O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quarta-feira, 6, que ficou feliz com a convocação das eleições na Venezuela. E apontou para oposição ao regime de Nicolás Maduro, que teve o seu nome de maior peso, María Corina Machado, impedida de concorrer.
“Espero que pessoas que estão disputando eleições na Venezuela não tenham o hábito do ex-presidente desse País de negar durante todo o processo eleitoral a lisura”, declarou Lula em referência a Jair Bolsonaro.
Em mais um paralelo com a política brasileira, o petista lembrou que estava inabilitado em 2018 (quando cumpria penas de 12 anos de prisão em ações no âmbito da Operação Lava Jato, posteriormente anuladas no STF), mas que “ao invés de ficar chorando”, indicou outro candidato para as eleições. No caso, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Lula tenta reabilitar a Venezuela no cenário internacional e já disse que a definição sobre as eleições daria “autoridade moral” para pedir o fim das sanções, que chamou de absurdas durante viagem a Bruxelas no ano passado para cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia (UE).
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Acontece que o regime Nicolás Maduro tem dado sinais de que pode descumprir os acordos de Barbados, quando se comprometeu em garantir eleições livres, com observadores internacionais. María Corina Machado, considerada a candidata mais forte para enfrentá-lo nas eleições teve a inelegibilidade confirmada depois de vencer as primárias da oposição com mais de 90% dos votos.
O anúncio levou Washington a retomar sanções que haviam sido relaxadas diante da promessa de uma disputa justa. E países da América do Sul, como Argentina, Uruguai, Paraguai e Equador (governados pela direita ou centro direita) condenaram a inelegibilidade da líder opositora. O Brasil, por sua vez, ficou em silêncio.
Relembre as principais polêmicas envolvendo o governo Lula e a ditadura na Venezuela
Democracia ‘relativa’
O petista causou polêmica ao relativizar o conceito de democracia para defender o regime chavista. “A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim”, declarou o presidente em entrevista à Rádio Gaúcha, em junho do ano passado.
“Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala”, seguiu dizendo.
A declaração de Lula foi rebatida na época pelo embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybañez, ao Estadão. “Para nós, a democracia não é relativa. Democracia existe ou não existe. Na Venezuela, não existe democracia. No Brasil, existe”, disse. “Eleições e o respeito aos direitos humanos são elementos essenciais na democracia. E isso não é cumprido na Venezuela”, concluiu.
Recepção em Brasília
Antes disso, Lula já havia sido alvo de críticas por declarações ao lado de Maduro, em uma recepção oficial confirmada de última hora às margens do encontro de líderes sul-americanos que o petista promoveu em Brasília, no fim de maio. Na ocasião, o petista isentou o chavista de responsabilidades sobre a crise econômica, condenou as sanções e anunciou: “É o começo da volta do Maduro”. Ainda nas palavras de Lula, um “momento histórico”.
“É culpa dos Estados Unidos, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado. Eu sempre acho que bloqueio é pior do que a guerra, porque a guerra mata soltados em batalha. O bloqueio mata crianças, mulheres, pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica em jogo.”
‘Narrativas’ sobre a crise
Nesse mesmo discurso, o petista defendeu ainda que a Venezuela precisa fazer frente às “narrativas” construídas por opositores no cenário internacional.
“Acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você construa a sua narrativa e acho que por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser melhor do que a que têm usado contra você”, disse Lula, no microfone, em fala endereçada diretamente a Maduro. “Nossos adversários vão ter que pedir desculpa pelo estrago que fizeram na Venezuela.”
Na época, analistas alertaram que a defesa do regime chavista poderia prejudicar o Brasil ao colocar o País como um aliado da Venezuela. “Ao abraçar explicitamente a linha oficial do governo Maduro, Lula se posicionou como um dos principais aliados da Venezuela”, escreveu Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão, destacando que a maioria dos outros aliados da Venezuela são regimes autocráticos.
As falas de Lula também foram duramente rebatidas pelos presidente do Chile, Gabriel Boric (de esquerda), e do Uruguai, Luis Lacalle Pou (centro-direita), causando um certo desconforto e ofuscando o encontro de líderes da América do Sul. O documento final trouxe apenas promessas de maior integração regional, mas sem medidas concretas e sem menção à União de Nações Sul-Americanas, a Unasul defendida por Lula.
Insistência em ‘democracia’ na Venezuela
Mesmo diante das críticas, o presidente brasileiro não recuou na defesa do regime chavista e insistiu que há democracia na Venezuela. “Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula um dia depois da recepção a Nicolás Maduro em Brasília. “O chavismo disputou 29 eleições e perdeu duas”, acrescentou.
Além de reafirmar a tese de que há uma “narrativa” construída sobre Caracas. “Quando se quer destruir alguém na política de constrói uma narrativa. Quem construir a narrativa primeiro ganha”, disse. “Desde que Chávez tomou posse, foi construída uma narrativa que determina que ele é um demônio e ai começaram a jogar todo mundo contra ele.”