Burocracia, falta de assistência e choque cultural dificultam vida de refugiados afegãos no Brasil


Um ano depois do retorno do Taleban ao poder, 5,6 mil afegãos conseguiram o visto para o Brasil; outros 6 mil estão em filas de espera para morar no país

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

Ahmad Jan não conhecia praticamente nada do Brasil quando viu um post do Facebook que dizia que o país estava concedendo visto humanitário para afegãos que desejavam fugir do Taleban. Havia seis meses que ele tinha saído do Afeganistão junto da família e ido para o Irã com vistos temporários, sem saber como se manter em um país que cobra oito dólares por dia depois que os vistos se vencem. “Mas, então, eu soube do Brasil e decidi ir até a embaixada. Até aquele momento, eu só sabia que o país tinha a Seleção Brasileira e o Pelé”, contou.

De origem hazara, etnia perseguida pelo Taleban, Ahmad Jan faz parte de um grupo de pelo menos 12 mil afegãos que escolheram o Brasil como destino desde a queda de Cabul, no dia 15 de agosto de 2021, exatamente um ano atrás – destes, 5.651 conseguiram o visto até o dia 9 deste mês. O afegão, de 45 anos, trabalhava como parteiro e professor universitário na capital do país e deixou tudo para trás com medo da repressão do grupo extremista.

Ahmad sabe o que é viver sob o Taleban. No primeiro governo do grupo extremista no Afeganistão (1996-2001), ele foi espancado ao ir à cidade pelo simples motivo de não ter uma barba grande o suficiente. “Eu vivi aqueles tempos, via o Taleban batendo nas pessoas todos os dias com pedaços de madeira e até com projéteis de RPG (lançador de granada propulsada, uma arma anti-tanque)”, relembrou. Pai de uma garota de 17 anos e dois garotos de 16, ele também se preocupou com o futuro dos filhos em um regime que proíbe as mulheres de frequentar a escola e trabalhar. Por isso, fugiu do Afeganistão para morar em um lugar completamente desconhecido e distante culturalmente.

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Desde que chegou ao país com a esposa e os três filhos, Ahmad mora em um centro de acolhida presbiteriano em Rio Grande da Serra, município de 51 mil habitantes a 40 quilômetros da cidade de São Paulo. No centro, eles têm aula de português junto com refugiados afegãos e de outras nacionalidades, mas a principal barreira para a adaptação continua sendo o idioma. “Estou agradecido pelos meus filhos poderem ir à escola, mas eles querem prestar Enem no ano que vem para ir à universidade e essa é uma das minhas maiores preocupações”, declarou.

Antes de chegar ao Brasil, Ahmad precisou aguardar entre três e quatro meses entre a solicitação de entrevista e a obtenção do visto brasileiro. Esse tempo de espera, entretanto, se tornou maior à medida que mais e mais afegãos começaram a solicitar os vistos para o país, causando uma superlotação nas embaixadas brasileiras responsáveis pelo processo (como o Brasil não tem representação em Cabul, o visto é obtido em outros países).

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Atualmente, a Embaixada em Teerã – onde Ahmad conseguiu o documento – possui uma fila de 4.883 afegãos com entrevista marcada para obtenção do visto marcada e não aceita mais agendamentos desde julho. Em Islamabad, no Paquistão, as entrevistas estão suspensas desde abril e 1.204 pessoas estão na fila das entrevistas. De acordo com o Itamaraty, o último agendado em Islamabad vai fazer a entrevista no dia 11 de janeiro de 2023.

Na avaliação do advogado Vitor Bastos, que faz parte de um grupo de profissionais que auxilia afegãos que tentam vir ao Brasil, a demora e a estrutura inferior à demanda são os principais obstáculos que impedem os afegãos de virem ao Brasil. Como os países onde as embaixadas estão também exigem o visto para os afegãos, eles precisam correr para conseguir um agendamento enquanto ainda estão regulares no Irã ou no Paquistão. “Se manter regular no Irã ou no Paquistão enquanto aguarda a decisão sobre o visto humanitário é uma das grandes aflições dos afegãos”, declarou Vitor.

Espera longa

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Mansour Rabiei, administrador de 38 anos, soube da possibilidade de vir ao Brasil cerca de duas semanas depois do Taleban chegar à Cabul e retomar o poder. Funcionário do Ministério do Interior durante o governo de Ashraf Ghani, o afegão precisou sair do país para não ser procurado pelo regime. Enquanto se escondia na residência de amigos em Cabul, soube através de um primo que morava no Brasil que o governo brasileiro havia instituído o visto humanitário – e começou, ainda em setembro, a se mobilizar para obter o documento.

Imagem mostra Mansour Rabiei ao lado da esposa, Wahida Rabiei, e dos três filhos. Família tenta vir ao Brasil para se refugiar Foto: Arquivo Pessoal / Mansour Rabiei

Somente no dia 27 de julho, quase um ano depois, é que Mansour conseguiu fazer a entrevista. Ele ainda aguarda obter o documento, aprovado esta semana, para viajar.

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Até a entrevista, no entanto, Mansour viveu escondido durante cinco meses em Cabul. Ele tentava obter o visto para o Paquistão, onde entraria em contato com a embaixada brasileira, mas, por motivo desconhecido, demorou meses. No período que estava escondido na capital afegã com a família, ele quase foi pego pelo regime. “O Taleban começou um programa para encontrar opositores em casa. No dia que eles vieram ao meu bairro, eu precisei me esconder em um hospital infantil e esperei eles revistarem todas as casas”, relatou.

Enquanto estava escondido, os membros do regime foram até a casa onde estava o restante da família. O filho de Mansour, de apenas 9 anos, foi quem atendeu. “Perguntaram para ele com que eu trabalhava. Ele disse que eu era eletricista. Nós tínhamos o instruído a isso”, disse.

Quando conseguiu o visto para o Paquistão, em meados de abril deste ano, Mansour precisou cruzar a fronteira entre os países pela estrada, em uma travessia arriscada devido à presença de membros do Taleban no interior do país. A família havia cruzado primeiro. Meses depois, ele seguiu de carona. “Cruzei a fronteira dormindo no banco, com medo do Taleban parar o carro e me fazer perguntas. Eu tinha muito medo, e eu sabia que eles podiam notar isso”, contou. Desde então, ele mora num quarto de hotel em Islamabad mantido por amigos e familiares.

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O cofundador e vice-líder do Taleban, o mulá Abdul Ghani Baradar, voltou ao Afeganistão em um movimento visto como a 'coroação' dos insurgentes ao poder do país. Horas depois, o grupo realizou uma coletiva de imprensa na qual prometeram um regime 'positivamente diferente' do liderado entre 1996 e 2001.

Riscos na travessia

Assim como Mansour, outros 182 mil afegãos se viram forçados a sair do país em direção aos países vizinhos (Paquistão, Irã, Uzbequistão e Tajiquistão) por causa do regime, de acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Internamente, 700 mil afegãos se deslocaram no último ano, acrescenta o órgão.

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Durante os anos que as tropas americanas ocuparam o Afeganistão, o Taleban se espalhou pelas zonas rurais do país, de difícil acesso, e passou a ter controle de algumas estradas. A travessia é, portanto, perigosa – e ser capturado significa a prisão, o espancamento ou a morte. “O Afeganistão visto de cima é como uma ratoeira, cheia de buracos, montanhas. As fronteiras entre os países são extremamente fluidas. Eles podem estar em qualquer lugar”, disse o ex-embaixador Fausto Godoy, primeiro diplomata brasileiro na Embaixada de Islamabad e hoje professor da ESPM.

O fluxo migratório também criou redes de propinas nas fronteiras e estradas internas. Segundo Vitor Bastos, dezenas de afegãos passaram a relatar que tiveram que pagar preços altos para cruzar a fronteira para os países vizinhos, mesmo com vistos em mãos. “No início, o fluxo de pessoas saindo era mais fácil, mas depois começou a ser dificultado e a cobrança de propina aumentou na fronteira”, declarou.

Em alguns casos, as famílias são presas por guardas de fronteira e separadas. Ali Kazimi, de 43 anos, e Fatima Kazimi, de 36, foram separados dos filhos Sohail Kazimi e Sahil Kazimi enquanto tentavam chegar à Turquia através da fronteira com o Irã. Eles foram pegos e deportados ao Afeganistão, mas os filhos, ambos menores de idade, foram enviados para um centro de acolhimento na Turquia. Os dois permanecem até o momento sob a tutela de um brasileiro, Lucas Cabral Ferreira, que mora em Istambul desde 2018 e é líder do conselho de cidadãos brasileiros junto ao consulado brasileiro.

Ali e Fatima Kazimi conseguiram o visto para o Brasil na Embaixada de Islamabad, mas os dois filhos não conseguiram o documento para se juntar aos pais em Morungaba, interior de São Paulo. Segundo Lucas, a justificativa da embaixada foi que eles não seriam vacinados contra covid-19. O Itamaraty nega que isso tenha acontecido. “Em reconhecimento à situação de vulnerabilidade das pessoas no Afeganistão, o governo brasileiro dispensou nacionais afegãos da apresentação de comprovante de vacina para entrada no território nacional”, declarou em nota.

Os pais de Sohail Kazimi e Sahil Kazimi tentam agora retornar à Turquia para encontrar os filhos, que possuem autorização para permanecer no país até 18 de setembro. “Então, as crianças se tornarão ilegais na Turquia. Eles precisam de ajuda imediata”, declarou Lucas.

Falta de opções

Desesperados para chegar a algum lugar onde se sintam seguros, os afegãos olham o Brasil como um país possível, mesmo que o desconheçam quase por completo e que as dificuldades para obter o visto sejam muitas. Shekiba Elyasi, de 26 anos, conta que soube do país através de uma amiga que mora no Canadá e é integrante do Médicos Sem Fronteiras. Escolheu-o por saber que, no Afeganistão, sendo ela mulher e da etnia hazara, seria oprimida pelo Taleban, assim como as suas duas irmãs.

Quando o grupo extremista chegou ao poder, Shekiba estava no segundo ano da universidade, onde cursava obstetrícia. A irmã estava prestes a se formar na graduação e a irmã mais nova estava na escola. “Agora, não temos nenhum plano, nenhum futuro. Não sabemos o que vai acontecer, o que faremos com o nosso futuro”, contou. Entre os maiores medos, estão o casamento forçado e a restrição de não poder trabalhar, estudar e sair de casa.

Shekiba Elyasi, de 26 anos, está no Irã desde novembro do ano passado, onde aguarda vir com a família para o Brasil Foto: Arquivo Pessoal / Shekiba Elyasi

Desde novembro do ano passado, a afegã está no Irã com um irmão com um visto temporário de um ano. Ela obteve o visto para o Brasil em junho, mas não viajou porque aguarda o restante da família – que está no Afeganistão – também conseguir o documento. Nos últimos dois meses, ela aproveitou para começar a estudar português. “Não conheço nada do Brasil, mas estou esperançosa”, declarou.

Segundo o ex-embaixador Fausto Godoy, o desconhecimento reflete o quanto a política externa do Brasil está afastada de países asiáticos. “Estamos muito apequenados nesta política, não temos uma presença nesta região”, avaliou. Além disso, acrescenta, a própria estrutura das embaixadas na região é outro sinal do desinteresse político.

Mas, para quem está aqui, o Brasil pode ser um lugar que, apesar de toda a distância cultural e física, a adaptação é possível. “Sinto saudades dos meus amigos que estão no Afeganistão, mas estou em uma cidade tranquila e acolhedora. Minha filha e meus filhos estão na escola, e isso é o mais importante. No Brasil, me sinto relaxado, sem problemas mentais. No Afeganistão, todos têm problemas mentais por conta da situação do país”, concluiu Ahmad Jan.

Ahmad Jan não conhecia praticamente nada do Brasil quando viu um post do Facebook que dizia que o país estava concedendo visto humanitário para afegãos que desejavam fugir do Taleban. Havia seis meses que ele tinha saído do Afeganistão junto da família e ido para o Irã com vistos temporários, sem saber como se manter em um país que cobra oito dólares por dia depois que os vistos se vencem. “Mas, então, eu soube do Brasil e decidi ir até a embaixada. Até aquele momento, eu só sabia que o país tinha a Seleção Brasileira e o Pelé”, contou.

De origem hazara, etnia perseguida pelo Taleban, Ahmad Jan faz parte de um grupo de pelo menos 12 mil afegãos que escolheram o Brasil como destino desde a queda de Cabul, no dia 15 de agosto de 2021, exatamente um ano atrás – destes, 5.651 conseguiram o visto até o dia 9 deste mês. O afegão, de 45 anos, trabalhava como parteiro e professor universitário na capital do país e deixou tudo para trás com medo da repressão do grupo extremista.

Ahmad sabe o que é viver sob o Taleban. No primeiro governo do grupo extremista no Afeganistão (1996-2001), ele foi espancado ao ir à cidade pelo simples motivo de não ter uma barba grande o suficiente. “Eu vivi aqueles tempos, via o Taleban batendo nas pessoas todos os dias com pedaços de madeira e até com projéteis de RPG (lançador de granada propulsada, uma arma anti-tanque)”, relembrou. Pai de uma garota de 17 anos e dois garotos de 16, ele também se preocupou com o futuro dos filhos em um regime que proíbe as mulheres de frequentar a escola e trabalhar. Por isso, fugiu do Afeganistão para morar em um lugar completamente desconhecido e distante culturalmente.

Desde que chegou ao país com a esposa e os três filhos, Ahmad mora em um centro de acolhida presbiteriano em Rio Grande da Serra, município de 51 mil habitantes a 40 quilômetros da cidade de São Paulo. No centro, eles têm aula de português junto com refugiados afegãos e de outras nacionalidades, mas a principal barreira para a adaptação continua sendo o idioma. “Estou agradecido pelos meus filhos poderem ir à escola, mas eles querem prestar Enem no ano que vem para ir à universidade e essa é uma das minhas maiores preocupações”, declarou.

Antes de chegar ao Brasil, Ahmad precisou aguardar entre três e quatro meses entre a solicitação de entrevista e a obtenção do visto brasileiro. Esse tempo de espera, entretanto, se tornou maior à medida que mais e mais afegãos começaram a solicitar os vistos para o país, causando uma superlotação nas embaixadas brasileiras responsáveis pelo processo (como o Brasil não tem representação em Cabul, o visto é obtido em outros países).

Atualmente, a Embaixada em Teerã – onde Ahmad conseguiu o documento – possui uma fila de 4.883 afegãos com entrevista marcada para obtenção do visto marcada e não aceita mais agendamentos desde julho. Em Islamabad, no Paquistão, as entrevistas estão suspensas desde abril e 1.204 pessoas estão na fila das entrevistas. De acordo com o Itamaraty, o último agendado em Islamabad vai fazer a entrevista no dia 11 de janeiro de 2023.

Na avaliação do advogado Vitor Bastos, que faz parte de um grupo de profissionais que auxilia afegãos que tentam vir ao Brasil, a demora e a estrutura inferior à demanda são os principais obstáculos que impedem os afegãos de virem ao Brasil. Como os países onde as embaixadas estão também exigem o visto para os afegãos, eles precisam correr para conseguir um agendamento enquanto ainda estão regulares no Irã ou no Paquistão. “Se manter regular no Irã ou no Paquistão enquanto aguarda a decisão sobre o visto humanitário é uma das grandes aflições dos afegãos”, declarou Vitor.

Espera longa

Mansour Rabiei, administrador de 38 anos, soube da possibilidade de vir ao Brasil cerca de duas semanas depois do Taleban chegar à Cabul e retomar o poder. Funcionário do Ministério do Interior durante o governo de Ashraf Ghani, o afegão precisou sair do país para não ser procurado pelo regime. Enquanto se escondia na residência de amigos em Cabul, soube através de um primo que morava no Brasil que o governo brasileiro havia instituído o visto humanitário – e começou, ainda em setembro, a se mobilizar para obter o documento.

Imagem mostra Mansour Rabiei ao lado da esposa, Wahida Rabiei, e dos três filhos. Família tenta vir ao Brasil para se refugiar Foto: Arquivo Pessoal / Mansour Rabiei

Somente no dia 27 de julho, quase um ano depois, é que Mansour conseguiu fazer a entrevista. Ele ainda aguarda obter o documento, aprovado esta semana, para viajar.

Até a entrevista, no entanto, Mansour viveu escondido durante cinco meses em Cabul. Ele tentava obter o visto para o Paquistão, onde entraria em contato com a embaixada brasileira, mas, por motivo desconhecido, demorou meses. No período que estava escondido na capital afegã com a família, ele quase foi pego pelo regime. “O Taleban começou um programa para encontrar opositores em casa. No dia que eles vieram ao meu bairro, eu precisei me esconder em um hospital infantil e esperei eles revistarem todas as casas”, relatou.

Enquanto estava escondido, os membros do regime foram até a casa onde estava o restante da família. O filho de Mansour, de apenas 9 anos, foi quem atendeu. “Perguntaram para ele com que eu trabalhava. Ele disse que eu era eletricista. Nós tínhamos o instruído a isso”, disse.

Quando conseguiu o visto para o Paquistão, em meados de abril deste ano, Mansour precisou cruzar a fronteira entre os países pela estrada, em uma travessia arriscada devido à presença de membros do Taleban no interior do país. A família havia cruzado primeiro. Meses depois, ele seguiu de carona. “Cruzei a fronteira dormindo no banco, com medo do Taleban parar o carro e me fazer perguntas. Eu tinha muito medo, e eu sabia que eles podiam notar isso”, contou. Desde então, ele mora num quarto de hotel em Islamabad mantido por amigos e familiares.

Seu navegador não suporta esse video.

O cofundador e vice-líder do Taleban, o mulá Abdul Ghani Baradar, voltou ao Afeganistão em um movimento visto como a 'coroação' dos insurgentes ao poder do país. Horas depois, o grupo realizou uma coletiva de imprensa na qual prometeram um regime 'positivamente diferente' do liderado entre 1996 e 2001.

Riscos na travessia

Assim como Mansour, outros 182 mil afegãos se viram forçados a sair do país em direção aos países vizinhos (Paquistão, Irã, Uzbequistão e Tajiquistão) por causa do regime, de acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Internamente, 700 mil afegãos se deslocaram no último ano, acrescenta o órgão.

Durante os anos que as tropas americanas ocuparam o Afeganistão, o Taleban se espalhou pelas zonas rurais do país, de difícil acesso, e passou a ter controle de algumas estradas. A travessia é, portanto, perigosa – e ser capturado significa a prisão, o espancamento ou a morte. “O Afeganistão visto de cima é como uma ratoeira, cheia de buracos, montanhas. As fronteiras entre os países são extremamente fluidas. Eles podem estar em qualquer lugar”, disse o ex-embaixador Fausto Godoy, primeiro diplomata brasileiro na Embaixada de Islamabad e hoje professor da ESPM.

O fluxo migratório também criou redes de propinas nas fronteiras e estradas internas. Segundo Vitor Bastos, dezenas de afegãos passaram a relatar que tiveram que pagar preços altos para cruzar a fronteira para os países vizinhos, mesmo com vistos em mãos. “No início, o fluxo de pessoas saindo era mais fácil, mas depois começou a ser dificultado e a cobrança de propina aumentou na fronteira”, declarou.

Em alguns casos, as famílias são presas por guardas de fronteira e separadas. Ali Kazimi, de 43 anos, e Fatima Kazimi, de 36, foram separados dos filhos Sohail Kazimi e Sahil Kazimi enquanto tentavam chegar à Turquia através da fronteira com o Irã. Eles foram pegos e deportados ao Afeganistão, mas os filhos, ambos menores de idade, foram enviados para um centro de acolhimento na Turquia. Os dois permanecem até o momento sob a tutela de um brasileiro, Lucas Cabral Ferreira, que mora em Istambul desde 2018 e é líder do conselho de cidadãos brasileiros junto ao consulado brasileiro.

Ali e Fatima Kazimi conseguiram o visto para o Brasil na Embaixada de Islamabad, mas os dois filhos não conseguiram o documento para se juntar aos pais em Morungaba, interior de São Paulo. Segundo Lucas, a justificativa da embaixada foi que eles não seriam vacinados contra covid-19. O Itamaraty nega que isso tenha acontecido. “Em reconhecimento à situação de vulnerabilidade das pessoas no Afeganistão, o governo brasileiro dispensou nacionais afegãos da apresentação de comprovante de vacina para entrada no território nacional”, declarou em nota.

Os pais de Sohail Kazimi e Sahil Kazimi tentam agora retornar à Turquia para encontrar os filhos, que possuem autorização para permanecer no país até 18 de setembro. “Então, as crianças se tornarão ilegais na Turquia. Eles precisam de ajuda imediata”, declarou Lucas.

Falta de opções

Desesperados para chegar a algum lugar onde se sintam seguros, os afegãos olham o Brasil como um país possível, mesmo que o desconheçam quase por completo e que as dificuldades para obter o visto sejam muitas. Shekiba Elyasi, de 26 anos, conta que soube do país através de uma amiga que mora no Canadá e é integrante do Médicos Sem Fronteiras. Escolheu-o por saber que, no Afeganistão, sendo ela mulher e da etnia hazara, seria oprimida pelo Taleban, assim como as suas duas irmãs.

Quando o grupo extremista chegou ao poder, Shekiba estava no segundo ano da universidade, onde cursava obstetrícia. A irmã estava prestes a se formar na graduação e a irmã mais nova estava na escola. “Agora, não temos nenhum plano, nenhum futuro. Não sabemos o que vai acontecer, o que faremos com o nosso futuro”, contou. Entre os maiores medos, estão o casamento forçado e a restrição de não poder trabalhar, estudar e sair de casa.

Shekiba Elyasi, de 26 anos, está no Irã desde novembro do ano passado, onde aguarda vir com a família para o Brasil Foto: Arquivo Pessoal / Shekiba Elyasi

Desde novembro do ano passado, a afegã está no Irã com um irmão com um visto temporário de um ano. Ela obteve o visto para o Brasil em junho, mas não viajou porque aguarda o restante da família – que está no Afeganistão – também conseguir o documento. Nos últimos dois meses, ela aproveitou para começar a estudar português. “Não conheço nada do Brasil, mas estou esperançosa”, declarou.

Segundo o ex-embaixador Fausto Godoy, o desconhecimento reflete o quanto a política externa do Brasil está afastada de países asiáticos. “Estamos muito apequenados nesta política, não temos uma presença nesta região”, avaliou. Além disso, acrescenta, a própria estrutura das embaixadas na região é outro sinal do desinteresse político.

Mas, para quem está aqui, o Brasil pode ser um lugar que, apesar de toda a distância cultural e física, a adaptação é possível. “Sinto saudades dos meus amigos que estão no Afeganistão, mas estou em uma cidade tranquila e acolhedora. Minha filha e meus filhos estão na escola, e isso é o mais importante. No Brasil, me sinto relaxado, sem problemas mentais. No Afeganistão, todos têm problemas mentais por conta da situação do país”, concluiu Ahmad Jan.

Ahmad Jan não conhecia praticamente nada do Brasil quando viu um post do Facebook que dizia que o país estava concedendo visto humanitário para afegãos que desejavam fugir do Taleban. Havia seis meses que ele tinha saído do Afeganistão junto da família e ido para o Irã com vistos temporários, sem saber como se manter em um país que cobra oito dólares por dia depois que os vistos se vencem. “Mas, então, eu soube do Brasil e decidi ir até a embaixada. Até aquele momento, eu só sabia que o país tinha a Seleção Brasileira e o Pelé”, contou.

De origem hazara, etnia perseguida pelo Taleban, Ahmad Jan faz parte de um grupo de pelo menos 12 mil afegãos que escolheram o Brasil como destino desde a queda de Cabul, no dia 15 de agosto de 2021, exatamente um ano atrás – destes, 5.651 conseguiram o visto até o dia 9 deste mês. O afegão, de 45 anos, trabalhava como parteiro e professor universitário na capital do país e deixou tudo para trás com medo da repressão do grupo extremista.

Ahmad sabe o que é viver sob o Taleban. No primeiro governo do grupo extremista no Afeganistão (1996-2001), ele foi espancado ao ir à cidade pelo simples motivo de não ter uma barba grande o suficiente. “Eu vivi aqueles tempos, via o Taleban batendo nas pessoas todos os dias com pedaços de madeira e até com projéteis de RPG (lançador de granada propulsada, uma arma anti-tanque)”, relembrou. Pai de uma garota de 17 anos e dois garotos de 16, ele também se preocupou com o futuro dos filhos em um regime que proíbe as mulheres de frequentar a escola e trabalhar. Por isso, fugiu do Afeganistão para morar em um lugar completamente desconhecido e distante culturalmente.

Desde que chegou ao país com a esposa e os três filhos, Ahmad mora em um centro de acolhida presbiteriano em Rio Grande da Serra, município de 51 mil habitantes a 40 quilômetros da cidade de São Paulo. No centro, eles têm aula de português junto com refugiados afegãos e de outras nacionalidades, mas a principal barreira para a adaptação continua sendo o idioma. “Estou agradecido pelos meus filhos poderem ir à escola, mas eles querem prestar Enem no ano que vem para ir à universidade e essa é uma das minhas maiores preocupações”, declarou.

Antes de chegar ao Brasil, Ahmad precisou aguardar entre três e quatro meses entre a solicitação de entrevista e a obtenção do visto brasileiro. Esse tempo de espera, entretanto, se tornou maior à medida que mais e mais afegãos começaram a solicitar os vistos para o país, causando uma superlotação nas embaixadas brasileiras responsáveis pelo processo (como o Brasil não tem representação em Cabul, o visto é obtido em outros países).

Atualmente, a Embaixada em Teerã – onde Ahmad conseguiu o documento – possui uma fila de 4.883 afegãos com entrevista marcada para obtenção do visto marcada e não aceita mais agendamentos desde julho. Em Islamabad, no Paquistão, as entrevistas estão suspensas desde abril e 1.204 pessoas estão na fila das entrevistas. De acordo com o Itamaraty, o último agendado em Islamabad vai fazer a entrevista no dia 11 de janeiro de 2023.

Na avaliação do advogado Vitor Bastos, que faz parte de um grupo de profissionais que auxilia afegãos que tentam vir ao Brasil, a demora e a estrutura inferior à demanda são os principais obstáculos que impedem os afegãos de virem ao Brasil. Como os países onde as embaixadas estão também exigem o visto para os afegãos, eles precisam correr para conseguir um agendamento enquanto ainda estão regulares no Irã ou no Paquistão. “Se manter regular no Irã ou no Paquistão enquanto aguarda a decisão sobre o visto humanitário é uma das grandes aflições dos afegãos”, declarou Vitor.

Espera longa

Mansour Rabiei, administrador de 38 anos, soube da possibilidade de vir ao Brasil cerca de duas semanas depois do Taleban chegar à Cabul e retomar o poder. Funcionário do Ministério do Interior durante o governo de Ashraf Ghani, o afegão precisou sair do país para não ser procurado pelo regime. Enquanto se escondia na residência de amigos em Cabul, soube através de um primo que morava no Brasil que o governo brasileiro havia instituído o visto humanitário – e começou, ainda em setembro, a se mobilizar para obter o documento.

Imagem mostra Mansour Rabiei ao lado da esposa, Wahida Rabiei, e dos três filhos. Família tenta vir ao Brasil para se refugiar Foto: Arquivo Pessoal / Mansour Rabiei

Somente no dia 27 de julho, quase um ano depois, é que Mansour conseguiu fazer a entrevista. Ele ainda aguarda obter o documento, aprovado esta semana, para viajar.

Até a entrevista, no entanto, Mansour viveu escondido durante cinco meses em Cabul. Ele tentava obter o visto para o Paquistão, onde entraria em contato com a embaixada brasileira, mas, por motivo desconhecido, demorou meses. No período que estava escondido na capital afegã com a família, ele quase foi pego pelo regime. “O Taleban começou um programa para encontrar opositores em casa. No dia que eles vieram ao meu bairro, eu precisei me esconder em um hospital infantil e esperei eles revistarem todas as casas”, relatou.

Enquanto estava escondido, os membros do regime foram até a casa onde estava o restante da família. O filho de Mansour, de apenas 9 anos, foi quem atendeu. “Perguntaram para ele com que eu trabalhava. Ele disse que eu era eletricista. Nós tínhamos o instruído a isso”, disse.

Quando conseguiu o visto para o Paquistão, em meados de abril deste ano, Mansour precisou cruzar a fronteira entre os países pela estrada, em uma travessia arriscada devido à presença de membros do Taleban no interior do país. A família havia cruzado primeiro. Meses depois, ele seguiu de carona. “Cruzei a fronteira dormindo no banco, com medo do Taleban parar o carro e me fazer perguntas. Eu tinha muito medo, e eu sabia que eles podiam notar isso”, contou. Desde então, ele mora num quarto de hotel em Islamabad mantido por amigos e familiares.

Seu navegador não suporta esse video.

O cofundador e vice-líder do Taleban, o mulá Abdul Ghani Baradar, voltou ao Afeganistão em um movimento visto como a 'coroação' dos insurgentes ao poder do país. Horas depois, o grupo realizou uma coletiva de imprensa na qual prometeram um regime 'positivamente diferente' do liderado entre 1996 e 2001.

Riscos na travessia

Assim como Mansour, outros 182 mil afegãos se viram forçados a sair do país em direção aos países vizinhos (Paquistão, Irã, Uzbequistão e Tajiquistão) por causa do regime, de acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Internamente, 700 mil afegãos se deslocaram no último ano, acrescenta o órgão.

Durante os anos que as tropas americanas ocuparam o Afeganistão, o Taleban se espalhou pelas zonas rurais do país, de difícil acesso, e passou a ter controle de algumas estradas. A travessia é, portanto, perigosa – e ser capturado significa a prisão, o espancamento ou a morte. “O Afeganistão visto de cima é como uma ratoeira, cheia de buracos, montanhas. As fronteiras entre os países são extremamente fluidas. Eles podem estar em qualquer lugar”, disse o ex-embaixador Fausto Godoy, primeiro diplomata brasileiro na Embaixada de Islamabad e hoje professor da ESPM.

O fluxo migratório também criou redes de propinas nas fronteiras e estradas internas. Segundo Vitor Bastos, dezenas de afegãos passaram a relatar que tiveram que pagar preços altos para cruzar a fronteira para os países vizinhos, mesmo com vistos em mãos. “No início, o fluxo de pessoas saindo era mais fácil, mas depois começou a ser dificultado e a cobrança de propina aumentou na fronteira”, declarou.

Em alguns casos, as famílias são presas por guardas de fronteira e separadas. Ali Kazimi, de 43 anos, e Fatima Kazimi, de 36, foram separados dos filhos Sohail Kazimi e Sahil Kazimi enquanto tentavam chegar à Turquia através da fronteira com o Irã. Eles foram pegos e deportados ao Afeganistão, mas os filhos, ambos menores de idade, foram enviados para um centro de acolhimento na Turquia. Os dois permanecem até o momento sob a tutela de um brasileiro, Lucas Cabral Ferreira, que mora em Istambul desde 2018 e é líder do conselho de cidadãos brasileiros junto ao consulado brasileiro.

Ali e Fatima Kazimi conseguiram o visto para o Brasil na Embaixada de Islamabad, mas os dois filhos não conseguiram o documento para se juntar aos pais em Morungaba, interior de São Paulo. Segundo Lucas, a justificativa da embaixada foi que eles não seriam vacinados contra covid-19. O Itamaraty nega que isso tenha acontecido. “Em reconhecimento à situação de vulnerabilidade das pessoas no Afeganistão, o governo brasileiro dispensou nacionais afegãos da apresentação de comprovante de vacina para entrada no território nacional”, declarou em nota.

Os pais de Sohail Kazimi e Sahil Kazimi tentam agora retornar à Turquia para encontrar os filhos, que possuem autorização para permanecer no país até 18 de setembro. “Então, as crianças se tornarão ilegais na Turquia. Eles precisam de ajuda imediata”, declarou Lucas.

Falta de opções

Desesperados para chegar a algum lugar onde se sintam seguros, os afegãos olham o Brasil como um país possível, mesmo que o desconheçam quase por completo e que as dificuldades para obter o visto sejam muitas. Shekiba Elyasi, de 26 anos, conta que soube do país através de uma amiga que mora no Canadá e é integrante do Médicos Sem Fronteiras. Escolheu-o por saber que, no Afeganistão, sendo ela mulher e da etnia hazara, seria oprimida pelo Taleban, assim como as suas duas irmãs.

Quando o grupo extremista chegou ao poder, Shekiba estava no segundo ano da universidade, onde cursava obstetrícia. A irmã estava prestes a se formar na graduação e a irmã mais nova estava na escola. “Agora, não temos nenhum plano, nenhum futuro. Não sabemos o que vai acontecer, o que faremos com o nosso futuro”, contou. Entre os maiores medos, estão o casamento forçado e a restrição de não poder trabalhar, estudar e sair de casa.

Shekiba Elyasi, de 26 anos, está no Irã desde novembro do ano passado, onde aguarda vir com a família para o Brasil Foto: Arquivo Pessoal / Shekiba Elyasi

Desde novembro do ano passado, a afegã está no Irã com um irmão com um visto temporário de um ano. Ela obteve o visto para o Brasil em junho, mas não viajou porque aguarda o restante da família – que está no Afeganistão – também conseguir o documento. Nos últimos dois meses, ela aproveitou para começar a estudar português. “Não conheço nada do Brasil, mas estou esperançosa”, declarou.

Segundo o ex-embaixador Fausto Godoy, o desconhecimento reflete o quanto a política externa do Brasil está afastada de países asiáticos. “Estamos muito apequenados nesta política, não temos uma presença nesta região”, avaliou. Além disso, acrescenta, a própria estrutura das embaixadas na região é outro sinal do desinteresse político.

Mas, para quem está aqui, o Brasil pode ser um lugar que, apesar de toda a distância cultural e física, a adaptação é possível. “Sinto saudades dos meus amigos que estão no Afeganistão, mas estou em uma cidade tranquila e acolhedora. Minha filha e meus filhos estão na escola, e isso é o mais importante. No Brasil, me sinto relaxado, sem problemas mentais. No Afeganistão, todos têm problemas mentais por conta da situação do país”, concluiu Ahmad Jan.

Ahmad Jan não conhecia praticamente nada do Brasil quando viu um post do Facebook que dizia que o país estava concedendo visto humanitário para afegãos que desejavam fugir do Taleban. Havia seis meses que ele tinha saído do Afeganistão junto da família e ido para o Irã com vistos temporários, sem saber como se manter em um país que cobra oito dólares por dia depois que os vistos se vencem. “Mas, então, eu soube do Brasil e decidi ir até a embaixada. Até aquele momento, eu só sabia que o país tinha a Seleção Brasileira e o Pelé”, contou.

De origem hazara, etnia perseguida pelo Taleban, Ahmad Jan faz parte de um grupo de pelo menos 12 mil afegãos que escolheram o Brasil como destino desde a queda de Cabul, no dia 15 de agosto de 2021, exatamente um ano atrás – destes, 5.651 conseguiram o visto até o dia 9 deste mês. O afegão, de 45 anos, trabalhava como parteiro e professor universitário na capital do país e deixou tudo para trás com medo da repressão do grupo extremista.

Ahmad sabe o que é viver sob o Taleban. No primeiro governo do grupo extremista no Afeganistão (1996-2001), ele foi espancado ao ir à cidade pelo simples motivo de não ter uma barba grande o suficiente. “Eu vivi aqueles tempos, via o Taleban batendo nas pessoas todos os dias com pedaços de madeira e até com projéteis de RPG (lançador de granada propulsada, uma arma anti-tanque)”, relembrou. Pai de uma garota de 17 anos e dois garotos de 16, ele também se preocupou com o futuro dos filhos em um regime que proíbe as mulheres de frequentar a escola e trabalhar. Por isso, fugiu do Afeganistão para morar em um lugar completamente desconhecido e distante culturalmente.

Desde que chegou ao país com a esposa e os três filhos, Ahmad mora em um centro de acolhida presbiteriano em Rio Grande da Serra, município de 51 mil habitantes a 40 quilômetros da cidade de São Paulo. No centro, eles têm aula de português junto com refugiados afegãos e de outras nacionalidades, mas a principal barreira para a adaptação continua sendo o idioma. “Estou agradecido pelos meus filhos poderem ir à escola, mas eles querem prestar Enem no ano que vem para ir à universidade e essa é uma das minhas maiores preocupações”, declarou.

Antes de chegar ao Brasil, Ahmad precisou aguardar entre três e quatro meses entre a solicitação de entrevista e a obtenção do visto brasileiro. Esse tempo de espera, entretanto, se tornou maior à medida que mais e mais afegãos começaram a solicitar os vistos para o país, causando uma superlotação nas embaixadas brasileiras responsáveis pelo processo (como o Brasil não tem representação em Cabul, o visto é obtido em outros países).

Atualmente, a Embaixada em Teerã – onde Ahmad conseguiu o documento – possui uma fila de 4.883 afegãos com entrevista marcada para obtenção do visto marcada e não aceita mais agendamentos desde julho. Em Islamabad, no Paquistão, as entrevistas estão suspensas desde abril e 1.204 pessoas estão na fila das entrevistas. De acordo com o Itamaraty, o último agendado em Islamabad vai fazer a entrevista no dia 11 de janeiro de 2023.

Na avaliação do advogado Vitor Bastos, que faz parte de um grupo de profissionais que auxilia afegãos que tentam vir ao Brasil, a demora e a estrutura inferior à demanda são os principais obstáculos que impedem os afegãos de virem ao Brasil. Como os países onde as embaixadas estão também exigem o visto para os afegãos, eles precisam correr para conseguir um agendamento enquanto ainda estão regulares no Irã ou no Paquistão. “Se manter regular no Irã ou no Paquistão enquanto aguarda a decisão sobre o visto humanitário é uma das grandes aflições dos afegãos”, declarou Vitor.

Espera longa

Mansour Rabiei, administrador de 38 anos, soube da possibilidade de vir ao Brasil cerca de duas semanas depois do Taleban chegar à Cabul e retomar o poder. Funcionário do Ministério do Interior durante o governo de Ashraf Ghani, o afegão precisou sair do país para não ser procurado pelo regime. Enquanto se escondia na residência de amigos em Cabul, soube através de um primo que morava no Brasil que o governo brasileiro havia instituído o visto humanitário – e começou, ainda em setembro, a se mobilizar para obter o documento.

Imagem mostra Mansour Rabiei ao lado da esposa, Wahida Rabiei, e dos três filhos. Família tenta vir ao Brasil para se refugiar Foto: Arquivo Pessoal / Mansour Rabiei

Somente no dia 27 de julho, quase um ano depois, é que Mansour conseguiu fazer a entrevista. Ele ainda aguarda obter o documento, aprovado esta semana, para viajar.

Até a entrevista, no entanto, Mansour viveu escondido durante cinco meses em Cabul. Ele tentava obter o visto para o Paquistão, onde entraria em contato com a embaixada brasileira, mas, por motivo desconhecido, demorou meses. No período que estava escondido na capital afegã com a família, ele quase foi pego pelo regime. “O Taleban começou um programa para encontrar opositores em casa. No dia que eles vieram ao meu bairro, eu precisei me esconder em um hospital infantil e esperei eles revistarem todas as casas”, relatou.

Enquanto estava escondido, os membros do regime foram até a casa onde estava o restante da família. O filho de Mansour, de apenas 9 anos, foi quem atendeu. “Perguntaram para ele com que eu trabalhava. Ele disse que eu era eletricista. Nós tínhamos o instruído a isso”, disse.

Quando conseguiu o visto para o Paquistão, em meados de abril deste ano, Mansour precisou cruzar a fronteira entre os países pela estrada, em uma travessia arriscada devido à presença de membros do Taleban no interior do país. A família havia cruzado primeiro. Meses depois, ele seguiu de carona. “Cruzei a fronteira dormindo no banco, com medo do Taleban parar o carro e me fazer perguntas. Eu tinha muito medo, e eu sabia que eles podiam notar isso”, contou. Desde então, ele mora num quarto de hotel em Islamabad mantido por amigos e familiares.

Seu navegador não suporta esse video.

O cofundador e vice-líder do Taleban, o mulá Abdul Ghani Baradar, voltou ao Afeganistão em um movimento visto como a 'coroação' dos insurgentes ao poder do país. Horas depois, o grupo realizou uma coletiva de imprensa na qual prometeram um regime 'positivamente diferente' do liderado entre 1996 e 2001.

Riscos na travessia

Assim como Mansour, outros 182 mil afegãos se viram forçados a sair do país em direção aos países vizinhos (Paquistão, Irã, Uzbequistão e Tajiquistão) por causa do regime, de acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Internamente, 700 mil afegãos se deslocaram no último ano, acrescenta o órgão.

Durante os anos que as tropas americanas ocuparam o Afeganistão, o Taleban se espalhou pelas zonas rurais do país, de difícil acesso, e passou a ter controle de algumas estradas. A travessia é, portanto, perigosa – e ser capturado significa a prisão, o espancamento ou a morte. “O Afeganistão visto de cima é como uma ratoeira, cheia de buracos, montanhas. As fronteiras entre os países são extremamente fluidas. Eles podem estar em qualquer lugar”, disse o ex-embaixador Fausto Godoy, primeiro diplomata brasileiro na Embaixada de Islamabad e hoje professor da ESPM.

O fluxo migratório também criou redes de propinas nas fronteiras e estradas internas. Segundo Vitor Bastos, dezenas de afegãos passaram a relatar que tiveram que pagar preços altos para cruzar a fronteira para os países vizinhos, mesmo com vistos em mãos. “No início, o fluxo de pessoas saindo era mais fácil, mas depois começou a ser dificultado e a cobrança de propina aumentou na fronteira”, declarou.

Em alguns casos, as famílias são presas por guardas de fronteira e separadas. Ali Kazimi, de 43 anos, e Fatima Kazimi, de 36, foram separados dos filhos Sohail Kazimi e Sahil Kazimi enquanto tentavam chegar à Turquia através da fronteira com o Irã. Eles foram pegos e deportados ao Afeganistão, mas os filhos, ambos menores de idade, foram enviados para um centro de acolhimento na Turquia. Os dois permanecem até o momento sob a tutela de um brasileiro, Lucas Cabral Ferreira, que mora em Istambul desde 2018 e é líder do conselho de cidadãos brasileiros junto ao consulado brasileiro.

Ali e Fatima Kazimi conseguiram o visto para o Brasil na Embaixada de Islamabad, mas os dois filhos não conseguiram o documento para se juntar aos pais em Morungaba, interior de São Paulo. Segundo Lucas, a justificativa da embaixada foi que eles não seriam vacinados contra covid-19. O Itamaraty nega que isso tenha acontecido. “Em reconhecimento à situação de vulnerabilidade das pessoas no Afeganistão, o governo brasileiro dispensou nacionais afegãos da apresentação de comprovante de vacina para entrada no território nacional”, declarou em nota.

Os pais de Sohail Kazimi e Sahil Kazimi tentam agora retornar à Turquia para encontrar os filhos, que possuem autorização para permanecer no país até 18 de setembro. “Então, as crianças se tornarão ilegais na Turquia. Eles precisam de ajuda imediata”, declarou Lucas.

Falta de opções

Desesperados para chegar a algum lugar onde se sintam seguros, os afegãos olham o Brasil como um país possível, mesmo que o desconheçam quase por completo e que as dificuldades para obter o visto sejam muitas. Shekiba Elyasi, de 26 anos, conta que soube do país através de uma amiga que mora no Canadá e é integrante do Médicos Sem Fronteiras. Escolheu-o por saber que, no Afeganistão, sendo ela mulher e da etnia hazara, seria oprimida pelo Taleban, assim como as suas duas irmãs.

Quando o grupo extremista chegou ao poder, Shekiba estava no segundo ano da universidade, onde cursava obstetrícia. A irmã estava prestes a se formar na graduação e a irmã mais nova estava na escola. “Agora, não temos nenhum plano, nenhum futuro. Não sabemos o que vai acontecer, o que faremos com o nosso futuro”, contou. Entre os maiores medos, estão o casamento forçado e a restrição de não poder trabalhar, estudar e sair de casa.

Shekiba Elyasi, de 26 anos, está no Irã desde novembro do ano passado, onde aguarda vir com a família para o Brasil Foto: Arquivo Pessoal / Shekiba Elyasi

Desde novembro do ano passado, a afegã está no Irã com um irmão com um visto temporário de um ano. Ela obteve o visto para o Brasil em junho, mas não viajou porque aguarda o restante da família – que está no Afeganistão – também conseguir o documento. Nos últimos dois meses, ela aproveitou para começar a estudar português. “Não conheço nada do Brasil, mas estou esperançosa”, declarou.

Segundo o ex-embaixador Fausto Godoy, o desconhecimento reflete o quanto a política externa do Brasil está afastada de países asiáticos. “Estamos muito apequenados nesta política, não temos uma presença nesta região”, avaliou. Além disso, acrescenta, a própria estrutura das embaixadas na região é outro sinal do desinteresse político.

Mas, para quem está aqui, o Brasil pode ser um lugar que, apesar de toda a distância cultural e física, a adaptação é possível. “Sinto saudades dos meus amigos que estão no Afeganistão, mas estou em uma cidade tranquila e acolhedora. Minha filha e meus filhos estão na escola, e isso é o mais importante. No Brasil, me sinto relaxado, sem problemas mentais. No Afeganistão, todos têm problemas mentais por conta da situação do país”, concluiu Ahmad Jan.

Ahmad Jan não conhecia praticamente nada do Brasil quando viu um post do Facebook que dizia que o país estava concedendo visto humanitário para afegãos que desejavam fugir do Taleban. Havia seis meses que ele tinha saído do Afeganistão junto da família e ido para o Irã com vistos temporários, sem saber como se manter em um país que cobra oito dólares por dia depois que os vistos se vencem. “Mas, então, eu soube do Brasil e decidi ir até a embaixada. Até aquele momento, eu só sabia que o país tinha a Seleção Brasileira e o Pelé”, contou.

De origem hazara, etnia perseguida pelo Taleban, Ahmad Jan faz parte de um grupo de pelo menos 12 mil afegãos que escolheram o Brasil como destino desde a queda de Cabul, no dia 15 de agosto de 2021, exatamente um ano atrás – destes, 5.651 conseguiram o visto até o dia 9 deste mês. O afegão, de 45 anos, trabalhava como parteiro e professor universitário na capital do país e deixou tudo para trás com medo da repressão do grupo extremista.

Ahmad sabe o que é viver sob o Taleban. No primeiro governo do grupo extremista no Afeganistão (1996-2001), ele foi espancado ao ir à cidade pelo simples motivo de não ter uma barba grande o suficiente. “Eu vivi aqueles tempos, via o Taleban batendo nas pessoas todos os dias com pedaços de madeira e até com projéteis de RPG (lançador de granada propulsada, uma arma anti-tanque)”, relembrou. Pai de uma garota de 17 anos e dois garotos de 16, ele também se preocupou com o futuro dos filhos em um regime que proíbe as mulheres de frequentar a escola e trabalhar. Por isso, fugiu do Afeganistão para morar em um lugar completamente desconhecido e distante culturalmente.

Desde que chegou ao país com a esposa e os três filhos, Ahmad mora em um centro de acolhida presbiteriano em Rio Grande da Serra, município de 51 mil habitantes a 40 quilômetros da cidade de São Paulo. No centro, eles têm aula de português junto com refugiados afegãos e de outras nacionalidades, mas a principal barreira para a adaptação continua sendo o idioma. “Estou agradecido pelos meus filhos poderem ir à escola, mas eles querem prestar Enem no ano que vem para ir à universidade e essa é uma das minhas maiores preocupações”, declarou.

Antes de chegar ao Brasil, Ahmad precisou aguardar entre três e quatro meses entre a solicitação de entrevista e a obtenção do visto brasileiro. Esse tempo de espera, entretanto, se tornou maior à medida que mais e mais afegãos começaram a solicitar os vistos para o país, causando uma superlotação nas embaixadas brasileiras responsáveis pelo processo (como o Brasil não tem representação em Cabul, o visto é obtido em outros países).

Atualmente, a Embaixada em Teerã – onde Ahmad conseguiu o documento – possui uma fila de 4.883 afegãos com entrevista marcada para obtenção do visto marcada e não aceita mais agendamentos desde julho. Em Islamabad, no Paquistão, as entrevistas estão suspensas desde abril e 1.204 pessoas estão na fila das entrevistas. De acordo com o Itamaraty, o último agendado em Islamabad vai fazer a entrevista no dia 11 de janeiro de 2023.

Na avaliação do advogado Vitor Bastos, que faz parte de um grupo de profissionais que auxilia afegãos que tentam vir ao Brasil, a demora e a estrutura inferior à demanda são os principais obstáculos que impedem os afegãos de virem ao Brasil. Como os países onde as embaixadas estão também exigem o visto para os afegãos, eles precisam correr para conseguir um agendamento enquanto ainda estão regulares no Irã ou no Paquistão. “Se manter regular no Irã ou no Paquistão enquanto aguarda a decisão sobre o visto humanitário é uma das grandes aflições dos afegãos”, declarou Vitor.

Espera longa

Mansour Rabiei, administrador de 38 anos, soube da possibilidade de vir ao Brasil cerca de duas semanas depois do Taleban chegar à Cabul e retomar o poder. Funcionário do Ministério do Interior durante o governo de Ashraf Ghani, o afegão precisou sair do país para não ser procurado pelo regime. Enquanto se escondia na residência de amigos em Cabul, soube através de um primo que morava no Brasil que o governo brasileiro havia instituído o visto humanitário – e começou, ainda em setembro, a se mobilizar para obter o documento.

Imagem mostra Mansour Rabiei ao lado da esposa, Wahida Rabiei, e dos três filhos. Família tenta vir ao Brasil para se refugiar Foto: Arquivo Pessoal / Mansour Rabiei

Somente no dia 27 de julho, quase um ano depois, é que Mansour conseguiu fazer a entrevista. Ele ainda aguarda obter o documento, aprovado esta semana, para viajar.

Até a entrevista, no entanto, Mansour viveu escondido durante cinco meses em Cabul. Ele tentava obter o visto para o Paquistão, onde entraria em contato com a embaixada brasileira, mas, por motivo desconhecido, demorou meses. No período que estava escondido na capital afegã com a família, ele quase foi pego pelo regime. “O Taleban começou um programa para encontrar opositores em casa. No dia que eles vieram ao meu bairro, eu precisei me esconder em um hospital infantil e esperei eles revistarem todas as casas”, relatou.

Enquanto estava escondido, os membros do regime foram até a casa onde estava o restante da família. O filho de Mansour, de apenas 9 anos, foi quem atendeu. “Perguntaram para ele com que eu trabalhava. Ele disse que eu era eletricista. Nós tínhamos o instruído a isso”, disse.

Quando conseguiu o visto para o Paquistão, em meados de abril deste ano, Mansour precisou cruzar a fronteira entre os países pela estrada, em uma travessia arriscada devido à presença de membros do Taleban no interior do país. A família havia cruzado primeiro. Meses depois, ele seguiu de carona. “Cruzei a fronteira dormindo no banco, com medo do Taleban parar o carro e me fazer perguntas. Eu tinha muito medo, e eu sabia que eles podiam notar isso”, contou. Desde então, ele mora num quarto de hotel em Islamabad mantido por amigos e familiares.

Seu navegador não suporta esse video.

O cofundador e vice-líder do Taleban, o mulá Abdul Ghani Baradar, voltou ao Afeganistão em um movimento visto como a 'coroação' dos insurgentes ao poder do país. Horas depois, o grupo realizou uma coletiva de imprensa na qual prometeram um regime 'positivamente diferente' do liderado entre 1996 e 2001.

Riscos na travessia

Assim como Mansour, outros 182 mil afegãos se viram forçados a sair do país em direção aos países vizinhos (Paquistão, Irã, Uzbequistão e Tajiquistão) por causa do regime, de acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Internamente, 700 mil afegãos se deslocaram no último ano, acrescenta o órgão.

Durante os anos que as tropas americanas ocuparam o Afeganistão, o Taleban se espalhou pelas zonas rurais do país, de difícil acesso, e passou a ter controle de algumas estradas. A travessia é, portanto, perigosa – e ser capturado significa a prisão, o espancamento ou a morte. “O Afeganistão visto de cima é como uma ratoeira, cheia de buracos, montanhas. As fronteiras entre os países são extremamente fluidas. Eles podem estar em qualquer lugar”, disse o ex-embaixador Fausto Godoy, primeiro diplomata brasileiro na Embaixada de Islamabad e hoje professor da ESPM.

O fluxo migratório também criou redes de propinas nas fronteiras e estradas internas. Segundo Vitor Bastos, dezenas de afegãos passaram a relatar que tiveram que pagar preços altos para cruzar a fronteira para os países vizinhos, mesmo com vistos em mãos. “No início, o fluxo de pessoas saindo era mais fácil, mas depois começou a ser dificultado e a cobrança de propina aumentou na fronteira”, declarou.

Em alguns casos, as famílias são presas por guardas de fronteira e separadas. Ali Kazimi, de 43 anos, e Fatima Kazimi, de 36, foram separados dos filhos Sohail Kazimi e Sahil Kazimi enquanto tentavam chegar à Turquia através da fronteira com o Irã. Eles foram pegos e deportados ao Afeganistão, mas os filhos, ambos menores de idade, foram enviados para um centro de acolhimento na Turquia. Os dois permanecem até o momento sob a tutela de um brasileiro, Lucas Cabral Ferreira, que mora em Istambul desde 2018 e é líder do conselho de cidadãos brasileiros junto ao consulado brasileiro.

Ali e Fatima Kazimi conseguiram o visto para o Brasil na Embaixada de Islamabad, mas os dois filhos não conseguiram o documento para se juntar aos pais em Morungaba, interior de São Paulo. Segundo Lucas, a justificativa da embaixada foi que eles não seriam vacinados contra covid-19. O Itamaraty nega que isso tenha acontecido. “Em reconhecimento à situação de vulnerabilidade das pessoas no Afeganistão, o governo brasileiro dispensou nacionais afegãos da apresentação de comprovante de vacina para entrada no território nacional”, declarou em nota.

Os pais de Sohail Kazimi e Sahil Kazimi tentam agora retornar à Turquia para encontrar os filhos, que possuem autorização para permanecer no país até 18 de setembro. “Então, as crianças se tornarão ilegais na Turquia. Eles precisam de ajuda imediata”, declarou Lucas.

Falta de opções

Desesperados para chegar a algum lugar onde se sintam seguros, os afegãos olham o Brasil como um país possível, mesmo que o desconheçam quase por completo e que as dificuldades para obter o visto sejam muitas. Shekiba Elyasi, de 26 anos, conta que soube do país através de uma amiga que mora no Canadá e é integrante do Médicos Sem Fronteiras. Escolheu-o por saber que, no Afeganistão, sendo ela mulher e da etnia hazara, seria oprimida pelo Taleban, assim como as suas duas irmãs.

Quando o grupo extremista chegou ao poder, Shekiba estava no segundo ano da universidade, onde cursava obstetrícia. A irmã estava prestes a se formar na graduação e a irmã mais nova estava na escola. “Agora, não temos nenhum plano, nenhum futuro. Não sabemos o que vai acontecer, o que faremos com o nosso futuro”, contou. Entre os maiores medos, estão o casamento forçado e a restrição de não poder trabalhar, estudar e sair de casa.

Shekiba Elyasi, de 26 anos, está no Irã desde novembro do ano passado, onde aguarda vir com a família para o Brasil Foto: Arquivo Pessoal / Shekiba Elyasi

Desde novembro do ano passado, a afegã está no Irã com um irmão com um visto temporário de um ano. Ela obteve o visto para o Brasil em junho, mas não viajou porque aguarda o restante da família – que está no Afeganistão – também conseguir o documento. Nos últimos dois meses, ela aproveitou para começar a estudar português. “Não conheço nada do Brasil, mas estou esperançosa”, declarou.

Segundo o ex-embaixador Fausto Godoy, o desconhecimento reflete o quanto a política externa do Brasil está afastada de países asiáticos. “Estamos muito apequenados nesta política, não temos uma presença nesta região”, avaliou. Além disso, acrescenta, a própria estrutura das embaixadas na região é outro sinal do desinteresse político.

Mas, para quem está aqui, o Brasil pode ser um lugar que, apesar de toda a distância cultural e física, a adaptação é possível. “Sinto saudades dos meus amigos que estão no Afeganistão, mas estou em uma cidade tranquila e acolhedora. Minha filha e meus filhos estão na escola, e isso é o mais importante. No Brasil, me sinto relaxado, sem problemas mentais. No Afeganistão, todos têm problemas mentais por conta da situação do país”, concluiu Ahmad Jan.

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