WASHINGTON - Os democratas se preparam para aprovar uma legislação na Câmara dos Deputados nesta semana que criará um caminho para milhões de imigrantes que vivem nos Estados Unidos ilegalmente alcançarem a cidadania. Será a primeira vez que a agenda de imigração do presidente Joe Biden será posta à prova, justamente no momento em que um grande influxo de migrantes cria um novo desafio na fronteira.
Enfrentando divisões internas e pressão republicana crescente, os democratas pretendem seguir uma abordagem nitidamente restrita por enquanto. Em lugar de discutir a reforma da imigração pretendida por Biden, que prevê legalizar a maioria dos 11 milhões de imigrantes não autorizados que vivem no país, a Câmara vai começar por duas medidas que cobrem grupos vistos como os que suscitam a maior simpatia da população: pessoas trazidas ao país na infância, conhecidas como “dreamers”, migrantes que receberam status de proteção temporária por razões humanitárias e trabalhadores agrícolas.
Mas, com milhares de outros migrantes aparecendo diariamente na fronteira, muitos deles crianças desacompanhadas, mesmo essas medidas mais modestas enfrentam dificuldade crescente para ser aprovadas.
Os democratas reconhecem que não têm apoio republicano suficiente para aprová-las no Senado, e lideranças republicanas, ansiosas por converter as dificuldades dos democratas em desvantagem política, estão utilizando os problemas crescentes para fomentar medo e oposição a quaisquer mudanças, exceto as mais punitivas.
“Para que vamos querer legalizar qualquer (migrante), transmitindo mais um incentivo para que continuem a vir para cá, enquanto não sustentarmos o fluxo?”, perguntou o senador Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul e líder de esforços bipartidários passados sobre imigração. “Não entendo a lógica política disso. Está tudo muito fora de controle.”
Líderes democratas esperavam que, aprovando duas das soluções mais bem-vistas ao sistema imigratório maior, pudessem romper o bloqueio que frustrou as tentativas dos últimos três presidentes de mediar uma reforma abrangente ou mesmo efetuar mudanças modestas.
Agora o otimismo deles em relação a essa abordagem está perdendo força, e progressistas e moderados continuam a divergir em relação ao abrangente projeto de lei de cidadania proposto por Biden.
“A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, descobriu que não conta com apoio na Câmara para o projeto de lei amplo, e acho que isso indica como está a opinião do Senado também”, disse o senador Richard Durban (Illinois), o democrata número dois do Senado e presidente da Comissão de Justiça. “Eu queria que pudéssemos mover apenas uma peça de cada vez, mas acho que isso não será possível.”
Pressentindo uma oportunidade política, os republicanos vêm agindo com presteza nos últimos dias para reiterar alguns dos ataques mais incisivos do governo Trump com basena situação deteriorante na fronteira, onde milhares de crianças e adolescentes desacompanhados estão sob custódia dos EUA.
Na segunda-feira, 15, o deputado Kevin McCarthy, líder da bancada republicana na Câmara, levou colegas à fronteira perto de El Paso, no Texas, para testemunhar em primeira mão o que descreveu como “a crise na fronteira alimentada por Biden”.
O senador Tom Cotton, do Arkansas, elucidou a estratégia durante um almoço no Clube do Capitólio, em Washington, na semana passada, dizendo reservadamente a senadores republicanos que a política imigratória “tóxica” dos democratas vai lhes custar suas maiorias na Câmara e no Senado.
O aumento grande na imigração é alimentado em parte por desastres naturais e pelas consequências da pandemia para a economia da América Central, além da violência e pobreza na região.
Mas é também fruto da visão de alguns migrantes de que Biden estaria desfazendo algumas das políticas imigratórias mais draconianas do ex-presidente Donald Trump e adotando uma abordagem mais humanitária.
Alejandro Mayorkas, o secretário de Segurança Interna, disse neste mês que a mensagem do governo não é “não venham”, mas “não venham agora”. Altos representantes da administração dizem que Biden pretende restaurar o processo de asilo na fronteira, mas que desfazer as políticas da administração Trump levará algum tempo.
Biden começou a receber gradualmente um número limitado de candidatos a asilo que, sob uma política da era Trump, foram obrigados a aguardar no México por meses.
Porém, ele manteve uma regra ampla promulgada pelo ex-presidente relativa à emergência da pandemia que concede a agentes da fronteira o poder de rejeitar migrantes rapidamente e enviá-los de volta a seus países de origem sem lhes dar a chance de solicitar asilo. É uma política que ambas as administrações disseram ser necessária para prevenir a propagação do coronavírus nos locais de detenção de migrantes.
A administração Trump não aplica a regra da pandemia a menores desacompanhados na fronteira. O governo americano é legalmente obrigado a cuidar deles até que consiga encontrar responsáveis adequados que os recebam quando forem libertados.
Mas os abrigos em que esses menores devem ser alojados —administrados pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos— até recentemente tinham capacidade limitada, devido à pandemia. Por isso, muitos dos jovens migrantes têm permanecido em prisões administradas pela Patrulha da Fronteira, disseram funcionários da administração.
A situação alimenta entre ativistas o medo de que a vontade política de efetuar mudanças necessárias há muito tempo no sistema imigratório possa se dissipar justamente quando os democratas estão em posição de realizá-las, estando no controle do Congresso e da Casa Branca.
Todd Schulte, presidente da FWD.us, organização pró-direitos dos imigrantes, disse que a alegação republicana de que Biden perdeu controle da fronteira é um “argumento apresentado com má-fé” com o objetivo de mobilizar seus partidários contra a adoção de uma legislação imigratória.
Quer o número de migrantes atravessando a fronteira venha subindo ou caindo, disse Schulte, “a resposta sempre é ‘precisamos de menos imigrantes, não podemos de jeito nenhum falar de um caminho para a cidadania’”.
“É uma questão política na qual os republicanos vêm perdendo, mas eles vão continuar a apresentar esse argumento”, ele acrescentou. “Cabe aos democratas decidirem. O Partido Republicano não pode impedir os democratas de aprovarem a lei.”
A Casa Branca compartilha essa frustração. “Temos críticos de sobra, mas muitos deles não propõem muitas soluções”, disse na segunda-feira, 15, a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki.