PARIS - A disputa para o segundo turno das eleições na França já começou com o presidente Emmanuel Macron angariando o apoio de seus rivais contra a candidata de extrema direita, Marine Le Pen. Os candidatos mais à esquerda, como Fabien Roussel, Anne Hidalgo, Yannick Jadot e – criticamente – Jean-Luc Mélenchon, pediram votos para o presidente, mas a vitória ainda parece longe de ser garantida.
Em uma eleição que relembra o segundo turno de 2017, quando a disputa também se resumiu a evitar a ascensão da extrema direita e Macron venceu com mais de 30 pontos porcentuais de diferença, o atual presidente desta vez não deve encontrar um cenário tão confortável. Ele terá agora de reconquistar a esquerda que se vê decepcionada com seu primeiro governo, bem como superar a alta abstenção do primeiro turno.
Quando os resultados das pesquisas de boca de urna começaram a desenhar uma vitória apertada de Macron - com 27,85% dos votos contra 23,15% de Le Pen - os candidatos derrotados já iniciaram um posicionamento contra a extrema direita. A esquerda foi a primeira a puxar os votos pró-Macron pela Frente Republicana, mas não sem antes fazer críticas ao governo.
A candidata socialista Anne Hidalgo, atual prefeita de Paris, foi a primeira a declarar apoio ao atual presidente: “Peço-lhe com seriedade que vote contra a extrema direita de Marine Le Pen usando o voto em Emmanuel Macron”, declarou. O ecologista Yannick Jadot também foi direto ao pedir “o bloqueio da extrema direita depositando uma cédula de Emmanuel Macron na urna”.
“Votarei com consciência em Emmanuel Macron para impedir a chegada ao poder de Marine Le Pen e o caos que disso resultaria”, declarou a republicana Valérie Pécresse, sendo mais enfática que seu próprio partido, que optou por rechaçar Le Pen sem declarar voto aberto em Macron.
“Nenhuma voz pode ser lançada sobre Marine Le Pen” disse o presidente do partido Republicanos, Christian Jacob, durante uma entrevista coletiva realizada após a votação, deixando claro que o apoio a Macron não é uma unanimidade dentro do partido. “Nossa família política é diversa: alguns vão votar em branco, outros vão votar em Macron, esse será o meu caso”, disse.
Um candidato importante que optou por adotar a mesma estratégia dos Republicanos foi o terceiro colocado, Jean-Luc Mélenchon, do partido França Insubmissa, que obteve 22% dos votos. “Não devemos dar um único voto à Le Pen”, afirmou sem citar diretamente Macron.
A posição do candidato era muito aguardada, já que seus votos devem ser os mais disputados neste segundo turno. Apesar da derrota na batalha pelo Eliseu, Mélenchon disse se sentir vitorioso ao se afirmar como único partido de esquerda com força no país.
Embora Macron pareça ter um potencial maior de angariar eleitores do que Le Pen, ainda é altamente incerto quantas pessoas irão de fato migrar o voto para o atual presidente em 24 de abril.
Sua maior dificuldade será justamente com os eleitores de Mélenchon, que incluem aqueles da esquerda que ficaram desapontados com a guinada à direita do presidente em segurança nacional e seu histórico em políticas climáticas. As pesquisas sugerem que cerca de um terço dos apoiadores de Mélenchon pode votar em Le Pen no segundo turno.
Segundo a pesquisa do Instituto Ifop publicada na noite de domingo, 44% dos eleitores de Mélenchon devem se abster de votar, enquanto os votos válidos se dividirão com 33% indo para Macron e 23% para Le Pen.
“Os eleitores de esquerda realmente têm a chave para esta eleição em suas mãos – eles são os mandantes”, disse Vincent Martigny, cientista político da Universidade de Nice em entrevista ao Washington Post.
O mesmo tende a acontecer com os votos da republicana Valérie Pécresse, que sinalizam se dividir entre Macron e Le Pen segundo as pesquisas, apesar do apoio explícito da candidata ao primeiro.
Para Le Pen, até agora, está garantido os votos do também candidato de extrema direita Éric Zemmour, que obteve 7%. Tampouco será uma disputa fácil para a candidata do Reagrupamento Nacional, que terá de decidir se será fiel ao eleitorado extremado e correr o risco de perder os valiosos votos de Mélenchon ou o oposto, precisando amenizar seu discurso e arriscando decepcionar a sua base.
A mesma sondagem do Instituto Ifop mostra uma disputa apertada, com Macron à frente com 51% dos votos, e Le Pen encostada com 49%. Projeções da revista The Economist sugerem um resultado final de 52% para Macron e 48% para Le Pen. O próprio Macron reconhece que o resultado de 24 de abril é “incerto”.
Macron tenta conquistar reduto de Le Pen
Após uma campanha com pouco fôlego no primeiro turno, Macron começou os trabalhos nesta segunda-feira, 11, visando os redutos que votaram em Marine Le Pen. Ele viajou à cidade de Denain, uma das regiões mais pobres do norte da França, onde 42% dos eleitores apoiaram Le Pen e apenas 15% escolheram Macron.
“Aqui eu fiquei em terceiro (no primeiro turno) e vim ao encontro de nossos compatriotas para escutar, para convencer”, disse Macron.
Mas a estratégia é arriscada. Ao viajar para áreas que são redutos da direita, Macron corre o risco de alienar ainda mais os eleitores da esquerda. Contudo, os tópicos que dominaram sua viagem – o impacto da desindustrialização e da alta pobreza – foram centrais tanto para Le Pen quanto para Mélenchon. Este último recebeu 19% votos em Hauts-de-France, onde está localizado Denain.
Buscando agradar a esquerda, Macron amenizou suas posições a temas que costumam ser menos populares, como aumento da idade mínima para aposentadoria e a agressividade com os franceses que optaram por não se vacinar.
Em entrevista na televisão nesta segunda, o presidente se disse “pronto para discutir o ritmo e os limites” da reforma da previdência. Respondendo a um eleitor que o acusou de ter tratado pessoas não vacinadas como “subcidadãos”, ele defendeu os comentários anteriores, alegando: “Eu disse isso de maneira afetuosa”.
Mas Le Pen parece também disposta a suavizar certos discursos a fim de conquistar um eleitorado menos propenso à extrema direita. A candidata viajou para Yonne, ao norte da Borgonha, para conversar com agricultores sobre inflação e altos custos de insumos como combustível e fertilizantes.
Lá, ela criticou a frente republicana que está se formando e garantiu que sair da União Europeia não é o seu objetivo. “Não vou deixar a União Europeia, esse não é o meu objetivo”, respondeu a jornalistas. “Quero mudar a estrutura”. No entanto, ela repetiu o desejo de priorizar temas como poder de compra, imigração e segurança, que movem a sua base. Ela atribuiu a Macron a culpa por “todas as crises dos últimos cinco anos”.
Muito diferente de 2017
Apesar dos mesmo candidatos, a disputa deste ano promete ser bem diferente da de 2017, afirmou o cientista político Brice Teinturier, à agência AFP. Segundo ele, o atual presidente “não é mais o novo candidato que encarna uma forma de frescor” como em 2017, e sua rival não gera mais tanta rejeição, depois de trabalhar sua imagem e estar “mais em contato com os franceses”.
E o país também não é o mesmo. O mandato de cinco anos de Macron foi marcado por grandes protestos sociais contra sua política para as classes populares, uma pandemia que deixou milhões de pessoas confinadas e, nas últimas semanas, pelos efeitos da guerra na Ucrânia.
A ofensiva russa na Ucrânia ofuscou a campanha do primeiro turno, mas suas consequências nos preços da energia provocaram a alta da inflação e reforçaram a principal preocupação dos franceses: a perda de poder aquisitivo.
Reforçado por sua imagem de presidente estável em períodos de crise, o candidato do partido A República em Marcha, tenta posicionar o debate no impacto que a chegada de Le Pen ao poder teria para as alianças internacionais.
Le Pen propõe abandonar o comando integrado da Otan, que estabelece a estratégia militar da aliança militar, e sua vitória representaria outro duro revés para a União Europeia após a reeleição do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, na semana passada.
Macron, no momento em que o país exerce a presidência semestral do bloco, rejeitou uma “eventual França que fora da Europa só teria como aliados a internacional dos populistas e xenófobos”.
O liberal deseja retomar a imagem de radical que a candidata de extrema direita apagou durante a campanha do primeiro turno, quando deixou de lado as propostas sobre migração e se apresentou como defensora do poder aquisitivo e das classes populares.
“O que estará em jogo em 24 de abril será uma escolha de sociedade e de civilização”, declarou no domingo Le Pen. Ao destacar a impopular reforma previdenciária e a recente polêmica sobre a contratação de consultorias privadas pelo governo, o partido de Le Pen também busca convencer eleitores no campo da esquerda./AFP e W.POST