SAN LUIS DE PUÑA, Peru — Em um mercado de gado no alto dos Andes, no norte do Peru, Estaurofila Cieza lembrou-se da alegria que tomou a região quando um colega “campesino”, um agricultor pobre, foi eleito presidente no ano passado. “Todos celebraram, sem nenhuma exceção”, afirmou Cieza. “Pensamos: ‘Finalmente alguém que sabe como é trabalhar a terra’.” A realidade, hoje com Pedro Castillo preso e deposto é que sua base de apoio está mais empobrecida e o país, com as instituições mais fragilizadas.
No ano passado, Castillo tornou-se o primeiro presidente da esquerda radical no Peru em mais de uma geração, após fazer campanha prometendo diminuir a pobreza que acomete os peruanos rurais desproporcionalmente há tanto, que piorou durante a pandemia de covid-19.
Mas hoje o Castillo está deposto. E, ao mesmo tempo, o Peru se vê diante de dificuldades econômicas que castigam especialmente a base rural de Castillo.
Em menos de um ano e meio na função, Castillo nomeou três gabinetes de governo e encarou seis investigações criminais. Procuradores acusam Castillo de liderar uma organização criminosa para obter lucro sobre contratos do governo e de obstruir a Justiça, acusações que o presidente nega.
A jovem democracia peruana já foi assolada por anos de escândalos de corrupção nos altos níveis do governo, que resultaram em seis presidentes desde 2016. O mandato de Castillo apenas aprofundou a sensação de que o sistema político do país está falido.
Ao mesmo tempo, as perturbações globais nas cadeias de suprimento causadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia impulsionaram a inflação do país para os mais altos índices em décadas. Isso elevou os riscos da disfuncionalidade política em um país em que um quarto da população de 33 milhões vive na pobreza.
As Nações Unidas alertaram no mês passado que o Peru possui o maior índice de insegurança alimentar na América do Sul, com metade da população sem acesso regular a nutrição suficiente.
Um outsider estranho
Ao contrário de outros líderes que conformam a inclinação à esquerda que irrompe em toda a América Latina, Castillo nunca foi amplamente popular entre muitos eleitores.
Um entre nove filhos de uma família de agricultores pobres, em uma região que não possui sistemas de esgoto e distante de hospitais bem equipados e escolas, Castillo criava gado para complementar sua renda como professor antes de se candidatar à presidência.
“Tivemos vários outsiders no Peru, mas nenhum tão distante dos centros do poder”, afirmou o analista político peruano Mauricio Zavaleta.
Durante sua campanha, Castillo elevou as expectativas nas regiões rurais do Peru falando de mudanças estruturais e prometendo substituir a Constituição do país, nacionalizar a extração de recursos naturais e duplicar o investimento em educação.
Ele conquistou uma liderança surpreendente no primeiro turno das eleições, entre 20 candidatos, com 19% dos votos, cortejando eleitores desencantados com o establishment político. No segundo turno, sua vitória foi apertada sobre Keiko Fujimori, figura polarizadora na política peruana e filha do ex-presidente autoritário Alberto Fujimori, que está preso por violações de direitos humanos e corrupção.
Desilusão entre os mais pobres
Mas hoje muitos apoiadores rurais de Castillo enfrentam dificuldades para conseguir adquirir itens e serviços básicos — e estão cada vez mais desiludidos com seu desempenho.
Cajamarca, uma região principalmente rural, 560 quilômetros ao norte de Lima, onde Castillo nasceu e construiu sua carreira, é há muito tempo uma das áreas mais pobres do país.
Em comunidades que se localizam entre a capital regional e o pequeno vilarejo em que Castillo nasceu, San Luis de Puña, apoiadores do presidente, como Cieza, afirmaram esperar mais dele. “Ele disse que ia mudar o pais”, afirmou ela. “Ele nos enganou.”
Desde que assumiu a presidência, Castillo introduziu uma era de controvérsias notórias por sua frequência e falta de tato, ao mesmo tempo que fracassou em avançar com suas muitas promessas de campanha.
