Brasil teria tudo para resolver a questão da Venezuela, mas nestes momentos vacila, diz analista


Em entrevista ao Estadão, Daniel Buarque aponta que Lula não tem força para transformar Brasil em potência neste momento, e encontrou um mundo mais fechado em 2023 do que em 2010

Por Daniel Gateno
Foto: X/Reproduç
Entrevista comDaniel BuarquePesquisador do pós-doutorado no Instituto de Relações Internacionais da USP

O ano de 2023 foi marcado na política externa brasileira pelo slogan “o Brasil voltou”, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esperava encontrar na conjuntura atual o mesmo cenário de 2010, quando terminou o seu segundo mandato. Naquela época, especialistas previam um grande futuro para o Brasil e uma possível transformação do País em potência mundial.

“O Brasil tinha uma situação econômica de crescimento, um cenário de estabilidade, enquanto o mundo passava por uma crise financeira global”, aponta Daniel Buarque, pesquisador do pós-doutorado no instituto de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities”. “Havia espaço para potências emergentes, se falava muito em um cenário global multipolar. Existia um contexto favorável ao Brasil”, explica o especialista.

A previsão de mudança de status acabou não se concretizando, principalmente por conta da crise econômica e política no Brasil a partir de 2015. “A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou”, diz Buarque.

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Em entrevista ao Estadão, o analista diz que o mundo que Lula encontra neste momento é muito mais fechado do que em 2010. “Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power”.

A tentativa do Brasil de ser protagonista faz com que o País tente se posicionar em situações em que não tem relevância. “Ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia, o País teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver isso, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila”, aponta Buarque.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante uma reunião da Celac em São Vicente e Granadinas  Foto: Bienvenido Velasco / EFE
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Veja trechos da entrevista:

Por que a animação internacional com o Brasil nos anos 2000, após o boom das commodities, a capa da The Economist e as previsões de futuro foram exageradas?

A partir de 2009, 2010, existiam alguns pontos que faziam essa animação internacional ser muito grande. Um deles é a questão doméstica, que era o fato do Brasil estar naquele momento em uma situação econômica de crescimento e estabilidade e tendência de manutenção de crescimento. Nunca houve um crescimento de fato gigantesco, mas foi um período em que existia uma base de crescimento na economia brasileira e isso criou uma percepção fora do país de que aquilo iria levar o país a uma situação econômica cada vez melhor.

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Este momento aconteceu em um contexto de uma crise financeira global, então o mundo todo estava passando por uma situação muito difícil e o Brasil parecia ser um exemplo de uma base sólida da economia que não iria cair tanto e também se falava sobre um cenário global multipolar e havia espaço para potências emergentes construírem um espaço no resto do mundo. Existia um contexto global favorável ao Brasil e uma situação interna que parecia que tudo estava dando certo e que encaminha para essa situação.

No exterior se falava que o Brasil tinha chegado e era muito por conta destas questões, só que ao contrário do que se esperava naquele momento, de que isso iria abrir o caminho para o Brasil, essas bases eram frágeis. Os países desenvolvidos voltaram a estabilizar as suas economias e voltaram a crescer, a China teve uma ascensão e está crescendo mais que todo mundo e ocorreu um fechamento da geopolítica para nações emergentes.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente do Egito, Abdel Fatah Al-Sisi, no Cairo  Foto: Presidência do Brasil/EFE
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Hoje, não se fala mais de multilateralismo, nem de multipolaridade. A expectativa é mais de hegemonia americana ou no máximo bipolaridade com a China. E a economia brasileira se afundou em uma recessão econômica.

Com a crise econômica, a partir de 2015, 2016, e uma crise política no Brasil, esta narrativa desabou e o País voltou a ser visto mais como problemático, como um País em crise. A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou.

Além disso, o ponto chave deste momento de projeção positiva foi a transição de poder de Fernando Henrique Cardoso para Lula, que foi uma transição muito boa entre opositores. E se deu com continuidade de boa parte das políticas. Aquela continuidade era uma certa demonstração de uma maturidade política que ajudou a projetar isso.

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Esta maturidade política acabou com o impeachment de Dilma Rousseff, independente de qualquer discussão a favor ou contra o impeachment, mas a ideia de fazer isso em um País que já tinha passado por isso poucas décadas antes mostra uma política que é disfuncional.

Hoje vivemos uma situação diferente que o Brasil até está tentando reconstruir essa imagem na política externa, mas o mundo está muito mais fechado.

Qual é a diferença entre o status internacional que o Brasil quer ter ou acha que tem e o que os outros países acreditam que o Brasil tenha?

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Existe uma diferença grande sim. Historicamente, desde antes da independência do Brasil ocorreu uma política de promoção do Brasil, de tentar diferenciar o Brasil de outros países da região. Em toda a história, o Brasil tentou se colocar como uma grande potência global, boa parte disso era apenas uma vontade que não tinha nenhum reconhecimento externo, uma vontade que não se concretizava.

A primeira década do século 21 é o momento que o Brasil começa a inflar esta retórica de que quer ser grande. Com a formalização da candidatura do Brasil para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, ocorre também um ativismo maior do Brasil em política externa, essa vontade maior do Brasil de tentar participar de questões políticas que estão longe da nossa realidade.

O Brasil tentou negociar um acordo nuclear com o Irã em 2010, tentou falar mais sobre o Oriente Médio. O País liderou uma missão de paz no Haiti, aumentou o número de embaixadas, especialmente na África, tudo isso faz parte de um ativismo que era muito ligado a essa ambição do Brasil de ter um papel de liderança e essa ambição vem dessa história de que o País sempre acreditou que tinha o direito de ser potência. É algo que é visto como uma mania de grandeza, essa vontade do Brasil de ser reconhecido.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma sessão de trabalho do G-7, em Hiroshima, Japão  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

A ambição vem junto com essa crença de que o Brasil merece ser uma grande potência, existe essa crença de que o Brasil merece e deve ser uma voz política de peso. A minha pesquisa tenta entender o que as grandes potências acham disso, o que elas pensam desta vontade brasileira de ser grande, o que elas estão dispostas a aceitar do Brasil.

A minha pesquisa descobriu que não existe este grande destaque do Brasil na política externa, os países no exterior não enxergam o Brasil desta forma. Especialmente em questões importantes de política global, ninguém espera que o Brasil tenha uma voz relevante nestas situações, ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia. O Brasil é um país que é visto como uma potência média que tem muito espaço para contribuir em questões específicas, tem espaço para contribuir na questão ambiental, tem espaço para liderar uma questão regional, existe uma expectativa do Brasil como potência na América do Sul de que o Brasil poderia assumir este papel aqui, o que não aconteceu.

Nesta grande política global de política externa, não se acredita que o Brasil tenha relevância, especialmente na questão de segurança. O Brasil é visto como insignificante em relação a questões de segurança global. Por não ser uma grande potência militar ou econômica, não se espera que o Brasil tenha toda a relevância que o país quer ter.

Então existe esse descompasso entre o Itamaraty, que tem uma diplomacia muito profissional, séria e histórica que acredita que pode contribuir com a política global, mas acredita que pode contribuir na base de trazer capacidade de negociação, mediação, trazer competência técnica da diplomacia global e você tem o outro lado, do pessoal da realpolitik que fala que se o país não tem poder bruto, que seria poder militar e econômico, se não existe isso, então você não tem que se envolver. E isso se reflete no fato de que as grandes potências meio que ignoram que o Brasil quer ter essa relevância, foi assim na negociação do acordo nuclear com o Irã, foi assim no tal clube de paz que o Lula falou que iria criar para falar da Ucrânia, é assim até nesta grande polêmica com Israel.

Nenhuma potência se colocou de um lado ou de outro, ninguém liga. Ninguém acha que o comentário de Lula vai ser relevante para o debate, entre os atores envolvidos de fato como EUA, União Europeia e China, ninguém está pensando nisso. O Brasil está em outra divisão, não está envolvido e não tem voz.

Poderia ter um caminho para chegar lá, mas a ideia é que agora este espaço não existe.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Jim Watson/AFP

No livro você menciona o soft power brasileiro, muitas vezes linkado a estereótipos superficiais. Como o Brasil poderia ter Hard Power e isso alavancaria o status internacional do país?. Sem ter o chamado Hard Power, um país consegue ter a sua voz ouvida de uma forma sistemática e independente?

Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, porque era aquele contexto global que havia espaço para isso, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power.

Tem um caminho para o Brasil que é a economia. Quando falamos de Hard Power, geralmente pensamos em poder militar, mas não é necessariamente isso. O poder econômico pode ter algum caminho. Com a economia, você pode influenciar outros países da mesma forma que com o poder bruto, com pressão econômica, seja com sanção ou oferta de vantagem. Isso acontece muito com a China, que tem um grande Exército, mas exerce uma influência muito maior pela economia.

Pelas entrevistas que eu fiz, este é o caminho para o Brasil, é assim que o País pode construir um novo status. O caminho seria construir uma economia que não possa ser deixada de lado, que não possa ser ignorada. E aí o País passa a entrar nestas negociações. Este é o caminho para construir um status mais alto, neste mundo que está voltado para o Hard Power.

Na minha tese eu faço uma analogia sobre o Brasil em que comparo o País a um zelador de um prédio, que tem influência no prédio, sabe o que está rolando e quais são as regras, mas na hora que a decisão acontece, ele não tem poder de voto. O Brasil está lá, dá pitaco, mas na hora de resolver mesmo, o País está fora da sala. O Soft Power faz com que o Brasil seja amigão de todo mundo, mas na hora de tomar as grandes decisões de política o Brasil não vai estar lá.

A posição histórica do Brasil na diplomacia, de neutralidade, pode levar o país à uma certa irrelevância no mundo de hoje, polarizado e cada vez mais dividido? Ao mesmo tempo, uma posição que não seja de neutralidade pode acabar ficando refém das ideologias de plantão que cheguem ao poder, prejudicando a diplomacia como política de Estado? É possível se manter “neutro” no mundo atual?

O crescimento dessa percepção de bipolaridade ou dos EUA contra uma aliança de Rússia e China pode forçar os países a se inclinarem para um lado ou outro. Ficar em cima do muro ou neutro é uma estratégia que atrapalha países que querem ter um papel de liderança.

Eu ouvi de muita gente que o Brasil quer ser líder sem ter que liderar nada. Quer ser uma liderança, mas na hora que precisa tomar uma decisão fica neutro. Países que lideram precisam aceitar o custo político das decisões que tomam. O Brasil não pode dizer que quer ser líder e afirmar que é neutro em relação à guerra na Ucrânia. Se quiser ser líder, precisa de um lado, precisa assumir a sua posição.

É o que está acontecendo em relação a Israel. O Brasil está assumindo uma postura rara de comprar uma briga com Israel, descendo de cima do muro e eu tenho argumentado que o Brasil quer fazer isso para assumir um papel de liderança no chamado Sul Global. Não sei se vai dar certo ou não, mas é uma aposta. Historicamente o Brasil fica em cima do muro.

Ficar em cima do muro é muito bom para uma potência média, uma potência média é amiga de todo mundo, tem relação com todo mundo e não está tentando participar de todos os assuntos. Uma potência média escolhe as suas áreas de atuação, como é o caso da Austrália, que tem relevância na questão regional e participação em algumas questões globais, assim como o Canadá, que é um país que não está brigando para ser grande, é uma potência média que tem uma participação fundamental na discussão sobre refugiados no mundo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Se o Brasil assumir que aceita ser uma potência média, como muita gente acha que o Brasil já é, ele pode ser neutro a vida toda e ficar calado sobre assuntos como a guerra na Ucrânia. O Brasil pode por exemplo se tornar um País imprescindível para falar de meio ambiente, obrigando todos os países que queiram falar sobre isso a procurar o Brasil, e aí não se posicionar em outros assuntos. Isso é um papel de potência média que escolhe suas áreas de atuação e não tenta ser maior do que é, participar de tudo.

Seria uma solução boa para que o Brasil não tivesse que assumir um lado e bancar um custo por todas as suas ações. Visto de fora, o Brasil não tem nenhuma estratégia. Só sabemos que o Brasil quer ser uma grande potência, mas ninguém sabe pra que o Brasil quer ser uma grande potência.

Como você avalia a tentativa brasileira de ter relevância internacional ao Lula se colocar como possível mediador na Ucrânia e também na guerra entre Israel e Hamas. Além da retórica de Lula ter atrapalhado, seria o tipo de atuação internacional que o Brasil não conseguiria ter?

O fracasso do Brasil em costurar um acordo nuclear com o Irã foi exatamente isso. O Brasil estava no auge da sua projeção de política externa e quando chegou na negociação achando que tinha resolvido o problema, os países do Ocidente olharam para isso e falaram que eles é que resolveriam o problema. Isso é um exemplo muito claro. No momento em que o Brasil estava bem, tinha algum reconhecimento internacional e prestígio, o Brasil deu um passo maior que a perna e se envolveu em algo que não era para ter se envolvido.

Em relação a guerra na Ucrânia é a mesma coisa. O Brasil não vai se envolver militarmente ou economicamente com a guerra. Na realpolitik, não existe isso de sentar para conversar, é um jogo de disputa de poder que não vai ser resolvido na base de ser um País legal e que conversa com todo mundo.

O Brasil pode influenciar o Haiti, pode liderar uma missão de paz como já fez no passado, teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. Esse era o jogo que o Brasil teria que jogar, mas não consegue fazer isso. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver a questão da Venezuela, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila.

O ano de 2023 foi marcado na política externa brasileira pelo slogan “o Brasil voltou”, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esperava encontrar na conjuntura atual o mesmo cenário de 2010, quando terminou o seu segundo mandato. Naquela época, especialistas previam um grande futuro para o Brasil e uma possível transformação do País em potência mundial.

“O Brasil tinha uma situação econômica de crescimento, um cenário de estabilidade, enquanto o mundo passava por uma crise financeira global”, aponta Daniel Buarque, pesquisador do pós-doutorado no instituto de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities”. “Havia espaço para potências emergentes, se falava muito em um cenário global multipolar. Existia um contexto favorável ao Brasil”, explica o especialista.

A previsão de mudança de status acabou não se concretizando, principalmente por conta da crise econômica e política no Brasil a partir de 2015. “A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou”, diz Buarque.

Em entrevista ao Estadão, o analista diz que o mundo que Lula encontra neste momento é muito mais fechado do que em 2010. “Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power”.

A tentativa do Brasil de ser protagonista faz com que o País tente se posicionar em situações em que não tem relevância. “Ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia, o País teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver isso, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila”, aponta Buarque.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante uma reunião da Celac em São Vicente e Granadinas  Foto: Bienvenido Velasco / EFE

Veja trechos da entrevista:

Por que a animação internacional com o Brasil nos anos 2000, após o boom das commodities, a capa da The Economist e as previsões de futuro foram exageradas?

A partir de 2009, 2010, existiam alguns pontos que faziam essa animação internacional ser muito grande. Um deles é a questão doméstica, que era o fato do Brasil estar naquele momento em uma situação econômica de crescimento e estabilidade e tendência de manutenção de crescimento. Nunca houve um crescimento de fato gigantesco, mas foi um período em que existia uma base de crescimento na economia brasileira e isso criou uma percepção fora do país de que aquilo iria levar o país a uma situação econômica cada vez melhor.

Este momento aconteceu em um contexto de uma crise financeira global, então o mundo todo estava passando por uma situação muito difícil e o Brasil parecia ser um exemplo de uma base sólida da economia que não iria cair tanto e também se falava sobre um cenário global multipolar e havia espaço para potências emergentes construírem um espaço no resto do mundo. Existia um contexto global favorável ao Brasil e uma situação interna que parecia que tudo estava dando certo e que encaminha para essa situação.

No exterior se falava que o Brasil tinha chegado e era muito por conta destas questões, só que ao contrário do que se esperava naquele momento, de que isso iria abrir o caminho para o Brasil, essas bases eram frágeis. Os países desenvolvidos voltaram a estabilizar as suas economias e voltaram a crescer, a China teve uma ascensão e está crescendo mais que todo mundo e ocorreu um fechamento da geopolítica para nações emergentes.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente do Egito, Abdel Fatah Al-Sisi, no Cairo  Foto: Presidência do Brasil/EFE

Hoje, não se fala mais de multilateralismo, nem de multipolaridade. A expectativa é mais de hegemonia americana ou no máximo bipolaridade com a China. E a economia brasileira se afundou em uma recessão econômica.

Com a crise econômica, a partir de 2015, 2016, e uma crise política no Brasil, esta narrativa desabou e o País voltou a ser visto mais como problemático, como um País em crise. A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou.

Além disso, o ponto chave deste momento de projeção positiva foi a transição de poder de Fernando Henrique Cardoso para Lula, que foi uma transição muito boa entre opositores. E se deu com continuidade de boa parte das políticas. Aquela continuidade era uma certa demonstração de uma maturidade política que ajudou a projetar isso.

Esta maturidade política acabou com o impeachment de Dilma Rousseff, independente de qualquer discussão a favor ou contra o impeachment, mas a ideia de fazer isso em um País que já tinha passado por isso poucas décadas antes mostra uma política que é disfuncional.

Hoje vivemos uma situação diferente que o Brasil até está tentando reconstruir essa imagem na política externa, mas o mundo está muito mais fechado.

Qual é a diferença entre o status internacional que o Brasil quer ter ou acha que tem e o que os outros países acreditam que o Brasil tenha?

Existe uma diferença grande sim. Historicamente, desde antes da independência do Brasil ocorreu uma política de promoção do Brasil, de tentar diferenciar o Brasil de outros países da região. Em toda a história, o Brasil tentou se colocar como uma grande potência global, boa parte disso era apenas uma vontade que não tinha nenhum reconhecimento externo, uma vontade que não se concretizava.

A primeira década do século 21 é o momento que o Brasil começa a inflar esta retórica de que quer ser grande. Com a formalização da candidatura do Brasil para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, ocorre também um ativismo maior do Brasil em política externa, essa vontade maior do Brasil de tentar participar de questões políticas que estão longe da nossa realidade.

O Brasil tentou negociar um acordo nuclear com o Irã em 2010, tentou falar mais sobre o Oriente Médio. O País liderou uma missão de paz no Haiti, aumentou o número de embaixadas, especialmente na África, tudo isso faz parte de um ativismo que era muito ligado a essa ambição do Brasil de ter um papel de liderança e essa ambição vem dessa história de que o País sempre acreditou que tinha o direito de ser potência. É algo que é visto como uma mania de grandeza, essa vontade do Brasil de ser reconhecido.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma sessão de trabalho do G-7, em Hiroshima, Japão  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

A ambição vem junto com essa crença de que o Brasil merece ser uma grande potência, existe essa crença de que o Brasil merece e deve ser uma voz política de peso. A minha pesquisa tenta entender o que as grandes potências acham disso, o que elas pensam desta vontade brasileira de ser grande, o que elas estão dispostas a aceitar do Brasil.

A minha pesquisa descobriu que não existe este grande destaque do Brasil na política externa, os países no exterior não enxergam o Brasil desta forma. Especialmente em questões importantes de política global, ninguém espera que o Brasil tenha uma voz relevante nestas situações, ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia. O Brasil é um país que é visto como uma potência média que tem muito espaço para contribuir em questões específicas, tem espaço para contribuir na questão ambiental, tem espaço para liderar uma questão regional, existe uma expectativa do Brasil como potência na América do Sul de que o Brasil poderia assumir este papel aqui, o que não aconteceu.

Nesta grande política global de política externa, não se acredita que o Brasil tenha relevância, especialmente na questão de segurança. O Brasil é visto como insignificante em relação a questões de segurança global. Por não ser uma grande potência militar ou econômica, não se espera que o Brasil tenha toda a relevância que o país quer ter.

Então existe esse descompasso entre o Itamaraty, que tem uma diplomacia muito profissional, séria e histórica que acredita que pode contribuir com a política global, mas acredita que pode contribuir na base de trazer capacidade de negociação, mediação, trazer competência técnica da diplomacia global e você tem o outro lado, do pessoal da realpolitik que fala que se o país não tem poder bruto, que seria poder militar e econômico, se não existe isso, então você não tem que se envolver. E isso se reflete no fato de que as grandes potências meio que ignoram que o Brasil quer ter essa relevância, foi assim na negociação do acordo nuclear com o Irã, foi assim no tal clube de paz que o Lula falou que iria criar para falar da Ucrânia, é assim até nesta grande polêmica com Israel.

Nenhuma potência se colocou de um lado ou de outro, ninguém liga. Ninguém acha que o comentário de Lula vai ser relevante para o debate, entre os atores envolvidos de fato como EUA, União Europeia e China, ninguém está pensando nisso. O Brasil está em outra divisão, não está envolvido e não tem voz.

Poderia ter um caminho para chegar lá, mas a ideia é que agora este espaço não existe.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Jim Watson/AFP

No livro você menciona o soft power brasileiro, muitas vezes linkado a estereótipos superficiais. Como o Brasil poderia ter Hard Power e isso alavancaria o status internacional do país?. Sem ter o chamado Hard Power, um país consegue ter a sua voz ouvida de uma forma sistemática e independente?

Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, porque era aquele contexto global que havia espaço para isso, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power.

Tem um caminho para o Brasil que é a economia. Quando falamos de Hard Power, geralmente pensamos em poder militar, mas não é necessariamente isso. O poder econômico pode ter algum caminho. Com a economia, você pode influenciar outros países da mesma forma que com o poder bruto, com pressão econômica, seja com sanção ou oferta de vantagem. Isso acontece muito com a China, que tem um grande Exército, mas exerce uma influência muito maior pela economia.

Pelas entrevistas que eu fiz, este é o caminho para o Brasil, é assim que o País pode construir um novo status. O caminho seria construir uma economia que não possa ser deixada de lado, que não possa ser ignorada. E aí o País passa a entrar nestas negociações. Este é o caminho para construir um status mais alto, neste mundo que está voltado para o Hard Power.

Na minha tese eu faço uma analogia sobre o Brasil em que comparo o País a um zelador de um prédio, que tem influência no prédio, sabe o que está rolando e quais são as regras, mas na hora que a decisão acontece, ele não tem poder de voto. O Brasil está lá, dá pitaco, mas na hora de resolver mesmo, o País está fora da sala. O Soft Power faz com que o Brasil seja amigão de todo mundo, mas na hora de tomar as grandes decisões de política o Brasil não vai estar lá.

A posição histórica do Brasil na diplomacia, de neutralidade, pode levar o país à uma certa irrelevância no mundo de hoje, polarizado e cada vez mais dividido? Ao mesmo tempo, uma posição que não seja de neutralidade pode acabar ficando refém das ideologias de plantão que cheguem ao poder, prejudicando a diplomacia como política de Estado? É possível se manter “neutro” no mundo atual?

O crescimento dessa percepção de bipolaridade ou dos EUA contra uma aliança de Rússia e China pode forçar os países a se inclinarem para um lado ou outro. Ficar em cima do muro ou neutro é uma estratégia que atrapalha países que querem ter um papel de liderança.

Eu ouvi de muita gente que o Brasil quer ser líder sem ter que liderar nada. Quer ser uma liderança, mas na hora que precisa tomar uma decisão fica neutro. Países que lideram precisam aceitar o custo político das decisões que tomam. O Brasil não pode dizer que quer ser líder e afirmar que é neutro em relação à guerra na Ucrânia. Se quiser ser líder, precisa de um lado, precisa assumir a sua posição.

É o que está acontecendo em relação a Israel. O Brasil está assumindo uma postura rara de comprar uma briga com Israel, descendo de cima do muro e eu tenho argumentado que o Brasil quer fazer isso para assumir um papel de liderança no chamado Sul Global. Não sei se vai dar certo ou não, mas é uma aposta. Historicamente o Brasil fica em cima do muro.

Ficar em cima do muro é muito bom para uma potência média, uma potência média é amiga de todo mundo, tem relação com todo mundo e não está tentando participar de todos os assuntos. Uma potência média escolhe as suas áreas de atuação, como é o caso da Austrália, que tem relevância na questão regional e participação em algumas questões globais, assim como o Canadá, que é um país que não está brigando para ser grande, é uma potência média que tem uma participação fundamental na discussão sobre refugiados no mundo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Se o Brasil assumir que aceita ser uma potência média, como muita gente acha que o Brasil já é, ele pode ser neutro a vida toda e ficar calado sobre assuntos como a guerra na Ucrânia. O Brasil pode por exemplo se tornar um País imprescindível para falar de meio ambiente, obrigando todos os países que queiram falar sobre isso a procurar o Brasil, e aí não se posicionar em outros assuntos. Isso é um papel de potência média que escolhe suas áreas de atuação e não tenta ser maior do que é, participar de tudo.

Seria uma solução boa para que o Brasil não tivesse que assumir um lado e bancar um custo por todas as suas ações. Visto de fora, o Brasil não tem nenhuma estratégia. Só sabemos que o Brasil quer ser uma grande potência, mas ninguém sabe pra que o Brasil quer ser uma grande potência.

Como você avalia a tentativa brasileira de ter relevância internacional ao Lula se colocar como possível mediador na Ucrânia e também na guerra entre Israel e Hamas. Além da retórica de Lula ter atrapalhado, seria o tipo de atuação internacional que o Brasil não conseguiria ter?

O fracasso do Brasil em costurar um acordo nuclear com o Irã foi exatamente isso. O Brasil estava no auge da sua projeção de política externa e quando chegou na negociação achando que tinha resolvido o problema, os países do Ocidente olharam para isso e falaram que eles é que resolveriam o problema. Isso é um exemplo muito claro. No momento em que o Brasil estava bem, tinha algum reconhecimento internacional e prestígio, o Brasil deu um passo maior que a perna e se envolveu em algo que não era para ter se envolvido.

Em relação a guerra na Ucrânia é a mesma coisa. O Brasil não vai se envolver militarmente ou economicamente com a guerra. Na realpolitik, não existe isso de sentar para conversar, é um jogo de disputa de poder que não vai ser resolvido na base de ser um País legal e que conversa com todo mundo.

O Brasil pode influenciar o Haiti, pode liderar uma missão de paz como já fez no passado, teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. Esse era o jogo que o Brasil teria que jogar, mas não consegue fazer isso. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver a questão da Venezuela, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila.

O ano de 2023 foi marcado na política externa brasileira pelo slogan “o Brasil voltou”, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esperava encontrar na conjuntura atual o mesmo cenário de 2010, quando terminou o seu segundo mandato. Naquela época, especialistas previam um grande futuro para o Brasil e uma possível transformação do País em potência mundial.

“O Brasil tinha uma situação econômica de crescimento, um cenário de estabilidade, enquanto o mundo passava por uma crise financeira global”, aponta Daniel Buarque, pesquisador do pós-doutorado no instituto de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities”. “Havia espaço para potências emergentes, se falava muito em um cenário global multipolar. Existia um contexto favorável ao Brasil”, explica o especialista.

A previsão de mudança de status acabou não se concretizando, principalmente por conta da crise econômica e política no Brasil a partir de 2015. “A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou”, diz Buarque.

Em entrevista ao Estadão, o analista diz que o mundo que Lula encontra neste momento é muito mais fechado do que em 2010. “Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power”.

A tentativa do Brasil de ser protagonista faz com que o País tente se posicionar em situações em que não tem relevância. “Ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia, o País teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver isso, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila”, aponta Buarque.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante uma reunião da Celac em São Vicente e Granadinas  Foto: Bienvenido Velasco / EFE

Veja trechos da entrevista:

Por que a animação internacional com o Brasil nos anos 2000, após o boom das commodities, a capa da The Economist e as previsões de futuro foram exageradas?

A partir de 2009, 2010, existiam alguns pontos que faziam essa animação internacional ser muito grande. Um deles é a questão doméstica, que era o fato do Brasil estar naquele momento em uma situação econômica de crescimento e estabilidade e tendência de manutenção de crescimento. Nunca houve um crescimento de fato gigantesco, mas foi um período em que existia uma base de crescimento na economia brasileira e isso criou uma percepção fora do país de que aquilo iria levar o país a uma situação econômica cada vez melhor.

Este momento aconteceu em um contexto de uma crise financeira global, então o mundo todo estava passando por uma situação muito difícil e o Brasil parecia ser um exemplo de uma base sólida da economia que não iria cair tanto e também se falava sobre um cenário global multipolar e havia espaço para potências emergentes construírem um espaço no resto do mundo. Existia um contexto global favorável ao Brasil e uma situação interna que parecia que tudo estava dando certo e que encaminha para essa situação.

No exterior se falava que o Brasil tinha chegado e era muito por conta destas questões, só que ao contrário do que se esperava naquele momento, de que isso iria abrir o caminho para o Brasil, essas bases eram frágeis. Os países desenvolvidos voltaram a estabilizar as suas economias e voltaram a crescer, a China teve uma ascensão e está crescendo mais que todo mundo e ocorreu um fechamento da geopolítica para nações emergentes.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente do Egito, Abdel Fatah Al-Sisi, no Cairo  Foto: Presidência do Brasil/EFE

Hoje, não se fala mais de multilateralismo, nem de multipolaridade. A expectativa é mais de hegemonia americana ou no máximo bipolaridade com a China. E a economia brasileira se afundou em uma recessão econômica.

Com a crise econômica, a partir de 2015, 2016, e uma crise política no Brasil, esta narrativa desabou e o País voltou a ser visto mais como problemático, como um País em crise. A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou.

Além disso, o ponto chave deste momento de projeção positiva foi a transição de poder de Fernando Henrique Cardoso para Lula, que foi uma transição muito boa entre opositores. E se deu com continuidade de boa parte das políticas. Aquela continuidade era uma certa demonstração de uma maturidade política que ajudou a projetar isso.

Esta maturidade política acabou com o impeachment de Dilma Rousseff, independente de qualquer discussão a favor ou contra o impeachment, mas a ideia de fazer isso em um País que já tinha passado por isso poucas décadas antes mostra uma política que é disfuncional.

Hoje vivemos uma situação diferente que o Brasil até está tentando reconstruir essa imagem na política externa, mas o mundo está muito mais fechado.

Qual é a diferença entre o status internacional que o Brasil quer ter ou acha que tem e o que os outros países acreditam que o Brasil tenha?

Existe uma diferença grande sim. Historicamente, desde antes da independência do Brasil ocorreu uma política de promoção do Brasil, de tentar diferenciar o Brasil de outros países da região. Em toda a história, o Brasil tentou se colocar como uma grande potência global, boa parte disso era apenas uma vontade que não tinha nenhum reconhecimento externo, uma vontade que não se concretizava.

A primeira década do século 21 é o momento que o Brasil começa a inflar esta retórica de que quer ser grande. Com a formalização da candidatura do Brasil para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, ocorre também um ativismo maior do Brasil em política externa, essa vontade maior do Brasil de tentar participar de questões políticas que estão longe da nossa realidade.

O Brasil tentou negociar um acordo nuclear com o Irã em 2010, tentou falar mais sobre o Oriente Médio. O País liderou uma missão de paz no Haiti, aumentou o número de embaixadas, especialmente na África, tudo isso faz parte de um ativismo que era muito ligado a essa ambição do Brasil de ter um papel de liderança e essa ambição vem dessa história de que o País sempre acreditou que tinha o direito de ser potência. É algo que é visto como uma mania de grandeza, essa vontade do Brasil de ser reconhecido.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma sessão de trabalho do G-7, em Hiroshima, Japão  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

A ambição vem junto com essa crença de que o Brasil merece ser uma grande potência, existe essa crença de que o Brasil merece e deve ser uma voz política de peso. A minha pesquisa tenta entender o que as grandes potências acham disso, o que elas pensam desta vontade brasileira de ser grande, o que elas estão dispostas a aceitar do Brasil.

A minha pesquisa descobriu que não existe este grande destaque do Brasil na política externa, os países no exterior não enxergam o Brasil desta forma. Especialmente em questões importantes de política global, ninguém espera que o Brasil tenha uma voz relevante nestas situações, ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia. O Brasil é um país que é visto como uma potência média que tem muito espaço para contribuir em questões específicas, tem espaço para contribuir na questão ambiental, tem espaço para liderar uma questão regional, existe uma expectativa do Brasil como potência na América do Sul de que o Brasil poderia assumir este papel aqui, o que não aconteceu.

Nesta grande política global de política externa, não se acredita que o Brasil tenha relevância, especialmente na questão de segurança. O Brasil é visto como insignificante em relação a questões de segurança global. Por não ser uma grande potência militar ou econômica, não se espera que o Brasil tenha toda a relevância que o país quer ter.

Então existe esse descompasso entre o Itamaraty, que tem uma diplomacia muito profissional, séria e histórica que acredita que pode contribuir com a política global, mas acredita que pode contribuir na base de trazer capacidade de negociação, mediação, trazer competência técnica da diplomacia global e você tem o outro lado, do pessoal da realpolitik que fala que se o país não tem poder bruto, que seria poder militar e econômico, se não existe isso, então você não tem que se envolver. E isso se reflete no fato de que as grandes potências meio que ignoram que o Brasil quer ter essa relevância, foi assim na negociação do acordo nuclear com o Irã, foi assim no tal clube de paz que o Lula falou que iria criar para falar da Ucrânia, é assim até nesta grande polêmica com Israel.

Nenhuma potência se colocou de um lado ou de outro, ninguém liga. Ninguém acha que o comentário de Lula vai ser relevante para o debate, entre os atores envolvidos de fato como EUA, União Europeia e China, ninguém está pensando nisso. O Brasil está em outra divisão, não está envolvido e não tem voz.

Poderia ter um caminho para chegar lá, mas a ideia é que agora este espaço não existe.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Jim Watson/AFP

No livro você menciona o soft power brasileiro, muitas vezes linkado a estereótipos superficiais. Como o Brasil poderia ter Hard Power e isso alavancaria o status internacional do país?. Sem ter o chamado Hard Power, um país consegue ter a sua voz ouvida de uma forma sistemática e independente?

Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, porque era aquele contexto global que havia espaço para isso, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power.

Tem um caminho para o Brasil que é a economia. Quando falamos de Hard Power, geralmente pensamos em poder militar, mas não é necessariamente isso. O poder econômico pode ter algum caminho. Com a economia, você pode influenciar outros países da mesma forma que com o poder bruto, com pressão econômica, seja com sanção ou oferta de vantagem. Isso acontece muito com a China, que tem um grande Exército, mas exerce uma influência muito maior pela economia.

Pelas entrevistas que eu fiz, este é o caminho para o Brasil, é assim que o País pode construir um novo status. O caminho seria construir uma economia que não possa ser deixada de lado, que não possa ser ignorada. E aí o País passa a entrar nestas negociações. Este é o caminho para construir um status mais alto, neste mundo que está voltado para o Hard Power.

Na minha tese eu faço uma analogia sobre o Brasil em que comparo o País a um zelador de um prédio, que tem influência no prédio, sabe o que está rolando e quais são as regras, mas na hora que a decisão acontece, ele não tem poder de voto. O Brasil está lá, dá pitaco, mas na hora de resolver mesmo, o País está fora da sala. O Soft Power faz com que o Brasil seja amigão de todo mundo, mas na hora de tomar as grandes decisões de política o Brasil não vai estar lá.

A posição histórica do Brasil na diplomacia, de neutralidade, pode levar o país à uma certa irrelevância no mundo de hoje, polarizado e cada vez mais dividido? Ao mesmo tempo, uma posição que não seja de neutralidade pode acabar ficando refém das ideologias de plantão que cheguem ao poder, prejudicando a diplomacia como política de Estado? É possível se manter “neutro” no mundo atual?

O crescimento dessa percepção de bipolaridade ou dos EUA contra uma aliança de Rússia e China pode forçar os países a se inclinarem para um lado ou outro. Ficar em cima do muro ou neutro é uma estratégia que atrapalha países que querem ter um papel de liderança.

Eu ouvi de muita gente que o Brasil quer ser líder sem ter que liderar nada. Quer ser uma liderança, mas na hora que precisa tomar uma decisão fica neutro. Países que lideram precisam aceitar o custo político das decisões que tomam. O Brasil não pode dizer que quer ser líder e afirmar que é neutro em relação à guerra na Ucrânia. Se quiser ser líder, precisa de um lado, precisa assumir a sua posição.

É o que está acontecendo em relação a Israel. O Brasil está assumindo uma postura rara de comprar uma briga com Israel, descendo de cima do muro e eu tenho argumentado que o Brasil quer fazer isso para assumir um papel de liderança no chamado Sul Global. Não sei se vai dar certo ou não, mas é uma aposta. Historicamente o Brasil fica em cima do muro.

Ficar em cima do muro é muito bom para uma potência média, uma potência média é amiga de todo mundo, tem relação com todo mundo e não está tentando participar de todos os assuntos. Uma potência média escolhe as suas áreas de atuação, como é o caso da Austrália, que tem relevância na questão regional e participação em algumas questões globais, assim como o Canadá, que é um país que não está brigando para ser grande, é uma potência média que tem uma participação fundamental na discussão sobre refugiados no mundo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Se o Brasil assumir que aceita ser uma potência média, como muita gente acha que o Brasil já é, ele pode ser neutro a vida toda e ficar calado sobre assuntos como a guerra na Ucrânia. O Brasil pode por exemplo se tornar um País imprescindível para falar de meio ambiente, obrigando todos os países que queiram falar sobre isso a procurar o Brasil, e aí não se posicionar em outros assuntos. Isso é um papel de potência média que escolhe suas áreas de atuação e não tenta ser maior do que é, participar de tudo.

Seria uma solução boa para que o Brasil não tivesse que assumir um lado e bancar um custo por todas as suas ações. Visto de fora, o Brasil não tem nenhuma estratégia. Só sabemos que o Brasil quer ser uma grande potência, mas ninguém sabe pra que o Brasil quer ser uma grande potência.

Como você avalia a tentativa brasileira de ter relevância internacional ao Lula se colocar como possível mediador na Ucrânia e também na guerra entre Israel e Hamas. Além da retórica de Lula ter atrapalhado, seria o tipo de atuação internacional que o Brasil não conseguiria ter?

O fracasso do Brasil em costurar um acordo nuclear com o Irã foi exatamente isso. O Brasil estava no auge da sua projeção de política externa e quando chegou na negociação achando que tinha resolvido o problema, os países do Ocidente olharam para isso e falaram que eles é que resolveriam o problema. Isso é um exemplo muito claro. No momento em que o Brasil estava bem, tinha algum reconhecimento internacional e prestígio, o Brasil deu um passo maior que a perna e se envolveu em algo que não era para ter se envolvido.

Em relação a guerra na Ucrânia é a mesma coisa. O Brasil não vai se envolver militarmente ou economicamente com a guerra. Na realpolitik, não existe isso de sentar para conversar, é um jogo de disputa de poder que não vai ser resolvido na base de ser um País legal e que conversa com todo mundo.

O Brasil pode influenciar o Haiti, pode liderar uma missão de paz como já fez no passado, teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. Esse era o jogo que o Brasil teria que jogar, mas não consegue fazer isso. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver a questão da Venezuela, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila.

O ano de 2023 foi marcado na política externa brasileira pelo slogan “o Brasil voltou”, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esperava encontrar na conjuntura atual o mesmo cenário de 2010, quando terminou o seu segundo mandato. Naquela época, especialistas previam um grande futuro para o Brasil e uma possível transformação do País em potência mundial.

“O Brasil tinha uma situação econômica de crescimento, um cenário de estabilidade, enquanto o mundo passava por uma crise financeira global”, aponta Daniel Buarque, pesquisador do pós-doutorado no instituto de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities”. “Havia espaço para potências emergentes, se falava muito em um cenário global multipolar. Existia um contexto favorável ao Brasil”, explica o especialista.

A previsão de mudança de status acabou não se concretizando, principalmente por conta da crise econômica e política no Brasil a partir de 2015. “A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou”, diz Buarque.

Em entrevista ao Estadão, o analista diz que o mundo que Lula encontra neste momento é muito mais fechado do que em 2010. “Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power”.

A tentativa do Brasil de ser protagonista faz com que o País tente se posicionar em situações em que não tem relevância. “Ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia, o País teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver isso, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila”, aponta Buarque.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante uma reunião da Celac em São Vicente e Granadinas  Foto: Bienvenido Velasco / EFE

Veja trechos da entrevista:

Por que a animação internacional com o Brasil nos anos 2000, após o boom das commodities, a capa da The Economist e as previsões de futuro foram exageradas?

A partir de 2009, 2010, existiam alguns pontos que faziam essa animação internacional ser muito grande. Um deles é a questão doméstica, que era o fato do Brasil estar naquele momento em uma situação econômica de crescimento e estabilidade e tendência de manutenção de crescimento. Nunca houve um crescimento de fato gigantesco, mas foi um período em que existia uma base de crescimento na economia brasileira e isso criou uma percepção fora do país de que aquilo iria levar o país a uma situação econômica cada vez melhor.

Este momento aconteceu em um contexto de uma crise financeira global, então o mundo todo estava passando por uma situação muito difícil e o Brasil parecia ser um exemplo de uma base sólida da economia que não iria cair tanto e também se falava sobre um cenário global multipolar e havia espaço para potências emergentes construírem um espaço no resto do mundo. Existia um contexto global favorável ao Brasil e uma situação interna que parecia que tudo estava dando certo e que encaminha para essa situação.

No exterior se falava que o Brasil tinha chegado e era muito por conta destas questões, só que ao contrário do que se esperava naquele momento, de que isso iria abrir o caminho para o Brasil, essas bases eram frágeis. Os países desenvolvidos voltaram a estabilizar as suas economias e voltaram a crescer, a China teve uma ascensão e está crescendo mais que todo mundo e ocorreu um fechamento da geopolítica para nações emergentes.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente do Egito, Abdel Fatah Al-Sisi, no Cairo  Foto: Presidência do Brasil/EFE

Hoje, não se fala mais de multilateralismo, nem de multipolaridade. A expectativa é mais de hegemonia americana ou no máximo bipolaridade com a China. E a economia brasileira se afundou em uma recessão econômica.

Com a crise econômica, a partir de 2015, 2016, e uma crise política no Brasil, esta narrativa desabou e o País voltou a ser visto mais como problemático, como um País em crise. A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou.

Além disso, o ponto chave deste momento de projeção positiva foi a transição de poder de Fernando Henrique Cardoso para Lula, que foi uma transição muito boa entre opositores. E se deu com continuidade de boa parte das políticas. Aquela continuidade era uma certa demonstração de uma maturidade política que ajudou a projetar isso.

Esta maturidade política acabou com o impeachment de Dilma Rousseff, independente de qualquer discussão a favor ou contra o impeachment, mas a ideia de fazer isso em um País que já tinha passado por isso poucas décadas antes mostra uma política que é disfuncional.

Hoje vivemos uma situação diferente que o Brasil até está tentando reconstruir essa imagem na política externa, mas o mundo está muito mais fechado.

Qual é a diferença entre o status internacional que o Brasil quer ter ou acha que tem e o que os outros países acreditam que o Brasil tenha?

Existe uma diferença grande sim. Historicamente, desde antes da independência do Brasil ocorreu uma política de promoção do Brasil, de tentar diferenciar o Brasil de outros países da região. Em toda a história, o Brasil tentou se colocar como uma grande potência global, boa parte disso era apenas uma vontade que não tinha nenhum reconhecimento externo, uma vontade que não se concretizava.

A primeira década do século 21 é o momento que o Brasil começa a inflar esta retórica de que quer ser grande. Com a formalização da candidatura do Brasil para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, ocorre também um ativismo maior do Brasil em política externa, essa vontade maior do Brasil de tentar participar de questões políticas que estão longe da nossa realidade.

O Brasil tentou negociar um acordo nuclear com o Irã em 2010, tentou falar mais sobre o Oriente Médio. O País liderou uma missão de paz no Haiti, aumentou o número de embaixadas, especialmente na África, tudo isso faz parte de um ativismo que era muito ligado a essa ambição do Brasil de ter um papel de liderança e essa ambição vem dessa história de que o País sempre acreditou que tinha o direito de ser potência. É algo que é visto como uma mania de grandeza, essa vontade do Brasil de ser reconhecido.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma sessão de trabalho do G-7, em Hiroshima, Japão  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

A ambição vem junto com essa crença de que o Brasil merece ser uma grande potência, existe essa crença de que o Brasil merece e deve ser uma voz política de peso. A minha pesquisa tenta entender o que as grandes potências acham disso, o que elas pensam desta vontade brasileira de ser grande, o que elas estão dispostas a aceitar do Brasil.

A minha pesquisa descobriu que não existe este grande destaque do Brasil na política externa, os países no exterior não enxergam o Brasil desta forma. Especialmente em questões importantes de política global, ninguém espera que o Brasil tenha uma voz relevante nestas situações, ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia. O Brasil é um país que é visto como uma potência média que tem muito espaço para contribuir em questões específicas, tem espaço para contribuir na questão ambiental, tem espaço para liderar uma questão regional, existe uma expectativa do Brasil como potência na América do Sul de que o Brasil poderia assumir este papel aqui, o que não aconteceu.

Nesta grande política global de política externa, não se acredita que o Brasil tenha relevância, especialmente na questão de segurança. O Brasil é visto como insignificante em relação a questões de segurança global. Por não ser uma grande potência militar ou econômica, não se espera que o Brasil tenha toda a relevância que o país quer ter.

Então existe esse descompasso entre o Itamaraty, que tem uma diplomacia muito profissional, séria e histórica que acredita que pode contribuir com a política global, mas acredita que pode contribuir na base de trazer capacidade de negociação, mediação, trazer competência técnica da diplomacia global e você tem o outro lado, do pessoal da realpolitik que fala que se o país não tem poder bruto, que seria poder militar e econômico, se não existe isso, então você não tem que se envolver. E isso se reflete no fato de que as grandes potências meio que ignoram que o Brasil quer ter essa relevância, foi assim na negociação do acordo nuclear com o Irã, foi assim no tal clube de paz que o Lula falou que iria criar para falar da Ucrânia, é assim até nesta grande polêmica com Israel.

Nenhuma potência se colocou de um lado ou de outro, ninguém liga. Ninguém acha que o comentário de Lula vai ser relevante para o debate, entre os atores envolvidos de fato como EUA, União Europeia e China, ninguém está pensando nisso. O Brasil está em outra divisão, não está envolvido e não tem voz.

Poderia ter um caminho para chegar lá, mas a ideia é que agora este espaço não existe.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Jim Watson/AFP

No livro você menciona o soft power brasileiro, muitas vezes linkado a estereótipos superficiais. Como o Brasil poderia ter Hard Power e isso alavancaria o status internacional do país?. Sem ter o chamado Hard Power, um país consegue ter a sua voz ouvida de uma forma sistemática e independente?

Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, porque era aquele contexto global que havia espaço para isso, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power.

Tem um caminho para o Brasil que é a economia. Quando falamos de Hard Power, geralmente pensamos em poder militar, mas não é necessariamente isso. O poder econômico pode ter algum caminho. Com a economia, você pode influenciar outros países da mesma forma que com o poder bruto, com pressão econômica, seja com sanção ou oferta de vantagem. Isso acontece muito com a China, que tem um grande Exército, mas exerce uma influência muito maior pela economia.

Pelas entrevistas que eu fiz, este é o caminho para o Brasil, é assim que o País pode construir um novo status. O caminho seria construir uma economia que não possa ser deixada de lado, que não possa ser ignorada. E aí o País passa a entrar nestas negociações. Este é o caminho para construir um status mais alto, neste mundo que está voltado para o Hard Power.

Na minha tese eu faço uma analogia sobre o Brasil em que comparo o País a um zelador de um prédio, que tem influência no prédio, sabe o que está rolando e quais são as regras, mas na hora que a decisão acontece, ele não tem poder de voto. O Brasil está lá, dá pitaco, mas na hora de resolver mesmo, o País está fora da sala. O Soft Power faz com que o Brasil seja amigão de todo mundo, mas na hora de tomar as grandes decisões de política o Brasil não vai estar lá.

A posição histórica do Brasil na diplomacia, de neutralidade, pode levar o país à uma certa irrelevância no mundo de hoje, polarizado e cada vez mais dividido? Ao mesmo tempo, uma posição que não seja de neutralidade pode acabar ficando refém das ideologias de plantão que cheguem ao poder, prejudicando a diplomacia como política de Estado? É possível se manter “neutro” no mundo atual?

O crescimento dessa percepção de bipolaridade ou dos EUA contra uma aliança de Rússia e China pode forçar os países a se inclinarem para um lado ou outro. Ficar em cima do muro ou neutro é uma estratégia que atrapalha países que querem ter um papel de liderança.

Eu ouvi de muita gente que o Brasil quer ser líder sem ter que liderar nada. Quer ser uma liderança, mas na hora que precisa tomar uma decisão fica neutro. Países que lideram precisam aceitar o custo político das decisões que tomam. O Brasil não pode dizer que quer ser líder e afirmar que é neutro em relação à guerra na Ucrânia. Se quiser ser líder, precisa de um lado, precisa assumir a sua posição.

É o que está acontecendo em relação a Israel. O Brasil está assumindo uma postura rara de comprar uma briga com Israel, descendo de cima do muro e eu tenho argumentado que o Brasil quer fazer isso para assumir um papel de liderança no chamado Sul Global. Não sei se vai dar certo ou não, mas é uma aposta. Historicamente o Brasil fica em cima do muro.

Ficar em cima do muro é muito bom para uma potência média, uma potência média é amiga de todo mundo, tem relação com todo mundo e não está tentando participar de todos os assuntos. Uma potência média escolhe as suas áreas de atuação, como é o caso da Austrália, que tem relevância na questão regional e participação em algumas questões globais, assim como o Canadá, que é um país que não está brigando para ser grande, é uma potência média que tem uma participação fundamental na discussão sobre refugiados no mundo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Se o Brasil assumir que aceita ser uma potência média, como muita gente acha que o Brasil já é, ele pode ser neutro a vida toda e ficar calado sobre assuntos como a guerra na Ucrânia. O Brasil pode por exemplo se tornar um País imprescindível para falar de meio ambiente, obrigando todos os países que queiram falar sobre isso a procurar o Brasil, e aí não se posicionar em outros assuntos. Isso é um papel de potência média que escolhe suas áreas de atuação e não tenta ser maior do que é, participar de tudo.

Seria uma solução boa para que o Brasil não tivesse que assumir um lado e bancar um custo por todas as suas ações. Visto de fora, o Brasil não tem nenhuma estratégia. Só sabemos que o Brasil quer ser uma grande potência, mas ninguém sabe pra que o Brasil quer ser uma grande potência.

Como você avalia a tentativa brasileira de ter relevância internacional ao Lula se colocar como possível mediador na Ucrânia e também na guerra entre Israel e Hamas. Além da retórica de Lula ter atrapalhado, seria o tipo de atuação internacional que o Brasil não conseguiria ter?

O fracasso do Brasil em costurar um acordo nuclear com o Irã foi exatamente isso. O Brasil estava no auge da sua projeção de política externa e quando chegou na negociação achando que tinha resolvido o problema, os países do Ocidente olharam para isso e falaram que eles é que resolveriam o problema. Isso é um exemplo muito claro. No momento em que o Brasil estava bem, tinha algum reconhecimento internacional e prestígio, o Brasil deu um passo maior que a perna e se envolveu em algo que não era para ter se envolvido.

Em relação a guerra na Ucrânia é a mesma coisa. O Brasil não vai se envolver militarmente ou economicamente com a guerra. Na realpolitik, não existe isso de sentar para conversar, é um jogo de disputa de poder que não vai ser resolvido na base de ser um País legal e que conversa com todo mundo.

O Brasil pode influenciar o Haiti, pode liderar uma missão de paz como já fez no passado, teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. Esse era o jogo que o Brasil teria que jogar, mas não consegue fazer isso. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver a questão da Venezuela, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila.

O ano de 2023 foi marcado na política externa brasileira pelo slogan “o Brasil voltou”, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esperava encontrar na conjuntura atual o mesmo cenário de 2010, quando terminou o seu segundo mandato. Naquela época, especialistas previam um grande futuro para o Brasil e uma possível transformação do País em potência mundial.

“O Brasil tinha uma situação econômica de crescimento, um cenário de estabilidade, enquanto o mundo passava por uma crise financeira global”, aponta Daniel Buarque, pesquisador do pós-doutorado no instituto de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities”. “Havia espaço para potências emergentes, se falava muito em um cenário global multipolar. Existia um contexto favorável ao Brasil”, explica o especialista.

A previsão de mudança de status acabou não se concretizando, principalmente por conta da crise econômica e política no Brasil a partir de 2015. “A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou”, diz Buarque.

Em entrevista ao Estadão, o analista diz que o mundo que Lula encontra neste momento é muito mais fechado do que em 2010. “Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power”.

A tentativa do Brasil de ser protagonista faz com que o País tente se posicionar em situações em que não tem relevância. “Ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia, o País teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver isso, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila”, aponta Buarque.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante uma reunião da Celac em São Vicente e Granadinas  Foto: Bienvenido Velasco / EFE

Veja trechos da entrevista:

Por que a animação internacional com o Brasil nos anos 2000, após o boom das commodities, a capa da The Economist e as previsões de futuro foram exageradas?

A partir de 2009, 2010, existiam alguns pontos que faziam essa animação internacional ser muito grande. Um deles é a questão doméstica, que era o fato do Brasil estar naquele momento em uma situação econômica de crescimento e estabilidade e tendência de manutenção de crescimento. Nunca houve um crescimento de fato gigantesco, mas foi um período em que existia uma base de crescimento na economia brasileira e isso criou uma percepção fora do país de que aquilo iria levar o país a uma situação econômica cada vez melhor.

Este momento aconteceu em um contexto de uma crise financeira global, então o mundo todo estava passando por uma situação muito difícil e o Brasil parecia ser um exemplo de uma base sólida da economia que não iria cair tanto e também se falava sobre um cenário global multipolar e havia espaço para potências emergentes construírem um espaço no resto do mundo. Existia um contexto global favorável ao Brasil e uma situação interna que parecia que tudo estava dando certo e que encaminha para essa situação.

No exterior se falava que o Brasil tinha chegado e era muito por conta destas questões, só que ao contrário do que se esperava naquele momento, de que isso iria abrir o caminho para o Brasil, essas bases eram frágeis. Os países desenvolvidos voltaram a estabilizar as suas economias e voltaram a crescer, a China teve uma ascensão e está crescendo mais que todo mundo e ocorreu um fechamento da geopolítica para nações emergentes.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente do Egito, Abdel Fatah Al-Sisi, no Cairo  Foto: Presidência do Brasil/EFE

Hoje, não se fala mais de multilateralismo, nem de multipolaridade. A expectativa é mais de hegemonia americana ou no máximo bipolaridade com a China. E a economia brasileira se afundou em uma recessão econômica.

Com a crise econômica, a partir de 2015, 2016, e uma crise política no Brasil, esta narrativa desabou e o País voltou a ser visto mais como problemático, como um País em crise. A imagem que se via era mais de instabilidade política, então houve aquele momento de grande esperança de uma maior projeção do Brasil e isso se apagou.

Além disso, o ponto chave deste momento de projeção positiva foi a transição de poder de Fernando Henrique Cardoso para Lula, que foi uma transição muito boa entre opositores. E se deu com continuidade de boa parte das políticas. Aquela continuidade era uma certa demonstração de uma maturidade política que ajudou a projetar isso.

Esta maturidade política acabou com o impeachment de Dilma Rousseff, independente de qualquer discussão a favor ou contra o impeachment, mas a ideia de fazer isso em um País que já tinha passado por isso poucas décadas antes mostra uma política que é disfuncional.

Hoje vivemos uma situação diferente que o Brasil até está tentando reconstruir essa imagem na política externa, mas o mundo está muito mais fechado.

Qual é a diferença entre o status internacional que o Brasil quer ter ou acha que tem e o que os outros países acreditam que o Brasil tenha?

Existe uma diferença grande sim. Historicamente, desde antes da independência do Brasil ocorreu uma política de promoção do Brasil, de tentar diferenciar o Brasil de outros países da região. Em toda a história, o Brasil tentou se colocar como uma grande potência global, boa parte disso era apenas uma vontade que não tinha nenhum reconhecimento externo, uma vontade que não se concretizava.

A primeira década do século 21 é o momento que o Brasil começa a inflar esta retórica de que quer ser grande. Com a formalização da candidatura do Brasil para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, ocorre também um ativismo maior do Brasil em política externa, essa vontade maior do Brasil de tentar participar de questões políticas que estão longe da nossa realidade.

O Brasil tentou negociar um acordo nuclear com o Irã em 2010, tentou falar mais sobre o Oriente Médio. O País liderou uma missão de paz no Haiti, aumentou o número de embaixadas, especialmente na África, tudo isso faz parte de um ativismo que era muito ligado a essa ambição do Brasil de ter um papel de liderança e essa ambição vem dessa história de que o País sempre acreditou que tinha o direito de ser potência. É algo que é visto como uma mania de grandeza, essa vontade do Brasil de ser reconhecido.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma sessão de trabalho do G-7, em Hiroshima, Japão  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

A ambição vem junto com essa crença de que o Brasil merece ser uma grande potência, existe essa crença de que o Brasil merece e deve ser uma voz política de peso. A minha pesquisa tenta entender o que as grandes potências acham disso, o que elas pensam desta vontade brasileira de ser grande, o que elas estão dispostas a aceitar do Brasil.

