A ampliação do Brics com a entrada de mais seis países deve diluir o peso do Brasil no bloco dos emergentes além de impor desafios à política externa do Itamaraty. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva era o líder mais resistente a convidar novos membros, mas acabou cedendo em troca do apoio da China à reforma do Conselho de Segurança da ONU, o que foi cumprido em partes.
A ampliação que era defendida por Pequim inclui os seguintes países: Argentina, Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos, que devem entrar oficialmente para o Brics a partir de 1º de janeiro de 2024 se cumprirem com as condições.
O Brasil, que atuava como um contraponto às posições antiocidentais de China e Rússia, agora deve ficar mais isolado dentro do próprio bloco, avalia o presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador Rubens Barbosa em entrevista ao Estadão.
“Fica difícil ver qual o rumo que o Brasil vai tomar. O país tem uma posição de equidistância na tensão entre China e Estados Unidos e uma posição declarada de equidistância na guerra da Ucrânia. Esse grupo claramente é liderado e influenciado pela China e vai tomar posições que necessariamente não estarão em linha com a política externa brasileira”, aponta o ex-embaixador, que tem se manifestado contra a expansão do Brics.
Além disso, a presença de regimes autocráticos deve criar dificuldades para política externa brasileira na arena internacional. “É um problema para o Brasil em áreas como direitos humanos, democracia, gênero... Como o Brics vai adotar uma posição sobre gênero com a presença da Arábia Saudita?”, questiona.
Diferente de Rússia, China, Índia e África do Sul, o governo brasileiro não apresentou uma lista de países a serem considerados pelo bloco, mas trabalhou em favor da Argentina.
A defesa do vizinho sul-americano já criou o primeiro constrangimento para a política externa brasileira. O país está no meio de uma eleição para presidente e os representantes da oposição já disseram que não aceitarão a entrada no bloco se forem eleitos.
Tanto o libertário Javier Milei como a candidata da centro-direita, Patricia Bullrich, rejeitaram o ingresso do país ao Brics horas depois que o convite foi oficializado. Milei alega que são “nações governadas pela esquerda” enquanto Bullrich justificou a reserva pela invasão da Rússia na Ucrânia e a presença de países como o Irã entre os novos membros.
“O Brasil defendeu a entrada da Argentina, conseguiu e agora os candidatos são contra. [...] Minha preocupação é como a política externa está sendo executada sem uma base sólida para avançar”, ressalta Barbosa.
A contrapartida oferecida para o Brasil voltar atrás na resistência à ampliação do Brics parece aquém do esperado. O comunicado conjunto assinado pelos Países-membros nesta quinta-feira, 24, defende “uma reforma abrangente da ONU, incluindo o Conselho de Segurança, tendo em vista torná-lo mais democrático, representativo, efetivo e eficiente”.
No que diz respeito ao Brasil, o texto apoia “as aspirações legítimas dos países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo Brasil, Índia e África do Sul de desempenhar um papel maior assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo o seu Conselho de Segurança”.
Barbosa avalia que a declaração “vai na direção do que o presidente Lula queria”. Mas pondera que “não é tudo que ele queria. Ele queria que a China se pronunciasse a favor do Brasil. Na linguagem diplomática, o trecho do comunicado vai nessa direção, mas não está totalmente explicitado”.
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O ex-embaixador considera que uma eventual adesão do Brasil seria sinal de prestígio para o País, mas que não há qualquer previsão de ampliação do Conselho de Segurança neste momento. Assim como a China parece indicar agora, os Estados Unidos também mudaram de posição sobre a composição no órgão decisório da ONU. No entanto, Rubens Barbosa acredita que o governo americano precisaria se engajar no processo para que uma reforma seja implementada. “Sem a liderança americana não vai acontecer. Depende da vontade política dos cinco países membros”, argumenta.
Moeda única
“Ninguém quer mudar a unidade monetária do país. O que nós queremos é criar uma moeda que permita que a gente faça negócio sem precisar comprar dólar”, disse o líder brasileiro durante a Cúpula.
Para Rubens Barbosa, a ideia de uma moeda única aos moldes do euro, que levou 50 anos para ser implementado na Europa, “é fora de cogitação”. O próprio comunicado final da Cúpula do Brics afirma que os ministros das finanças e presidentes do Banco Central foram encarregados de “conforme apropriado, a considerar a questão das moedas locais, instrumentos de pagamento”.
Na interpretação de Barbosa, o mais provável é que a ideia seja criar uma e espécie de “caixa de compensação de moedas”, como já aconteceu em outros momentos.
“Havia no passado um convênio de créditos recíprocos, que era operado pelos bancos centrais. Então dentro dos Brics faria sentido ter uma caixa de compensação em o país pagaria na moeda local, o real por exemplo, e faria a compensação entre importação e exportação. O Brasil como tem um saldo muito grande com a China ficaria com muito renminbi (moeda chinesa) e poderia pagar outras coisas com essa moeda”, explica.
Essa ideia, avalia Rubens Barbosa, faz sentido para estimular o comércio entre os países do bloco, como tem se discutido também no âmbito do Mercosul. No entanto, ele acredita que focará ainda mais complexo com o Brics expandido. “Se já era difícil com cinco Países-membros imagina com onze”, conclui.