O som das sirenes que alertam para bombardeios se misturava com a melodia do Parabéns a Você e as palmas em um bunker de Zaporizhzhia, na Ucrânia. Na mesa, um pequeno bolo para marcar o aniversário do brasileiro Saviano Abreu, que completou 39 anos no dia 9 deste mês.
A comemoração foi um breve suspiro para a equipe da ONU que por mais de um mês trabalhou na negociação com a Rússia para liberar civis ucranianos presos em túneis na siderúrgica Azovstal, em Mariupol.
Ele nasceu em Abre Campos, Minas Gerais. Hoje, a quase 11 mil quilômetros de sua terra natal, ele é a voz da solidariedade do grupo da ONU no conflito. “Nesta missão, sou o porta-voz do grupo e tenho como foco ajudar na comunicação entre Rússia e Ucrânia para liberar os civis que tentam sair da área. É um trabalho delicado, pois nos faltam informações sobre quantas pessoas precisam dessa ajuda”, contou Abreu ao Estadão.
Durante o cessar-fogo na região, que durou pouco mais de uma semana, a equipe conseguiu entrar três vezes na área da siderúrgica, sitiada pela Rússia. Ao todo, 500 civis foram resgatados em três ações da ONU e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha – apenas as crianças, mulheres e idosos.
Estado de choque
Abreu participou das três negociações e estava na equipe do segundo resgate, no início de maio. Ele conta que as pessoas saem dos túneis em choque. “Muitas estão há dois meses trancadas em bunkers, sem ver a luz do sol, sem saber o que está ocorrendo. Muitas não tiveram acesso a água para higiene e só comiam uma vez por dia.”
Mariupol está sob controle russo, mas muitos ficaram presos em Azovstal – uma usina da era soviética que possui labirintos de túneis capazes de resistir a ataques. “Estamos em negociação para novas ações, mas não podemos dar detalhes”, explica o brasileiro.
Quando questionado quais foram as cenas mais fortes que presenciou, Abreu responde com a voz embargada. “Quando peguei nas mãos de duas mulheres com mais de 80 anos que nunca saíram de sua cidade e agora precisam fugir da guerra. Lembrei de minha avó, de 98 anos, que vive em Abre Campos. Imaginei como seria doloroso para ela sair de casa nessa situação.”
Nos dias de resgate, Abreu presenciou famílias se separando e civis em estado de choque, que não conseguiam verbalizar qualquer palavra. Mas ele conta que, também, encontrou esperança no olhar dos resgatados. “A sensação é reconfortante.”
Assistência aos civis
Quando são resgatados, os ucranianos recebem assistência imediata: um prato de comida quente, água e produtos de higiene. E também auxílio psicológico. Depois, devem definir o destino que querem seguir. É a sensação de levar esperança que ajuda Abreu a esquecer o estresse e o medo do conflito.
“Sim, temos medo. Sentimos solidão, sofremos muito com o que vemos. Mas sabemos que podemos ser a mão que salva a vida das pessoas – e isso supera qualquer sentimento individual”, descreve. Toda a equipe da ONU recebe treinamento para sobrevivência em situações extremas.
Abreu diz que não tem como precisar, mas acredita que cerca de 1.400 funcionários da ONU estejam trabalhando na Ucrânia para tentar amenizar os efeitos da guerra ou abreviá-la. Parte desse grupo é do escritório humanitário, do qual faz parte.
As equipes ficam em um bunker, em Zaporizhzhia, onde negociam os resgates e de onde se deslocam cerca de 130 quilômetros para a siderúrgica. “Essa movimentação é muito delicada. O trajeto, que demoraria poucas horas, pode durar dias. Cada passo é dado após negociação com Rússia e Ucrânia.”
Perigo
Do bunker, a equipe só sai com coletes e capacetes à prova de bala, uniforme e carro identificados. O brasileiro não tem ideia de quanto tempo ficará na Ucrânia, mas já conhece seu próximo destino. “Depois que cheguei aqui, fui informado que devo ser enviado ao Afeganistão. Mas não sei mais detalhes”.
Abreu está na ONU desde 2017 e já atuou em várias regiões do mundo que precisam de algum tipo de ajuda humanitária. “Minha mala está quase sempre pronta.”