Calor extremo é a ‘nova covid’ para os idosos na Europa, forçados ao isolamento


Cerca de 61 mil pessoas morreram no verão passado devido ao calor extremo no continente; temperaturas agora se aproximam dos 50ºC

Por Gaia Pianigiani

ROMA, THE NEW YORK TIMES - Enquanto uma brisa leve e quente soprava em sua sala de estar e seus cabelos grisalhos, Donata Grillo, uma sobrevivente do câncer de 75 anos com marca-passo e sérios problemas de visão, sentou-se ao lado de sua varanda com uma esponja úmida no colo.

Era tudo o que ela tinha para se refrescar esta semana, quando as temperaturas chegaram a quase 41ºC em Roma, na Itália, sua terra natal. Ela não tem ar-condicionado ou ventilador, nem mesmo uma geladeira funcionando, em seu apartamento de dois quartos em um conjunto habitacional na periferia da cidade, próximo a um hospital e uma rodovia.

“É a sensação de esticar uma massa o dia todo”, disse Grillo, girando as mãos para imitar o derramamento de água fervente de uma panela.

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Donata Grillo, 75, se refrescando com uma esponja úmida em Roma, onde mora sozinha sem ar-condicionado Foto: Alessandro Penso/NYT

A visita de uma assistente social foi praticamente o único contato que ela teve em dias, já que o calor a deixou presa em casa. “Não vá a lugar nenhum; é muito quente e perigoso para você”, disse Carlotta Antonelli, 28, que trabalha para a instituição de caridade católica romana Caritas, durante suas rondas na quarta-feira.

As sucessivas ondas de calor que atingiram a Itália e o resto do sul da Europa na semana passada forçaram aqueles que podem pagar a buscar abrigo em casas e escritórios com ar-condicionado ou em retiros à beira-mar. Mas para muitos idosos, o calor se tornou a nova covid.

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As temperaturas escaldantes se instalaram no continente como outra praga indiscriminada, reforçando o isolamento de muitos idosos e as ameaças à sua saúde, além de pressionar governos e serviços sociais a tomarem medidas extraordinárias para tentar protegê-los.

“Hoje em dia, eles estão ainda mais sozinhos”, disse Antonelli, enquanto dirigia seu carro por duas grandes áreas suburbanas de baixa renda onde sua instituição de caridade atende rotineiramente dezenas de moradores.

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Ela visita Grillo uma vez por semana para ajudá-la nas tarefas diárias e auxiliá-la em consultas médicas e problemas legais.

À medida que as temperaturas aumentam, a ameaça aos idosos da Europa se generaliza, com países do sul do continente se unindo a outros ao norte, como a Bélgica, para implementar planos de contenção ao aquecimento, muitos destinados a proteger as populações mais velhas.

Para a Itália, o calor extremo trouxe à tona a tendência demográfica mais urgente do país — o envelhecimento da população —, revelando uma crise especialmente aguda. Cerca de 24% dos italianos têm mais de 65 anos, o que faz do país o mais velho da Europa, e mais de 4 milhões deles vivem sozinhos.

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Turistas sentam-se à sombra na Piazza Navona, em Roma, quando as temperaturas atingiram cerca de 41ºC Foto: Alessandro Penso/NYT

No ano passado, a Itália foi exposta a temperaturas extremas por mais tempo do que a maioria dos outros países europeus, suportando três grandes ondas de calor.

Quase 30% das 61 mil pessoas que morreram no verão passado devido ao calor extremo na Europa eram italianos, com a idade desempenhando um fator significativo. O número de italianos com mais de 80 anos é agora de cerca de 4,5 milhões, quase o dobro do número de 20 anos atrás.

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“As pessoas mais velhas com doenças preexistentes são mais vulneráveis”, disse Andrea Ungar, presidente da Sociedade Italiana de Gerontologia e Geriatria, em entrevista por telefone. “Mas a pobreza e o isolamento também desempenham um papel crucial.”

O verão mais quente já registrado na Europa, em 2003, deixou mais de 70 mil mortos, segundo algumas estimativas, e desde então a Itália só envelheceu. O país tem lutado para se adaptar.

“Já era quente na Itália antes de 2003, e já tínhamos uma grande população de idosos, mas não como hoje em dia”, disse Francesca De Donato, pesquisadora de saúde pública cujo departamento reúne dados meteorológicos e demográficos de todo o país para emitir boletins diários de alertas de saúde relacionados ao calor, personalizados por cidade. “A cota de pessoas em risco tem crescido constantemente aqui.”

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Depois de 2003, a Itália se tornou um dos primeiros países da Europa a implementar um plano nacional para mitigar o impacto do calor extremo, com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante visita à Grillo. “Não vá a lugar nenhum, é muito quente e perigoso para você”, disse Foto: Alessandro Penso/NYT

As medidas incluem um sistema de alerta para que as pessoas modifiquem seu comportamento para proteger sua saúde. As autoridades recentemente pediram aos hospitais e médicos de clínica geral que prestem atenção especial às pessoas mais vulneráveis e criaram um número de telefone gratuito onde é possível procurar aconselhamento ou ajuda para problemas relacionados ao calor.

Dias como quarta-feira, quando a onda de calor atingiu o pico, estão marcados em vermelho no boletim diário que o Ministério da Saúde da Itália emite para alertar os moradores. Os canais de televisão transmitem periodicamente as orientações do Ministério, aconselhando as pessoas a permanecerem em casa nas horas de maior calor; usar roupas leves e protetor solar; beber muita água, comer frutas frescas e evitar café e bebidas alcoólicas; e ser particularmente cuidadoso ao sair.

A França, que foi amplamente poupada das ondas de calor neste verão, tem um imposto de calor para financiar programas para proteger suas pessoas mais vulneráveis, incluindo check-ins regulares por telefone ou visitas pessoais durante as ondas de calor. O país também possui um sistema de alerta de calor, ou “plan canicule”, que sucessivos governos ativaram todos os verões desde 2003.

O verão mais quente já registrado matou 15.000 na França, a maioria idosos, vivendo sozinhos em apartamentos na cidade ou lares de idosos sem ar-condicionado. No verão passado, quando sucessivas ondas de calor atingiram o país, mais de 2.800 franceses morreram, cerca de 80% com mais de 75 anos, segundo a autoridade de saúde pública francesa.

À medida que o aumento das temperaturas avança para o norte dos países menos acostumados a elas, a Bélgica criou um plano de calor de três etapas, baseado no monitoramento regular da temperatura e dos níveis de ozônio.

Turistas se refrescando perto do Coliseu, em Roma  Foto: Alessandro Penso/NYT

Em Bruxelas, os idosos e as pessoas que se sentem isoladas ou vulneráveis podem se registrar por telefone com as autoridades municipais, que os verificarão regularmente assim que as temperaturas subirem acima de 38ºC.

Os assistentes sociais distribuem bebidas não-alcoólicas e verificam as condições de vida. Ainda assim, a taxa de excesso de mortalidade da Bélgica subiu para 5,7% durante os meses mais quentes do verão passado, a mais alta em 20 anos.

Na Grécia, os sítios arqueológicos do país estarão fechados entre o meio-dia e as 17h30, quando as temperaturas devem chegar a 35 graus em Atenas. O Ministério da Proteção Civil disse que todos os serviços do governo estão “em estado de maior prontidão para lidar com as consequências das altas temperaturas”.

Lá, como em outros lugares, o conselho das autoridades se resume a um simples imperativo: fique em casa. Isso colocou um ônus especial sobre governos e assistentes sociais para garantir que o próprio isolamento não se torne um perigo.

Em Roma, uma equipe de profissionais de saúde regionais verifica por telefone as pessoas mais vulneráveis, principalmente idosos e enfermos, nos dias marcados em laranja ou vermelho para o calor mais intenso.

Embora as dificuldades e o isolamento dos mais vulneráveis ecoem de várias maneiras a luta contra a covid, a pandemia também deixou algumas boas práticas em vigor, incluindo visitas e tratamento de pessoas em suas casas, disseram autoridades de saúde.

Uma lei de 2022, aprovada pelo governo do ex-primeiro-ministro Mario Draghi, pressionou por uma melhor coordenação entre os serviços de saúde e a telemedicina. As autoridades de saúde italianas estão trabalhando para ter uma plataforma digital com informações atualizadas do paciente que podem ser acessadas por enfermeiras, médicos, serviços de emergência e hospitais.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante uma visita a Francesca Azzarita em Roma, em 19 de julho de 2023. “As temperaturas mudaram desde que eu era menina”, disse Azzarita Foto: Alessandro Penso/NYT

“A covid mudou a mentalidade de alguns serviços e isso ajudou muito”, disse Andrea Barbara, uma autoridade de saúde pública que supervisiona os serviços para cerca de um milhão de residentes em Roma. “Fazemos mais telemedicina, estamos movendo cada vez mais equipamentos – e não os pacientes – mas leva tempo”.

Mesmo para quem não precisa de ajuda médica, a assistência continua a ser crucial e, para muitas pessoas vulneráveis, associações como a Caritas continuam a ser a ajuda semanal mais confiável. Antonelli, a assistente social, carregou dois engradados de água levemente gasosa por dois lances de escada para Francesca Azzarita, uma senhora de 91 anos que mora sozinha sem nada para se refrescar a não ser um pedaço de papelão para usar como ventilador.

“Carlotta, quando você não vem, me sinto perdida”, disse Azzarita com um forte sotaque napolitano que ela não perdeu, apesar de viver em Roma há quase 50 anos.

Dona Azzarita, uma garotinha quando estourou a 2ª Guerra Mundial, nunca aprendeu a ler e escrever e trabalhou toda a sua vida, primeiro no campo ao redor de Nápoles e depois como faxineira em Roma, para onde se mudou depois de se separar do marido.

Agora sua manhã começa com café e um analgésico para suas pernas doloridas. Ela costuma cozinhar sozinha, mas hoje em dia não liga o fogão porque está muito quente e raramente sai de casa, principalmente depois que caiu na calçada na semana passada.

“As temperaturas mudaram desde que eu era uma menina”, disse ela. “Não preciso ver TV para saber que a chuva era normal e o sol era normal, e agora não é”. Ela então olhou para Antonelli, ainda ofegante da escada. “Como eu faria sem a ajuda dela?” ela disse.

ROMA, THE NEW YORK TIMES - Enquanto uma brisa leve e quente soprava em sua sala de estar e seus cabelos grisalhos, Donata Grillo, uma sobrevivente do câncer de 75 anos com marca-passo e sérios problemas de visão, sentou-se ao lado de sua varanda com uma esponja úmida no colo.

Era tudo o que ela tinha para se refrescar esta semana, quando as temperaturas chegaram a quase 41ºC em Roma, na Itália, sua terra natal. Ela não tem ar-condicionado ou ventilador, nem mesmo uma geladeira funcionando, em seu apartamento de dois quartos em um conjunto habitacional na periferia da cidade, próximo a um hospital e uma rodovia.

“É a sensação de esticar uma massa o dia todo”, disse Grillo, girando as mãos para imitar o derramamento de água fervente de uma panela.

Donata Grillo, 75, se refrescando com uma esponja úmida em Roma, onde mora sozinha sem ar-condicionado Foto: Alessandro Penso/NYT

A visita de uma assistente social foi praticamente o único contato que ela teve em dias, já que o calor a deixou presa em casa. “Não vá a lugar nenhum; é muito quente e perigoso para você”, disse Carlotta Antonelli, 28, que trabalha para a instituição de caridade católica romana Caritas, durante suas rondas na quarta-feira.

As sucessivas ondas de calor que atingiram a Itália e o resto do sul da Europa na semana passada forçaram aqueles que podem pagar a buscar abrigo em casas e escritórios com ar-condicionado ou em retiros à beira-mar. Mas para muitos idosos, o calor se tornou a nova covid.

As temperaturas escaldantes se instalaram no continente como outra praga indiscriminada, reforçando o isolamento de muitos idosos e as ameaças à sua saúde, além de pressionar governos e serviços sociais a tomarem medidas extraordinárias para tentar protegê-los.

“Hoje em dia, eles estão ainda mais sozinhos”, disse Antonelli, enquanto dirigia seu carro por duas grandes áreas suburbanas de baixa renda onde sua instituição de caridade atende rotineiramente dezenas de moradores.

Ela visita Grillo uma vez por semana para ajudá-la nas tarefas diárias e auxiliá-la em consultas médicas e problemas legais.

À medida que as temperaturas aumentam, a ameaça aos idosos da Europa se generaliza, com países do sul do continente se unindo a outros ao norte, como a Bélgica, para implementar planos de contenção ao aquecimento, muitos destinados a proteger as populações mais velhas.

Para a Itália, o calor extremo trouxe à tona a tendência demográfica mais urgente do país — o envelhecimento da população —, revelando uma crise especialmente aguda. Cerca de 24% dos italianos têm mais de 65 anos, o que faz do país o mais velho da Europa, e mais de 4 milhões deles vivem sozinhos.

Turistas sentam-se à sombra na Piazza Navona, em Roma, quando as temperaturas atingiram cerca de 41ºC Foto: Alessandro Penso/NYT

No ano passado, a Itália foi exposta a temperaturas extremas por mais tempo do que a maioria dos outros países europeus, suportando três grandes ondas de calor.

Quase 30% das 61 mil pessoas que morreram no verão passado devido ao calor extremo na Europa eram italianos, com a idade desempenhando um fator significativo. O número de italianos com mais de 80 anos é agora de cerca de 4,5 milhões, quase o dobro do número de 20 anos atrás.

“As pessoas mais velhas com doenças preexistentes são mais vulneráveis”, disse Andrea Ungar, presidente da Sociedade Italiana de Gerontologia e Geriatria, em entrevista por telefone. “Mas a pobreza e o isolamento também desempenham um papel crucial.”

O verão mais quente já registrado na Europa, em 2003, deixou mais de 70 mil mortos, segundo algumas estimativas, e desde então a Itália só envelheceu. O país tem lutado para se adaptar.

“Já era quente na Itália antes de 2003, e já tínhamos uma grande população de idosos, mas não como hoje em dia”, disse Francesca De Donato, pesquisadora de saúde pública cujo departamento reúne dados meteorológicos e demográficos de todo o país para emitir boletins diários de alertas de saúde relacionados ao calor, personalizados por cidade. “A cota de pessoas em risco tem crescido constantemente aqui.”

Depois de 2003, a Itália se tornou um dos primeiros países da Europa a implementar um plano nacional para mitigar o impacto do calor extremo, com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante visita à Grillo. “Não vá a lugar nenhum, é muito quente e perigoso para você”, disse Foto: Alessandro Penso/NYT

As medidas incluem um sistema de alerta para que as pessoas modifiquem seu comportamento para proteger sua saúde. As autoridades recentemente pediram aos hospitais e médicos de clínica geral que prestem atenção especial às pessoas mais vulneráveis e criaram um número de telefone gratuito onde é possível procurar aconselhamento ou ajuda para problemas relacionados ao calor.

Dias como quarta-feira, quando a onda de calor atingiu o pico, estão marcados em vermelho no boletim diário que o Ministério da Saúde da Itália emite para alertar os moradores. Os canais de televisão transmitem periodicamente as orientações do Ministério, aconselhando as pessoas a permanecerem em casa nas horas de maior calor; usar roupas leves e protetor solar; beber muita água, comer frutas frescas e evitar café e bebidas alcoólicas; e ser particularmente cuidadoso ao sair.

A França, que foi amplamente poupada das ondas de calor neste verão, tem um imposto de calor para financiar programas para proteger suas pessoas mais vulneráveis, incluindo check-ins regulares por telefone ou visitas pessoais durante as ondas de calor. O país também possui um sistema de alerta de calor, ou “plan canicule”, que sucessivos governos ativaram todos os verões desde 2003.

O verão mais quente já registrado matou 15.000 na França, a maioria idosos, vivendo sozinhos em apartamentos na cidade ou lares de idosos sem ar-condicionado. No verão passado, quando sucessivas ondas de calor atingiram o país, mais de 2.800 franceses morreram, cerca de 80% com mais de 75 anos, segundo a autoridade de saúde pública francesa.

À medida que o aumento das temperaturas avança para o norte dos países menos acostumados a elas, a Bélgica criou um plano de calor de três etapas, baseado no monitoramento regular da temperatura e dos níveis de ozônio.

Turistas se refrescando perto do Coliseu, em Roma  Foto: Alessandro Penso/NYT

Em Bruxelas, os idosos e as pessoas que se sentem isoladas ou vulneráveis podem se registrar por telefone com as autoridades municipais, que os verificarão regularmente assim que as temperaturas subirem acima de 38ºC.

Os assistentes sociais distribuem bebidas não-alcoólicas e verificam as condições de vida. Ainda assim, a taxa de excesso de mortalidade da Bélgica subiu para 5,7% durante os meses mais quentes do verão passado, a mais alta em 20 anos.

Na Grécia, os sítios arqueológicos do país estarão fechados entre o meio-dia e as 17h30, quando as temperaturas devem chegar a 35 graus em Atenas. O Ministério da Proteção Civil disse que todos os serviços do governo estão “em estado de maior prontidão para lidar com as consequências das altas temperaturas”.

Lá, como em outros lugares, o conselho das autoridades se resume a um simples imperativo: fique em casa. Isso colocou um ônus especial sobre governos e assistentes sociais para garantir que o próprio isolamento não se torne um perigo.

Em Roma, uma equipe de profissionais de saúde regionais verifica por telefone as pessoas mais vulneráveis, principalmente idosos e enfermos, nos dias marcados em laranja ou vermelho para o calor mais intenso.

Embora as dificuldades e o isolamento dos mais vulneráveis ecoem de várias maneiras a luta contra a covid, a pandemia também deixou algumas boas práticas em vigor, incluindo visitas e tratamento de pessoas em suas casas, disseram autoridades de saúde.

Uma lei de 2022, aprovada pelo governo do ex-primeiro-ministro Mario Draghi, pressionou por uma melhor coordenação entre os serviços de saúde e a telemedicina. As autoridades de saúde italianas estão trabalhando para ter uma plataforma digital com informações atualizadas do paciente que podem ser acessadas por enfermeiras, médicos, serviços de emergência e hospitais.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante uma visita a Francesca Azzarita em Roma, em 19 de julho de 2023. “As temperaturas mudaram desde que eu era menina”, disse Azzarita Foto: Alessandro Penso/NYT

“A covid mudou a mentalidade de alguns serviços e isso ajudou muito”, disse Andrea Barbara, uma autoridade de saúde pública que supervisiona os serviços para cerca de um milhão de residentes em Roma. “Fazemos mais telemedicina, estamos movendo cada vez mais equipamentos – e não os pacientes – mas leva tempo”.