A minha pesquisa descobriu que não existe este grande destaque do Brasil na política externa, os países no exterior não enxergam o Brasil desta forma. Especialmente em questões importantes de política global, ninguém espera que o Brasil tenha uma voz relevante nestas situações, ninguém espera que o Brasil se envolva na guerra em Gaza, ou na Ucrânia. O Brasil é um país que é visto como uma potência média que tem muito espaço para contribuir em questões específicas, tem espaço para contribuir na questão ambiental, tem espaço para liderar uma questão regional, existe uma expectativa do Brasil como potência na América do Sul de que o Brasil poderia assumir este papel aqui, o que não aconteceu.

Nesta grande política global de política externa, não se acredita que o Brasil tenha relevância, especialmente na questão de segurança. O Brasil é visto como insignificante em relação a questões de segurança global. Por não ser uma grande potência militar ou econômica, não se espera que o Brasil tenha toda a relevância que o país quer ter.

Então existe esse descompasso entre o Itamaraty, que tem uma diplomacia muito profissional, séria e histórica que acredita que pode contribuir com a política global, mas acredita que pode contribuir na base de trazer capacidade de negociação, mediação, trazer competência técnica da diplomacia global e você tem o outro lado, do pessoal da realpolitik que fala que se o país não tem poder bruto, que seria poder militar e econômico, se não existe isso, então você não tem que se envolver. E isso se reflete no fato de que as grandes potências meio que ignoram que o Brasil quer ter essa relevância, foi assim na negociação do acordo nuclear com o Irã, foi assim no tal clube de paz que o Lula falou que iria criar para falar da Ucrânia, é assim até nesta grande polêmica com Israel.

Nenhuma potência se colocou de um lado ou de outro, ninguém liga. Ninguém acha que o comentário de Lula vai ser relevante para o debate, entre os atores envolvidos de fato como EUA, União Europeia e China, ninguém está pensando nisso. O Brasil está em outra divisão, não está envolvido e não tem voz.

Poderia ter um caminho para chegar lá, mas a ideia é que agora este espaço não existe.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Jim Watson/AFP

No livro você menciona o soft power brasileiro, muitas vezes linkado a estereótipos superficiais. Como o Brasil poderia ter Hard Power e isso alavancaria o status internacional do país?. Sem ter o chamado Hard Power, um país consegue ter a sua voz ouvida de uma forma sistemática e independente?

Nos anos 2000, existia a percepção de que o Brasil tinha potencial de ser a primeira potência a conseguir este status pelo Soft Power, porque era aquele contexto global que havia espaço para isso, o mundo estava mais aberto. No contexto atual, que o poder bruto voltou a ser a moeda que manda, não existe espaço para Soft Power, apenas para Hard Power.

Tem um caminho para o Brasil que é a economia. Quando falamos de Hard Power, geralmente pensamos em poder militar, mas não é necessariamente isso. O poder econômico pode ter algum caminho. Com a economia, você pode influenciar outros países da mesma forma que com o poder bruto, com pressão econômica, seja com sanção ou oferta de vantagem. Isso acontece muito com a China, que tem um grande Exército, mas exerce uma influência muito maior pela economia.

Pelas entrevistas que eu fiz, este é o caminho para o Brasil, é assim que o País pode construir um novo status. O caminho seria construir uma economia que não possa ser deixada de lado, que não possa ser ignorada. E aí o País passa a entrar nestas negociações. Este é o caminho para construir um status mais alto, neste mundo que está voltado para o Hard Power.

Na minha tese eu faço uma analogia sobre o Brasil em que comparo o País a um zelador de um prédio, que tem influência no prédio, sabe o que está rolando e quais são as regras, mas na hora que a decisão acontece, ele não tem poder de voto. O Brasil está lá, dá pitaco, mas na hora de resolver mesmo, o País está fora da sala. O Soft Power faz com que o Brasil seja amigão de todo mundo, mas na hora de tomar as grandes decisões de política o Brasil não vai estar lá.

A posição histórica do Brasil na diplomacia, de neutralidade, pode levar o país à uma certa irrelevância no mundo de hoje, polarizado e cada vez mais dividido? Ao mesmo tempo, uma posição que não seja de neutralidade pode acabar ficando refém das ideologias de plantão que cheguem ao poder, prejudicando a diplomacia como política de Estado? É possível se manter “neutro” no mundo atual?

O crescimento dessa percepção de bipolaridade ou dos EUA contra uma aliança de Rússia e China pode forçar os países a se inclinarem para um lado ou outro. Ficar em cima do muro ou neutro é uma estratégia que atrapalha países que querem ter um papel de liderança.

Eu ouvi de muita gente que o Brasil quer ser líder sem ter que liderar nada. Quer ser uma liderança, mas na hora que precisa tomar uma decisão fica neutro. Países que lideram precisam aceitar o custo político das decisões que tomam. O Brasil não pode dizer que quer ser líder e afirmar que é neutro em relação à guerra na Ucrânia. Se quiser ser líder, precisa de um lado, precisa assumir a sua posição.

É o que está acontecendo em relação a Israel. O Brasil está assumindo uma postura rara de comprar uma briga com Israel, descendo de cima do muro e eu tenho argumentado que o Brasil quer fazer isso para assumir um papel de liderança no chamado Sul Global. Não sei se vai dar certo ou não, mas é uma aposta. Historicamente o Brasil fica em cima do muro.

Ficar em cima do muro é muito bom para uma potência média, uma potência média é amiga de todo mundo, tem relação com todo mundo e não está tentando participar de todos os assuntos. Uma potência média escolhe as suas áreas de atuação, como é o caso da Austrália, que tem relevância na questão regional e participação em algumas questões globais, assim como o Canadá, que é um país que não está brigando para ser grande, é uma potência média que tem uma participação fundamental na discussão sobre refugiados no mundo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Se o Brasil assumir que aceita ser uma potência média, como muita gente acha que o Brasil já é, ele pode ser neutro a vida toda e ficar calado sobre assuntos como a guerra na Ucrânia. O Brasil pode por exemplo se tornar um País imprescindível para falar de meio ambiente, obrigando todos os países que queiram falar sobre isso a procurar o Brasil, e aí não se posicionar em outros assuntos. Isso é um papel de potência média que escolhe suas áreas de atuação e não tenta ser maior do que é, participar de tudo.

Seria uma solução boa para que o Brasil não tivesse que assumir um lado e bancar um custo por todas as suas ações. Visto de fora, o Brasil não tem nenhuma estratégia. Só sabemos que o Brasil quer ser uma grande potência, mas ninguém sabe pra que o Brasil quer ser uma grande potência.

Como você avalia a tentativa brasileira de ter relevância internacional ao Lula se colocar como possível mediador na Ucrânia e também na guerra entre Israel e Hamas. Além da retórica de Lula ter atrapalhado, seria o tipo de atuação internacional que o Brasil não conseguiria ter?

O fracasso do Brasil em costurar um acordo nuclear com o Irã foi exatamente isso. O Brasil estava no auge da sua projeção de política externa e quando chegou na negociação achando que tinha resolvido o problema, os países do Ocidente olharam para isso e falaram que eles é que resolveriam o problema. Isso é um exemplo muito claro. No momento em que o Brasil estava bem, tinha algum reconhecimento internacional e prestígio, o Brasil deu um passo maior que a perna e se envolveu em algo que não era para ter se envolvido.

Em relação a guerra na Ucrânia é a mesma coisa. O Brasil não vai se envolver militarmente ou economicamente com a guerra. Na realpolitik, não existe isso de sentar para conversar, é um jogo de disputa de poder que não vai ser resolvido na base de ser um País legal e que conversa com todo mundo.

O Brasil pode influenciar o Haiti, pode liderar uma missão de paz como já fez no passado, teria tudo para resolver a questão política da Venezuela, mas não consegue. Esse era o jogo que o Brasil teria que jogar, mas não consegue fazer isso. As potências enxergam o Brasil como capaz de resolver a questão da Venezuela, mas aí o Maduro diz que vai invadir a Guiana e o Brasil não faz nada. Nesses momentos o Brasil vacila.

Entrevista por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

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