O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, aproveitou a passagem por duas reuniões nesta quarta e quinta-feira, 8, em Paris, para restabelecer a autodenominação do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) como nação “em desenvolvimento”. Em 2019, no governo de Jair Bolsonaro, o País havia renunciado à definição, que tem efeitos práticos no tratamento que os países recebem em acordos comerciais.
Na quarta-feira, 7, em reunião ministerial de países membros da OMC, Vieira abriu a sua intervenção avisando aos pares do novo posicionamento brasileiro. Além do Brasil, participaram representantes de países como Canadá, China, EUA, Japão e de membros da União Europeia.
“Como país em desenvolvimento, o Brasil deseja uma OMC fortalecida e modernizada que incorpore plenamente o desenvolvimento e os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) em sua agenda”, afirmou.
A mudança de tom da diplomacia brasileira foi revelada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pelo Estadão por um integrante da comitiva de Vieira em Paris.
O Brasil havia renunciado ao status em 2019 atendendo à exigência do então presidente dos EUA, Donald Trump, em troca de apoio americano à indicação do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Dessa forma, o País abria mão do tratamento diferenciado e especial na entidade que arbitra as relações comerciais.
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Países em desenvolvimento têm tratamento mais flexível para se adequar às normas e decisões do órgão. Além disso, ao entrar em negociações comerciais bilaterais, podem avocar o status para ter acesso facilitado a mercados ou para beneficiar seus produtores sem serem punidos pelas regras do comércio internacional.
Os EUA pressionam para encerrar o tratamento diferenciado de países na OMC, com o argumento de que beneficia concorrentes que poderiam competir em condição de igualdade.
Em discurso na manhã desta quinta, no Grupo de Ottawa, que reúne 13 países e a União Europeia, Vieira reafirmou a condição do Brasil como País em desenvolvimento e defendeu o fortalecimento da OMC, retomando a tradicional linha do Itamaraty em prol de instituições multilaterais, adormecida sob Bolsonaro.
“Conforme ressaltamos na reunião de ontem (quarta), organizada pela Austrália, o Brasil, como país em desenvolvimento, quer uma OMC fortalecida e modernizada, que incorpore em sua agenda temas de desenvolvimento, bem como a perspectiva do desenvolvimento sustentável, sem deixar de lado temas tradicionais, como agricultura”, afirmou.
A diretora-geral da entidade, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, fez um apelo aos países para reforçarem suas representações no organismo em vez de acirrarem o protecionismo. Uma reunião ministerial prevista para 2024 em Abu Dhabi visa reanimar a OMC em um momento em que os países adotam políticas para proteger os seus próprios mercados.
Uma das queixas de Vieira, em seus discursos, foi a adoção do tema da sustentabilidade e da defesa do meio ambiente como “pretexto” para o protecionismo.
“Ao olharmos para o futuro, vemos a sustentabilidade ambiental como uma questão fundamental, mas que não pode ser usada como pretexto para o protecionismo crescente em todo o mundo”, afirmou, no encontro de ministros da OMC.
“Para garantir um futuro verdadeiramente sustentável, os países em desenvolvimento devem ser incluídos nas revoluções tecnológicas e de produção necessárias para a transição, e não ser relegados uma vez mais a meros exportadores de matérias-primas”, acrescentou.
O tema ambiental se transformou em um impasse na negociação entre Mercosul e União Europeia após os europeus enviarem exigências adicionais neste capítulo para formalizar o acordo de abertura comercial, o que foi tratado como inapropriado pelo Brasil.
Em Paris, Vieira também participou de reunião a portas fechadas com a chanceler da França, Catherine Colonna, com quem discutiu os novos termos apresentados pelos europeus. O país é um dos mais refratários ao acordo comercial com o Mercosul.