Mesmo para quem não precisa de ajuda médica, a assistência continua a ser crucial e, para muitas pessoas vulneráveis, associações como a Caritas continuam a ser a ajuda semanal mais confiável. Antonelli, a assistente social, carregou dois engradados de água levemente gasosa por dois lances de escada para Francesca Azzarita, uma senhora de 91 anos que mora sozinha sem nada para se refrescar a não ser um pedaço de papelão para usar como ventilador.

“Carlotta, quando você não vem, me sinto perdida”, disse Azzarita com um forte sotaque napolitano que ela não perdeu, apesar de viver em Roma há quase 50 anos.

Dona Azzarita, uma garotinha quando estourou a 2ª Guerra Mundial, nunca aprendeu a ler e escrever e trabalhou toda a sua vida, primeiro no campo ao redor de Nápoles e depois como faxineira em Roma, para onde se mudou depois de se separar do marido.

Agora sua manhã começa com café e um analgésico para suas pernas doloridas. Ela costuma cozinhar sozinha, mas hoje em dia não liga o fogão porque está muito quente e raramente sai de casa, principalmente depois que caiu na calçada na semana passada.

“As temperaturas mudaram desde que eu era uma menina”, disse ela. “Não preciso ver TV para saber que a chuva era normal e o sol era normal, e agora não é”. Ela então olhou para Antonelli, ainda ofegante da escada. “Como eu faria sem a ajuda dela?” ela disse.

ROMA, THE NEW YORK TIMES - Enquanto uma brisa leve e quente soprava em sua sala de estar e seus cabelos grisalhos, Donata Grillo, uma sobrevivente do câncer de 75 anos com marca-passo e sérios problemas de visão, sentou-se ao lado de sua varanda com uma esponja úmida no colo.

Era tudo o que ela tinha para se refrescar esta semana, quando as temperaturas chegaram a quase 41ºC em Roma, na Itália, sua terra natal. Ela não tem ar-condicionado ou ventilador, nem mesmo uma geladeira funcionando, em seu apartamento de dois quartos em um conjunto habitacional na periferia da cidade, próximo a um hospital e uma rodovia.

“É a sensação de esticar uma massa o dia todo”, disse Grillo, girando as mãos para imitar o derramamento de água fervente de uma panela.

Donata Grillo, 75, se refrescando com uma esponja úmida em Roma, onde mora sozinha sem ar-condicionado Foto: Alessandro Penso/NYT

A visita de uma assistente social foi praticamente o único contato que ela teve em dias, já que o calor a deixou presa em casa. “Não vá a lugar nenhum; é muito quente e perigoso para você”, disse Carlotta Antonelli, 28, que trabalha para a instituição de caridade católica romana Caritas, durante suas rondas na quarta-feira.

As sucessivas ondas de calor que atingiram a Itália e o resto do sul da Europa na semana passada forçaram aqueles que podem pagar a buscar abrigo em casas e escritórios com ar-condicionado ou em retiros à beira-mar. Mas para muitos idosos, o calor se tornou a nova covid.

As temperaturas escaldantes se instalaram no continente como outra praga indiscriminada, reforçando o isolamento de muitos idosos e as ameaças à sua saúde, além de pressionar governos e serviços sociais a tomarem medidas extraordinárias para tentar protegê-los.

“Hoje em dia, eles estão ainda mais sozinhos”, disse Antonelli, enquanto dirigia seu carro por duas grandes áreas suburbanas de baixa renda onde sua instituição de caridade atende rotineiramente dezenas de moradores.

Ela visita Grillo uma vez por semana para ajudá-la nas tarefas diárias e auxiliá-la em consultas médicas e problemas legais.

À medida que as temperaturas aumentam, a ameaça aos idosos da Europa se generaliza, com países do sul do continente se unindo a outros ao norte, como a Bélgica, para implementar planos de contenção ao aquecimento, muitos destinados a proteger as populações mais velhas.

Para a Itália, o calor extremo trouxe à tona a tendência demográfica mais urgente do país — o envelhecimento da população —, revelando uma crise especialmente aguda. Cerca de 24% dos italianos têm mais de 65 anos, o que faz do país o mais velho da Europa, e mais de 4 milhões deles vivem sozinhos.

Turistas sentam-se à sombra na Piazza Navona, em Roma, quando as temperaturas atingiram cerca de 41ºC Foto: Alessandro Penso/NYT

No ano passado, a Itália foi exposta a temperaturas extremas por mais tempo do que a maioria dos outros países europeus, suportando três grandes ondas de calor.

Quase 30% das 61 mil pessoas que morreram no verão passado devido ao calor extremo na Europa eram italianos, com a idade desempenhando um fator significativo. O número de italianos com mais de 80 anos é agora de cerca de 4,5 milhões, quase o dobro do número de 20 anos atrás.

“As pessoas mais velhas com doenças preexistentes são mais vulneráveis”, disse Andrea Ungar, presidente da Sociedade Italiana de Gerontologia e Geriatria, em entrevista por telefone. “Mas a pobreza e o isolamento também desempenham um papel crucial.”

O verão mais quente já registrado na Europa, em 2003, deixou mais de 70 mil mortos, segundo algumas estimativas, e desde então a Itália só envelheceu. O país tem lutado para se adaptar.

“Já era quente na Itália antes de 2003, e já tínhamos uma grande população de idosos, mas não como hoje em dia”, disse Francesca De Donato, pesquisadora de saúde pública cujo departamento reúne dados meteorológicos e demográficos de todo o país para emitir boletins diários de alertas de saúde relacionados ao calor, personalizados por cidade. “A cota de pessoas em risco tem crescido constantemente aqui.”

Depois de 2003, a Itália se tornou um dos primeiros países da Europa a implementar um plano nacional para mitigar o impacto do calor extremo, com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante visita à Grillo. “Não vá a lugar nenhum, é muito quente e perigoso para você”, disse Foto: Alessandro Penso/NYT

As medidas incluem um sistema de alerta para que as pessoas modifiquem seu comportamento para proteger sua saúde. As autoridades recentemente pediram aos hospitais e médicos de clínica geral que prestem atenção especial às pessoas mais vulneráveis e criaram um número de telefone gratuito onde é possível procurar aconselhamento ou ajuda para problemas relacionados ao calor.

Dias como quarta-feira, quando a onda de calor atingiu o pico, estão marcados em vermelho no boletim diário que o Ministério da Saúde da Itália emite para alertar os moradores. Os canais de televisão transmitem periodicamente as orientações do Ministério, aconselhando as pessoas a permanecerem em casa nas horas de maior calor; usar roupas leves e protetor solar; beber muita água, comer frutas frescas e evitar café e bebidas alcoólicas; e ser particularmente cuidadoso ao sair.

A França, que foi amplamente poupada das ondas de calor neste verão, tem um imposto de calor para financiar programas para proteger suas pessoas mais vulneráveis, incluindo check-ins regulares por telefone ou visitas pessoais durante as ondas de calor. O país também possui um sistema de alerta de calor, ou “plan canicule”, que sucessivos governos ativaram todos os verões desde 2003.

O verão mais quente já registrado matou 15.000 na França, a maioria idosos, vivendo sozinhos em apartamentos na cidade ou lares de idosos sem ar-condicionado. No verão passado, quando sucessivas ondas de calor atingiram o país, mais de 2.800 franceses morreram, cerca de 80% com mais de 75 anos, segundo a autoridade de saúde pública francesa.

À medida que o aumento das temperaturas avança para o norte dos países menos acostumados a elas, a Bélgica criou um plano de calor de três etapas, baseado no monitoramento regular da temperatura e dos níveis de ozônio.

Turistas se refrescando perto do Coliseu, em Roma  Foto: Alessandro Penso/NYT

Em Bruxelas, os idosos e as pessoas que se sentem isoladas ou vulneráveis podem se registrar por telefone com as autoridades municipais, que os verificarão regularmente assim que as temperaturas subirem acima de 38ºC.

Os assistentes sociais distribuem bebidas não-alcoólicas e verificam as condições de vida. Ainda assim, a taxa de excesso de mortalidade da Bélgica subiu para 5,7% durante os meses mais quentes do verão passado, a mais alta em 20 anos.

Na Grécia, os sítios arqueológicos do país estarão fechados entre o meio-dia e as 17h30, quando as temperaturas devem chegar a 35 graus em Atenas. O Ministério da Proteção Civil disse que todos os serviços do governo estão “em estado de maior prontidão para lidar com as consequências das altas temperaturas”.

Lá, como em outros lugares, o conselho das autoridades se resume a um simples imperativo: fique em casa. Isso colocou um ônus especial sobre governos e assistentes sociais para garantir que o próprio isolamento não se torne um perigo.

Em Roma, uma equipe de profissionais de saúde regionais verifica por telefone as pessoas mais vulneráveis, principalmente idosos e enfermos, nos dias marcados em laranja ou vermelho para o calor mais intenso.

Embora as dificuldades e o isolamento dos mais vulneráveis ecoem de várias maneiras a luta contra a covid, a pandemia também deixou algumas boas práticas em vigor, incluindo visitas e tratamento de pessoas em suas casas, disseram autoridades de saúde.

Uma lei de 2022, aprovada pelo governo do ex-primeiro-ministro Mario Draghi, pressionou por uma melhor coordenação entre os serviços de saúde e a telemedicina. As autoridades de saúde italianas estão trabalhando para ter uma plataforma digital com informações atualizadas do paciente que podem ser acessadas por enfermeiras, médicos, serviços de emergência e hospitais.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante uma visita a Francesca Azzarita em Roma, em 19 de julho de 2023. “As temperaturas mudaram desde que eu era menina”, disse Azzarita Foto: Alessandro Penso/NYT

“A covid mudou a mentalidade de alguns serviços e isso ajudou muito”, disse Andrea Barbara, uma autoridade de saúde pública que supervisiona os serviços para cerca de um milhão de residentes em Roma. “Fazemos mais telemedicina, estamos movendo cada vez mais equipamentos – e não os pacientes – mas leva tempo”.

Mesmo para quem não precisa de ajuda médica, a assistência continua a ser crucial e, para muitas pessoas vulneráveis, associações como a Caritas continuam a ser a ajuda semanal mais confiável. Antonelli, a assistente social, carregou dois engradados de água levemente gasosa por dois lances de escada para Francesca Azzarita, uma senhora de 91 anos que mora sozinha sem nada para se refrescar a não ser um pedaço de papelão para usar como ventilador.

“Carlotta, quando você não vem, me sinto perdida”, disse Azzarita com um forte sotaque napolitano que ela não perdeu, apesar de viver em Roma há quase 50 anos.

Dona Azzarita, uma garotinha quando estourou a 2ª Guerra Mundial, nunca aprendeu a ler e escrever e trabalhou toda a sua vida, primeiro no campo ao redor de Nápoles e depois como faxineira em Roma, para onde se mudou depois de se separar do marido.

Agora sua manhã começa com café e um analgésico para suas pernas doloridas. Ela costuma cozinhar sozinha, mas hoje em dia não liga o fogão porque está muito quente e raramente sai de casa, principalmente depois que caiu na calçada na semana passada.

“As temperaturas mudaram desde que eu era uma menina”, disse ela. “Não preciso ver TV para saber que a chuva era normal e o sol era normal, e agora não é”. Ela então olhou para Antonelli, ainda ofegante da escada. “Como eu faria sem a ajuda dela?” ela disse.

ROMA, THE NEW YORK TIMES - Enquanto uma brisa leve e quente soprava em sua sala de estar e seus cabelos grisalhos, Donata Grillo, uma sobrevivente do câncer de 75 anos com marca-passo e sérios problemas de visão, sentou-se ao lado de sua varanda com uma esponja úmida no colo.

Era tudo o que ela tinha para se refrescar esta semana, quando as temperaturas chegaram a quase 41ºC em Roma, na Itália, sua terra natal. Ela não tem ar-condicionado ou ventilador, nem mesmo uma geladeira funcionando, em seu apartamento de dois quartos em um conjunto habitacional na periferia da cidade, próximo a um hospital e uma rodovia.

“É a sensação de esticar uma massa o dia todo”, disse Grillo, girando as mãos para imitar o derramamento de água fervente de uma panela.

Donata Grillo, 75, se refrescando com uma esponja úmida em Roma, onde mora sozinha sem ar-condicionado Foto: Alessandro Penso/NYT

A visita de uma assistente social foi praticamente o único contato que ela teve em dias, já que o calor a deixou presa em casa. “Não vá a lugar nenhum; é muito quente e perigoso para você”, disse Carlotta Antonelli, 28, que trabalha para a instituição de caridade católica romana Caritas, durante suas rondas na quarta-feira.

As sucessivas ondas de calor que atingiram a Itália e o resto do sul da Europa na semana passada forçaram aqueles que podem pagar a buscar abrigo em casas e escritórios com ar-condicionado ou em retiros à beira-mar. Mas para muitos idosos, o calor se tornou a nova covid.

As temperaturas escaldantes se instalaram no continente como outra praga indiscriminada, reforçando o isolamento de muitos idosos e as ameaças à sua saúde, além de pressionar governos e serviços sociais a tomarem medidas extraordinárias para tentar protegê-los.

“Hoje em dia, eles estão ainda mais sozinhos”, disse Antonelli, enquanto dirigia seu carro por duas grandes áreas suburbanas de baixa renda onde sua instituição de caridade atende rotineiramente dezenas de moradores.

Ela visita Grillo uma vez por semana para ajudá-la nas tarefas diárias e auxiliá-la em consultas médicas e problemas legais.

À medida que as temperaturas aumentam, a ameaça aos idosos da Europa se generaliza, com países do sul do continente se unindo a outros ao norte, como a Bélgica, para implementar planos de contenção ao aquecimento, muitos destinados a proteger as populações mais velhas.

Para a Itália, o calor extremo trouxe à tona a tendência demográfica mais urgente do país — o envelhecimento da população —, revelando uma crise especialmente aguda. Cerca de 24% dos italianos têm mais de 65 anos, o que faz do país o mais velho da Europa, e mais de 4 milhões deles vivem sozinhos.

Turistas sentam-se à sombra na Piazza Navona, em Roma, quando as temperaturas atingiram cerca de 41ºC Foto: Alessandro Penso/NYT

No ano passado, a Itália foi exposta a temperaturas extremas por mais tempo do que a maioria dos outros países europeus, suportando três grandes ondas de calor.

Quase 30% das 61 mil pessoas que morreram no verão passado devido ao calor extremo na Europa eram italianos, com a idade desempenhando um fator significativo. O número de italianos com mais de 80 anos é agora de cerca de 4,5 milhões, quase o dobro do número de 20 anos atrás.

“As pessoas mais velhas com doenças preexistentes são mais vulneráveis”, disse Andrea Ungar, presidente da Sociedade Italiana de Gerontologia e Geriatria, em entrevista por telefone. “Mas a pobreza e o isolamento também desempenham um papel crucial.”

O verão mais quente já registrado na Europa, em 2003, deixou mais de 70 mil mortos, segundo algumas estimativas, e desde então a Itália só envelheceu. O país tem lutado para se adaptar.

“Já era quente na Itália antes de 2003, e já tínhamos uma grande população de idosos, mas não como hoje em dia”, disse Francesca De Donato, pesquisadora de saúde pública cujo departamento reúne dados meteorológicos e demográficos de todo o país para emitir boletins diários de alertas de saúde relacionados ao calor, personalizados por cidade. “A cota de pessoas em risco tem crescido constantemente aqui.”

Depois de 2003, a Itália se tornou um dos primeiros países da Europa a implementar um plano nacional para mitigar o impacto do calor extremo, com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante visita à Grillo. “Não vá a lugar nenhum, é muito quente e perigoso para você”, disse Foto: Alessandro Penso/NYT

As medidas incluem um sistema de alerta para que as pessoas modifiquem seu comportamento para proteger sua saúde. As autoridades recentemente pediram aos hospitais e médicos de clínica geral que prestem atenção especial às pessoas mais vulneráveis e criaram um número de telefone gratuito onde é possível procurar aconselhamento ou ajuda para problemas relacionados ao calor.

Dias como quarta-feira, quando a onda de calor atingiu o pico, estão marcados em vermelho no boletim diário que o Ministério da Saúde da Itália emite para alertar os moradores. Os canais de televisão transmitem periodicamente as orientações do Ministério, aconselhando as pessoas a permanecerem em casa nas horas de maior calor; usar roupas leves e protetor solar; beber muita água, comer frutas frescas e evitar café e bebidas alcoólicas; e ser particularmente cuidadoso ao sair.

A França, que foi amplamente poupada das ondas de calor neste verão, tem um imposto de calor para financiar programas para proteger suas pessoas mais vulneráveis, incluindo check-ins regulares por telefone ou visitas pessoais durante as ondas de calor. O país também possui um sistema de alerta de calor, ou “plan canicule”, que sucessivos governos ativaram todos os verões desde 2003.

O verão mais quente já registrado matou 15.000 na França, a maioria idosos, vivendo sozinhos em apartamentos na cidade ou lares de idosos sem ar-condicionado. No verão passado, quando sucessivas ondas de calor atingiram o país, mais de 2.800 franceses morreram, cerca de 80% com mais de 75 anos, segundo a autoridade de saúde pública francesa.

À medida que o aumento das temperaturas avança para o norte dos países menos acostumados a elas, a Bélgica criou um plano de calor de três etapas, baseado no monitoramento regular da temperatura e dos níveis de ozônio.

Turistas se refrescando perto do Coliseu, em Roma  Foto: Alessandro Penso/NYT

Em Bruxelas, os idosos e as pessoas que se sentem isoladas ou vulneráveis podem se registrar por telefone com as autoridades municipais, que os verificarão regularmente assim que as temperaturas subirem acima de 38ºC.

Os assistentes sociais distribuem bebidas não-alcoólicas e verificam as condições de vida. Ainda assim, a taxa de excesso de mortalidade da Bélgica subiu para 5,7% durante os meses mais quentes do verão passado, a mais alta em 20 anos.

Na Grécia, os sítios arqueológicos do país estarão fechados entre o meio-dia e as 17h30, quando as temperaturas devem chegar a 35 graus em Atenas. O Ministério da Proteção Civil disse que todos os serviços do governo estão “em estado de maior prontidão para lidar com as consequências das altas temperaturas”.

Lá, como em outros lugares, o conselho das autoridades se resume a um simples imperativo: fique em casa. Isso colocou um ônus especial sobre governos e assistentes sociais para garantir que o próprio isolamento não se torne um perigo.

Em Roma, uma equipe de profissionais de saúde regionais verifica por telefone as pessoas mais vulneráveis, principalmente idosos e enfermos, nos dias marcados em laranja ou vermelho para o calor mais intenso.

Embora as dificuldades e o isolamento dos mais vulneráveis ecoem de várias maneiras a luta contra a covid, a pandemia também deixou algumas boas práticas em vigor, incluindo visitas e tratamento de pessoas em suas casas, disseram autoridades de saúde.

Uma lei de 2022, aprovada pelo governo do ex-primeiro-ministro Mario Draghi, pressionou por uma melhor coordenação entre os serviços de saúde e a telemedicina. As autoridades de saúde italianas estão trabalhando para ter uma plataforma digital com informações atualizadas do paciente que podem ser acessadas por enfermeiras, médicos, serviços de emergência e hospitais.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante uma visita a Francesca Azzarita em Roma, em 19 de julho de 2023. “As temperaturas mudaram desde que eu era menina”, disse Azzarita Foto: Alessandro Penso/NYT

“A covid mudou a mentalidade de alguns serviços e isso ajudou muito”, disse Andrea Barbara, uma autoridade de saúde pública que supervisiona os serviços para cerca de um milhão de residentes em Roma. “Fazemos mais telemedicina, estamos movendo cada vez mais equipamentos – e não os pacientes – mas leva tempo”.

Mesmo para quem não precisa de ajuda médica, a assistência continua a ser crucial e, para muitas pessoas vulneráveis, associações como a Caritas continuam a ser a ajuda semanal mais confiável. Antonelli, a assistente social, carregou dois engradados de água levemente gasosa por dois lances de escada para Francesca Azzarita, uma senhora de 91 anos que mora sozinha sem nada para se refrescar a não ser um pedaço de papelão para usar como ventilador.

“Carlotta, quando você não vem, me sinto perdida”, disse Azzarita com um forte sotaque napolitano que ela não perdeu, apesar de viver em Roma há quase 50 anos.

Dona Azzarita, uma garotinha quando estourou a 2ª Guerra Mundial, nunca aprendeu a ler e escrever e trabalhou toda a sua vida, primeiro no campo ao redor de Nápoles e depois como faxineira em Roma, para onde se mudou depois de se separar do marido.

Agora sua manhã começa com café e um analgésico para suas pernas doloridas. Ela costuma cozinhar sozinha, mas hoje em dia não liga o fogão porque está muito quente e raramente sai de casa, principalmente depois que caiu na calçada na semana passada.

“As temperaturas mudaram desde que eu era uma menina”, disse ela. “Não preciso ver TV para saber que a chuva era normal e o sol era normal, e agora não é”. Ela então olhou para Antonelli, ainda ofegante da escada. “Como eu faria sem a ajuda dela?” ela disse.

ROMA, THE NEW YORK TIMES - Enquanto uma brisa leve e quente soprava em sua sala de estar e seus cabelos grisalhos, Donata Grillo, uma sobrevivente do câncer de 75 anos com marca-passo e sérios problemas de visão, sentou-se ao lado de sua varanda com uma esponja úmida no colo.

Era tudo o que ela tinha para se refrescar esta semana, quando as temperaturas chegaram a quase 41ºC em Roma, na Itália, sua terra natal. Ela não tem ar-condicionado ou ventilador, nem mesmo uma geladeira funcionando, em seu apartamento de dois quartos em um conjunto habitacional na periferia da cidade, próximo a um hospital e uma rodovia.

“É a sensação de esticar uma massa o dia todo”, disse Grillo, girando as mãos para imitar o derramamento de água fervente de uma panela.

Donata Grillo, 75, se refrescando com uma esponja úmida em Roma, onde mora sozinha sem ar-condicionado Foto: Alessandro Penso/NYT

A visita de uma assistente social foi praticamente o único contato que ela teve em dias, já que o calor a deixou presa em casa. “Não vá a lugar nenhum; é muito quente e perigoso para você”, disse Carlotta Antonelli, 28, que trabalha para a instituição de caridade católica romana Caritas, durante suas rondas na quarta-feira.

As sucessivas ondas de calor que atingiram a Itália e o resto do sul da Europa na semana passada forçaram aqueles que podem pagar a buscar abrigo em casas e escritórios com ar-condicionado ou em retiros à beira-mar. Mas para muitos idosos, o calor se tornou a nova covid.

As temperaturas escaldantes se instalaram no continente como outra praga indiscriminada, reforçando o isolamento de muitos idosos e as ameaças à sua saúde, além de pressionar governos e serviços sociais a tomarem medidas extraordinárias para tentar protegê-los.

“Hoje em dia, eles estão ainda mais sozinhos”, disse Antonelli, enquanto dirigia seu carro por duas grandes áreas suburbanas de baixa renda onde sua instituição de caridade atende rotineiramente dezenas de moradores.

Ela visita Grillo uma vez por semana para ajudá-la nas tarefas diárias e auxiliá-la em consultas médicas e problemas legais.

À medida que as temperaturas aumentam, a ameaça aos idosos da Europa se generaliza, com países do sul do continente se unindo a outros ao norte, como a Bélgica, para implementar planos de contenção ao aquecimento, muitos destinados a proteger as populações mais velhas.

Para a Itália, o calor extremo trouxe à tona a tendência demográfica mais urgente do país — o envelhecimento da população —, revelando uma crise especialmente aguda. Cerca de 24% dos italianos têm mais de 65 anos, o que faz do país o mais velho da Europa, e mais de 4 milhões deles vivem sozinhos.

Turistas sentam-se à sombra na Piazza Navona, em Roma, quando as temperaturas atingiram cerca de 41ºC Foto: Alessandro Penso/NYT

No ano passado, a Itália foi exposta a temperaturas extremas por mais tempo do que a maioria dos outros países europeus, suportando três grandes ondas de calor.

Quase 30% das 61 mil pessoas que morreram no verão passado devido ao calor extremo na Europa eram italianos, com a idade desempenhando um fator significativo. O número de italianos com mais de 80 anos é agora de cerca de 4,5 milhões, quase o dobro do número de 20 anos atrás.

“As pessoas mais velhas com doenças preexistentes são mais vulneráveis”, disse Andrea Ungar, presidente da Sociedade Italiana de Gerontologia e Geriatria, em entrevista por telefone. “Mas a pobreza e o isolamento também desempenham um papel crucial.”

O verão mais quente já registrado na Europa, em 2003, deixou mais de 70 mil mortos, segundo algumas estimativas, e desde então a Itália só envelheceu. O país tem lutado para se adaptar.

“Já era quente na Itália antes de 2003, e já tínhamos uma grande população de idosos, mas não como hoje em dia”, disse Francesca De Donato, pesquisadora de saúde pública cujo departamento reúne dados meteorológicos e demográficos de todo o país para emitir boletins diários de alertas de saúde relacionados ao calor, personalizados por cidade. “A cota de pessoas em risco tem crescido constantemente aqui.”

Depois de 2003, a Itália se tornou um dos primeiros países da Europa a implementar um plano nacional para mitigar o impacto do calor extremo, com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante visita à Grillo. “Não vá a lugar nenhum, é muito quente e perigoso para você”, disse Foto: Alessandro Penso/NYT

As medidas incluem um sistema de alerta para que as pessoas modifiquem seu comportamento para proteger sua saúde. As autoridades recentemente pediram aos hospitais e médicos de clínica geral que prestem atenção especial às pessoas mais vulneráveis e criaram um número de telefone gratuito onde é possível procurar aconselhamento ou ajuda para problemas relacionados ao calor.

Dias como quarta-feira, quando a onda de calor atingiu o pico, estão marcados em vermelho no boletim diário que o Ministério da Saúde da Itália emite para alertar os moradores. Os canais de televisão transmitem periodicamente as orientações do Ministério, aconselhando as pessoas a permanecerem em casa nas horas de maior calor; usar roupas leves e protetor solar; beber muita água, comer frutas frescas e evitar café e bebidas alcoólicas; e ser particularmente cuidadoso ao sair.

A França, que foi amplamente poupada das ondas de calor neste verão, tem um imposto de calor para financiar programas para proteger suas pessoas mais vulneráveis, incluindo check-ins regulares por telefone ou visitas pessoais durante as ondas de calor. O país também possui um sistema de alerta de calor, ou “plan canicule”, que sucessivos governos ativaram todos os verões desde 2003.

O verão mais quente já registrado matou 15.000 na França, a maioria idosos, vivendo sozinhos em apartamentos na cidade ou lares de idosos sem ar-condicionado. No verão passado, quando sucessivas ondas de calor atingiram o país, mais de 2.800 franceses morreram, cerca de 80% com mais de 75 anos, segundo a autoridade de saúde pública francesa.

À medida que o aumento das temperaturas avança para o norte dos países menos acostumados a elas, a Bélgica criou um plano de calor de três etapas, baseado no monitoramento regular da temperatura e dos níveis de ozônio.

Turistas se refrescando perto do Coliseu, em Roma  Foto: Alessandro Penso/NYT

Em Bruxelas, os idosos e as pessoas que se sentem isoladas ou vulneráveis podem se registrar por telefone com as autoridades municipais, que os verificarão regularmente assim que as temperaturas subirem acima de 38ºC.

Os assistentes sociais distribuem bebidas não-alcoólicas e verificam as condições de vida. Ainda assim, a taxa de excesso de mortalidade da Bélgica subiu para 5,7% durante os meses mais quentes do verão passado, a mais alta em 20 anos.

Na Grécia, os sítios arqueológicos do país estarão fechados entre o meio-dia e as 17h30, quando as temperaturas devem chegar a 35 graus em Atenas. O Ministério da Proteção Civil disse que todos os serviços do governo estão “em estado de maior prontidão para lidar com as consequências das altas temperaturas”.

Lá, como em outros lugares, o conselho das autoridades se resume a um simples imperativo: fique em casa. Isso colocou um ônus especial sobre governos e assistentes sociais para garantir que o próprio isolamento não se torne um perigo.

Em Roma, uma equipe de profissionais de saúde regionais verifica por telefone as pessoas mais vulneráveis, principalmente idosos e enfermos, nos dias marcados em laranja ou vermelho para o calor mais intenso.

Embora as dificuldades e o isolamento dos mais vulneráveis ecoem de várias maneiras a luta contra a covid, a pandemia também deixou algumas boas práticas em vigor, incluindo visitas e tratamento de pessoas em suas casas, disseram autoridades de saúde.

Uma lei de 2022, aprovada pelo governo do ex-primeiro-ministro Mario Draghi, pressionou por uma melhor coordenação entre os serviços de saúde e a telemedicina. As autoridades de saúde italianas estão trabalhando para ter uma plataforma digital com informações atualizadas do paciente que podem ser acessadas por enfermeiras, médicos, serviços de emergência e hospitais.

Carlotta Antonelli, assistente social, durante uma visita a Francesca Azzarita em Roma, em 19 de julho de 2023. “As temperaturas mudaram desde que eu era menina”, disse Azzarita Foto: Alessandro Penso/NYT

“A covid mudou a mentalidade de alguns serviços e isso ajudou muito”, disse Andrea Barbara, uma autoridade de saúde pública que supervisiona os serviços para cerca de um milhão de residentes em Roma. “Fazemos mais telemedicina, estamos movendo cada vez mais equipamentos – e não os pacientes – mas leva tempo”.

Mesmo para quem não precisa de ajuda médica, a assistência continua a ser crucial e, para muitas pessoas vulneráveis, associações como a Caritas continuam a ser a ajuda semanal mais confiável. Antonelli, a assistente social, carregou dois engradados de água levemente gasosa por dois lances de escada para Francesca Azzarita, uma senhora de 91 anos que mora sozinha sem nada para se refrescar a não ser um pedaço de papelão para usar como ventilador.

“Carlotta, quando você não vem, me sinto perdida”, disse Azzarita com um forte sotaque napolitano que ela não perdeu, apesar de viver em Roma há quase 50 anos.

Dona Azzarita, uma garotinha quando estourou a 2ª Guerra Mundial, nunca aprendeu a ler e escrever e trabalhou toda a sua vida, primeiro no campo ao redor de Nápoles e depois como faxineira em Roma, para onde se mudou depois de se separar do marido.

Agora sua manhã começa com café e um analgésico para suas pernas doloridas. Ela costuma cozinhar sozinha, mas hoje em dia não liga o fogão porque está muito quente e raramente sai de casa, principalmente depois que caiu na calçada na semana passada.

“As temperaturas mudaram desde que eu era uma menina”, disse ela. “Não preciso ver TV para saber que a chuva era normal e o sol era normal, e agora não é”. Ela então olhou para Antonelli, ainda ofegante da escada. “Como eu faria sem a ajuda dela?” ela disse.

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