Ele se debateu entre mais de 80 ministros e ocupou muitos postos com figuras sem experiência relevante. Seu governo não conseguiu comprar fertilizantes para a maior temporada agrícola do ano, após três propostas de empresas privadas terem sido anuladas em razão de negligência e corrupção. Seu governo também teve dificuldades com ajudas em dinheiro e subsídios para peruanos pobres.
Alta de combustíveis e alimentos
Caminhoneiros e agricultores têm realizado protestos em áreas rurais nas semanas recentes contra os preços dos combustíveis, dos alimentos e dos fertilizantes.
Em Cajamarca, agricultores afirmam que plantaram este ano metade das batatas que plantaram no ano passado, depois que os preços dos fertilizantes sintéticos amplamente utilizados quase triplicarem após o início da guerra na Ucrânia. Os preços do óleo de cozinha, do arroz e do açúcar dobraram, tornando os alimentos inacessíveis para os peruanos mais pobres. O alto preço dos combustíveis fez aumentar o preço dos produtos nos mercados.
Região do Peru em que o slogan de campanha de Castillo, “basta de pobres em um país rico”, antes produzia aplausos hoje causa risos.
San Luis de Puña, o vilarejo rural em que Castillo nasceu, fica a cinco horas de carro da capital regional, através de uma estrada sem pavimento na maior parte de sua extensão, que serpenteia por montanhas, vales verdejantes, minas de ouro e casas de adobe sem eletricidade nem água encanada.
Agricultores da região reclamam de preços do gado em queda em razão do excesso de oferta, à medida que famílias desesperadas por dinheiro colocam seus animais à venda. Mães não conseguem comprar material escolar para os filhos. “Agora temos que trabalhar mais para comer menos”, afirmou o agricultor Cesar Irigoin, de 67 anos, de Tacabamba, distrito que inclui San Luis de Puña. Castillo “prometeu o contrário”, acrescentou ele.
Ainda assim, há quem defenda o presidente. “Dizem que ele é uma pessoa ruim”, afirmou María Nuñez, de 77 anos, que vive em San Luis de Puña. “Não. Ele era um bom cidadão aqui na comunidade.” Ela colocou a culpa das dificuldades que Castillo enfrenta na elite poderosa. “Infelizmente, não estão deixando ele trabalhar, como deveriam”, acrescentou ela.
Pobreza e desalento
“Odeiam ele de verdade porque ele é de Tacabamba”, afirmou a agricultora Alicia Delgado, de 68 anos, que vive no distrito em que Castillo nasceu, notando que as raízes rurais do presidente, em um país no qual habitantes de regiões rurais são alvo de discriminação há séculos.
Apesar da popularidade de Castillo ter baixado para 19% em Lima, nas regiões rurais o índice ainda permanece em 45%, apenas 4 pontos porcentuais menor do que um ano atrás, de acordo com pesquisas publicadas no mês passado pelo Instituto de Estudos Peruanos.
“O país está dividido”, afirmou o agricultor e carpinteiro Segundo Huanombal, de 50 anos, em San Luis de Puña. “Você sabe por quê? Porque as pessoas pobres são menosprezadas.” Ele acrescentou que muitos ricos em Lima “nos olham com desprezo, porque sempre nos locomovemos a pé e nos sujamos nos campos”.
Mas existe uma sensação clara de desalento na região que já foi reduto de Castillo.
Em uma noite de novembro, o agricultor Heriberto Quintana, da Província de Chota, saiu em uma patrulha com outros membros das “rondas campesinas”, que são compostas de agricultores e agem como uma força de policiamento local.
Quintana afirmou que Castillo, integrante das patrulhas na juventude, usou sua identidade como campesino para conseguir apoio sem ajudar verdadeiramente a população rural. “Ele realmente prometeu uma coisa e está fazendo outra”, afirmou Quintana. “Machuca mais quando quem faz isso é alguém que você conhece.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO