma ideia do que estava para acontecer? 

No meu jantar de despedida (em Ottawa), meu embaixador disse que eu estava indo para o país mais seguro do Oriente Médio. Era o mais seguro mesmo, o xá Reza Pahlevi era o grande aliado dos EUA. Esse embaixador, Heraldo de Carvalho Silva, era conhecido por ser extremamente inteligente, bem informado. Depois, quando aconteceu toda a confusão da revolução, eu pensei: “nossa”. Naquela época, ninguém poderia prever que haveria uma revolução iraniana. 

Essa discrepância social contribuiu para a revolução? 

Foi um dos motores, entre vários. O primeiro deles é que o Irã era um país com um potencial de crescimento, de industrialização muito maior do que os outros do Oriente Médio. Pelo tamanho, pela população, pela história, por várias razões. O xá nunca teve uma base popular muito grande. Ele decidiu se legitimar pela economia. Ele promoveu um crescimento econômico, uma industrialização, mas essa industrialização acabou beneficiando muito pouco a população. De qualquer forma, havia um crescimento econômico. 

Houve um descontentamento? 

Na metade dos anos 70, esse crescimento desacelerou e começou a gerar desemprego. Houve um fator econômico que contribuiu para isso. Foi um crescimento econômico acelerado, mas socialmente excludente, que deixou de fora os bazaris, que eram os grandes comerciantes dos bazares que tinham muito contato com a população. Indignados com essa industrialização do xá, que só beneficiava um grupo, eles se tornaram uma classe fundamental para alimentar a revolução. Além do mais eram eles quem financiavam as mesquitas, tinham uma ligação muito forte com a hierarquia religiosa, com os aiatolás. 

O sr. percebeu algo antes da revolução? 

Quando eu cheguei, não havia nenhum sinal de revolução. O que o embaixador tinha dito era verdade. Era um país com um crescimento econômico acelerado, industrialização, modernização, ocidentalização, tudo era exemplo de crescimento. Só que o que eu notava era uma oposição muito grande dos jovens e estudantes a esse rumo que o país seguia, que enriquecia, mas excluía. E, ao mesmo tempo, era muito repressivo. 

Como era essa repressão? 

A polícia secreta do xá, a Savaki, era conhecida, ao lado da israelense, como uma das mais repressoras do mundo. Havia um movimento estudantil muito forte contra o xá. Por acaso, eu tinha feito mestrado em economia no Canadá onde fiz um grande amigo, que era iraniano. Somos grandes amigos até hoje. Ele fazia parte de um grupo de estudantes que, nos EUA e no Canadá contribuíam para um movimento de deposição do xá, fora do Irã. Quando terminamos o mestrado, ele voltou para o Irã, por coincidência eu também fui. Ele foi um dos integrantes do movimento da revolução, no início, e chegou a ser preso pelo xá.

Reprodução de cartazes da Revolução Islâmica que o embaixador Sergio Florêncio guardou da época Foto: Sergio Florêncio

Por quanto tempo?

Foram quase dois meses e meio. Quando saiu, ele estava mal, porque sofreu tortura e tudo mais. É incrível como, na história, a revolução come seus próprios filhos. Esse é um exemplo bem concreto. Ele lutou pela revolução, foi preso. Depois, um tio dele, que era um grande intelectual iraniano, reconhecido, professor da Souborne, voltou para o Irã na revolução e foi nomeado ministro da Educação (pelos aiatolás). Mas a revolução foi deixando de ser antidéspota, liberal, democrática, como era no começo. Esse tio não só foi afastado do cargo, como também preso e torturado pela revolução. 

Antes da revolução, quem era Khomeini para os iranianos? 

Na pré-revolução, ele era a grande esperança, o líder carismático que tinha o apoio dos liberais. Era visto como uma figura iluminada, o grande líder espiritual, o líder político que ficava acima da estrutura partidária e simbolizava todas as aspirações do país de igualdade, de autonomia com relação às superpotências. Ele era a grande esperança de todos, uma explosão daquela elite que era muito identificada com o xá. Ele dizia que iria fazer uma revolução islâmica, mas quando perguntavam o que era essa revolução, ele falava, falava, e ninguém entendia. Ninguém sabia se era uma revolução democrática, religiosa, uma teocracia. Ele conseguiu não definir com clareza e isso contribuiu muito para a vitória da revolução. 

E depois? 

Ele teve todo o povo com ele e, uma vez vitoriosa, a revolução começou a abandonar aqueles princípios democráticos, de direitos humanos, de liberdade de imprensa, de liberalismo político, isso foi sendo sistematicamente ceifado da agenda política. A revolução foi tomando esse curso mais excludente e dominada por essa hierarquia religiosa que resultou em muitas injustiças, perseguições e num radicalismo político. 

Como eram as relações com o Brasil? 

Na época, o Brasil exportava carne, soja, material bélico para o Iraque, isso antes da guerra (Irã x Iraque). O Brasil importava muito petróleo então tinha uma política inteligente de fazer uma troca em que importava o petróleo e, para compensar, exportava soja, frangos, Passats, tanques de guerra, material bélico. Quando veio a revolução, e depois a guerra, o Brasil era criticado pelo Irã. Eles (regime) me chamavam lá para explicar por que o Brasil estava fornecendo arma para o inimigo. Eu explicava que era uma política comercial. 

​No mesmo ano da revolução, houve a tomada da embaixada americana. O sr. teve medo? 

Houve dois momentos de grande apreensão. Quando a revolução foi vitoriosa, no início de 79, o país se tornou um caos. Era difícil de comprar alimentos, tinha filas para comprar coisas básicas, havia restrição de fornecimento de gasolina, era uma vida bem complicada e ameaçadora. Quando o xá caiu, sem resistência, já que não houve nenhuma facção do Exército que se aliou a ele, a população tomou os quartéis. Houve uma imensa distribuição indiscriminada de armas, que criou um clima de insegurança imenso. Havia várias facções revolucionárias, cada uma seguindo uma linha e todas armadas. Houve muitos assassinatos de representantes de comitês revolucionários por outros grupos. Diante desse clima, os países decidiram retirar os parentes dos diplomatas. Essa foi a primeira grande retirada. Saíram minha mulher e meus filhos, já com o bebê (filho que nasceu em Teerã). Eles saíram pelo aeroporto, que ainda estava aberto, apesar de caótico. Eles ficaram seis meses fora, a revolução se estabilizou um pouco e eles voltaram. 

E quando ocorreu a outra? 

Depois veio a guerra Irã-Iraque e começou de novo bombardeios, gente dizendo que os americanos iriam invadir o país. Com essa insegurança, as famílias foram retiradas pela segunda vez. Mas dessa vez o aeroporto estava fechado e as únicas opções eram as saídas via terrestre pela Turquia, que era perigosíssimo por ser dominada por bandos armados. Era um risco monumental. A saída pelo sul, passando pelo Iraque, também era super arriscado. A outra via, Paquistão, também tinha muitos grupos guerrilheiros. Eu optei pela saída mais segura, que era via União Soviética. Minha família e a de diplomatas de outros países. Fomos de carro até o Mar Cáspio. Lá, eles pegaram um barco que levou 13 horas até Baku, na União Soviética, que hoje é a capital do Azerbaijão. O Itamaraty não queria que saíssemos via URSS. Mas eu queria o que fosse mais seguro para meus filhos e minha mulher. Eu me despedi no Mar Cáspio e fiquei, como se diz, a ver navios. Acabei desobedecendo, mas foi o mais seguro. A maioria das pessoas foi por essa rota mais segura. Eles ficaram mais seis meses no Brasil e depois voltaram e ficamos juntos até abril de 81 (quando deixou o posto e voltou para Brasília). 

Os cartazes da revolução traziam imagens simbólicas como a do aiatolá Khomeini Foto: Sergio Florencio

Como foi para sua família a tomada da embaixada? 

As embaixadas americanas em geral tem uma espécie dutty free para os americanos, mas permitem que outros diplomatas e suas famílias comprem lá. Uma semana antes da tomada dos reféns, minha mulher e outras amigas de outros países, estiveram lá na embaixada. Por uma semana ela teria sido presa. 

Qual foi o sentimento? 

Agora é história, mas na época ela ficou super nervosa. 

O que houve depois? 

Virou uma espécie de peregrinação político-religiosa, porque a embaixada era um símbolo da 'luta do bem contra o mal'. Eram os religiosos, os aiatolás, contra o grande Satã, os EUA. 

O sr. sabia da fuga dos reféns para a Embaixada do Canadá? 

Como eu tinha servido no Canadá, quando fui para o Irã, fiquei naturalmente amigo dos diplomatas canadenses, tínhamos uma história comum. O embaixador (do Brasil) já tinha saído e eu era o encarregado de negócios. Nesse posto, eu era convidado para as solenidades, eventos, etc. O embaixador do Canadá me convidou para uma reunião. Era um jantar que eu não sabia, ninguém sabia, mas os reféns, que aparecem em (filme) Argo, estavam lá dentro da embaixada. Eu jantei com eles, embora eles estivessem invisíveis. O embaixador estava preocupadíssimo, a empregada desconfiada. 

O embaixador do Canadá no Irã na época da revolução, Ken Taylor, em imagem de fevereiro de 2013, em Nova York Foto: Marcus Yam/The New York Times

Como foi a experiência para o sr.? 

Até o Irã, eu pensava em ir para a universidade dar aula, mudar de profissão, porque eu gostava do trabalho, mas achava o Itamaraty muito político, que não ia dar muito certo. Mas depois que eu passei por essa experiência no Irã, aí eu não tive dúvidas sobre minha profissão. 

O Brasil rompeu relações com Teerã? 

Não. Na verdade, os países mais identificados com a revolução iraniana, naturalmente, substituiriam seus embaixadores. Quando se coloca um encarregado de negócios, o país está reduzindo o prestígio (das relações). Mas isso foi natural, porque havia muita instabilidade. 

​O sr. foi os olhos do Brasil em Teerã durante a revolução. 

É verdade. O pessoal da Petrobras (na época) tinha grande interesse no Irã porque como era o país no Oriente Médio que mais crescia, que tinha maior potencial econômico de exportação, muito dinheiro e se industrializava rapidamente. Houve um acordo entre dos dois países no qual o Brasil aumentaria suas compras de petróleo iraniano de forma bastante acelerada. Em troca, o Irã compraria soja, frango. O Brasil participaria da construção de hidrelétricas no Irã e isso era um grande projeto para a época. O Brasil aumentaria muito as compras de petróleo. 

Aumentaria em quanto? 

Nós comprávamos somente 5% das nossas necessidades do Irã e chegaríamos a comprar até 25% em troca de o Irã importar os produtos brasileiros. A Petrobras, por meio da Braspetro e da Interbras, que era o braço comercial da empresa, era fundamental nesse projeto. A coisa ia bem, só que veio a revolução e o Irã deu um corte substancial nas exportações de petróleo. Essa foi uma medida muito radical e não fazia muito sentido econômico. Mas eles cortaram, e o Brasil ficou desesperado. 

No momento da tomada da embaixada, alguns dos funcionários da embaixada conseguiram escapar do prédio e buscar abrigo na casa do embaixador canadense em Teerã. Temendo pela vida dos diplomatas, a CIA organizou uma operação secreta para retirá-los usando como disfarce a gravação de um filme. O episódio foi contado no filmeArgo.Veja o trailer Foto: AP

O que aconteceu em seguida? 

Esses contratos de petróleo de longo prazo têm um preço baixo. Quando não se tem esses contratos, é preciso ir aos chamados mercados spot, um mercado livre, nos quais o preço do petróleo é muito maior. A Petrobras estava desesperada porque naquela época, um pouco antes, tinha havido o primeiro choque do petróleo, que fez quadruplicar o preço do barril. 

A Petrobras perdeu todos os contratos? 

Na verdade, o Irã cortou muitos desses acordos e mesmo aqueles que ficaram foram muito reduzidos.

Esse rompimento foi a maior consequência para o Basil da revolução? 

Foi sim, em termos comerciais, porque tínhamos um potencial de desenvolvimento, de exportação de produtos agrícolas e de veículos. O Brasil começou a exportar alguns produtos industrializados naquela época. Certamente teve um impacto sim. 

Em algum momento chegamos perto do que foi?

O Irã retraiu muito, andou muito para trás, se pensarmos em termos econômicos, com retrocesso político. Mas passamos a ter uma relação muito correta com o Irã, embora nesse começo, até em função da guerra Irã-Iraque, o Brasil não fosse bem visto. 

Como o sr. definiria hoje as relações entre Brasil e Irã? 

No começo, inevitavelmente, as relações ficaram tensas, mas o Brasil até recentemente sempre teve uma política de aproximação com os países em desenvolvimento, no Oriente Médio. O país sempre foi muito respeitado entre os países árabes e islâmicos, com uma presença comercial de peso na região. A relação com o Irã foi ganhando peso e o Brasil se projetava cada vez mais em termos de presença internacional. Depois da revolução, o Irã precisava melhorar sua imagem e recuperar um pouco mais de credibilidade. O Brasil, com exceção desse começo, sempre foi considerado um país importante para o Irã se projetar na América Latina, na diplomacia multilateral, foi uma relação que evoluiu muito positivamente, na medida em que o país se desenvolvia. Com todos os problemas que a revolução gerou, o Brasil nunca foi um antagonista da revolução. Comercialmente, nós expandimos muito nosso comércio com o Irã.

O sr. acha que mudar a embaixada do Brasil para Jerusalém pode afetar essa relação? 

Essa decisão é desastrosa. Eu tenho certeza de que não vai ser implementada. Isso não faz sentido, não chegaremos a esse ponto, se Deus quiser. É um ponto de inflexão exatamente negativo em todos os sentidos. Vamos perder muito e não vamos ganhar nada. 

Em começo de carreira, o diplomata Sergio Florêncio Sobrinho estava em Ottawa quando soube que seu próximo posto, seu segundo, seria Teerã. Com 32 anos, mulher e dois filhos, mudou-se para a capital do Irã em 1977 sem ter ideia do que o aguardava. Quando estourou a revolução, dois anos mais tarde, o então embaixador brasileiro, Aluysio Regis Bittencourt, próximo da família imperial, foi retirado do país pelo Brasil, que decidiu não mandar ninguém até que a situação se acalmasse.

Encarregado de negócios do Brasil no Irã, Sergio Florêncio, em 1979 Foto: Acervo Sergio Florêncio

Assim, o jovem encarregado de negócios tornou-se o responsável pela embaixada do Brasil no período mais turbulento da história recente do Irã. Viveu dias de tensão quando, em dois momentos, teve de retirar do país sua família do país. Sem saber, jantou na embaixada canadense na sala ao lado de onde estavam os americanos que se refugiaram ali para escapar da tomada da embaixada americana pelos estudantes iranianos.  

Hoje, profundo conhecedor de Oriente Médio e professor do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas brasileiros, Florêncio diz não concordar com a transferência da Embaixada do Brasil para Jerusalém, tema polêmico da nova política externa comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, que foi seu aluno. “Essa decisão é desastrosa”, disse, em entrevista ao Estado

Qual era o clima que o sr. encontrou quando chegou a Teerã, em 1977? 

Naquele ano, o clima era de um país hiperocidentalizado, de um lado. Fomos a uma casa noturna e nunca tinha visto tantos casacos de pele, joias. Mas aí era só dar dois passos para o lado e só se via miséria. Era muito contrastante, uma distância cultural enorme entre ricos e pobres. 

Havia alguma ideia do que estava para acontecer? 

No meu jantar de despedida (em Ottawa), meu embaixador disse que eu estava indo para o país mais seguro do Oriente Médio. Era o mais seguro mesmo, o xá Reza Pahlevi era o grande aliado dos EUA. Esse embaixador, Heraldo de Carvalho Silva, era conhecido por ser extremamente inteligente, bem informado. Depois, quando aconteceu toda a confusão da revolução, eu pensei: “nossa”. Naquela época, ninguém poderia prever que haveria uma revolução iraniana. 

Essa discrepância social contribuiu para a revolução? 

Foi um dos motores, entre vários. O primeiro deles é que o Irã era um país com um potencial de crescimento, de industrialização muito maior do que os outros do Oriente Médio. Pelo tamanho, pela população, pela história, por várias razões. O xá nunca teve uma base popular muito grande. Ele decidiu se legitimar pela economia. Ele promoveu um crescimento econômico, uma industrialização, mas essa industrialização acabou beneficiando muito pouco a população. De qualquer forma, havia um crescimento econômico. 

Houve um descontentamento? 

Na metade dos anos 70, esse crescimento desacelerou e começou a gerar desemprego. Houve um fator econômico que contribuiu para isso. Foi um crescimento econômico acelerado, mas socialmente excludente, que deixou de fora os bazaris, que eram os grandes comerciantes dos bazares que tinham muito contato com a população. Indignados com essa industrialização do xá, que só beneficiava um grupo, eles se tornaram uma classe fundamental para alimentar a revolução. Além do mais eram eles quem financiavam as mesquitas, tinham uma ligação muito forte com a hierarquia religiosa, com os aiatolás. 

O sr. percebeu algo antes da revolução? 

Quando eu cheguei, não havia nenhum sinal de revolução. O que o embaixador tinha dito era verdade. Era um país com um crescimento econômico acelerado, industrialização, modernização, ocidentalização, tudo era exemplo de crescimento. Só que o que eu notava era uma oposição muito grande dos jovens e estudantes a esse rumo que o país seguia, que enriquecia, mas excluía. E, ao mesmo tempo, era muito repressivo. 

Como era essa repressão? 

A polícia secreta do xá, a Savaki, era conhecida, ao lado da israelense, como uma das mais repressoras do mundo. Havia um movimento estudantil muito forte contra o xá. Por acaso, eu tinha feito mestrado em economia no Canadá onde fiz um grande amigo, que era iraniano. Somos grandes amigos até hoje. Ele fazia parte de um grupo de estudantes que, nos EUA e no Canadá contribuíam para um movimento de deposição do xá, fora do Irã. Quando terminamos o mestrado, ele voltou para o Irã, por coincidência eu também fui. Ele foi um dos integrantes do movimento da revolução, no início, e chegou a ser preso pelo xá.

Reprodução de cartazes da Revolução Islâmica que o embaixador Sergio Florêncio guardou da época Foto: Sergio Florêncio

Por quanto tempo?

Foram quase dois meses e meio. Quando saiu, ele estava mal, porque sofreu tortura e tudo mais. É incrível como, na história, a revolução come seus próprios filhos. Esse é um exemplo bem concreto. Ele lutou pela revolução, foi preso. Depois, um tio dele, que era um grande intelectual iraniano, reconhecido, professor da Souborne, voltou para o Irã na revolução e foi nomeado ministro da Educação (pelos aiatolás). Mas a revolução foi deixando de ser antidéspota, liberal, democrática, como era no começo. Esse tio não só foi afastado do cargo, como também preso e torturado pela revolução. 

Antes da revolução, quem era Khomeini para os iranianos? 

Na pré-revolução, ele era a grande esperança, o líder carismático que tinha o apoio dos liberais. Era visto como uma figura iluminada, o grande líder espiritual, o líder político que ficava acima da estrutura partidária e simbolizava todas as aspirações do país de igualdade, de autonomia com relação às superpotências. Ele era a grande esperança de todos, uma explosão daquela elite que era muito identificada com o xá. Ele dizia que iria fazer uma revolução islâmica, mas quando perguntavam o que era essa revolução, ele falava, falava, e ninguém entendia. Ninguém sabia se era uma revolução democrática, religiosa, uma teocracia. Ele conseguiu não definir com clareza e isso contribuiu muito para a vitória da revolução. 

E depois? 

Ele teve todo o povo com ele e, uma vez vitoriosa, a revolução começou a abandonar aqueles princípios democráticos, de direitos humanos, de liberdade de imprensa, de liberalismo político, isso foi sendo sistematicamente ceifado da agenda política. A revolução foi tomando esse curso mais excludente e dominada por essa hierarquia religiosa que resultou em muitas injustiças, perseguições e num radicalismo político. 

Como eram as relações com o Brasil? 

Na época, o Brasil exportava carne, soja, material bélico para o Iraque, isso antes da guerra (Irã x Iraque). O Brasil importava muito petróleo então tinha uma política inteligente de fazer uma troca em que importava o petróleo e, para compensar, exportava soja, frangos, Passats, tanques de guerra, material bélico. Quando veio a revolução, e depois a guerra, o Brasil era criticado pelo Irã. Eles (regime) me chamavam lá para explicar por que o Brasil estava fornecendo arma para o inimigo. Eu explicava que era uma política comercial. 

​No mesmo ano da revolução, houve a tomada da embaixada americana. O sr. teve medo? 

Houve dois momentos de grande apreensão. Quando a revolução foi vitoriosa, no início de 79, o país se tornou um caos. Era difícil de comprar alimentos, tinha filas para comprar coisas básicas, havia restrição de fornecimento de gasolina, era uma vida bem complicada e ameaçadora. Quando o xá caiu, sem resistência, já que não houve nenhuma facção do Exército que se aliou a ele, a população tomou os quartéis. Houve uma imensa distribuição indiscriminada de armas, que criou um clima de insegurança imenso. Havia várias facções revolucionárias, cada uma seguindo uma linha e todas armadas. Houve muitos assassinatos de representantes de comitês revolucionários por outros grupos. Diante desse clima, os países decidiram retirar os parentes dos diplomatas. Essa foi a primeira grande retirada. Saíram minha mulher e meus filhos, já com o bebê (filho que nasceu em Teerã). Eles saíram pelo aeroporto, que ainda estava aberto, apesar de caótico. Eles ficaram seis meses fora, a revolução se estabilizou um pouco e eles voltaram. 

E quando ocorreu a outra? 

Depois veio a guerra Irã-Iraque e começou de novo bombardeios, gente dizendo que os americanos iriam invadir o país. Com essa insegurança, as famílias foram retiradas pela segunda vez. Mas dessa vez o aeroporto estava fechado e as únicas opções eram as saídas via terrestre pela Turquia, que era perigosíssimo por ser dominada por bandos armados. Era um risco monumental. A saída pelo sul, passando pelo Iraque, também era super arriscado. A outra via, Paquistão, também tinha muitos grupos guerrilheiros. Eu optei pela saída mais segura, que era via União Soviética. Minha família e a de diplomatas de outros países. Fomos de carro até o Mar Cáspio. Lá, eles pegaram um barco que levou 13 horas até Baku, na União Soviética, que hoje é a capital do Azerbaijão. O Itamaraty não queria que saíssemos via URSS. Mas eu queria o que fosse mais seguro para meus filhos e minha mulher. Eu me despedi no Mar Cáspio e fiquei, como se diz, a ver navios. Acabei desobedecendo, mas foi o mais seguro. A maioria das pessoas foi por essa rota mais segura. Eles ficaram mais seis meses no Brasil e depois voltaram e ficamos juntos até abril de 81 (quando deixou o posto e voltou para Brasília). 

Os cartazes da revolução traziam imagens simbólicas como a do aiatolá Khomeini Foto: Sergio Florencio

Como foi para sua família a tomada da embaixada? 

As embaixadas americanas em geral tem uma espécie dutty free para os americanos, mas permitem que outros diplomatas e suas famílias comprem lá. Uma semana antes da tomada dos reféns, minha mulher e outras amigas de outros países, estiveram lá na embaixada. Por uma semana ela teria sido presa. 

Qual foi o sentimento? 

Agora é história, mas na época ela ficou super nervosa. 

O que houve depois? 

Virou uma espécie de peregrinação político-religiosa, porque a embaixada era um símbolo da 'luta do bem contra o mal'. Eram os religiosos, os aiatolás, contra o grande Satã, os EUA. 

O sr. sabia da fuga dos reféns para a Embaixada do Canadá? 

Como eu tinha servido no Canadá, quando fui para o Irã, fiquei naturalmente amigo dos diplomatas canadenses, tínhamos uma história comum. O embaixador (do Brasil) já tinha saído e eu era o encarregado de negócios. Nesse posto, eu era convidado para as solenidades, eventos, etc. O embaixador do Canadá me convidou para uma reunião. Era um jantar que eu não sabia, ninguém sabia, mas os reféns, que aparecem em (filme) Argo, estavam lá dentro da embaixada. Eu jantei com eles, embora eles estivessem invisíveis. O embaixador estava preocupadíssimo, a empregada desconfiada. 

O embaixador do Canadá no Irã na época da revolução, Ken Taylor, em imagem de fevereiro de 2013, em Nova York Foto: Marcus Yam/The New York Times

Como foi a experiência para o sr.? 

Até o Irã, eu pensava em ir para a universidade dar aula, mudar de profissão, porque eu gostava do trabalho, mas achava o Itamaraty muito político, que não ia dar muito certo. Mas depois que eu passei por essa experiência no Irã, aí eu não tive dúvidas sobre minha profissão. 

O Brasil rompeu relações com Teerã? 

Não. Na verdade, os países mais identificados com a revolução iraniana, naturalmente, substituiriam seus embaixadores. Quando se coloca um encarregado de negócios, o país está reduzindo o prestígio (das relações). Mas isso foi natural, porque havia muita instabilidade. 

​O sr. foi os olhos do Brasil em Teerã durante a revolução. 

É verdade. O pessoal da Petrobras (na época) tinha grande interesse no Irã porque como era o país no Oriente Médio que mais crescia, que tinha maior potencial econômico de exportação, muito dinheiro e se industrializava rapidamente. Houve um acordo entre dos dois países no qual o Brasil aumentaria suas compras de petróleo iraniano de forma bastante acelerada. Em troca, o Irã compraria soja, frango. O Brasil participaria da construção de hidrelétricas no Irã e isso era um grande projeto para a época. O Brasil aumentaria muito as compras de petróleo. 

Aumentaria em quanto? 

Nós comprávamos somente 5% das nossas necessidades do Irã e chegaríamos a comprar até 25% em troca de o Irã importar os produtos brasileiros. A Petrobras, por meio da Braspetro e da Interbras, que era o braço comercial da empresa, era fundamental nesse projeto. A coisa ia bem, só que veio a revolução e o Irã deu um corte substancial nas exportações de petróleo. Essa foi uma medida muito radical e não fazia muito sentido econômico. Mas eles cortaram, e o Brasil ficou desesperado. 

No momento da tomada da embaixada, alguns dos funcionários da embaixada conseguiram escapar do prédio e buscar abrigo na casa do embaixador canadense em Teerã. Temendo pela vida dos diplomatas, a CIA organizou uma operação secreta para retirá-los usando como disfarce a gravação de um filme. O episódio foi contado no filmeArgo.Veja o trailer Foto: AP

O que aconteceu em seguida? 

Esses contratos de petróleo de longo prazo têm um preço baixo. Quando não se tem esses contratos, é preciso ir aos chamados mercados spot, um mercado livre, nos quais o preço do petróleo é muito maior. A Petrobras estava desesperada porque naquela época, um pouco antes, tinha havido o primeiro choque do petróleo, que fez quadruplicar o preço do barril. 

A Petrobras perdeu todos os contratos? 

Na verdade, o Irã cortou muitos desses acordos e mesmo aqueles que ficaram foram muito reduzidos.

Esse rompimento foi a maior consequência para o Basil da revolução? 

Foi sim, em termos comerciais, porque tínhamos um potencial de desenvolvimento, de exportação de produtos agrícolas e de veículos. O Brasil começou a exportar alguns produtos industrializados naquela época. Certamente teve um impacto sim. 

Em algum momento chegamos perto do que foi?

O Irã retraiu muito, andou muito para trás, se pensarmos em termos econômicos, com retrocesso político. Mas passamos a ter uma relação muito correta com o Irã, embora nesse começo, até em função da guerra Irã-Iraque, o Brasil não fosse bem visto. 

Como o sr. definiria hoje as relações entre Brasil e Irã? 

No começo, inevitavelmente, as relações ficaram tensas, mas o Brasil até recentemente sempre teve uma política de aproximação com os países em desenvolvimento, no Oriente Médio. O país sempre foi muito respeitado entre os países árabes e islâmicos, com uma presença comercial de peso na região. A relação com o Irã foi ganhando peso e o Brasil se projetava cada vez mais em termos de presença internacional. Depois da revolução, o Irã precisava melhorar sua imagem e recuperar um pouco mais de credibilidade. O Brasil, com exceção desse começo, sempre foi considerado um país importante para o Irã se projetar na América Latina, na diplomacia multilateral, foi uma relação que evoluiu muito positivamente, na medida em que o país se desenvolvia. Com todos os problemas que a revolução gerou, o Brasil nunca foi um antagonista da revolução. Comercialmente, nós expandimos muito nosso comércio com o Irã.

O sr. acha que mudar a embaixada do Brasil para Jerusalém pode afetar essa relação? 

Essa decisão é desastrosa. Eu tenho certeza de que não vai ser implementada. Isso não faz sentido, não chegaremos a esse ponto, se Deus quiser. É um ponto de inflexão exatamente negativo em todos os sentidos. Vamos perder muito e não vamos ganhar nada. 

Em começo de carreira, o diplomata Sergio Florêncio Sobrinho estava em Ottawa quando soube que seu próximo posto, seu segundo, seria Teerã. Com 32 anos, mulher e dois filhos, mudou-se para a capital do Irã em 1977 sem ter ideia do que o aguardava. Quando estourou a revolução, dois anos mais tarde, o então embaixador brasileiro, Aluysio Regis Bittencourt, próximo da família imperial, foi retirado do país pelo Brasil, que decidiu não mandar ninguém até que a situação se acalmasse.

Encarregado de negócios do Brasil no Irã, Sergio Florêncio, em 1979 Foto: Acervo Sergio Florêncio

Assim, o jovem encarregado de negócios tornou-se o responsável pela embaixada do Brasil no período mais turbulento da história recente do Irã. Viveu dias de tensão quando, em dois momentos, teve de retirar do país sua família do país. Sem saber, jantou na embaixada canadense na sala ao lado de onde estavam os americanos que se refugiaram ali para escapar da tomada da embaixada americana pelos estudantes iranianos.  

Hoje, profundo conhecedor de Oriente Médio e professor do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas brasileiros, Florêncio diz não concordar com a transferência da Embaixada do Brasil para Jerusalém, tema polêmico da nova política externa comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, que foi seu aluno. “Essa decisão é desastrosa”, disse, em entrevista ao Estado

Qual era o clima que o sr. encontrou quando chegou a Teerã, em 1977? 

Naquele ano, o clima era de um país hiperocidentalizado, de um lado. Fomos a uma casa noturna e nunca tinha visto tantos casacos de pele, joias. Mas aí era só dar dois passos para o lado e só se via miséria. Era muito contrastante, uma distância cultural enorme entre ricos e pobres. 

Havia alguma ideia do que estava para acontecer? 

No meu jantar de despedida (em Ottawa), meu embaixador disse que eu estava indo para o país mais seguro do Oriente Médio. Era o mais seguro mesmo, o xá Reza Pahlevi era o grande aliado dos EUA. Esse embaixador, Heraldo de Carvalho Silva, era conhecido por ser extremamente inteligente, bem informado. Depois, quando aconteceu toda a confusão da revolução, eu pensei: “nossa”. Naquela época, ninguém poderia prever que haveria uma revolução iraniana. 

Essa discrepância social contribuiu para a revolução? 

Foi um dos motores, entre vários. O primeiro deles é que o Irã era um país com um potencial de crescimento, de industrialização muito maior do que os outros do Oriente Médio. Pelo tamanho, pela população, pela história, por várias razões. O xá nunca teve uma base popular muito grande. Ele decidiu se legitimar pela economia. Ele promoveu um crescimento econômico, uma industrialização, mas essa industrialização acabou beneficiando muito pouco a população. De qualquer forma, havia um crescimento econômico. 

Houve um descontentamento? 

Na metade dos anos 70, esse crescimento desacelerou e começou a gerar desemprego. Houve um fator econômico que contribuiu para isso. Foi um crescimento econômico acelerado, mas socialmente excludente, que deixou de fora os bazaris, que eram os grandes comerciantes dos bazares que tinham muito contato com a população. Indignados com essa industrialização do xá, que só beneficiava um grupo, eles se tornaram uma classe fundamental para alimentar a revolução. Além do mais eram eles quem financiavam as mesquitas, tinham uma ligação muito forte com a hierarquia religiosa, com os aiatolás. 

O sr. percebeu algo antes da revolução? 

Quando eu cheguei, não havia nenhum sinal de revolução. O que o embaixador tinha dito era verdade. Era um país com um crescimento econômico acelerado, industrialização, modernização, ocidentalização, tudo era exemplo de crescimento. Só que o que eu notava era uma oposição muito grande dos jovens e estudantes a esse rumo que o país seguia, que enriquecia, mas excluía. E, ao mesmo tempo, era muito repressivo. 

Como era essa repressão? 

A polícia secreta do xá, a Savaki, era conhecida, ao lado da israelense, como uma das mais repressoras do mundo. Havia um movimento estudantil muito forte contra o xá. Por acaso, eu tinha feito mestrado em economia no Canadá onde fiz um grande amigo, que era iraniano. Somos grandes amigos até hoje. Ele fazia parte de um grupo de estudantes que, nos EUA e no Canadá contribuíam para um movimento de deposição do xá, fora do Irã. Quando terminamos o mestrado, ele voltou para o Irã, por coincidência eu também fui. Ele foi um dos integrantes do movimento da revolução, no início, e chegou a ser preso pelo xá.

Reprodução de cartazes da Revolução Islâmica que o embaixador Sergio Florêncio guardou da época Foto: Sergio Florêncio

Por quanto tempo?

Foram quase dois meses e meio. Quando saiu, ele estava mal, porque sofreu tortura e tudo mais. É incrível como, na história, a revolução come seus próprios filhos. Esse é um exemplo bem concreto. Ele lutou pela revolução, foi preso. Depois, um tio dele, que era um grande intelectual iraniano, reconhecido, professor da Souborne, voltou para o Irã na revolução e foi nomeado ministro da Educação (pelos aiatolás). Mas a revolução foi deixando de ser antidéspota, liberal, democrática, como era no começo. Esse tio não só foi afastado do cargo, como também preso e torturado pela revolução. 

Antes da revolução, quem era Khomeini para os iranianos? 

Na pré-revolução, ele era a grande esperança, o líder carismático que tinha o apoio dos liberais. Era visto como uma figura iluminada, o grande líder espiritual, o líder político que ficava acima da estrutura partidária e simbolizava todas as aspirações do país de igualdade, de autonomia com relação às superpotências. Ele era a grande esperança de todos, uma explosão daquela elite que era muito identificada com o xá. Ele dizia que iria fazer uma revolução islâmica, mas quando perguntavam o que era essa revolução, ele falava, falava, e ninguém entendia. Ninguém sabia se era uma revolução democrática, religiosa, uma teocracia. Ele conseguiu não definir com clareza e isso contribuiu muito para a vitória da revolução. 

E depois? 

Ele teve todo o povo com ele e, uma vez vitoriosa, a revolução começou a abandonar aqueles princípios democráticos, de direitos humanos, de liberdade de imprensa, de liberalismo político, isso foi sendo sistematicamente ceifado da agenda política. A revolução foi tomando esse curso mais excludente e dominada por essa hierarquia religiosa que resultou em muitas injustiças, perseguições e num radicalismo político. 

Como eram as relações com o Brasil? 

Na época, o Brasil exportava carne, soja, material bélico para o Iraque, isso antes da guerra (Irã x Iraque). O Brasil importava muito petróleo então tinha uma política inteligente de fazer uma troca em que importava o petróleo e, para compensar, exportava soja, frangos, Passats, tanques de guerra, material bélico. Quando veio a revolução, e depois a guerra, o Brasil era criticado pelo Irã. Eles (regime) me chamavam lá para explicar por que o Brasil estava fornecendo arma para o inimigo. Eu explicava que era uma política comercial. 

​No mesmo ano da revolução, houve a tomada da embaixada americana. O sr. teve medo? 

Houve dois momentos de grande apreensão. Quando a revolução foi vitoriosa, no início de 79, o país se tornou um caos. Era difícil de comprar alimentos, tinha filas para comprar coisas básicas, havia restrição de fornecimento de gasolina, era uma vida bem complicada e ameaçadora. Quando o xá caiu, sem resistência, já que não houve nenhuma facção do Exército que se aliou a ele, a população tomou os quartéis. Houve uma imensa distribuição indiscriminada de armas, que criou um clima de insegurança imenso. Havia várias facções revolucionárias, cada uma seguindo uma linha e todas armadas. Houve muitos assassinatos de representantes de comitês revolucionários por outros grupos. Diante desse clima, os países decidiram retirar os parentes dos diplomatas. Essa foi a primeira grande retirada. Saíram minha mulher e meus filhos, já com o bebê (filho que nasceu em Teerã). Eles saíram pelo aeroporto, que ainda estava aberto, apesar de caótico. Eles ficaram seis meses fora, a revolução se estabilizou um pouco e eles voltaram. 

E quando ocorreu a outra? 

Depois veio a guerra Irã-Iraque e começou de novo bombardeios, gente dizendo que os americanos iriam invadir o país. Com essa insegurança, as famílias foram retiradas pela segunda vez. Mas dessa vez o aeroporto estava fechado e as únicas opções eram as saídas via terrestre pela Turquia, que era perigosíssimo por ser dominada por bandos armados. Era um risco monumental. A saída pelo sul, passando pelo Iraque, também era super arriscado. A outra via, Paquistão, também tinha muitos grupos guerrilheiros. Eu optei pela saída mais segura, que era via União Soviética. Minha família e a de diplomatas de outros países. Fomos de carro até o Mar Cáspio. Lá, eles pegaram um barco que levou 13 horas até Baku, na União Soviética, que hoje é a capital do Azerbaijão. O Itamaraty não queria que saíssemos via URSS. Mas eu queria o que fosse mais seguro para meus filhos e minha mulher. Eu me despedi no Mar Cáspio e fiquei, como se diz, a ver navios. Acabei desobedecendo, mas foi o mais seguro. A maioria das pessoas foi por essa rota mais segura. Eles ficaram mais seis meses no Brasil e depois voltaram e ficamos juntos até abril de 81 (quando deixou o posto e voltou para Brasília). 

Os cartazes da revolução traziam imagens simbólicas como a do aiatolá Khomeini Foto: Sergio Florencio

Como foi para sua família a tomada da embaixada? 

As embaixadas americanas em geral tem uma espécie dutty free para os americanos, mas permitem que outros diplomatas e suas famílias comprem lá. Uma semana antes da tomada dos reféns, minha mulher e outras amigas de outros países, estiveram lá na embaixada. Por uma semana ela teria sido presa. 

Qual foi o sentimento? 

Agora é história, mas na época ela ficou super nervosa. 

O que houve depois? 

Virou uma espécie de peregrinação político-religiosa, porque a embaixada era um símbolo da 'luta do bem contra o mal'. Eram os religiosos, os aiatolás, contra o grande Satã, os EUA. 

O sr. sabia da fuga dos reféns para a Embaixada do Canadá? 

Como eu tinha servido no Canadá, quando fui para o Irã, fiquei naturalmente amigo dos diplomatas canadenses, tínhamos uma história comum. O embaixador (do Brasil) já tinha saído e eu era o encarregado de negócios. Nesse posto, eu era convidado para as solenidades, eventos, etc. O embaixador do Canadá me convidou para uma reunião. Era um jantar que eu não sabia, ninguém sabia, mas os reféns, que aparecem em (filme) Argo, estavam lá dentro da embaixada. Eu jantei com eles, embora eles estivessem invisíveis. O embaixador estava preocupadíssimo, a empregada desconfiada. 

O embaixador do Canadá no Irã na época da revolução, Ken Taylor, em imagem de fevereiro de 2013, em Nova York Foto: Marcus Yam/The New York Times

Como foi a experiência para o sr.? 

Até o Irã, eu pensava em ir para a universidade dar aula, mudar de profissão, porque eu gostava do trabalho, mas achava o Itamaraty muito político, que não ia dar muito certo. Mas depois que eu passei por essa experiência no Irã, aí eu não tive dúvidas sobre minha profissão. 

O Brasil rompeu relações com Teerã? 

Não. Na verdade, os países mais identificados com a revolução iraniana, naturalmente, substituiriam seus embaixadores. Quando se coloca um encarregado de negócios, o país está reduzindo o prestígio (das relações). Mas isso foi natural, porque havia muita instabilidade. 

​O sr. foi os olhos do Brasil em Teerã durante a revolução. 

É verdade. O pessoal da Petrobras (na época) tinha grande interesse no Irã porque como era o país no Oriente Médio que mais crescia, que tinha maior potencial econômico de exportação, muito dinheiro e se industrializava rapidamente. Houve um acordo entre dos dois países no qual o Brasil aumentaria suas compras de petróleo iraniano de forma bastante acelerada. Em troca, o Irã compraria soja, frango. O Brasil participaria da construção de hidrelétricas no Irã e isso era um grande projeto para a época. O Brasil aumentaria muito as compras de petróleo. 

Aumentaria em quanto? 

Nós comprávamos somente 5% das nossas necessidades do Irã e chegaríamos a comprar até 25% em troca de o Irã importar os produtos brasileiros. A Petrobras, por meio da Braspetro e da Interbras, que era o braço comercial da empresa, era fundamental nesse projeto. A coisa ia bem, só que veio a revolução e o Irã deu um corte substancial nas exportações de petróleo. Essa foi uma medida muito radical e não fazia muito sentido econômico. Mas eles cortaram, e o Brasil ficou desesperado. 

No momento da tomada da embaixada, alguns dos funcionários da embaixada conseguiram escapar do prédio e buscar abrigo na casa do embaixador canadense em Teerã. Temendo pela vida dos diplomatas, a CIA organizou uma operação secreta para retirá-los usando como disfarce a gravação de um filme. O episódio foi contado no filmeArgo.Veja o trailer Foto: AP

O que aconteceu em seguida? 

Esses contratos de petróleo de longo prazo têm um preço baixo. Quando não se tem esses contratos, é preciso ir aos chamados mercados spot, um mercado livre, nos quais o preço do petróleo é muito maior. A Petrobras estava desesperada porque naquela época, um pouco antes, tinha havido o primeiro choque do petróleo, que fez quadruplicar o preço do barril. 

A Petrobras perdeu todos os contratos? 

Na verdade, o Irã cortou muitos desses acordos e mesmo aqueles que ficaram foram muito reduzidos.

Esse rompimento foi a maior consequência para o Basil da revolução? 

Foi sim, em termos comerciais, porque tínhamos um potencial de desenvolvimento, de exportação de produtos agrícolas e de veículos. O Brasil começou a exportar alguns produtos industrializados naquela época. Certamente teve um impacto sim. 

Em algum momento chegamos perto do que foi?

O Irã retraiu muito, andou muito para trás, se pensarmos em termos econômicos, com retrocesso político. Mas passamos a ter uma relação muito correta com o Irã, embora nesse começo, até em função da guerra Irã-Iraque, o Brasil não fosse bem visto. 

Como o sr. definiria hoje as relações entre Brasil e Irã? 

No começo, inevitavelmente, as relações ficaram tensas, mas o Brasil até recentemente sempre teve uma política de aproximação com os países em desenvolvimento, no Oriente Médio. O país sempre foi muito respeitado entre os países árabes e islâmicos, com uma presença comercial de peso na região. A relação com o Irã foi ganhando peso e o Brasil se projetava cada vez mais em termos de presença internacional. Depois da revolução, o Irã precisava melhorar sua imagem e recuperar um pouco mais de credibilidade. O Brasil, com exceção desse começo, sempre foi considerado um país importante para o Irã se projetar na América Latina, na diplomacia multilateral, foi uma relação que evoluiu muito positivamente, na medida em que o país se desenvolvia. Com todos os problemas que a revolução gerou, o Brasil nunca foi um antagonista da revolução. Comercialmente, nós expandimos muito nosso comércio com o Irã.

O sr. acha que mudar a embaixada do Brasil para Jerusalém pode afetar essa relação? 

Essa decisão é desastrosa. Eu tenho certeza de que não vai ser implementada. Isso não faz sentido, não chegaremos a esse ponto, se Deus quiser. É um ponto de inflexão exatamente negativo em todos os sentidos. Vamos perder muito e não vamos ganhar nada. 

Em começo de carreira, o diplomata Sergio Florêncio Sobrinho estava em Ottawa quando soube que seu próximo posto, seu segundo, seria Teerã. Com 32 anos, mulher e dois filhos, mudou-se para a capital do Irã em 1977 sem ter ideia do que o aguardava. Quando estourou a revolução, dois anos mais tarde, o então embaixador brasileiro, Aluysio Regis Bittencourt, próximo da família imperial, foi retirado do país pelo Brasil, que decidiu não mandar ninguém até que a situação se acalmasse.

Encarregado de negócios do Brasil no Irã, Sergio Florêncio, em 1979 Foto: Acervo Sergio Florêncio

Assim, o jovem encarregado de negócios tornou-se o responsável pela embaixada do Brasil no período mais turbulento da história recente do Irã. Viveu dias de tensão quando, em dois momentos, teve de retirar do país sua família do país. Sem saber, jantou na embaixada canadense na sala ao lado de onde estavam os americanos que se refugiaram ali para escapar da tomada da embaixada americana pelos estudantes iranianos.  

Hoje, profundo conhecedor de Oriente Médio e professor do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas brasileiros, Florêncio diz não concordar com a transferência da Embaixada do Brasil para Jerusalém, tema polêmico da nova política externa comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, que foi seu aluno. “Essa decisão é desastrosa”, disse, em entrevista ao Estado

Qual era o clima que o sr. encontrou quando chegou a Teerã, em 1977? 

Naquele ano, o clima era de um país hiperocidentalizado, de um lado. Fomos a uma casa noturna e nunca tinha visto tantos casacos de pele, joias. Mas aí era só dar dois passos para o lado e só se via miséria. Era muito contrastante, uma distância cultural enorme entre ricos e pobres. 

Havia alguma ideia do que estava para acontecer? 

No meu jantar de despedida (em Ottawa), meu embaixador disse que eu estava indo para o país mais seguro do Oriente Médio. Era o mais seguro mesmo, o xá Reza Pahlevi era o grande aliado dos EUA. Esse embaixador, Heraldo de Carvalho Silva, era conhecido por ser extremamente inteligente, bem informado. Depois, quando aconteceu toda a confusão da revolução, eu pensei: “nossa”. Naquela época, ninguém poderia prever que haveria uma revolução iraniana. 

Essa discrepância social contribuiu para a revolução? 

Foi um dos motores, entre vários. O primeiro deles é que o Irã era um país com um potencial de crescimento, de industrialização muito maior do que os outros do Oriente Médio. Pelo tamanho, pela população, pela história, por várias razões. O xá nunca teve uma base popular muito grande. Ele decidiu se legitimar pela economia. Ele promoveu um crescimento econômico, uma industrialização, mas essa industrialização acabou beneficiando muito pouco a população. De qualquer forma, havia um crescimento econômico. 

Houve um descontentamento? 

Na metade dos anos 70, esse crescimento desacelerou e começou a gerar desemprego. Houve um fator econômico que contribuiu para isso. Foi um crescimento econômico acelerado, mas socialmente excludente, que deixou de fora os bazaris, que eram os grandes comerciantes dos bazares que tinham muito contato com a população. Indignados com essa industrialização do xá, que só beneficiava um grupo, eles se tornaram uma classe fundamental para alimentar a revolução. Além do mais eram eles quem financiavam as mesquitas, tinham uma ligação muito forte com a hierarquia religiosa, com os aiatolás. 

O sr. percebeu algo antes da revolução? 

Quando eu cheguei, não havia nenhum sinal de revolução. O que o embaixador tinha dito era verdade. Era um país com um crescimento econômico acelerado, industrialização, modernização, ocidentalização, tudo era exemplo de crescimento. Só que o que eu notava era uma oposição muito grande dos jovens e estudantes a esse rumo que o país seguia, que enriquecia, mas excluía. E, ao mesmo tempo, era muito repressivo. 

Como era essa repressão? 

A polícia secreta do xá, a Savaki, era conhecida, ao lado da israelense, como uma das mais repressoras do mundo. Havia um movimento estudantil muito forte contra o xá. Por acaso, eu tinha feito mestrado em economia no Canadá onde fiz um grande amigo, que era iraniano. Somos grandes amigos até hoje. Ele fazia parte de um grupo de estudantes que, nos EUA e no Canadá contribuíam para um movimento de deposição do xá, fora do Irã. Quando terminamos o mestrado, ele voltou para o Irã, por coincidência eu também fui. Ele foi um dos integrantes do movimento da revolução, no início, e chegou a ser preso pelo xá.

Reprodução de cartazes da Revolução Islâmica que o embaixador Sergio Florêncio guardou da época Foto: Sergio Florêncio

Por quanto tempo?

Foram quase dois meses e meio. Quando saiu, ele estava mal, porque sofreu tortura e tudo mais. É incrível como, na história, a revolução come seus próprios filhos. Esse é um exemplo bem concreto. Ele lutou pela revolução, foi preso. Depois, um tio dele, que era um grande intelectual iraniano, reconhecido, professor da Souborne, voltou para o Irã na revolução e foi nomeado ministro da Educação (pelos aiatolás). Mas a revolução foi deixando de ser antidéspota, liberal, democrática, como era no começo. Esse tio não só foi afastado do cargo, como também preso e torturado pela revolução. 

Antes da revolução, quem era Khomeini para os iranianos? 

Na pré-revolução, ele era a grande esperança, o líder carismático que tinha o apoio dos liberais. Era visto como uma figura iluminada, o grande líder espiritual, o líder político que ficava acima da estrutura partidária e simbolizava todas as aspirações do país de igualdade, de autonomia com relação às superpotências. Ele era a grande esperança de todos, uma explosão daquela elite que era muito identificada com o xá. Ele dizia que iria fazer uma revolução islâmica, mas quando perguntavam o que era essa revolução, ele falava, falava, e ninguém entendia. Ninguém sabia se era uma revolução democrática, religiosa, uma teocracia. Ele conseguiu não definir com clareza e isso contribuiu muito para a vitória da revolução. 

E depois? 

Ele teve todo o povo com ele e, uma vez vitoriosa, a revolução começou a abandonar aqueles princípios democráticos, de direitos humanos, de liberdade de imprensa, de liberalismo político, isso foi sendo sistematicamente ceifado da agenda política. A revolução foi tomando esse curso mais excludente e dominada por essa hierarquia religiosa que resultou em muitas injustiças, perseguições e num radicalismo político. 

Como eram as relações com o Brasil? 

Na época, o Brasil exportava carne, soja, material bélico para o Iraque, isso antes da guerra (Irã x Iraque). O Brasil importava muito petróleo então tinha uma política inteligente de fazer uma troca em que importava o petróleo e, para compensar, exportava soja, frangos, Passats, tanques de guerra, material bélico. Quando veio a revolução, e depois a guerra, o Brasil era criticado pelo Irã. Eles (regime) me chamavam lá para explicar por que o Brasil estava fornecendo arma para o inimigo. Eu explicava que era uma política comercial. 

​No mesmo ano da revolução, houve a tomada da embaixada americana. O sr. teve medo? 

Houve dois momentos de grande apreensão. Quando a revolução foi vitoriosa, no início de 79, o país se tornou um caos. Era difícil de comprar alimentos, tinha filas para comprar coisas básicas, havia restrição de fornecimento de gasolina, era uma vida bem complicada e ameaçadora. Quando o xá caiu, sem resistência, já que não houve nenhuma facção do Exército que se aliou a ele, a população tomou os quartéis. Houve uma imensa distribuição indiscriminada de armas, que criou um clima de insegurança imenso. Havia várias facções revolucionárias, cada uma seguindo uma linha e todas armadas. Houve muitos assassinatos de representantes de comitês revolucionários por outros grupos. Diante desse clima, os países decidiram retirar os parentes dos diplomatas. Essa foi a primeira grande retirada. Saíram minha mulher e meus filhos, já com o bebê (filho que nasceu em Teerã). Eles saíram pelo aeroporto, que ainda estava aberto, apesar de caótico. Eles ficaram seis meses fora, a revolução se estabilizou um pouco e eles voltaram. 

E quando ocorreu a outra? 

Depois veio a guerra Irã-Iraque e começou de novo bombardeios, gente dizendo que os americanos iriam invadir o país. Com essa insegurança, as famílias foram retiradas pela segunda vez. Mas dessa vez o aeroporto estava fechado e as únicas opções eram as saídas via terrestre pela Turquia, que era perigosíssimo por ser dominada por bandos armados. Era um risco monumental. A saída pelo sul, passando pelo Iraque, também era super arriscado. A outra via, Paquistão, também tinha muitos grupos guerrilheiros. Eu optei pela saída mais segura, que era via União Soviética. Minha família e a de diplomatas de outros países. Fomos de carro até o Mar Cáspio. Lá, eles pegaram um barco que levou 13 horas até Baku, na União Soviética, que hoje é a capital do Azerbaijão. O Itamaraty não queria que saíssemos via URSS. Mas eu queria o que fosse mais seguro para meus filhos e minha mulher. Eu me despedi no Mar Cáspio e fiquei, como se diz, a ver navios. Acabei desobedecendo, mas foi o mais seguro. A maioria das pessoas foi por essa rota mais segura. Eles ficaram mais seis meses no Brasil e depois voltaram e ficamos juntos até abril de 81 (quando deixou o posto e voltou para Brasília). 

Os cartazes da revolução traziam imagens simbólicas como a do aiatolá Khomeini Foto: Sergio Florencio

Como foi para sua família a tomada da embaixada? 

As embaixadas americanas em geral tem uma espécie dutty free para os americanos, mas permitem que outros diplomatas e suas famílias comprem lá. Uma semana antes da tomada dos reféns, minha mulher e outras amigas de outros países, estiveram lá na embaixada. Por uma semana ela teria sido presa. 

Qual foi o sentimento? 

Agora é história, mas na época ela ficou super nervosa. 

O que houve depois? 

Virou uma espécie de peregrinação político-religiosa, porque a embaixada era um símbolo da 'luta do bem contra o mal'. Eram os religiosos, os aiatolás, contra o grande Satã, os EUA. 

O sr. sabia da fuga dos reféns para a Embaixada do Canadá? 

Como eu tinha servido no Canadá, quando fui para o Irã, fiquei naturalmente amigo dos diplomatas canadenses, tínhamos uma história comum. O embaixador (do Brasil) já tinha saído e eu era o encarregado de negócios. Nesse posto, eu era convidado para as solenidades, eventos, etc. O embaixador do Canadá me convidou para uma reunião. Era um jantar que eu não sabia, ninguém sabia, mas os reféns, que aparecem em (filme) Argo, estavam lá dentro da embaixada. Eu jantei com eles, embora eles estivessem invisíveis. O embaixador estava preocupadíssimo, a empregada desconfiada. 

O embaixador do Canadá no Irã na época da revolução, Ken Taylor, em imagem de fevereiro de 2013, em Nova York Foto: Marcus Yam/The New York Times

Como foi a experiência para o sr.? 

Até o Irã, eu pensava em ir para a universidade dar aula, mudar de profissão, porque eu gostava do trabalho, mas achava o Itamaraty muito político, que não ia dar muito certo. Mas depois que eu passei por essa experiência no Irã, aí eu não tive dúvidas sobre minha profissão. 

O Brasil rompeu relações com Teerã? 

Não. Na verdade, os países mais identificados com a revolução iraniana, naturalmente, substituiriam seus embaixadores. Quando se coloca um encarregado de negócios, o país está reduzindo o prestígio (das relações). Mas isso foi natural, porque havia muita instabilidade. 

​O sr. foi os olhos do Brasil em Teerã durante a revolução. 

É verdade. O pessoal da Petrobras (na época) tinha grande interesse no Irã porque como era o país no Oriente Médio que mais crescia, que tinha maior potencial econômico de exportação, muito dinheiro e se industrializava rapidamente. Houve um acordo entre dos dois países no qual o Brasil aumentaria suas compras de petróleo iraniano de forma bastante acelerada. Em troca, o Irã compraria soja, frango. O Brasil participaria da construção de hidrelétricas no Irã e isso era um grande projeto para a época. O Brasil aumentaria muito as compras de petróleo. 

Aumentaria em quanto? 

Nós comprávamos somente 5% das nossas necessidades do Irã e chegaríamos a comprar até 25% em troca de o Irã importar os produtos brasileiros. A Petrobras, por meio da Braspetro e da Interbras, que era o braço comercial da empresa, era fundamental nesse projeto. A coisa ia bem, só que veio a revolução e o Irã deu um corte substancial nas exportações de petróleo. Essa foi uma medida muito radical e não fazia muito sentido econômico. Mas eles cortaram, e o Brasil ficou desesperado. 

No momento da tomada da embaixada, alguns dos funcionários da embaixada conseguiram escapar do prédio e buscar abrigo na casa do embaixador canadense em Teerã. Temendo pela vida dos diplomatas, a CIA organizou uma operação secreta para retirá-los usando como disfarce a gravação de um filme. O episódio foi contado no filmeArgo.Veja o trailer Foto: AP

O que aconteceu em seguida? 

Esses contratos de petróleo de longo prazo têm um preço baixo. Quando não se tem esses contratos, é preciso ir aos chamados mercados spot, um mercado livre, nos quais o preço do petróleo é muito maior. A Petrobras estava desesperada porque naquela época, um pouco antes, tinha havido o primeiro choque do petróleo, que fez quadruplicar o preço do barril. 

A Petrobras perdeu todos os contratos? 

Na verdade, o Irã cortou muitos desses acordos e mesmo aqueles que ficaram foram muito reduzidos.

Esse rompimento foi a maior consequência para o Basil da revolução? 

Foi sim, em termos comerciais, porque tínhamos um potencial de desenvolvimento, de exportação de produtos agrícolas e de veículos. O Brasil começou a exportar alguns produtos industrializados naquela época. Certamente teve um impacto sim. 

Em algum momento chegamos perto do que foi?

O Irã retraiu muito, andou muito para trás, se pensarmos em termos econômicos, com retrocesso político. Mas passamos a ter uma relação muito correta com o Irã, embora nesse começo, até em função da guerra Irã-Iraque, o Brasil não fosse bem visto. 

Como o sr. definiria hoje as relações entre Brasil e Irã? 

No começo, inevitavelmente, as relações ficaram tensas, mas o Brasil até recentemente sempre teve uma política de aproximação com os países em desenvolvimento, no Oriente Médio. O país sempre foi muito respeitado entre os países árabes e islâmicos, com uma presença comercial de peso na região. A relação com o Irã foi ganhando peso e o Brasil se projetava cada vez mais em termos de presença internacional. Depois da revolução, o Irã precisava melhorar sua imagem e recuperar um pouco mais de credibilidade. O Brasil, com exceção desse começo, sempre foi considerado um país importante para o Irã se projetar na América Latina, na diplomacia multilateral, foi uma relação que evoluiu muito positivamente, na medida em que o país se desenvolvia. Com todos os problemas que a revolução gerou, o Brasil nunca foi um antagonista da revolução. Comercialmente, nós expandimos muito nosso comércio com o Irã.

O sr. acha que mudar a embaixada do Brasil para Jerusalém pode afetar essa relação? 

Essa decisão é desastrosa. Eu tenho certeza de que não vai ser implementada. Isso não faz sentido, não chegaremos a esse ponto, se Deus quiser. É um ponto de inflexão exatamente negativo em todos os sentidos. Vamos perder muito e não vamos ganhar nada. 

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